quarta-feira, 2 de abril de 2008

Augusto dos Anjos (1884 - 1914)

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, Paraíba, 20 de abril de 1884 - Leopoldina, Minas Gerais, 12 de novembro de 1914) foi um poeta paraibano, identificado muitas vezes como simbolista ou parnasiano, mas muitos críticos, como o poeta Ferreira Gullar, concordam em situá-lo como pré-moderno. É conhecido como um dos poetas mais estranhamente crítico do seu tempo, e até hoje sua obra é admirada (ou detestada) tanto por leigos como por críticos literários.

Auto-epítetos
Poeta da morte
Poeta do hediondo
Poeta da Anti-Hipocrisia

Biografia
Augusto dos Anjos nasceu no engenho Pau d'Arco, município de Cruz do Espírito Santo (Paraíba). Foi educado nas primeira letras pelo pai e estudou no Liceu Paraibano, onde viria a ser professor em 1908. Precoce poeta brasileiro, compôs os primeiros versos aos 7 anos de idade.

Em 1903, ingressou no curso de Direito na Faculdade de Direito do Recife, bacharelando-se em 1907. Em 1910 , casa-se com Ester Filiado. Segundo Ferreira Gullar, entrou em contato com leituras que iriam influenciar na construção de sua dialética poética à sua visão de mundo. Com a obra de Herbert Spencer, teria aprendido a incapacidade de se conhecer a essência das coisas e compreendido a evolução da natureza e da humanidade. De Ernst Haeckel, teria absorvido o conceito da monera como princípio da vida, e de que a morte e a vida são um puro fato químico. Arthur Schopenhauer o teria inspirado a perceber que o aniquilamento da vontade própria seria a única saída para o ser humano. E da Bíblia Sagrada que também não contestava a essência espiritualistica, usando-a para contra-por, de forma poeticamente agressiva, os pensamentos remanescentes de sua época e, principalmente, os ideais iluministas/materialistas que, endeusando-se, levantavam-se na sua época. Essa filosofia, fora do contexto europeu em que nascera, para Augusto dos Anjos seria a demonstração da realidade que via ao seu redor, com a crise de um modo de produção pré-capitalista, proprietários falindo e ex-escravos na miséria. O mundo seria representado por ele, então, como repleto dessa tragédia, cada ser vivenciando-a no nascimento e na morte.

Dedicou-se ao magistério, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde foi professor em vários estabelecimentos de ensino. Faleceu em 30 de outubro de 1914, às 4 horas da madrugada, aos 29 anos, em Leopoldina, Minas Gerais, onde era diretor de um grupo escolar. A causa de sua morte foi a pneumonia.

Durante sua vida, publicou vários poemas em periódicos, o primeiro, Saudade, em 1900. Em 1912, publicou seu livro único de poemas, Eu. Após sua morte, seu amigo Órris Soares organizaria uma edição chamada Eu e Outras Poesias, incluindo poemas até então não publicados pelo autor.

Curiosidades biográficas

Um personagem constante em seus poemas é um pé de tamarindo que ainda hoje existe no Engenho Pau d'Arco.

Seu amigo Órris Soares conta que Augusto dos Anjos costumava compor "de cabeça", enquanto gesticulava e pronunciava os versos de forma excêntrica, e só depois transcrevia o poema para o papel.

De acordo com Eudes Barros, quando morava no Rio de Janeiro com a irmã, Augusto dos Anjos costumava compor no quintal da casa, em voz alta, o que fazia sua irmã pensar que era doido.

Embora tenha morrido de pneumonia, tornou-se conhecida a história de que Augusto dos Anjos morreu de tuberculose, talvez porque esta doença seja bastante mencionada em seus poemas.

Obra poética

A poesia brasileira estava dominada por simbolismo e parnasianismo, dos quais o poeta paraibano herdou algumas características formais, mas não de conteúdo. A incapacidade do homem de expressar sua essência através da “língua paralítica” (Anjos, p. 204) e a tentativa de usar o verso para expressar da forma mais crua a realidade seriam sua apropriação do trabalho exaustivo com o verso feito pelo poeta parnasiano. A erudição usada apenas para repetir o modelo formal clássico é rompida por Augusto dos Anjos, que se preocupa em utilizar a forma clássica com um conteúdo que a subverte, através de uma tensão que repudia e é atraída pela ciência.

A obra de Augusto dos Anjos pode ser dividida, não com rigor, em três fases, a primeira sendo muito influenciada pelo simbolismo e sem a originalidade que marcaria as posteriores. A essa fase pertencem Saudade e Versos Íntimos. A segunda possui o caráter de sua visão de mundo peculiar. Um exemplo dessa fase é o famigerado soneto Psicologia de um Vencido. A última corresponde a sua produção mais complexa e madura, que inclui Ao Luar.

Sua poesia chocou a muitos, principalmente aos poetas parnasianos, mas hoje é um dos poetas brasileiros que mais foram reeditados. Sua popularidade se deveu principalmente ao sucesso entre as camadas populares brasileiras e à divulgação feita pelos modernistas.
Hoje em dia diversas editoras brasileiras publicam edições de Eu e Outros Poemas.

Crítica literária

Sua linguagem orgânica, muitas vezes cientificista e agressivamente crua, mas sempre com ritmados jogos de palavras, idéias, e rimas geniais, causava repulsa na crítica e no grande público da época. Eu somente apresentou grande vendagem anos após a sua morte.

Muitas divergências há entre os críticos de Augusto dos Anjos quanto à apreciação de sua obra e suas posições são geralmente extremas. De qualquer forma, seja por ácidas críticas destrutivas, seja através de entusiasmos exaltados de sua obra poética, Augusto dos Anjos está longe de passar despercebido.

Abordagem biográfica

O aspecto melancólico da sua poesia, que a marca profundamente, é interpretado de diversas maneiras. Uma vertente de críticos, na qual se inclui Ferreira Gullar, fundamenta a melancolia da obra na biografia do homem Augusto dos Anjos. Para Gullar, as condições de nossa cultura dependente dificultam uma expressão literária como a de Augusto dos Anjos, em que se rompe com a imitação extemporânea da literatura européia. Essa ruptura de Augusto dos Anjos ter-se-ia dado menos por uma crítica à literatura do que por uma visão existencial, fruto de sua experiência pessoal e temperamento, que tentou expressar na forma de poesia. A poesia de Augusto dos Anjos é caracterizada por Gullar como apresentando aspectos da poesia moderna: vocabulário prosaico misturado a termos poéticos e científicos; demonstração dos sentimentos e dos fenômenos não através de signos abstratos, mas de objetos e ações cotidianas; a adjetivação e situações inusitadas, que transmitem uma sensação de perplexidade. Ele compara a miscigenação de vocabulário popular com termos eruditos do poeta ao mesmo uso que faz Graciliano Ramos. Descreve ainda os recursos estilísticos pelos quais Augusto dos Anjos tematiza a morte, que é personagem central de sua poesia, e o compara a João Cabral de Melo Neto, para quem a morte é apresentada de forma crua e natural.

Abordagem psicanalítica

Outros, Como Chico Viana, procuram explicar a melancolia através dos conceitos psicanalíticos. Para Sigmund Freud, a melancolia é um sentimento parecido com o luto, mas se caracteriza pelo desconhecimento do melancólico a respeito do objeto perdido. A origem da melancolia da poesia de Augusto dos Anjos estaria, para alguns críticos, em reflexões de influências politica com os problemas de sua família, e num conflito edipiano de sua infância.

Abordagem bloomiana

Há ainda aqueles que tentam analisar a poesia de Augusto dos Anjos baseada em sua criatividade como artista, de acordo com o conceito da melancolia da criatividade do crítico literário norte-americano Harold Bloom. O artista seria plenamente consciente de sua capacidade como poeta e de seu potencial para realizar uma grande obra, manifestando, assim, o fenômeno da "maldição do tradio". Sua melancolia viria da dificuldade de superar os “mestres” e realizar algo novo. Sandra Erickson publicou um livro sobre a melancolia da criatividade na obra de Augusto dos Anjos, no qual chama especial atenção para a natureza sublime da poética do poeta e sua genial apropriação da tradição ocidental. Segundo a autora, o soneto é a égide do poeta e, munido dele, Augusto dos Anjos consegue se inserir entre os grandes da tradição ocidental.

Unanimidades

De forma geral, no entanto, sua poesia é reconhecidamente original. Para Álvaro Lins e para Carlos Burlamaqui Kopke, sua singularidade está ligada à solidão, que também caracteriza sua angústia. Eudes Barros, em seu livro A Poesia de Augusto dos Anjos: uma Análise de Psicologia e Estilo, nota o uso inusitado dos adjetivos por Augusto dos Anjos, e qualifica seus substantivos como extremamente sinestésicos, criando dimensões desconhecidas para a adjetivação convencional. Manuel Bandeira destaca o uso das sinéreses como forma de representar a impossibilidade da língua, ou da matéria, para expressar os ideais do espírito. Portanto, os recursos estilísticos de Augusto dos Anjos se reconhecem como geniais.

As imagens da obra poética de Augusto dos Anjos se caracterizam pela teatrologia exacerbada, por imagens de dor, horror e morte. O uso da racionalidade, e assim da ciência, seria uma forma de superar a angústia da materialidade e dos sentimentos. Mas a Ciência, que marca fortemente sua poesia, seja como valorizada ou através de termos e conceitos científicos, também lhe traz sofrimento, como nota Kopke. É marcante também a repetição de temas nessa poesia, e um sentimento de solidariedade universal, ligado à desumanização da natureza e até do próprio humano, o que reduziria todos os seres a uma só condição.

Os contrastes peculiarizam seus temas. Idealismo e materialismo, dualismo e monismo, heterogeneidade e homogeneidade, amor e dor, morte e vida, “Tudo convém para o homem ser completo”, como diz o próprio poeta em Contrastes.

Curiosidades da obra literária

Um exemplar do Eu faz parte da Biblioteca da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, por causa dos termos científicos que Augusto dos Anjos utilizava em suas composições.

Academia Paraibana de Letras

É patrono da cadeira número 1 da Academia Paraibana de Letras, que teve como fundador o jurista e ensaísta José Flósculo da Nóbrega e como primeiro ocupante o seu biógrafo Humberto Nóbrega, sendo ocupada, atualmente, por Altimar de Alencar Pimentel.

VERSÕES/ADAPTAÇÕES

1995 - São Paulo SP - Romance A Última Quimera (Companhia das Letras), de Ana Miranda, "parte dos (...) versos e cartas de Augusto [dos Anjos] à sua (...) mãe para recompor a (...) atmosfera de sua obra e o itinerário (...) de sua vida, desde a infância no Engenho do Pau d'Arco até os últimos dias na cidade mineira de Leopoldina."

1999 - São Paulo SP - Audio book "Poesia Falada", 36 poemas de Augusto dos Anjos na voz de Othon Bastos (Editora Luz da Cidade)

2000 - Belo Horizonte MG - Espetáculo solo de teatro "Eu e os Anjos", com Kimura Schetino, direção de José Sette, no auditório do Centro Cultural da UFMG

2001 - São Paulo SP - Espetáculo de dança "Sr. dos Anjos?", de Sandro Borelli, baseado no livro Eu de Augusto dos Anjos, no Teatro do Sesi

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.itaucultural.org.br/

Augusto dos Anjos (O Mar, A Escada e o Homem)

Olha agora, mamífero inferior,
À luz da epicurista ataraxia,
O fracasso de tua geografia
E do teu escafandro esmiuçador!

Ah! Jamais saberás ser superior,
Homem, a mim, conquanto ainda hoje em dia,
Com a ampla hélice auxiliar com que outrora ia
Voando ao vento o vastíssimo vapor.

"Rasgue a água hórrida a nau árdega e singre-me!"
E a verticalidade da Escada íngreme:
"Homem, já transpuseste os meus degraus?!"

E Augusto, o Hércules, o Homem, aos soluços,
Ouvindo a Escada e o Mar, caiu de bruços
No pandemônio aterrador do Caos!

Fonte:
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

Augusto dos Anjos (Monólogo de uma Sombra)

Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras...
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!
A simbiose das coisas me equilibra.
Em minha ignota mônada, ampla, vibra
A alma dos movimentos rotatórios...
E é de mim que decorrem, simultâneas,
A sáude das forças subterrâneas
E a morbidez dos seres ilusórios!
Pairando acima dos mundanos tetos,
Não conheço o acidente da Senectus
— Esta universitária sanguessuga
Que produz, sem dispêndio algum de vírus,
O amarelecimento do papirus
E a miséria anatômica da ruga!
Na existência social, possuo uma arma
— O metafisicismo de Abidarma -
E trago, sem bramánicas tesouras,
Como um dorso de azémola passiva,
A solidariedade subjetiva
De todas as espécies sofredoras.
Como um pouco de saliva quotidiana
Mostro meu nojo á Natureza Humana.
A podridão me serve de Evangelho...
Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
E com certeza meu irmão mais velho!
Tal qual quem para o próprio túmulo olha,
Amarguradamente se me antolha,
À luz do americano plenilúnio,
Na alma crepuscular de minha raça
Como urna vocação para a Desgraça
E um tropismo ancestral para o Infurtúnio.
Aí vem sujo, a coçar chagas plebéias,
Trazendo no deserto das idéias
O desespero endêmico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Filósofo Moderno!
Quis compreender, quebrando estéreis normas,
A vida fenomênica das Formas,
Que, iguais a fogos passageiros, luzem...
E apenas encontrou na idéia gasta,
O horror dessa mecânica nefasta,
A que todas as coisas se reduzem!
E hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes,
Sobre a esteira sarcófaga das pestes
A mostrar, já nos últimos momentos,
Como quem se submete a uma charqueada,
Ao clarão tropical da luz danada,
O espólio dos seus dedos peçonhentos.
Tal a finalidade dos estames!
Mas ele viverá, rotos os liames
Dessa estranguladora lei que aperta
Todos os agregados perecíveis,
Nas eterizações indefiníveis
Da energia intra-atômica liberta!
Será calor, causa ubíqua de gozo,
Raio X, magnetismo misterioso,
Quimiotaxia, ondulação aérea,
Fonte de repulsões e de prazeres,
Sonoridade potencial dos seres,
Estrangulada dentro da matéria!
E o que ele foi: clavículas, abdômen,
O coração, a boca, em síntese, o Homem,
— Engrenagem de vísceras vulgares -
Os dedos carregados de peçonha,
Tudo coube na lógica medonha
Dos apodrecimentos musculares!
A desarrumação dos intestinos
Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos
Dentro daquela massa que o húmus come,
Numa glutoneria hedionda, brincam,
Como as cadelas que as dentuças trincam
No espasmo fisiológico da fome.
E unia trágica festa emocionante!
A bacteriologia inventariante
Toma conta do corpo que apodrece...
E até os membros da família engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cadáver malsão, fazendo um s.
E foi então para isto que esse doudo
Estragou o vibrátil plasma todo,
À guisa de um faquir, pelos cenóbios?!...
Num suicídio graduado, consumir-se,
E após tantas vigílias, reduzir-se
À herança miserável de micróbios!
Estoutro agora é o sátiro peralta
Que o sensualismo sodomista exalta,
Nutrindo sua infâmia a leite e a trigo...
Como que, em suas células vilíssimas,
Há estratificações requintadíssimas
De uma animalidade sem castigo.
Brancas bacantes bêbedas o beijam.
Suas artérias hírcicas latejam,
Sentindo o odor das carnações abstêmias,
E á noite, vai gozar, ébrio de vício,
No sombrio bazar do meretrício,
O cuspo afrodisíaco das fêmeas.
No horror de sua anômala nevrose,
Toda a sensualidade da simbiose,
Uivando, á noite, em lúbricos arroubos,
Como no babilônico sansara,
Lembra a fome incoercível que escancara
A mucosa carnívora dos lobos.
Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda.
Negra paixão congênita, bastarda,
Do seu zooplasma ofídico resulta...
E explode, igual á luz que o ar acomete,
Com a veemência mavórtica do aríete
E os arremessos de uma catapulta.
Mas muitas vezes, quando a noite avança,
Hirto, observa através a tênue trança
Dos filamentos fluídicos de um halo
A destra descamada de um duende,
Que tateando nas tênebras, se estende
Dentro da noite má, para agarrá-lo!
Cresce-lhe a intracefálica tortura,
E de su'alma na cavema escura,
Fazendo ultra-epiléticos esforços,
Acorda, com os candieiros apagados,
Numa coreografia de danados,
A família alarmada dos remorsos.
É o despertar de um povo subterrâneo!
E a fauna cavernícola do crânio
— Macbetbs da patológica vigília,
Mostrando, em rembrandtescas telas várias,
As incestuosidades sangüinárias
Que ele tem praticado na família.
As alucinações tácteis pululam.
Sente que megatérios o estrangulam...
A asa negra das moscas o horroriza;
E autopsiando a amaríssima existência
Encontra um cancro assíduo na consciência
E três manchas de sangue na camisa!
Míngua-se o combustível da lanterna
E a consciência do sátiro se inferna,
Reconhecendo, bêbedo de sono,
Na própria ânsia dionísica do gozo,
Essa necessidade de horroroso,
Que é talvez propriedade do carbono!
Ah! Dentro de toda a alma existe a prova
De que a dor como um dartro se renova,
Quando o prazer barbaramente a ataca...
Assim também, observa a ciência crua,
Dentro da elipse ignívoma da lua
A realidade de urna esfera opaca.
Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!
Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.
Continua o martírio das criaturas:
— O homicídio nas vielas mais escuras,
— O ferido que a hostil gleba atra escarva,
— O último solilóquio dos suicidas
E eu sinto a dor de todas essas vidas
Em minha vida anônima de larva!"
Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocábulos,
Da luz da lua aos pálidos venábulos,
Na ânsia de um nervosíssimo entusiasmo,
Julgava ouvir monótonas corujas,
Executando, entre caveiras sujas,
A orquestra arrepiadora do sarcasmo!
Era a elegia panteísta do Universo,
Na podridão do sangue humano imerso,
Prostituído talvez, em suas bases...
Era a canção da Natureza exausta,
Chorando e rindo na ironia infausta
Da incoerência infernal daquelas frases.
E o turbilhão de tais fonemas acres
Trovejando grandiloquos massacres,
Há-de ferir-me as auditivas portas,
Até que minha efêmera cabeça
Reverta á quietação da treva espessa
E à palidez das fotosferas mortas!

Fonte:
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

Normas de Trabalho (Regras da ABNT)

(nota: As escolas se baseiam nestas normas para que sejam efetuados os trabalhos. As regras aqui servem para o conhecimento e/ou elaboração de trabalhos que não possuam normas específicas. Geralmente, cada escola possui suas normas particulares. Estudante, verifique em sua escola este detalhe)

RESUMO

Elemento obrigatório, constituído de uma seqüência de frases concisas e objetivas e não de uma simples enumeração de tópicos, não ultrapassando 500 palavras, seguido, logo abaixo, das palavras representativas do conteúdo do trabalho, isto é, palavras-chave e/ou descritores, conforme a NBR 6028.

INTRODUÇÃO

A introdução é a apresentação sucinta e objetiva do trabalho, que fornece informações sobre sua natureza, sua importância e sobre como foi elaborado: objetivo, métodos e procedimentos seguidos.

Em outras palavras, é a parte inicial do texto, onde devem constar a delimitação do assunto tratado, objetivos da pesquisa e outros elementos necessários para situar o tema do trabalho.

Lendo a introdução, o leitor deve sentir-se esclarecido a respeito do tema do trabalho como do raciocínio a ser desenvolvido.
Como forma de esclarecer nossos clientes a respeito do trabalho desenvolvido por nossa equipe, bem como para explicar como é feita a divisão do texto em capítulos, seções e subseções, a seguir apresentar-se-á comentários sobre a metodologia utilizada, que segue rigorosamente os padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

1 DA ESTRUTURA DA MONOGRAFIA

A estrutura de uma monografia compreende as seguintes partes: a) elementos pré-textuais; b) elementos textuais; c) elementos pós-textuais.

1.1 Elementos pré-textuais

São chamados pré-textuais todos os elementos que contém informações e ajudam na identificação e na utilização da monografia.

São considerados elementos pré-textuais de uma monografia:
1) Capa (obrigatório);
2) Contra-capa (obrigatório);
3) Folhe de Aprovação (obrigatória);
4) Dedicatória (opcional);
5) Agradecimentos (opcional);
6) Epígrafe (opcional);
7) Resumo em Língua Vernácula (obrigatório);
8) Resumo em Língua Estrangeira (obrigatório);
9) Sumário (obrigatório).

No que se refere aos elementos pré-textuais, as monografias desenvolvidas por nossa equipe são elaboradas conforme os elementos apresentados supra.

1.2 Elementos textuais

Parte do trabalho em que é exposto o conteúdo da monografia. Sua organização é determinada pela natureza do trabalho. São considerados fundamentais os seguintes elementos:

1) Introdução: é a apresentação sucinta e objetiva do trabalho, fornecendo informações sobre sua natureza, sua importância e sobre como foi elaborado: objetivo, métodos e procedimentos seguidos;

2) Desenvolvimento: parte principal do texto, descrevendo com detalhes a pesquisa e como foi desenvolvida;

3) Conclusão: é a síntese dos resultados do trabalho e tem por finalidade recapitular sinteticamente os resultados da pesquisa elaborada.

1.3 Elementos pós-textuais

São os elementos que tem relação com o texto, mas que, para torná-lo menos denso e não prejudicá-lo, costumam vir apresentados após a parte textual.

Dentre os elementos pós-textuais temos as referências, o glossário, o apêndice, o anexo, o índice.

Dentre os elementos pós-textuais, destacam-se:

1) Referências (obrigatório): conjunto padronizado de elementos descritivos, retirados de documentos, de forma e permitir sua identificação individual. As referências bibliográficas das monografias devem seguir o padrão NBR 6023, que fixa a ordem dos elementos das referências e estabelece convenções para transcrição e apresentação da informação originada do documento e/ou outras fontes de informação;

2) Anexo(s) (opcional): é um texto não elaborado pelo autor, que serve de fundamentação, comprovação e ilustração para a monografia. Em monografias jurídicas, por exemplo, pode-se colocar uma lei de importância fundamental para o entendimento do texto.

2 DA APRESENTAÇÃO GRÁFICA

A seguir está descrito o padrão recomendado pela ABNT (NBR 14724), que foi elaborado para facilitar a apresentação formal dos trabalhos acadêmicos.

2.1 Formato e margens

Os trabalhos devem ser digitados em papel branco A4 (210 mm x 297 mm), digitados em uma só face da folha.

De acordo com a NBR 14724, o projeto gráfico é de responsabilidade do autor do trabalho.

Recomenda-se, para digitação, a utilização de fonte tamanho 12 para o texto e tamanho menor para citações de mais de três linhas, notas de rodapé, paginação e legendas das ilustrações e tabelas.

Com relação às margens, a folha deve apresentar margem de 3 cm à esquerda e na parte superior, e de 2 cm à direita e na parte inferior.

2.2 Espacejamento

Todo o texto deve ser digitado com espaço duplo, exceto nas citações diretas separadas do texto (quando com mais de três linhas), nas notas de rodapé, nas referências no final do trabalho e na ficha catalográfica.

As referências, ao final do trabalho, devem ser separadas entre si por espaço duplo.

Os títulos das subseções devem ser separados do texto que os precede ou que os sucede por dois espaços duplos.

2.3 Notas de rodapé

As notas devem ser digitadas dentro das margens, ficando separadas do texto por um espaço simples de entrelinhas e por filete de 3 cm, a partir da margem esquerda.

2.4 Indicativos de seção

O indicativo numérico de uma seção precede seu título, alinhado à esquerda, separado por um espaço de caractere.

2.4.1 Numeração Progressiva

Para evidenciar a sistematização do conteúdo do trabalho, deve-se adotar a numeração progressiva para as seções do texto. Os títulos das seções primárias, por serem as principais divisões de um texto, devem iniciar em folha distinta. Destacam-se gradativamente os títulos das seções, utilizando-se os recursos de negrito, itálico ou grifo e redondo, caixa alta ou versal, e outro, conforme a NBR 6024, no sumário e de forma idêntica, no texto.

Exemplo:
1 Seção Primária – (TÍTULO 1)
1.1 Seção Secundária – (TÍTULO 2)
1.1.1 Seção terciária – (Título 3)
1.1.1.1 Seção quartenária – (Título 4)
1.1.1.1.1 Seção quinária – (Título 5)

Na numeração das seções de um trabalho devem ser utilizados algarismos arábicos, sem subdividir demasiadamente as seções, não ultrapassando a subdivisão quinária.

Importante ressaltar, também, que os títulos das seções primárias – por serem as principais seções de um texto, devem iniciar em folha distinta.

Os títulos sem indicativo numérico, como agradecimentos, dedicatória, resumo, abstract, referências e outras, devem ser centralizados.

3 DAS CITAÇÕES

Esta seção aborda o assunto das citações, que trata-se da menção, no texto, de uma informação extraída de outra fonte.

O autor utiliza-se de um texto original para extrair a citação, podendo reproduzi-lo literalmente (citação direta), interpretá-lo, resumi-lo ou traduzi-lo (citação indireta), ou extrair uma informação de uma fonte intermediária.

De acordo com a NBR 14724 (AGO 2002), recomenda-se, para digitação, a utilização de fonte tamanho 12 para o texto e tamanho menor para citações de mais de três linhas, notas de rodapé, paginação, entre outros elementos.

O item 5.6 da NBR 14724 orienta que “as citações devem ser apresentadas conforme a NBR 10520”. Portanto, as regras referentes à citações, que podem ser diretas ou indiretas, se encontram na NBR 10520 (AGO 2002).

3.1 Citações diretas

Para citações diretas com mais de três linhas, deve-se observar apenas o recuo de 4 cm da margem esquerda. A citação ficaria da seguinte forma:

Para viver em sociedade, necessitou o homem de uma entidade com força superior, bastante para fazer as regras de conduta, para construir o Direito. Dessa necessidade nasceu o Estado, cuja noção se pressupõe conhecida de quantos iniciam o estudo do Direito Tributário. (MACHADO, 2001, p. 31).

Importante observar que nas citações indiretas deve-se colocar o sobrenome do autor (em letra maiúscula), o ano da publicação da obra e o número da página onde foi retirado o texto.

Por outro lado, na lista de referências bibliográficas, ou seja, no final da monografia, deverá constar a referência completa da seguinte forma:

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

As citações diretas, no texto, de até três linhas, devem estar contidas entre aspas duplas. As aspas simples são utilizadas para indicar citação no interior da citação. A seguir, temos o exemplo deste tipo de citação:

Bobbio (1995, p. 30) com muita propriedade nos lembra, ao comentar esta situação, que os “juristas medievais justificaram formalmente a vaidade do direito romano ponderando que este era o direito do Império Romano que tinha sido reconstituído por Carlos Magno com o nome de Sacro Império Romano”.

Na lista de referências:

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995.

3.2 Citações indiretas

Citações indiretas (ou livres) são a reprodução de algumas idéias, sem que haja transcrição literal das palavras do autor consultado. Apesar de ser livre, deve ser fiel ao sentido do texto original. Não necessita de aspas. A seguir, alguns exemplos de citações indiretas:

De acordo com Machado (2001), o Estado, no exercício de sua soberania, exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita, instituindo tributos. No entanto, a instituição do tributo é sempre feita mediante lei, devendo ser feita conforme os termos estabelecidos na Constituição Federal brasileira, na qual se encontram os princípios jurídicos fundamentais da tributação.

Conforme visto supra, nas citações indiretas, diferentemente da citações diretas, não é necessário colocar o número da página onde o texto foi escrito.

3.3 Notas de rodapé

No que se refere a notas de rodapé, de acordo com a NBR 10520, deve-se utilizar o sistema autor-data para as citações do texto e o numérico para notas explicativas.

As notas de rodapé podem ser conforme as notas de referência (ver tópico 3.5) e devem ser alinhadas, a partir da segunda linha da mesma nota, abaixo da primeira letra da primeira palavra, de forma a destacar o expoente e sem espaço entre elas e com fonte menor.

Exemplos:
_____________________

1 Veja-se como exemplo desse tipo de abordagem o estudo de Netzer (1976).

2 Encontramos esse tipo de perspectiva na 2ª parte do verbete referido na nota anterior, em grande parte do estudo de Rahner (1962).

3.4 Notas de referência

Ao fazer as citações, o autor do texto pode fazer a opção de colocar notas de referência, que deverá ser feita por algarismos arábicos, devendo ter numeração única e consecutiva para cada capítulo ou parte. Não se inicia a numeração a cada página.

A primeira citação de uma obra, em nota de rodapé, deve ter sua referência completa.

Exemplo: No rodapé da página:
_____________________

8 FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994.

Conforme visto supra, a primeira citação de uma obra, obrigatoriamente, deve ter sua referência completa. As citações subseqüentes da mesma obra podem ser referenciadas de forma abreviada, podendo ser adotadas expressões para evitar repetição desnecessária de títulos e autores em nota de rodapé.

As expressões com abreviaturas são as seguintes:
a) apud – citado por;
b) idem ou Id. – o mesmo autor;
c) ibidem ou Ibid. – na mesma obra;
d) sequentia ou et. seq. – seguinte ou que se segue;
e) opus citatum, opere citato ou op. cit. – na obra citada;
f) cf. – confira, confronte;
g) loco citato ou loc. cit. – no lugar citado;
h) passim – aqui e ali, em diversas passagens;

3.5 Notas explicativas

Notas explicativas são as usadas para a apresentação de comentários, esclarecimentos ou considerações complementares que não possam ser incluídas no texto, devendo ser breves, sucintas e claras. Sua numeração é feita em algarismos arábicos, únicos e consecutivos e não se inicia a numeração a cada página.

4 DAS REFERÊNCIAS

Elemento obrigatório e imprescindível da monografia, elaborado de acordo com a NBR 6023.

Entende-se por referências o conjunto padronizado de elementos descritivos, retirados de documentos, de forma a permitir sua identificação individual.

As referências podem ser identificadas por duas categorias de componentes: elementos essenciais e elementos complementares.

4.1 Elementos essenciais

São as informações indispensáveis à identificação do documento. Os elementos essenciais são estritamente vinculados ao suporte documental e variam, portanto, conforme o tipo.

Exemplo:

STORINO, Sérgio Pimentel. Odontologia preventiva especializada. 1. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1994.

4.2 Elementos complementares

São as informações que, acrescentadas aos elementos essenciais, permitem melhor caracterizar os documentos. Alguns elementos indicados como complementares podem tornar-se essenciais, desde que sua utilização contribua para a identificação do documento.

Exemplo:

CRUZ, Anamaria da Costa; CURTY, Marlene Gonçalvez; MENDES, Maria Tereza Reis. Publicações periódicas científicas impressas: NBR 6021 e 6022. Maringá: Dental Press, 2002.

NOTA – Os elementos essenciais e complementares são retirados do próprio documento. Quando isso não for possível, utilizam-se outras fontes de informação, indicando-se os dados assim obtidos entre colchetes.

4.3 Regras Gerais

Os elementos essenciais e complementares da referência devem ser apresentados em seqüência padronizada.

As referências são alinhadas somente à margem esquerda do texto e de forma a se identificar individualmente cada documento, em espaço simples e separadas entre si por espaço duplo.

O recurso tipográfico (negrito, grifo ou itálico) utilizado para destacar o elemento título deve ser uniforme em todas as referências de um mesmo documento. Isto não se aplica às obras sem indicação de autoria, ou de responsabilidade, cujo elemento de entrada é o próprio título, já destacado pelo uso de letras maiúsculas na primeira palavra, com exclusão de artigos (definidos e indefinidos) e palavras monossilábicas.

Os modelos de referências estão exemplificados na NBR 6023. A seguir, alguns exemplos de referências usadas mais comumente em nossas monografias.

4.3.1 Livro

CURTY, Marlene Gonçalves; CRUZ, Anamaria da Costa; MENDES, Maria Tereza Reis. Apresentação de trabalhos acadêmicos, dissertações e teses: (NBR 14724/2002). Maringá: Dental Press, 2002.

4.3.2 Artigo de revista

GURGEL, C. Reforma do Estado e segurança pública. Política e Administração, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 15-21, set. 1997.

4.3.3 Artigo e/ou matéria de revista, boletim etc. em meio eletrônico

MARQUES, Renata Ribeiro. Aspectos do comércio eletrônico aplicados ao Direito Brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2003.

4.3.4 Documento jurídico em meio eletrônico

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. RT Legislação.

CONCLUSÃO

Parte final do texto, na qual se apresentam conclusões correspondentes aos objetivos e hipóteses. Em outras palavras, a conclusão é a síntese dos resultados da monografia. Tem por finalidade recapitular sinteticamente os resultados da pesquisa elaborada.

O autor poderá manifestar seu ponto de vista sobre os resultados obtidos, bem como sobre o seu alcance, sugerindo novas abordagens a serem consideradas em trabalhos semelhantes. Na conclusão, o autor deve apresentar os resultados mais importantes e sua contribuição ao tema, aos objetivos e à hipótese apresentada.

NOTA – É opcional apresentar os desdobramentos relativos à importância, síntese, projeção, repercussão, encaminhamento e outros.

BIBLIOGRAFIA

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e documentação – referências – elaboração. Rio de Janeiro, 2002.

______. NBR 10520: informação e documentação – citações em documentos – apresentação. Rio de janeiro, 2000.

______. NBR 14724: informação e documentação – trabalhos acadêmicos – apresentação. Rio de Janeiro, 2002.

CURTY, Marlene Gonçalves; CRUZ, Anamaria da Costa; MENDES, Maria Tereza Reis. Apresentação de trabalhos acadêmicos, dissertações e teses: (NBR 14724/2002). Maringá: Dental Press, 2002.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 21. ed. rev. ampl. São Paulo: Cortez, 2000.

Fonte:
http://www.monografia.net/

Normas (Trabalho Escolar)

O trabalho escolar é um documento que representa o resultado de um estudo/pesquisa sobre um assunto. Sua produção pode envolver um ou mais alunos e, necessariamente deverá ter a coordenação de um orientador.

O processo de elaboração de um trabalho escolar é uma vivência que precisa ser criativa possibilitando uma interação rica com pessoas, fontes e recursos diversos, a fim de atingir maior autonomia com relação à forma de aprender e construir conhecimentos, desenvolvendo uma visão mais crítica e ampliada.

1 REGRAS GERAIS DE APRESENTAÇÃO

A apresentação escrita de um trabalho (trabalho escolar, resumo e relatório) deve ser realizada conforme indicações abaixo:

a) tipo de papel – deve ser utilizado o papel branco, preferencialmente nas dimensões 297x210 mm (A4);

b) escrita – digitado com tinta preta e somente um lado da folha;

c) paginação – as folhas do trabalho devem ser contadas seqüencialmente desde o sumário, mas não numeradas. A numeração é colocada a partir da introdução. O número localiza-se a 2 cm da borda superior do papel, margeado à direita;

d) margem - superior e esquerda = 3 cm
inferior e direita = 2 cm;

e) espaçamento – todo texto deve ser digitado com espaçamento 1,5 de entrelinhas;

f) letra – tipo de letra Times New Roman ou Arial tamanho 12 e para citação direta usar fonte tamanho 10;

g) parágrafo – 2 cm da margem esquerda;

h) numeração Progressiva – para melhor organização e apresentação do trabalho, deve-se adotar a numeração progressiva das seções do texto. Os títulos das seções primárias (capítulos), por serem as principais divisões de um texto, devem iniciar em folha distinta, com indicativo numérico alinhado à esquerda e separado por um espaço.

Destacam-se gradativamente os títulos das seções, utilizando-se os recursos de caixa alta ou versal, negrito ou, itálico.

Exemplo de numeração progressiva de um trabalho escolar

1 SEÇÃO PRIMÁRIA
1.1 Seção secundária
1.1.1 Seção terciária
1.1.1.1 Seção quaternária
1.1.1.1.1 Seção quinária

1 INTRODUÇÃO

(título considerado como seção primária ou capítulo - deve localizar-se no início de página, margeado à esquerda, digitado em negrito, , - fonte tamanho 12, caixa alta)

(texto)

2 CULTURA DA MAÇÃ

(título considerado como seção primária ou capítulo - deve localizar-se no início de página, margeado à esquerda, digitado em negrito,- fonte tamanho 12, caixa alta)

(texto)

2.1 Produção de mudas

(subtítulo considerado como seção secundária - deve estar margeado à esquerda, fonte tamanho 12; negrito; versal)

(texto)

2.1.1 Enxertia

(subtítulo considerado como seção terciária - deve estar margeado à esquerda, fonte tamanho 12; itálico; versal)

(texto)

3 CONCLUSÃO

[título considerado como seção primária (capítulo) - início de página - fonte tamanho 12, caixa alta; negrito]

(texto)

Os títulos - Sumário; Referências; Anexos - não são numerados e devem aparecer na página de forma centralizada.

2 ESTRUTURA BÁSICA DE UM TRABALHO ESCOLAR

A estrutura básica de um trabalho escolar deverá compreender: elementos pré-textuais (capa; sumário), textuais (introdução; desenvolvimento; conclusão) e pós-textuais (referência; anexo).

2.1 Capa

Deve ser de papel consistente ou simples, sem ilustração ou " embelezamento", composta de:

a) Cabeçalho: nome da Instituição responsável, com subordinação até o nível do professor. Deve ser centralizado à margem superior, com letras maiúsculas, tamanho 12, espaçamento entre linhas simples;

b) Título do trabalho: no centro da folha, centralizado, tamanho 16;

c) Nome do aluno/série: abaixo do título 5 cm, centralizado, letras maiúsculas, tamanho12;

d) Local, mês e ano: centralizado, a 3cm da borda inferior e as primeiras letras maiúsculas, tamanho 12.

2.2 Sumário

Iniciar em folha distinta, título sem indicativo numérico, centralizado a 3 cm da borda superior com o texto iniciando 2 cm abaixo.

Indica as partes do trabalho, capítulos, itens e subitens, e as páginas em que se encontram. (ABNT. NBR 6027, 2003)

2.3 Introdução

Iniciar em folha distinta apresentando o indicativo numérico (1), alinhado à margem esquerda, a 3cm de borda superior e o texto deve iniciar 2cm abaixo.

A parte introdutória abre o trabalho propriamente dito, anunciando o assunto a ser abordado.

Na seqüência é necessário delimitá-lo, isto é, indicar o ponto de vista sob o qual será tratado; situá-lo no tempo e espaço; mostrar a sua importância e apontar a metodologia empregada (pesquisa bibliográfica, pesquisa de laboratório, etc).

2.4 Desenvolvimento

Também chamado corpo do trabalho, deve apresentar o detalhamento da pesquisa realizada e comunicar seus resultados. O conteúdo pode ser subdividido em capítulos, dentro de uma estrutura lógica com que o tema foi desenvolvido.

Deve-se iniciar pelos títulos mais importantes do plano e subdividir cada um segundo o material disponível, em itens e subitens, adotando uma numeração progressiva até o final do trabalho. Esta divisão servirá de base para a realização do sumário.

Exemplo:
2 ALGODÃO
2.1 A Semente do Algodão
2.1.1 Variedades
2.2 Técnicas de produção
2.5 Conclusão

Iniciar em folha distinta apresentando um indicativo numérico, alinhado à esquerda.

Constitui o ponto de chegada, isto é, deve apresentar a resposta ao tema anunciado na introdução. Não é apropriado iniciar afirmando que vai concluir. A conclusão não é uma idéia nova ou um resumo marcante dos argumentos principais, é síntese interpretativa dos elementos dispersos pelo trabalho, ponto de chegada das deduções lógicas, baseadas no desenvolvimento.

2.6 Referências

Apresenta-se em folha distinta, título centralizado, sem indicação numérica, elemento obrigatório. ( ABNT. NBR 14724, 2002)

Todas as fontes de informação (livro, revista, fita de vídeo, home-page, CD-ROM, etc) utilizadas na elaboração do trabalho devem ser arroladas alfabeticamente em uma lista, digitadas em espaço simples, margeadas à esquerda e separadas entre si por espaço duplo.

FORMATO DE APRESENTAÇÃO DAS REFERÊNCIAS

ABNT. NBR 6028: resumos. Rio de Janeiro, 1990. 3 p

DINA, Antonio. A fábrica automática e a organização do trabalho. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. 132 p.

INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA - IBICT. Bases de dados em Ciência e Tecnologia. Brasília, n. 1, 1996. CD-ROM.

KRAEMER, Ligia Leindorf Bartz. Apostila.doc. Curitiba, 13 maio 1995. 1 arquivo (605 bytes). Disquete 3 1/2. Word for windows 6.0.

SANTOS, Rogério Leite dos; LOPES, José Dermeval Saraiva; Centro de Produções Técnicas (MG). Construções com bambu: opção de baixo custo. Viçosa: CPT, [1998]. 1 videocassete (65min): VHS/NTSC, son., color.

TAVES, Rodrigo França. Ministério corta pagamento de 46,5 mil professores. O Globo, Rio de Janeiro, 19 maio 1998. Disponível em:. Acesso em: 19 maio 1998.

Fazer a referência de uma obra significa reunir um conjunto de dados (tais como autoria, título, editora, local e ano de publicação) sobre o documento, que permita identifica-lo de forma única. Essa descrição deve ser elaborada seguindo a normalização nacional descrita na NBR 6023:2002, produzida pela ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas.

2.7 Anexo(s)

Sugere-se apresentação em folha distinta, título centralizado, elemento opcional.

Poderão fazer parte do item "Anexos", textos ou documentos não elaborados pelo autor, que venham contribuir para ilustrar, esclarecer ou fundamentar melhor o trabalho. São exemplos de anexos: leis, mapas, fotografias, plantas etc.

Ressalta-se que no corpo do trabalho deve-se fazer citação referente ao material colocado anexo.

"Os anexos são identificados por letras maiúsculas consecutivas, travessão e pelos respectivos títulos." (ABNT. NBR 14724, 2002, p. 5)

Exemplo:

ANEXO A – Tabela de classificação de sementes.

Fonte:
www.bu.ufsc.br

Lev Tolstói (1828 - 1910)

Lev Nikolaievitch, conde de Tolstoi

Escritor soviético nascido na propriedade rural da família, em Iasnaia-Poliana, província de Tula, reconhecido como um dos maiores escritores de todos os tempos.

Tolstói, pai, morrera em 1837. Viúvo, deixara cinco filhos: Dmítri, Sérgio, Nicolau, Maria e Leon, nascido em 28 de agosto de 1828. Tia Alieksandra Osten-Sacken incumbira-se de cuidar das crianças. Naquele tempo, era moda os nobres estudarem com professores estrangeiros. Não ficava bem a um senhor de terras expressar-se em russo, como qualquer mujique (camponês russo). Tentando manter a educação aristocrática iniciada pela tia Alieksandra, foram contratados os serviços de um preceptor alemão de nome Ressel.

O professor não apreciava muito seus discípulos e deles dissera certa vez: "Sérgio quer e pode; Dmítri quer e não pode; e Leon - esse nem quer nem pode.". Ao ler esta anotação no relatório de seus secretários, a Czarina Maria Alexándrovna sorri: andara errado esse mestre alemão, pois de todos os filhos do velho Tolstói, fora Leon o que mais se distinguira, muito prometendo na arte de escrever. Quatro anos durou o encargo de Alieksandra Osten-Sacken em Iasnaia Poliana.

Em 1841 a tia faleceu e os meninos foram entregues aos cuidados de outra irmã de seu pai, Pielagueia, que morava em Kazan. Era uma mulher severa e áspera, de rígidos princípios morais. Mal dera com os olhos em Leon, decidiu faze-lo militar; como alternativa, poderia ser diplomata.

Em 1844, o jovem viu-se estudando línguas orientais na Universidade de Kazan. Não era das mais brilhantes escolas russas, embora contasse em seu quadro docente com um homem como Nicolau Lobatchiévski (1793-1856), matemático reputado como um dos fundadores da geometria não-euclidiana.

Cada passo, Leon mais e mais decepcionava Pielagueia: nem se portava segundo o manual aristocrata das boas maneiras, nem se distinguia nos estudos. Julgando que tivesse escolhido o curso inadequado, transferiu-se para a faculdade de direito; mas foi reprovado nos primeiros
exames.

Desiludido com a escola e cansado de ouvir as recriminações da tia, em 1847 retornou a Iasnaia Poliana. Encontrou-a descuidada. Os campos, antes verdes, apresentavam tristes manchas de terra e capim seco.

Arrependeu-se do tempo passado fora, quis recuperar o antigo viço das plantações. Mas era muito jovem, o mundo lá fora muito rico em promessas. Leon apanhou a mala e foi para Moscou.

Essa cidade parecia não ter muito a oferecer-lhe; em 1849, partiu para a capital, São Petersburgo, retomando o curso de direito. Não se distinguiu como aluno, e sim como farrista de primeira classe e namorador incorrigível. No entanto, nem as noites nem as moças conseguiram retê-lo. Meses mais tarde, voltava a Iasnaia Poliana. Começou a ler a Bíblia e as obras de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ao terminar as leituras, sentia-se ainda mais inquieto. Despertava-lhe a consciência de que sua constante agitação provinha de um impulso interior para fugir de si mesmo e demandar respostas para as perguntas que nebulosamente se formulavam sobre o significado da vida.

Alistou-se, então, como soldado no Cáucaso (1851), juntando-se ao irmão e lutando contra tribos montanhesas. Entre contemplações e namoros, combateu com bravura e conquistou a mais profunda admiração de seus companheiros. Encorajado pelos elogios e encantado com a vida militar, prestou exame em janeiro de 1852 para ingressar no Exército e foi admitido.

É dessa época seu primeiro trabalho publicado: "Detstvo" (Infância - 1852), que denota a influência do inglês Laurence Sterne. um relato autobiográfico de sua meninice, na revista “O Contemporâneo”, de São Petersburgo, dirigida pelo crítico Niekrássov (1821-1877). Transferido, participou da guerra da Criméia, experiência descrita em "Sevastopolskiie rasskazi" (Contos de Sebastopol - 1855).

Reinava Nicolau I (1796-1855); mas o monarca despótico e mal querido, que, por sua inabilidade política, provocara o conflito. Tolstói foi designado para lutar em Sebastópol, onde compôs, os contos que tanto comoveram a rainha. Maria Alexándrovna sai em busca de seu marido, o Czar Alexandre II (1818-1881), para falar-lhe desse brilhante Tolstói. Alexandre II, sensível à literatura e à coragem, nomeia-o comandante de uma companhia na Criméia.

Com o fim da guerra, em 1856, voltou a São Petersburgo, onde foi recebido como ídolo pelos círculos literários. Irritado com o assédio, voltou a Iasnaia-Poliana. Em 1857 esteve na França, Suíça e Alemanha. As críticas às histórias baseadas nessas viagens abalaram seu interesse pela literatura. Mesmo assim, entre 1855 e 1863, escreveu contos que prenunciam suas concepções posteriores sobre os danos que uma sociedade materialista causa à pureza humana.

No final da década de 1850, preocupado com a precariedade da educação no meio rural, Tolstoi criou em lasnaia uma escola, para filhos de camponeses, cujos métodos anteciparam a educação progressiva moderna. Movido pelo novo interesse, o escritor viajou mais uma vez pela Europa, publicou uma revista sobre educação e compilou livros didáticos de grande aceitação. Em 1862, casou-se com Sônia Andreievna Bers, jovem com amplos interesses intelectuais com quem teve 13 filhos. Durante 15 anos, dedicou-se intensamente à vida familiar. Foi nessa época que Tolstoi produziu os romances que o celebrizaram - "Voina i mir" (Guerra e Paz - 1865/1869) e Anna Karenina.

O primeiro, que consumiu sete anos de trabalho, é considerado uma das maiores obras da literatura mundial. A narrativa gira em torno de cinco famílias aristocráticas durante as guerras napoleônicas. As passagens mais criticadas do romance são aquelas em que o autor expõe sua concepção determinista da história, segundo a qual as ações dos chamados "grandes homens" dependem das ações de incontáveis figuras anônimas ou menos proeminentes, o que significa que não há livre-arbítrio. O vigoroso otimismo de Guerra e Paz, fruto da convicção de que o esforço pessoal poderia levar a um modo de existência aberto tanto à natureza quanto às responsabilidades sociais, sofreu uma sensível quebra, que transparece em Anna Karenina.

A descrição de um amor adúltero, que termina em tragédia pelo peso da hipocrisia social, constitui o reflexo da profunda crise espiritual em que Tolstoi se encontrava imerso. Embora feliz no casamento e bem-sucedido como escritor, Tolstoi atormentava-se com questões sobre o sentido da vida e, após desistir de encontrar respostas na filosofia, na teologia e na ciência, deixou-se guiar pelo exemplo dos camponeses, que lhe diziam que o homem deve servir a Deus e não viver para si mesmo. Convencido de que uma força inerente ao homem lhe permite discernir o bem, formulou os princípios que doravante norteariam sua vida.

Recusou a autoridade de qualquer governo organizado e da Igreja Ortodoxa russa (que o excomungaria em 1901), o direito à propriedade privada e, inclusive, no terreno teológico, a imortalidade da alma. Para difundir suas idéias, nos anos seguintes Tolstoi dedicou-se, em panfletos, ensaios e peças teatrais, a criticar a sociedade e o intelectualismo estéril.

A crônica autobiografada "Ispoved" (Uma confissão - 1882) descreve seus tormentos naqueles anos e como os superou mediante um cristianismo evangélico e peculiar. "Tsarstvo bojiie vnutri vas" (O reino de Deus está em ti - 1891) expõe sua crença na não-resistência ao mal e conclui que os governos existem para o bem dos ricos e poderosos, que, pela força, exploram a humanidade e a matam em guerras. Em "Chto takoie iskusstvo?" (Que é a arte? - 1897), tentativa de elaborar um sistema estético consoante tais convicções religiosas e morais, Tolstoi afirma que, se não consegue "infectar" o público com o essencial da alma do artista, a obra falhou enquanto arte. Por isso, ele rejeita algumas obras de Shakespeare e Wagner, além de relegar seus próprios grandes romances à categoria de "má arte". O texto considera a arte religiosa com a mais elevada forma artística.

O gênio de Tolstoi brilhou ainda na criação de uma série de contos, com "Smert Ivana Ilitcha" (A morte de Ivan Ilitch), "Kreitserova sonata" - 1889 e "Joziiain i rabotnik" (Amo e criado - 1895), em que suas idéias não aparecem de forma explícita, mas são sugeridas graças à maestria das análises psicológicas. Em 1889, surgiu o romance "Voskreseniie" (Ressurreição - 1900). Considerado inferior aos anteriores, é uma poética descrição da relação amorosa entre um nobre e uma jovem que, por ele seduzida, prostitui-se.

Após sua "conversão", Tolstoi dedicou-se a uma vida de comunhão com a natureza. Deixou de beber e fumar, tornou-se vegetariano e passou a vestir-se como camponês. Convencido de que ninguém deve depender do trabalho alheio, buscou a auto-suficiência e passou a limpar seus aposentos, lavrar o campo e produzir as próprias roupas e botas.

Em nome da castidade, procurou dominar os desejos carnais em relação à esposa. Engajou-se em atividades filantrópicas e foi a contragosto que viu sua casa atrair visitantes interessados em suas idéias e cercada de colônias de discípulos que pretendiam viver segundo seus ensinamentos. Sua esposa conseguiu obter os direitos sobre as publicações do marido anteriores a 1880 e reeditou-as por conta própria, para manter o nível econômico da família. Por essa razão, alguns escritores notáveis dessa época só foram publicados postumamente.

Num rasgo final de independência, aos 82 anos de idade, Tolstoi abandonou a casa em companhia de Aleksandra, sua médica e filha mais nova, em busca de um lugar onde pudesse sentir-se mais próximo de Deus. Dias depois, em 20 de novembro de 1910, Tolstoi morreu devido a uma pneumonia na estação ferroviária de Astapovo, província de Riazan.

Em sua notável obra citam-se

Infância (1852)
Adolescência (1854)
Juventude (1856)
Crônicas de Sebastopol (1855-1856)
A felicidade conjugal (1858)
Cossacos (1863)
Guerra e Paz (1865-1869)
Anna Karenina (1875-1877)
Confissão (1882)
O reino de Deus está em vós (1894)
A morte de Ivan Ilitch (1889)
O que é arte? (1898)
Ressurreição (1899)
Babine, o parvo - peça de teatro infantil

Obras Pedagógicas
Não posso me calar
Contos populares
O Diabo e Outras Histórias - volume de contos

Fontes:
http://www.tchekhov.com.br/
http://gilbert.lopes.nom.br/
http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/
http://pt.wikipedia.org/

Liev Tolstoi (Três Mortes)

I
Era outono. Pela estrada real duas carruagens seguiam a trote rápido. Na da frente viajavam duas mulheres. Uma, a senhora, magra e pálida. A outra, a criada, gorda e de um corado lustroso. Seus cabelos curtos e ressecados brotavam por baixo do chapéu desbotado, e a mão avermelhada, coberta por uma luva puída, ajeitava-os com gestos bruscos. O busto volumoso, envolto num lenço rústico, transpirava saúde; os olhos negros e vivazes ora espiavam pela janela os campos fugidios, ora observavam timidamente a senhora, ora lançavam olhares inquietos para os cantos da carruagem. A criada tinha bem ao nariz o chapéu da senhora pendurado no bagageiro, um cãozinho deitado nos joelhos, os pés acima dos bauzinhos dispostos no chão, tamborilando sobre eles, em sons quase abafados pelo ruído dos solavancos das molas e do tilintar dos vidros.

De mãos cruzadas sobre os joelhos e de olhos fechados, a senhora balouçava levemente nas almofadas que lhe serviam de apoio e, com um leve franzir de cenho, dava tossidelas fundas. Tinha na cabeça uma touquinha branca de dormir e um lencinho azul celeste envolto no pescoço pálido e delicado. Uma risca brotava abaixo da touquinha é repartia os cabelos ruços, excessivamente lisos e empastados; havia qualquer coisa de seco e mortiço na brancura do couro daquela vasta risca. A pele murcha, um tanto amarelada, mal conseguia modelar suas feições belas e esguias, que ganhavam um tom vermelho nas maçãs do rosto. Os lábios secos mexiam-se intranqüilos, as ralas pestanas não se encrespavam, e o sobretudo de viagem formava rugas entre os seios encovados. Mesmo de olhos fechados, o rosto da senhora expressava cansaço, irritação e um sofrimento que lhe era familiar.

Recostado em seu banco, o criado cochilava na boléia; o postilhão gritava animado e fustigava a possante quadriga suada; vez por outra espreitava o outro cocheiro, que gritava de trás, da caleça. As marcas paralelas e largas das rodas se estendiam nítidas e iguais pelo calcário lamacento da estrada. O céu estava cinzento e frio; a bruma úmida espalhava-se pelos campos e pela estrada.A carruagem estava abafada e recendia poeira e água-de-colônia. A doente inclinou a cabeça para trás e abriu devagar os olhos, grandes, brilhantes, de uma bela tonalidade escura.

"Outra vez!" — disse ela, repelindo nervosamente com a mão bonita e magra a ponta da saia da criada, que lhe roçava de leve a perna, e torceu a boca de dor. Matriocha recolheu a saia com ambas as mãos, soergueu as pernas robustas e sentou-se mais afastada. Um corado vivo cobriu-lhe o rosto viçoso. Os belos olhos escuros da doente fitavam ansiosos os movimentos da criada. A senhora apoiou as mãos no banco e quis também soerguer-se para se sentar mais alto, mas faltaram-lhe forças. A boca se contorceu e todo o rosto ficou desfigurado por uma expressão de ironia impotente e malévola. "Pelo menos você devia me ajudar... Ah, não é preciso! Eu mesma faço, só que não ponha atrás de mim essas suas sacolas, faça o favor!... É melhor mesmo que não me toque, já que não leva jeito." A senhora fechou os olhos e mais uma vez ergueu as pálpebras, observando a criada. Matriocha mordia o lábio inferior avermelhado, olhando para ela. O peito da doente exalou um suspiro fundo que, antes de terminar, transformou-se em tosse. Ela se virou, encolheu-se e agarrou-se ao peito com ambas as mãos. Quando a tosse passou, tornou a fechar os olhos e permaneceu sentada sem se mexer. A carruagem e a caleça chegaram à aldeia. Matriocha tirou a mão roliça do lenço e se benzeu.

— O que é isso? — perguntou a senhora.

— A estação de posta, senhora.

— E por que você está se benzendo?

— Tem uma igreja, senhora.

A doente voltou-se para a janela e começou a se benzer lentamente, com os olhos bem graúdos fitos numa grande igreja de madeira que a carruagem contornava.

Os dois veículos pararam em frente à estação. O marido da doente e o médico desceram da caleça e se aproximaram da carruagem.

— Como a senhora se sente? — perguntou o médico, tomando-lhe o pulso.

— E então, como está, minha cara, não está cansada? — perguntou o marido em francês. — Não quer descer?

Matriocha juntou as trouxas e encolheu-se num canto para não atrapalhar a conversa.

— Mais ou menos... na mesma — respondeu a doente. — Não vou descer.

O marido foi para a estação, depois de ficar um pouco com a mulher. Matriocha desceu do carro e correu pela lama para a entrada do edifício, nas pontas dos pés.

— Se eu estou mal, isto não é razão para o senhor não tomar o seu café — disse a senhora, com um leve sorriso, ao médico postado à janela.

— Nenhum deles se importa comigo — disse consigo mesma, mal o médico se afastou devagarzinho e subiu correndo a escada da estação. — Eles estão bem, o resto não tem importância. Oh, meu Deus!

— E então, Edvard Ivánovitch? — disse o marido ao encontrar o médico, esfregando as mãos com um sorriso jovial. Ordenei que trouxessem alguma provisão, o que o senhor acha?

— Pode ser.

— E ela, como está? — perguntou suspiroso o marido, baixando a voz e levantando as sobrancelhas.

— Eu disse: ela não vai conseguir chegar, e não só até a Itália: queira Deus que chegue a Moscou. Ainda mais com esse tempo.

— E o que é que nós vamos fazer? Ah, meu Deus! Meu Deus! — o marido tapou os olhos com as mãos.

—Traga aqui — acrescentou ele para o homem que carregava as provisões.

— Ela deveria ter ficado — respondeu o médico, dando de ombros.

— Agora me diga, o que é que eu podia fazer? — objetou o marido. — Ora, eu fiz de tudo para detê-la, falei dos recursos, das crianças que nós teríamos de deixar, e dos meus negócios; ela não quer dar ouvidos a nada. Fica fazendo planos de vida no estrangeiro como se estivesse com saúde. E fosse eu falar do seu estado... seria o mesmo que matá-la.

— Mas ela já está morta, o senhor precisa saber disso, Vassili Dmítritch. Uma pessoa não pode viver quando não tem pulmões, e os pulmões não tornam a crescer. É triste, duro, mas o que se vai fazer? O meu e o seu problema é fazer com que o fim dela seja o mais tranqüilo possível. Nós precisamos é de um confessor.

— Ai meu Deus! Mas o senhor entenda a minha situação na hora de lembrar a ela esta sua última vontade. Aconteça o que acontecer, isso eu não vou dizer a ela. O senhor bem sabe como ela é bondosa...

— Mesmo assim tente convencê-la a ficar até o final do inverno, — disse o médico, meneando a cabeça com ar expressivo — senão pode acontecer o pior na viagem...

— Aksiucha! Ei, Aksiucha! — grunhiu a filha do chefe da estação, jogando um lenço sobre a cabeça e pisando no alpendre enlameado nos fundos da casa. — Vamos espiar a senhora de Chirkin, dizem que está doente do peito e que estão levando para o estrangeiro. Eu nunca vi como é uma tísica.

Aksiucha correu para a soleira da porta e ambas precipitaram-se portão afora de mãos dadas. Encurtando a marcha, passaram diante da carruagem e espiaram através da janela aberta.A doente voltou o rosto para elas mas, percebendo-lhes a curiosidade, franziu o cenho e virou-se para o outro lado.

— Mm-ãe-zinha! — disse a filha do chefe da posta, voltando rapidamente a cabeça. — Que encanto de beleza deve ter sido; agora vejam o que sobrou dela! Dá até medo. Viu, viu, Aksiucha?

— Sim, como está mal! — Aksiucha fez coro com a moça. — Vamos dar mais uma olhada, a gente faz que está indo para o poço.Você percebeu? Ela deu as costas, mas eu vi. Que dó, Macha.

— É, e que lama! — respondeu Macha, e as duas correram para o portão.

— Pelo visto, estou com uma aparência horrível — pensou a doente. — Eu só preciso chegar mais rápido, mais rápido ao estrangeiro, lá eu me curo.

— E então, minha cara, como está? — disse o marido, ao se aproximar da carruagem mastigando.

— A mesma pergunta de sempre. E comendo! — pensou ela. — Mais ou menos... — falou entre dentes.

— Sabe de uma coisa, minha cara, receio que, com esse tempo, você piore no caminho; Edvard Ivanitch também acha. Não seria o caso de voltar?

Ela calava, emburrada.

— Pode ser que o tempo melhore, que a estrada fique boa e que você se recupere; e aí poderíamos ir juntos.

— Desculpe, mas se por muito tempo não tivesse lhe dado ouvidos, eu estaria agora em Berlim e totalmente curada.

— Mas o que eu podia fazer, meu anjo? Era impossível, você sabe. Mas agora, se ficasse por um mês, ao menos, iria se recuperar prontamente; eu terminaria meus negócios, levaríamos as crianças...

— As crianças estão com saúde, eu não.

— Veja se entende, minha cara, com um tempo desses, se você piorar na viagem... pelo menos você estaria em casa.

— Em casa, o quê? Pra morrer? — respondeu a doente irritada. Mas a palavra "morrer" pelo visto a assustou, e ela olhou para o marido com ar de súplica e interrogação. Ele baixou o olhar e calou. De repente, a doente fez um beicinho infantil, e lágrimas lhe saltaram dos olhos. O marido cobriu o rosto com o lenço e afastou-se da carruagem.

"Não, eu vou" — disse a doente, levantando os olhos para o céu, juntando as mãos e murmurando palavras desconexas. "Meu Deus! Por quê?" — dizia ela, e as lágrimas corriam ainda mais intensas. Rezou por muito tempo com ardor, mas no peito, a mesma dor e opressão, no céu, nos campos e na estrada, o mesmo tom cinzento e sombrio, e a mesma bruma de outono, nem mais nem menos rarefeita, derramando-se do mesmo jeito sobre a lama da estrada, os telhados, a carruagem e os tulups dos cocheiros, que discutiam em voz alta, alegres, enquanto lubrificavam e preparavam a carruagem...
II

A carruagem estava atrelada, mas o cocheiro fazia hora. Ele havia passado pela isbá dos cocheiros. A isbá estava quente, abafada, escura, com um ar pesado, um cheiro de lugar habitado, de pão assado, repolho e pele de carneiro. Havia alguns cocheiros no cômodo, uma cozinheira ocupava-se no forno e, em cima deste, um doente estava deitado, coberto por uma pele de carneiro.

— Tio Khviédor! Ô, tio Khviédor! — disse o jovem cocheiro vestido de tulup, com um chicote no cinto, entrando no cômodo e dirigindo-se ao doente.

— O que é que tu vai querer com o Fiédka, seu vadio? — perguntou um dos cocheiros. — Olha só, tão te esperando na carruagem...

— Quero pedir as botas dele; as minhas se acabaram — respondeu o rapaz, jogando os cabelos para trás e ajeitando as luvas no cinto.

— Que que é? — do forno ouviu-se uma voz fraca, e um rosto magro, de barba ruiva, espiou. A mão larga, descarnada e branca, coberta de pêlos, enfiava uma samarra nos ombros cobertos por um camisolão sujo. — Me dá alguma coisa pra beber, irmão; o que que é?

O rapaz lhe serviu uma caneca de água.

— Sabe o que é, Fédia, — disse ele, indeciso — pelo visto tu não vai precisar das botas novas agora; dá pra mim, pelo visto tu não vai andar.

O doente tombou a cabeça cansada sobre a caneca reluzente, molhou os bigodes ralos e caídos na água escura e bebeu sem forças. A barba emaranhada estava suja; os olhos fundos, embotados, levantaram-se com dificuldade para o rosto do rapaz. Depois de beber, ele afastou a água e quis levantar as mãos para enxugar os lábios úmidos, mas não conseguiu e enxugou-as na manga da samarra. Calado e respirando com dificuldade pelo nariz, olhava o rapaz direto nos olhos, reunindo forças.

— Pode ser que tu já tenha prometido a alguém — disse o rapaz. — O problema é que lá fora está úmido, e como eu tenho que ir pro trabalho, pensei com meus botões: eu pego e peço as botas do Fiédka; pelo jeito ele não vai precisar. Agora, se tu precisar, então tu diz...

No peito do doente alguma coisa começou a vibrar e roncar; ele inclinou-se e uma interminável tosse de garganta o sufocou.

— Pra que vai precisar? — trovejou de repente por toda a isbá a voz da cozinheira zangada. — Faz uns dois meses que ele não sai do forno. Tá vendo, tá se arrebentando, até as entranhas dele doem, escuta só. Como é que ele vai precisar das botas? Ninguém vai enterrá-lo com botas novas. Já não é sem tempo, Deus que me perdoe.Tá vendo, tá se arrebentando. Ou então que alguém leve ele daqui pra outra isbá ou pra outro lugar! Diz que na cidade tem esse tipo de hospital; isso é coisa que se faça, ocupar o canto todo... chega! Não se tem espaço pra nada. E ainda por cima, ficam me cobrando limpeza.
— Ei, Serioga vá para a carruagem, os senhores estão esperando — gritou da porta o chefe da estação.

Serioga queria ir sem esperar resposta, mas o doente, tossindo, deu-lhe a entender com os olhos que queria dizer alguma coisa.

— Pega as botas, Serioga — disse ele, contendo a tosse e descansando um pouco. — Só que tu me compra uma campa, porque eu tô morrendo... — acrescentou roncando.

— Obrigado, tio, então eu levo; e a campa, tá, tá, eu compro!

— Bem, meninos, vocês ouviram — ainda conseguiu dizer o doente, e tornou a se curvar sufocado.
— Tá bem, ouvimos — respondeu um dos cocheiros. — Vai, Serioga, vai pra carruagem, senão o chefe vem te chamar outra vez. A senhora de Chirkin tá lá doente.

Serioga tirou depressa as imensas botas furadas e jogou-as debaixo de um banco. As botas novas do tio Fiódor eram precisamente o seu número, e ele foi para a carruagem, admirando-as.

— Êta beleza de botas! Deixa eu engraxar — disse um cocheiro com graxa na mão, enquanto Serioga subia na boléia e tomava as rédeas. — Deu de graça?

— Ah, invejoso! — respondeu Serioga, aprumando-se e juntando as pontas do casaco junto aos pés. — Eia, vamos, belezas! — gritou para os cavalos, agitando o chicote; carruagem e caleça, com seus passageiros, malas e bagagens, saíram em disparada pela estrada molhada, sumindo na bruma cinzenta de outono.

O cocheiro doente permaneceu sobre o forno da isbá abafada e, sem conseguir escarrar, virou-se a muito custo para o outro lado e ficou quieto.

Até o cair da tarde, gente chegava, comia, saía da isbá; e não se ouvia sinal do doente. Ao anoitecer, a cozinheira subiu no forno e puxou a samarra por cima das pernas dele.

— Não fica zangada comigo, Nastácia, — disse o doente — logo vou deixar este teu canto.

— Tá bem, tá bem, deixa pra lá — murmurou Nastácia. — Onde é que dói, tio? Me diz.

— Uma dor insuportável por dentro. Só Deus sabe.

— Na certa a garganta também dói, tu tosse tanto!

— Dói tudo. Minha hora chegou, é isso. Oh, oh, oh! — gemeu o doente.

— Cobre as pernas assim — disse Nastácia, ajeitando a samarra sobre ele, ao descer do forno.

À noite, uma lamparina iluminava fracamente a isbá. Nastácia e uns dez cocheiros roncavam alto pelo chão e pelos bancos. Só o doente gemia fraquinho, tossia e revirava-se no forno. Ao amanhecer, aquietou-se de vez.

— Estranho o que eu vi esta noite em sonho — disse a cozinheira, espreguiçando-se na penumbra da manhã seguinte. — Vejo como se o tio Khviédor tivesse descendo do forno e saindo pra rachar lenha. "Nástia", diz ele, "deixa eu te ajudar"; e eu pra ele: "Como é que tu vai rachar lenha?", mas ele agarra o machado e tome de rachar lenha com tanta vontade, e era só lasca voando. E eu: "Como é que pode, tu não tava doente?". "Nada", diz ele, "eu estou bem". E sacode o machado de um jeito que me dá medo; aí eu comecei a gritar e acordei. Será que ele já não morreu?

—Tio Khviédor! Ô, tio! Fiódor não respondia.

— É mesmo, será que ele já não morreu? Vamos ver — disse um dos cocheiros, que havia acordado.

Um braço magro, frio e céreo, coberto de pêlos ruivos, pendia do forno.

— Vamos falar com o chefe da estação, parece que tá morto — continuou o cocheiro.

Fiódor não tinha parentes. Viera de longe. No dia seguinte, foi enterrado no cemitério novo, atrás do bosque, e Nastácia passou vários dias contando a todo mundo o sonho que tivera e como tinha sido a primeira a perceber a morte do tio Fiódor.
III

Chegou a primavera. Nas ruas úmidas da cidade rumorejavam regatos velozes entre o gelo sujo de esterco; as cores dos trajes e o som das vozes dos transeuntes distinguiam-se nitidamente. Nos jardins, atrás das sebes, as árvores inchavam de botões e mal se notava o balançar dos ramos ao sopro da brisa fresca. Por todo lado gotinhas transparentes pingavam... Pardais desajeitados piavam e adejavam com suas asinhas. Nos lados ensolarados, nas sebes, nas casas e nas árvores, tudo se movia e brilhava. Reinava a alegria e o viço tanto no céu e na terra como no coração dos homens.

Em uma das ruas principais, palha fresca se estendia no chão diante de uma grande casa senhorial; na casa estava aquela mesma doente moribunda que tinha pressa em chegar ao exterior.

À porta fechada do quarto, o marido da doente e uma senhora idosa. Num divã, um sacerdote, vista baixa, segurando alguma coisa enrolada na estola de seus paramentos.A um canto, uma velha, mãe da doente, chorava com amargura numa poltrona Voltaire. A seu lado, uma criada segurava um lenço, esperando que a velha o pedisse; outra lhe friccionava alguma coisa nas têmporas e soprava por baixo da toquinha a cabeça grisalha.

— Vá com Cristo, minha amiga, — disse o marido à mulher idosa ao seu lado — ela confia tanto na senhora... a senhora é tão jeitosa com ela, procure convencê-la direitinho, minha querida; vá, vá. — Ele já queria abrir a porta, mas a prima o deteve, passou o lenço algumas vezes nos olhos e sacudiu a cabeça.

— Agora não parece mais que chorei — disse ela, e abriu a porta, entrando no quarto.

O marido estava agitadíssimo e parecia completamente perdido. Ia caminhando em direção à velha, mal deu alguns passos, voltou-se, andou pela sala e aproximou-se do sacerdote. Este olhou para ele, levantou os olhos para o céu e suspirou. A barba cerrada, tingida de fios grisalhos, também se ergueu e baixou.

— Meu Deus, meu Deus! — disse o marido.

— O que é que se vai fazer? — retrucou suspiroso o padre, e mais uma vez sobrancelhas e barba se ergueram e baixaram.

— E a mãe dela está aqui! — disse o marido quase em desespero. — Ela não vai suportar isso tudo. Porque amar como ela a ama... não sei, não. Reverendo, se pelo menos o senhor tentasse tranqüilizá-la e fazer com que ela saísse daqui...

O sacerdote levantou-se e aproximou-se da velha.

— É isso, ninguém pode avaliar um coração de mãe, — disse ele — mas Deus é misericordioso.

De repente o rosto da velha começou a se contrair cada vez mais e um soluço histérico a sacudiu.

— Deus é misericordioso — continuou o sacerdote, quando ela se acalmou um pouco. — Em minha paróquia havia um doente muito mais grave que Mária Dmítrievna; e veja o que aconteceu, foi completamente curado com ervas por um homem simples, em pouco tempo. E além do mais, esse mesmo homem está agora em Moscou. Eu disse a Vassili Dmítrievitch que dava para se tentar. Ao menos serviria de consolo para a doente. A Deus nada é impossível.

— Não, ela não tem mais jeito, — pronunciou a velha — em vez de me levar, é a ela que Deus leva. — E os soluços histéricos tornaram-se tão fortes que ela perdeu os sentidos.

O marido da enferma cobriu o rosto com as mãos e correu para fora do quarto.

No corredor, a primeira pessoa que encontrou foi um menino de seis anos, que tentava alcançar a todo custo uma menina menor.

— E as crianças, não permite que eu as leve para perto da mãe? — perguntou a babá.

— Não, ela não quer vê-las. Isto a deixaria transtornada. O menino parou um minutinho e examinou atento o rosto do pai; mas, num repente, deu um chute no ar e, com um grito de alegria, continuou a correr.

— Faz de conta que ela é o cavalo murzelo, papai! — berrou o garoto, apontando para a irmã.

Enquanto isso, no outro quarto, a prima sentava-se ao lado da doente e conduzia habilmente a conversa, tentando prepará-la para a idéia da morte. Na outra janela, o médico mexia a tisana.

Metida num roupão branco, cercada de almofadas na cama, a doente olhava calada para a prima.

— Ah, minha amiga, — disse, interrompendo-a inesperadamente — não precisa me preparar. Não me trate como criança. Eu sou cristã. Eu sei de tudo. Eu sei que minha vida está por um fio; eu sei que se meu marido tivesse me escutado antes, eu estaria na Itália agora e, quem sabe, podia até ser verdade, eu estaria curada. Todos lhe diziam isso. Mas o que se há de fazer? Pelo visto, foi assim que Deus quis. Todos nós temos muitos pecados, eu sei disso; mas espero a graça de Deus, que a tudo perdoa, a tudo perdoa. Eu me esforço para entender, mas tenho muitos pecados, querida. Por outro lado, já sofri bastante. Esforcei-me para suportar com paciência meu sofrimento...

— Chamo então o padre, querida? Você vai se sentir mais leve comungando — disse a prima.

A doente baixou a cabeça em sinal de consentimento.

— Deus, perdoa essa pecadora! — sussurrou. A prima saiu e fez sinal para o padre.

— É um anjo! — disse ela ao marido, com lágrimas nos olhos.

O marido começou a chorar; o sacerdote entrou na sala; a velha permanecia desacordada; no quarto principal reinava um silêncio absoluto. Uns cinco minutos depois, o padre saiu do quarto da doente, tirou a estola e ajeitou os cabelos.

— Graças a Deus, está mais calma agora — disse ele. — Quer vê-los.

A prima e o marido entraram. A doente fitava um ícone e chorava baixinho.

— Eu a felicito, minha amiga — disse o marido.

— Deus seja louvado! Como me sinto bem, agora; uma doçura inexplicável — disse a doente, e um leve sorriso brincou em seus lábios finos. — Como Deus é misericordioso! Não é verdade que ele é misericordioso e onipotente? — E mais uma vez olhou para o ícone com olhos marejados e ávida súplica.

De repente, pareceu lembrar-se de algo. Fez um sinal para que o marido se aproximasse.

— Você nunca faz o que eu peço — disse ela com uma voz fraca e descontente.

O marido esticava o pescoço e escutava-a submisso.

— O que foi, minha querida?

— Quantas vezes eu disse que esses médicos não sabem de nada; existem remédios caseiros que curam tudo... Escuta o que o padre disse... o homem simples... Mande buscá-lo.

— Pra quê, minha querida?

— Meu Deus, ninguém quer entender!... — E a doente franziu o cenho e fechou os olhos.

O médico chegou-se a ela e tomou-lhe o pulso. Batia cada vez mais fraco. Ele lançou um olhar para o marido. A senhora percebeu o gesto e olhou à volta assustada.A prima deu-lhe as costas e começou a chorar.

— Não chore, não aflija a você e a mim — disse a doente. — Assim você tira este meu último sossego.

— Você é um anjo! — disse a prima, beijando-lhe a mão. — Não, beije aqui, só se beija a mão dos mortos. Meu Deus, meu Deus!

Na mesma noite, a doente era só corpo, e este corpo jazia no caixão, na sala do casarão. No cômodo espaçoso, a portas fechadas, um sacristão lia salmos de Davi com voz fanhosa e ritmada. A luz viva das velas caía dos altos candelabros de prata sobre a fronte cérea da morta, suas pesadas mãos de cera, sobre as pregas da coberta que delineavam espantosamente os joelhos e os dedos dos pés. Sem entender o que dizia, o sacristão lia de maneira compassada e, no silêncio da sala, as palavras ecoavam estranhas e morriam. De quando em quando, de algum quarto distante chegavam vozes infantis e o barulho do sapateado das crianças.

"Se ocultas o rosto, eles se perturbam" — anunciou o livro dos Salmos. "Se lhes cortas a respiração, morrem e voltam ao seu pó. Envias o teu Espírito, eles são criados e, assim, renovas a face da terra. A glória do Senhor seja para sempre!"

O rosto da morta estava severo, calmo, majestoso. Nada se movia, nem na fronte limpa e fria, nem nos lábios cerrados e enrijecidos. Ela era toda atenção. E será que ao menos agora ela compreendia essas grandes palavras?
IV

Um mês depois erigiu-se um jazigo de pedra sobre a sepultura da morta. Sobre a do cocheiro ainda não havia nenhuma campa, apenas uma relva verde-clara brotava do montículo de terra, único vestígio de um homem que havia passado pela existência.

— Serioga, tu vai cometer um pecado se não comprar a campa para o Khviédor — disse a cozinheira da estação de posta. — Tu dizia assim: é inverno, é inverno. Mas agora, por que não mantém a palavra? Foi na minha frente que tu prometeu. Ele já veio pedir uma vez, e se tu não compra, ele volta e dessa vez é pra te estrangular.

— Que nada! Por acaso eu estou recusando?! — respondeu Serioga. — Eu vou comprar a campa; já disse que vou comprar; vou comprar por um rublo e meio. Não me esqueci, mas é que precisa trazer. É só ir na cidade que eu compro.

— Devia pelo menos colocar uma cruz lá, é isso que você tinha que fazer, — retrucou um velho cocheiro — senão isso vai é acabar mal. As botas tu tá usando, né?

— E essa cruz, onde é que se vai arranjar? Não dá pra fazer de lenha, né?

— Isso lá é coisa que se diga? Claro que de lenha não dá pra fazer; tu pega o machado e vai mais cedo pro bosque, e então tu faz. Tu pega e corta um freixo. Ou então tu vai ter que dar vodca ao guarda florestal. Pra toda essa canalha não há bebida que chegue. Faz pouco eu quebrei a trave da carruagem e cortei uma senhora tora e ninguém deu um pio.

De manhã bem cedo, mal começou a clarear, Serioga pegou o machado e foi para o bosque. Por toda parte estendia-se um manto de orvalho frio e fosco que caía insistente e que o sol não iluminava. O nascente mal começava a clarear, fazendo sua frágil luz refletir no firmamento encoberto por nuvens ralas. Não se mexia um só talo de capim e uma única folha nas copas. Só de quando em quando uns ruídos de asas entre as árvores compactas ou um leve farfalhar pelo chão quebravam o silêncio da mata. De repente, um som estranho, desconhecido da natureza, espalhou-se e congelou na orla do bosque. E de novo ouviu-se o mesmo som que passou a se repetir de forma regular, embaixo, junto ao tronco de uma árvore imóvel. A copa de uma árvore estremeceu de forma incomum; suas folhas viçosas sussurraram algo; uma toutinegra pousada em um galho esvoaçou duas vezes, piando, e pousou em outra árvore, remexendo a caudinha.

Embaixo, o machado ressoava cada vez mais e mais surdo; as lascas brancas e molhadas de seiva voavam sobre o capim orvalhado, ouvindo-se um leve rangido após os golpes. A árvore estremeceu por inteiro, inclinou-se e aprumou-se rapidamente, vacilando assustada sobre sua raiz. Por um instante, tudo ficou em silêncio; mas a árvore tornou a se inclinar e ouviu-se mais uma vez o rangido de seu tronco; e ela despencou de copa na terra úmida, quebrando e soltando os ramos. Cessaram os sons do machado e dos passos. A toutinegra piou e voou para mais alto. O ramo em que ela roçou suas asas balançou por algum tempo e estacou, como os outros, com todas as suas folhas.

As árvores, ainda mais alegres, pavoneavam seus galhos imóveis no espaço aberto há pouco.

Os primeiros raios de sol infiltraram-se por entre as nuvens, brilharam lá no alto e correram a terra e o céu. A neblina derramou-se em ondas pelos vales; o orvalho começou a brincar na relva; nuvenzinhas brancas e transparentes dispersavam-se apressadas pelo firmamento azulado. Os pássaros revoavam sobre a mata espessa e, sem rumo, gorjeavam felizes; folhas viçosas sussurravam radiantes e tranqüilas nas copas, e os ramos das árvores vivas mexeram-se lentos, majestosos, sobre a árvore tombada e morta.

Fonte:
Texto acima, escrito em 1858, extraído do livro "O Diabo e Outras Histórias", Cosac & Naify Edições — São Paulo, 2.000, pág. 29, tradução de Beatriz Morabito e Beatriz P. Ricci, há um narrador exuberante que — num clima de impressionante beleza poética ditada pela natureza — conta a história de três mortes: de uma senhora nobre, de um cocheiro e de uma árvore. Disponível em http://www.releituras.com/lievtolstoi_menu.asp

Imaginário Popular (História do Jesus mendigo)

Eram dois homens que viviam naquela cidade, um pobre e o outro rico, mas ambos muito religiosos e tementes a Deus.

Ora, Jesus querendo experimentar qual deles o amava verdadeiramente com maior veneração, anunciou-lhes que em certo dia iria jantar em companhia de cada um.

O homem rico mandou preparar mesas lautas, acepipes delicados e abundantes, frutas cheirosas e raras, e as festas começaram a ser participadas com uma solenidade de espantar.

O pobre, que apenas possuía uma galinha, mandou matá-la e assá-la no espeto. Preparou modestamente a sua mesa e esperou Cristo.

À tarde apresentou-se um mendigo à porta do homem rico, pedindo esmola, e o dono da casa despediu-o brutalmente, dizendo:

— Espero hoje o Nosso Senhor Jesus Cristo para jantar comigo, e não quero desmanchar minha mesa.

O mendigo voltou ainda pela segunda e pela terceira vez, com outros trajes e feições, e foi sempre despedido do mesmo modo grosseiro e mau.

Então apareceu ele à porta do homem pobre, bateu e pediu uma esmolinha pelo amor de Deus, que estava a morrer de fome. Ficou o pobre sem saber o que fazer, e a mulher lembrou-lhe por fim que poderiam tirar uma asa da galinha e dá-la ao mendigo, sem que Cristo reparasse naquela falta, pois a galinha seria colocada no prato de modo que o lado da asa cortada se achasse virado para baixo. Assim fizeram.

Eis porém que pouco depois surge outro mendigo pedindo outra esmola, pois morria de fome. Novas dúvidas e hesitações, novos cálculos e nova asa de galinha cortada para não deixar o pobre ir sem nada para comer.

Mas aparece o terceiro mendigo e a perplexidade dessa vez cresce de um modo terrível. Como haviam eles de fazer, se já não havia mais asas a cortar?

O marido e a mulher puseram-se a coçar desanimadamente a cabeça, enquanto o mendigo gemia, sentado do lado de fora da porta, mas nem um nem outro tinham coragem de enxotar o pobre sem nada lhe dar. Resolveram finalmente cortar uma coxa da galinha, e levaram-na com toda a delicadeza. Imediatamente o pobre levantou-se da soleira, transformado e belo; caíram no chão os andrajos que lhe cobriam o corpo e a mais fina túnica de lã, alva como o leite, envolveu-lhes as formas.

Era o próprio Cristo, que penetrou no humilde lar, chegou-se à mesa do homem pobre, ergueu a mão sobre a galinha. No mesmo instante reapareceram no seu lugar as duas asas e a coxa cortadas, e delas voou uma bonita pomba branca, que foi pairar sobre a cabeça dos donos da casa, atônitos e reverentes.

Então Jesus lhes disse:

— Cumpristes a minha lei, que ordena a caridade para com os pobres, e por isso sereis felizes, na terra e no céu, como o quer a minha vontade.

Assim sucedeu. Eles foram venturosos em vida e Deus os levou depois da morte para o paraíso dos justos e caridosos.

O homem rico foi para o inferno.

Fonte
(Carmen Dolores. Lendas brasileiras; coleção de 27 contos para crianças. São Paulo, Sá Editora, 2006, p.81-83). Disponível me http://www.jangadabrasil.com.br/

Imaginário Popular (Estórias de João Alfaia)

Com a finalidade de registrar algum material sobre estórias, causos ou contos folclóricos, gravamos em diferentes coletividades da região investigada, para a Campanha de Defesa ao Folclore, exemplares desses relatos orais narrados por contadores conhecidos como tais nas mencionadas coletividades. Dessas gravações releva notar, pelo caráter dramático que assumiu a narrativa, a que teve lugar em Cabelo Gordo, um bairro de São Sebastião (SP).

Lá havíamos ido de barco pensando em pesquisar um fandango, que tínhamos programado de acordo com João Ramos de Morais, mas que por razões ignoradas ou pelo menos não explicadas suficientemente deixou de se realizar. Passamos então, a tarde a andar de lá para cá, tratando de ver se ainda conseguiríamos algo, para aproveitarmos a viagem. E ao cair da noite, enquanto esperávamos o caminhão que nos levaria de volta a São Francisco, onde estávamos hospedados, ficamos conversando com João Ramos de Morais, apelidado de João Alfaia, que se revelou para nós um extraordinário contador de estórias.

João Alfaia, como é mais conhecido, é um homem de perto de 70 anos, de cor branca, crestada de sol, que trabalha como pescador e também exerce as funções de zelador de um laboratório de pesquisas montado em Cabelo Gordo pela faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo. Forte, enxuto, muito vivo e inteligente, é capaz de ficar horas a contar estórias, dramatizando-as na voz, nos gestos e na máscara facial e assumindo, por isso, importante função social no meio em que vive pela força aglutinadora da sua narrativa.

Conhecidíssimo na região e participando inclusive com o próprio nome de pasquins, João Alfaia nos ofereceu a primeira oportunidade de gravar importante documentário, pelos espécimes de literatura folclórica em prosa da região, pelo caráter da narrativa e também como exemplos da linguagem de um autêntico caiçara que ele é, com antiga ascendência portuguesa.

O breve do lenho de Cristo

Um homem caiu doente, né? com reumatismo. Entrevou na cama. Não podia trabalhar. Então, foi indo, foi indo, mais ele com muita amizade com o compadre. O compadre podia, era rico, e a mulher, num sei lá, um sofrimento que teve que foi preciso fazer uma promessa à Itália, a romaria né. E ela ficou boa. Então foi a rimaria.

Então, daí, o compadre veio na casa dele:

— Compadre, olhe aí, eu vou pra Itália. Vou fazê uma romaria.

Então ele disse assim:

— Compadre, eu vou lhe pedi um favor, me traga um pedacinho da cruz de Cristo, do lenho de Cristo, num é, pra eu fazer um breve pra vê se eu fico bem.

Chegou lá, fez a romaria dela, cumpriu a promessa dele, quando ele veio imbora, esqueceu-se do pedacinho, de pedir lá o pedacinho do pau, do lenho de Cristo. Quando ele viu, disse à mulher:

— Mais que esquecimento.

A mulher:

— Do que você se esqueceu?

— Me isquici.

— Se esqueceu de arguma coisa que num pôs na mala?

— Não é, me isquici da encomenda de meu compadre. Um pedacinho do lenho de Cristo. Eu num truxe. Mais num tem nada, ele fica servido da mesma forma. Eu vou cortá um pedacinho do barco.

Tava cum canivete, cortou.

E havia fantasma nesse lugar que eles morava, né? Aí, ele chegou, descansou, esse dia foi lá.

— Compadre, bom dia.

— Bom dia, compadre, como vai o sinhô?

— Ah, compadre, eu aqui todo encorcolado. Todo danado, mesmo, num posso me levantar. Trouxe minha encomenda?

— Ah, tá aqui, compadre, ah tá aqui, olha aí, um pedacinho da cruz de Cristo. Eu pedi ao padre e o padre me mandou cortar. Está aqui.

— Oi mulher, venha cá. Oi mulher, me faz um breve.

Então, ela fez um breve, cortou um pedacinho de pau, fez o breve, costurou no pescoço. Logo noutro dia foi sintino a melhorar, e sintino, e sintino, e sintino, que era de hora em hora, de passo em passo aqui antes de dois meses ele apruma-se. Aprumou-se.

Ele morava num lugar, num subúrbio, mas pra ele ir lá na freguesia passava na serra, né? E ele tudos os sábados ia fazer o negócio dele. Carregava o burrinho de mercadoria e ia fazer a compra dele lá. E assim foi indo, quando foi um dia ele foi, de tarde. Chegou lá e fez a compra dele. Anoiteceu, pegou os amigo dele:

— Pois é, mas você vai agora?

— Vou, vou porque tenho medo de ficar aqui, porque minha mulher tem cuidado. Sou obrigado a ir. E foi. Chegou no meio da serra, olha a bicha pra frente: a fantasma. Apareceu, foi crescendo e ele:

— Olha lá, tô perdido. E foi indo, foi enfrentando, enfrentando. Quando chegou foi quase, chegou pertinho, ela foi dobrando, e veio vindo, veio vindo, quando estava meia braça pra chegar em cima dele, pra esbagaçar com ele, ele tirou o breve e afirmou-se contra a visão, a visão chegou e respondeu pra ele:

— É, tás salvo, mais vale a tua fé, porque o pau é do barco.

Pedra de cevar

Tem samambaia também. Conhece a pedra de cevar, que faz casar velho com moça, moça com velho, eles casam que a pedra de cevar obriga.

É arte do diabo em diabólica. Ele quer ser vintorioso, faz casamento, né? E faz um preto casar com branca, uma branca casar com preto, a pedra de cevar é do diabo. Porque Sexta-feira da Paixão tem a samambaia. A samambaia é um arvoredo que dá no mato. Ela então faz assim. Sexta-feira da Paixão de manhã, ela dá o botão, às 10 horas do dia ela vinga a flor, num é? às 4 horas, ela tá ali, ela tá verdulenga, querendo amadurecer, num é? Quando chega às 10 hora pra meia-noite, meia-noite ela amadurece, tá podre. Agora, o sinhor quer ter a pedra de cevar: é aquela fruta. É o diabo, né? Agora, abre em baixo do pé da samambaia, abre uma toalha e acende quatro vela. Está ali quando chegar meia noite, antes da frô cair, a fruta cai, tem uma voz que responde. Quando a fruta cai que chega na toalha, ele pergunta: — Quem pega!

O senhor tem coragem: — Pego eu.

Segura. Aí, ele vem brigar. Uma briga pá danado, né? É rastera, é cabeçada até outro dia. E vá se desviando dele, né? Vá se desviando, porque quando o galo canta ele desaparece. Aí está a pedra de cevar. Aí dá sorte. Ele come uma agulha por dia, uma agulha de aço. Porque é diabólica. Faz um breve, bota ela e pega aquela agulha põe dentro do breve ela chupa. Outra de vinte em vinte e quatro hora. Assim conserva que ela fica vinturosa. A samambaia a que ele se refere é um pé de jiçara, como um palmito, é samambaia da jiçara. A jiçara o senhor nunca vê com fruta. A fruta da jiçara só dá na sexta-feira da Paixão, a jiçara floresce e aí é a pedra de cevar.

O diabo ensina a tocar viola

Os tocadores que não sabem tocar, então eles espera pela Sexta-feira da Paixão. Sexta-feira da Paixão, ele vai na venda, de manhã, compra uma viola, que nunca ninguém pegasse. Compra na venda um encordoamento, encordoa aquelas dozes cordas, deixa direitinho e quando chega essas horas, assim, põe numa encruzilhada. Quando chega lá pela meia-noite, afina aquela viola que deixa que nem um sino, deixa direitinha, começa a tocar e cantar todas as espécie de música e o sujeito tá ali, espiando, né? Agora, quando antes do galo cantar, que vê que ele num pode, num pode está ali, ele pega na viola e vem brigar co home, né? Briga, luta daqui, luta dali, quando o galo canta a primeira vez ele larga e vai embora. Quando é outro dia tá o tocador. O moço vai tocar, tá tocando que nem o diabo.

Fonte:
Estória de João Alfaias. In LIMA, Rossini Tavares de (e outros). O folclore do litoral norte de São Paulo; Disponível em http://www.jangadabrasil.com.br/

Imaginario Popular (Quero-Quero)

Nos velhos tempos, passados, quando estas coxilhas, estes campos, estas várzeas, não eram de ninguém havia um índio dos Tapes, chefe de tribo, valente, que tinha um filho pequeno, guri assombro da idade.

Vai um dia, o indiozito se chega ao pai e lhe pede:

— Pai, eu quero lutá na primeira peleia que gente nossa peleá...

O índio velho mirou o filho de cima a baixo e lhe respondeu com ar carrancudo:

— Filho, muito pequeno! Guri não é pra peles!

— Pai, eu já sei montá cabaiú... eu quero peleá!

— Guri não é pra peleia!

E o piazito insistente, já com borbolhas nos olhos, quase explodindo num choro, tornava a implorar ao pai:

— Pai... eu já sei atirá incupuiá! Eu quero... eu quero peleá!

— Guri não pensa em peleia... Guri vai ajudá prantá abati!

E o velho chefe, erguendo o braço com firmeza, indicou o mandiocal, para onde o piazito se foi correndo, dizendo sempre a chorar...

— Eu quero... eu quero peleá!

Eu quero! Eu quero! E o indiozito, na sua obsessão guerreira, voltava por vezes a implorar, para que o pai lhe deixasse um dia tomar parte, num intreveiro sangrento. — Eu quero! Eu quero! E de tal forma repetia este pedido, que acabou grangeando o apelido de quero-quero, entre os índios irmãos da tribo, que achavam graça ao vê-lo tentando convencer o velho pai, a deixá-lo um dia pelear.

Mas, vejam só como são as coisas:

Um dia, gente estranha invadiu o pampa, e fio então, que a indiada revoltada, alçou a perna no pingo e se atirou na luta, em defesa de seus direitos, que só Deus lhe poderia quitar! E impeçou refregas... as refregas medonhas, seu! E foi numa dessas heróicas e fatais refregas, que o causo se deu.

Seguindo a pista do inimigo, a horda havia acampado numa várzea estreita, para um descanso ligeiro. Há muitas luas a guerrilha era constante. O inimigo já em fuga... alquebrado... quase derrotado... seria fácil alcançá-lo e liquidá-lo de vez. Toda a tribo então dormia, inclusive as sentinelas, que fatigadas e de certo confiantes na calma da noite e fiados na fraqueza do inimigo, se haviam entregado ao sono profundo. Foi quando a lua, destapando na coxilha, estendeu pela beira da encosta, a silhueta de um vulto. Era... era o gurizito... o indiozito... o mania de peleador... o Quero-Quero.

Sim, senhor. Pois não é que o teimoso, que havia ficado nas "casa", por ordem do pai que vinha em luta e lhe proibira de segui-lo, não pôde resistir às ganas e mal a oportunidade lhe sobrou, largou-se atrás da horda guerreira. Não lhe foi difícil alcançá-la, pois já montava muito bem o cavalo, como ele próprio dizia, assim foi que, gineteando um alazão fogoso, chegou a borda da colina, e, apeando, pra não alarmá ninguém, vinha se chegando a los passitos, rumo ao acampamento adormecido. Mas, veja só! Foi, parece, o destino, quem trouxe o diabinho ali. O inimigo astucioso e traiçoeiro, voltando cautelosamente, vinha surpreender os índios descuidados, numa emboscada fatal. E foi justamente quando o piazito chegava e ao olhar para trás, como a medir a distância, avistou de relancina, aquilo que lhe fez gelar o sangue nas veias: a força traiçoeira que já vinha em riba, na iminência do golpe.

O indiozito não vacilou. Pulando ao lado do pingo, abriu a boca e gritou... gritou com toda a força da goela:

- Pai! Irmãos! Alerta! O inimigo!... O inimigo!

Amigo, foi água na fervura! O inimigo cruel, impiedoso, atacou! A primeira vítima foi o guri.

Depois... bueno, depois quando as barras do dia impeçaram a surgir, aquela várzea tava que era uma sanga de sangue! O descuido da horda, proporcionou ao inimigo uma oportunidade tremenda. Só se via no campo da batalha, índios estendidos, mortos... outros agonizando. E, apontando aqueles corpos sangrentos, haviam pontas de lanças, coloriando de sangue indígena. E isso que os índios pelearam, seu! Mas, ali, bem na beira da coxilha, estirado na relva úmida, de braços abertos, cara virada pro céu, tava o gurizito valente... o Quero-Quero, dentro duma poça de sangue, morto... com a boca entreaberta, como se um grito de luta, lhe pairasse ainda nos lábios.
E é aí que conta que o mistério se deu. — Quando o sol apontou os primeiro raios dourados, o corpito que parecia sem vida, foi aos pouquitos se mexendo... se mexendo e, daí a alguns instantes, o gurizito valente, ia aos poucos se firmando de pé. Depois, passando a mão pelos olhos, como quem sente fumaça, olhou a coxilha, olhou a várzea e aí, com o olhar reascendido numa gana feroz, desceu, meio de arrasto, pra várzea e, chegando junto ao pai morto, agarrou duas pontas de lança coloradas de sangue, botou-as debaixo dos braços e, mirando a ponta da coxilha, com voz moribunda, mas firme, gritou com fero entusiasmo:

— Eu quero! Eu quero pelear! Eu quero!

E ao último grito de quero, tombou... tombou pra sempre. E de seu corpito inerte, elevou-se então uma sombra enfumaçada que aos poucos foi se tornando clara até tomar a forma perfeita de um pássaro que abrindo as asas elevou-se soltando gritos de Quero! Quero! — Vontade talvez que lhe ficou de lutar, aviso, quem sabe, pra que o gaúcho, sempre alerta, não fosse nunca mais atraiçoado.

Fonte:
Costa, Dimas. "Quero-quero". O Dia. Porto Alegre, 17 de fevereiro de 1957