segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A Obra e o Pensamento de Salman Rushdie

Tempos atrás um escritor poderia passar meses na cadeia se não tomasse cuidado com o que colocasse no papel, poderia arruinar toda a sua vida com uma simples estrofe. Eram tempos difíceis, mas as palavras, talvez por serem armas de poucos eram muito mais temidas e perigosas. Hoje estamos acostumados a ler todo o tipo de coisa, não existe mais aquele lado romântico aonde mesmo indo a forca o escritor sabia que sua mensagem havia mexido com alguém e realizado alguma coisa. São poucos os artistas que conseguem irritar as autoridades com uma idéia e uma caneta na mão, e é exatamente este o caso do Indiano Salman Rushdie

De personalidade assumidamente anti-islâmica e rebelde o autor confessa. “Tenho um talento especial para irritar as pessoas. Sou um inimigo natural.”. Salman é declaradamente anti-religioso se considerarmos como religião as manifestações institucionalizadas encontradas ao redor do mundo. Segundo ele ”inventamos Deus só por duas razões: para saber de onde viemos e como devemos nos comportar. Mas as origens das religiões são falsas e quando impõem uma ética, as pessoas começam a ser torturadas e mortas". Ou seja o escritor coloca-se desde inicio contra toda a religião oficial, e talvez por ter nascido no oriente devotou-se a ser um inimigo especial do Islamismo.

Sua carreira começou com a publicação daquele que talvez exatamente por ser o mais ousado e criticado seja até hoje é seu livro mais vendido; “Versos Satânicos” conta de forma romanceada a experiência pessoal do autor com o islamismo e sua subseqüente frustração. O livro conta com diálogos inteligentes, narrações surrealistas e fatos concretos e históricos. O livro todo de forma implícita ou explicita reserva criticas acidas ao niilismo, ao cristianismo, ao hinduismo, ao ocidente ao oriente, e, mas especialmente as nações islâmicas.

Entre diversas outras criticas encontramos, por exemplo, as evidências de que o Alcorão foi inventado por Mohammad, e que esta suposta revelação surgia de acordo com as necessidades, políticas, econômicas, e até mesmo pessoais do período em que o dito profeta vivia em determinado momento. Segundo Salman e diversos outros estudiosos, Mohamad sofria de ataques epiléticos e soube da mesma forma que os xamãs ameríndios transformar sua estranheza em uma ferramenta de controle sobre os outros homens. O profeta do Islam soube servir-se de sua debilidade para confirmar suas revelações, afirmando que suas crises eram devidas a contatos diretos e diálogos espirituais que tinha com o Arcanjo Gabriel.

No meio do romance Rushdie ainda faz referência aos primórdios pré-islamicos quando Allah ainda era somente o nome de um entre centenas de ídolos adorados do panteão árabe. Allah e suas filhas Al Lat, Al Uzza e Manat eram largamente adorados em toda a Meca e região. No inicio da pregação de Maomé era permitido adorara Allah e parar pela intercessão de suas filhas, somente mais tarde quando sua influência cresceu é que o culto único a Allah foi imposto.

Como se não fosse o bastante Rushdie expôs de forma nua e crua a opressão contra a mulher e o fascínio e medo do mundo islâmico de ser dominado pelos valores do Novo Oeste. Segundo o autor “Para um número imenso de muçulmanos "crentes", "o islã" representa, de maneira confusa e apenas semi-analisada, não apenas o temor a Deus -e, desconfia-se, é realmente mais de temor do que de amor que se trata-, mas também um conjunto de costumes, opiniões e preconceitos que incluem as práticas alimentares, a reclusão ou quase reclusão forçada de "suas" mulheres, os sermões proferidos pelos mulás de sua preferência, a aversão à sociedade moderna em geral, repleta de música, sexo e a ausência do divino e uma aversão (e medo) mais específica diante da perspectiva de que o mundo que os cerca possa ser dominado pelo estilo ocidental de vida -"ocidentoxicado", por assim dizer.”

Seu livro seria visto com curiosidade e interesse por ocidentais, já menos ligados a forças religiosas do que o restante do mundo, mas no oriente, especialmente nas nações islâmicas onde a teocracia ainda está acima do individuo, o livro foi declarado uma das maiores blasfêmias já escritas e a reação muçulmana foi fortíssima. Protestos e manifestações titânicas vieram das massas muçulmanas da Turquia, Índia e Paquistão. Em outros países a reação foi ainda mais forte.

Com a publicação de Versos Satânicos, o aiatolá Khomeini, a figura mais forte e carismática do mundo muçulmano naquele período, declarou através de um decreto religioso que " é obrigações de todo o glorioso povo muçulmano cooperar para que o autor dos Versos Satânicos, livro que é contra o Islam, o Profeta e o Alcorão, e todos os que estão envolvidos na sua publicação e estavam conscientes do seu conteúdo, sejam desde agora condenados à morte por ofensas graves contra Allah." Livrarias foram saqueadas, e incendiadas. Uma fundação iraniana conhecida como Khordad ofereceu a recompensa de dois milhões e meio de dólares a quem desse provas de ter matado Rushdie. Além disso mais de quinhentos iranianos ofereceram vender um dos seus rins voluntariamente para financiar a execução do autor.

Rushdie passou toda a década seguinte vivendo na clandestinidade fugindo de país em país, trocando constantemente de identidade e endereço. Companhias aéreas se recusavam a transporta-lo sob a alegação deste ser uma ameaça para a segurança dos outros passageiros. Em 1989 Khomeini morreu e segundo as leis islâmicas em que um decreto religioso só pode ser anulado por que o decretou, a condenação de Salman passou a ser eterna. Dois anos depois, Hitoshi Igarashi, tradutor de Versos Satanicos para o japonês foi morto a facadas por radicais islâmicos, Ettore Capriolo, tradutor italiano teve mais sorte e sobreviveu por pouco de um ataque em Milão e em 1993 William Nygarrad, editor norueguês do livro escapa da morte após levar quatro tiros nas costas. Os Editores Chineses da obra receberam mais de cinco mil cartas ameaçadoras inclusive mais de vinte ameaças de bomba.

Hoje em dia Rushidie já aparece mais na mídia, mas ainda faz parte do programa de proteção da policia britânica para a qual pediu exílio. De cabelos grisalhos com sua terceira esposa e talvez mais sarcásticos do que antes o autor é um dos inimigos mais ativos do fundamentalismo religioso. Seu nome tornou-se símbolo de uma nova forma critica de se pensar e se expressar que vem contribuindo na luta contra o fundamentalismo no Oriente. A cada ano mais e mais “Rushies” surgem. Como o próprio autor gosta de colocar: “Ou os muçulmanos reformulam o Islam, ou os Rushdies farão isso por eles.” Mesmo perseguido e condenado à morte, Salman foi autor de mais alguns livros, todos é claro primando por sua própria dose de rebeldia contra o status quo. Segundo suas próprias palavras, seu plano pessoal para a vida é escrever livros até cair e morrer nesse processo. “Sinto que minha cabeça está cheia de livros", diz ele. De qualquer forma, o escritor arca com as responsabilidades de dizer para a massa ignorante o que ela não quer ouvir. A grande ironia é que o homem que “matou” o Profeta profetizou seu próprio futuro em sua própria obra, como lemos no seguinte trecho de Versos Satanicos:

Um livro é o produto de um contrato com o Diabo que inverte o contrato Faustiniano, disse ele à Allie. Dr. Faustus sacrificou sua eternidade em troca de dois anos de poder; o escritor concorda em arruinar sua vida e ganhar (se tiver sorte!) senão a eternidade, pelo menos a posteridade. De qualquer forma é sempre o Diabo que sai ganhando.” Salman foi um destes que teve sorte e saiu ganhando talvez por ser o próprio Diabo. Ele realizou o sonho romântico de todo artista, afinal seus inimigos foram no fim os maiores promotores da própria obra que os denegria. Rushidie tornou-se imortal no exato momento em que foi condenado à morte.

Fonte:
http://www.mortesubita.org/

Elizabeth Kostova (O Historiador)

O Historiador consumiu 10 anos de pesquisas da autora, Elizabeth Kostova, e é inspirado na história real de Vlad, o Conde Drácula, numa mistura magistral de folclore e mito, com preciosos dados históricos, antropológicos e geográficos. Mas a explicação de seu imenso sucesso está na força dramática do seu enredo e na imensa vitalidade de seus personagens.

Certa noite bem tarde, ao explorar a biblioteca do pai, uma jovem encontra um livro antigo e um maço de cartas amareladas. As cartas estão todas endereçadas a "Meu caro e desventurado sucessor", e fazem mergulhar em um mundo com o qual ela nunca sonhou - um labirinto onde os segredos do passado de seu pai e o misterioso destino de sua mãe convergem para um mal inconcebível escondido nas profundezas da história.

As cartas fazem alusão a um dos poderes mais maléficos que a humanidade jamais conheceu, e a uma busca secular pela origem desse mal e sua erradicação. É uma caça à verdade sobre Vlad, o Empalador, o governante medieval cujo bárbaro reinado gerou a lenda de Drácula. Gerações de historiadores arriscaram reputação, sanidade, e até mesmo as próprias vidas para conhecer essa verdade. Agora, uma jovem precisa decidir continuar ou não essa busca - e seguir seu pai em uma caçada que quase o levou à ruína anos antes, quando ele era um estudante universitário cheio de energia e sua mãe ainda era viva.

Fonte:
http://www.americanas.com.br

Jean Paul Bourre (Vlad Tsepesh, o Conde Dracula)

Na Transilvânia, a uma altitude vertiginosa acima de uma paisagem selvagem, toda florestas e ribeiros, eleva-se uma cidadela inacessível onde, enclausurado voluntariamente, vivia noutros tempos um príncipe...

Este solitário não tinha senão um único fim: transpor os limites da morte e entrar vivo na eternidade. Drácula, eis o nome deste amante das ciências malditas. Nosferatu, isto é: o «não morto», aquele que não morre nunca.

Como ele, outros senhores poderosos transformaram os seus castelos romenos em ninhos de águias, ficando discípulos do Anjo Negro, Lúcifer. Esses sim, praticam o verdadeiro vampirismo, alquimia do sangue e da morte.

Nosferatu pode escrever-se só no plural porque não há só um nosferatu. Se Drácula, o príncipe Vlad Drakul, cuja história romena recorda, é considerado como o soberano dos adeptos da noite, ele não é único «não morto». Outros pertenceram ou ainda pertencem a essa cadeia onde os segredos do sangue se transmitem do mestre para o discípulo.

Os vampiristas conhecem o ritual de chamamento à vida, o ritual do despertar que se pode encontrar no Livre Sacré d’ Abramelin le Mage. Foi a partir deste manuscrito que formou a primeira cadeia dos «não mortos» que se espalharia pela Europa inteira.

No âmbito da magia e terror tal como se passa com os elfos, os papões, as fadas, o lobisomem etc., nós vimos o vampiro aparecer com rara constância nas lendas e tradições populares. No entanto, a lenda não é somente uma «crença popular», uma vaga superstição de que nos lembramos. Ela pertence sempre a uma realidade esquecida, temerosa.

A história revela-nos que o conde Drácula não era conde mas príncipe e que reinou em Valáquia, província dos Cárpatos,de 1456 a 1462. É também conhecido pelo nome de Vlad Tepes, o que quer dizer vlad o empalador. O historiador Florescu descreve-o como especialista em empalamento e tortura, homem sanguinário e destemido guerreiro.

«Ele empregava», escreve ele, «estacas e lanças que precisavam ser afiadas, para que as perfurações não provocassem imediata agonia e antes intensificassem o sofrimento dado o tipo de chaga alargada que daí resultava

A Romênia – especialmente a Transilvânia de século XV tem a marca do vampiro. Tudo, desde a busca mágica do príncipe Drácula, a criação da Ordem do Dragão por Segismundo I da Hungria que se tornou ponta de lança da cavalaria das trevas, uma ordem vampírica a que toda a aristocracia da Transilvânia aderiu, os Drácula, os Garai, Cillei e outros, tudo ali existe.

A crueldade de vlad ficou na lenda.

«Ele foi vlad Tepes, o tirano. Nada o satisfazia tanto como ver os seus inimigos no estertor e sofrer quando empalados. Conta-se que no meio dos moribundos suspensos de estacas ele se fazia servir das mais lautas refeições, para mostrar que o espetáculo cruel e a forma de matar os inimigos não lhe roubava o apetite.» (F. R. Dumas.)

Em Târgoviste ele empalou, na Páscoa de 1459, quinhentos Boyards. A 24 de Agosto de 1460, os anais da Romênia precisam que ele matou – após torturas e suplícios – 30 000 prisioneiros em Anilas:

Enfim, matou de muitas e diversas maneiras, torturando com a ajuda de utensílios, fazendo atrocidades que só o mais tirano dos tiranos poderia conceber.

O papa Pio li ficou horrorizado. O bispo d’ Erlau, em 1475, secundou a acusação de que o número de vítimas do príncipe Drácula se elevava a mais de cem mil pessoas.

Sendo ele cristão ortodoxo, a sua excomunhão tê-lo-ia atirado para os infernos! E não foi citado que, após ter conquistado Kroonstadt, fez dos seus habitantes prisioneiros levando-os para a capela de S. Jacques, para a Igreja de S. Bartolomeu e para o mosteiro de Holtznetya onde, depois de roubar os paramentos e os cálices, deitou fogo aos edifícios com as pessoas lá dentro, matando todos os que ali se encontravam.

Com a aparição de um tal Eleazar, chegado do Egito, detentor do famoso Manuscrito de Abremelin, é que tudo afinal começou...

Uma seita do Egito revelou-lhe os mistérios da morte e as técnicas que permitiriam obter-se um aspecto de imortalidade. Chegado a Veneza, transmitiu para a escrita tudo o que ouvira da boca de Abramelin, no Egito. É em Veneza que põe em prática a sua ciência sobre os mortos... de um modo eficaz e terrífico. Alguns jovens mais ousados agruparam-se à sua volta e formaram o primeiro elo desta cadeia européia. Este saber vinha das práticas de Osíris, o deus dos mortos-vivos do Egito, aquele que foi desmembrado antes de se tomar imortal.

Nas primeiras páginas do manuscrito maldito, Abramelin revela através da escrita de Eleazar: «Imagina a que ponto a nossa seita se tornou maldita que ultrapassa o gênero humano... de tal modo que em ti , não se manterá para além de uns setenta e dois anos... e outra virá continuar-lhe caminho.»

O discípulo de Abremelin deixou Veneza, onde ficou um grande número de partidários que se instalou na ilha de Lagune, ilha essa onde noutros tempos se orara ao dragão das águas, o que prova que nada se escolhe por acaso...

Eleazar chegou à Hungria, onde se tornou conselheiro, em matéria de ocultismo, do imperador Segismundo, iniciando-o nas práticas de Abremelin.

O imperador da Hungria acabava assim de descobrir uma resposta para as suas angústias, um remédio para o seu temor à morte. Aconselhado por Eleazar fundou a Ordem do Dragão na mitologia do sangue.

Vlad o Diabo, príncipe da Valáquia e pai de Drácula, pertencera a esta Ordem, onde foi iniciado nos mistérios do sangue segundo os ritos de Abremelin.

A seguir à morte de Vlad, Drácula subiu ao trono de Valáquia. Segismundo da Hungria doou-lhe as terras, feudos de Almas e Fagaras situados na outra vertente dos Cárpatos e é sob a bandeira do Dragão que ele combate os turcos, depois de prestar vassalagem ao grão-mestre da Ordem.

Na Ordem do Dragão vamos encontrar os grandes adeptos vampiros da Romênia, homens de armas e ao mesmo tempo praticantes da velha magia. As famílias Garai e Cillei, são conhecidas pela sua crueldade e despotismo, autênticas «eminências pardas» do imperador Segismundo. Hermann de Cillei foi o exemplo vivo desta aristocracia infernal!

As relações pervertidas que mantinha com a irmã bárbara tornaram-se do domínio público mas Hermann de Cillei gozava com o escândalo para o qual ele e sua irmã viviam.

Foi nessa altura que Segismundo I tentou a grande experiência do livro de Abramelin. Ele estava apaixonado por bárbara de Cillei que, ainda nova, cansada pelos seus excessos debochados, acabava de se envenenar. Bárbara de Cillei fora por muito tempo das cúpulas da ordem. Segismundo serviu-se do ritual próprio para ressuscitar esta jovem, segundo nos conta Eleazar através dos seus documentos.

O castelo de Drácula

Bárbara foi enterrada em Gráz, na alta Síria. Algum tempo depois, os seus despojos foram transportados para o castelo de Varazdin. Foi ela a inspiradora da obra prima da literatura vampiresca do século XIX: Carmila, de Shéridan Le Fanu.

Bárbara Cillei, a quem chamavam «a Messalina alemã», perturbou durante muito tempo a sua região, a acreditar-se nas crônicas da época.

O seu duplo ter-se-ia manifestado em 1936, em Varazdin, na atual Jugoslávia, e causou a morte a seis pessoas muito novas da aldeia. Na Transilvânia, a natureza oferece à vista profusão desordenada de montanhas que protegem estreitos vales, tornando assim o acesso muito difícil. Os cumes desnudados ergem-se sobre as aldeias, como que para lembrar as glórias antigas na época em que os enormes penedos suportavam verdadeiras fortalezas de muralhas sombrias, de maciças torres.

Foi aí que, fechado no seu ninho de águia, Hermann de Cillei escreveu a sua Pratique de Vampirisme, deixando às gerações futuras um verdadeiro manual de técnica (o segredo da «horrível transformação» transmitia-se entre as famílias da nobreza da Transilvânia, os Garaï, e os Dráculas, todos nobres da Ordem do Dragão).

«O vosso corpo imortal já existe», escreve Hermann Cillei. «Fazei crescer esta outra realidade em vós, tornai-vos confiante, deixai-vos possuir pelo Real. Sede aquele que nunca dorme, não sucumbe aos automatismos, nunca se esquece de si próprio nem um segundo, um ser que vence o coma e a morte. O vosso corpo prosseguirá. Como poderia ele resignar-se à lei da decomposição? O vosso espírito despertado retém as moléculas da carne. A partir de então o corpo não soçobrará, pois é a falta de vitalidade, de força anímica, que fazem o corpo tornar-se em pó. E o mesmo que tirar as pedras de cunha a uma casa.

»Em primeiro lugar é preciso agir sobre o nosso duplo astral, torná-lo autônomo, forçá-lo a sair do corpo, ensiná-lo a errar no plano astral, ensiná-lo a viver sem depender do corpo e dos seus hábitos. Logo que o duplo se souber governar perfeitamente, pode então a consciência abandonar o corpo e vir habitar o duplo. Depois da morte continuará a errar. Deveis pois alimentá-lo com a vitalidade que o vosso sangue contém


Pode imaginar-se facilmente Hermann Cillei metido numa das torres do seu castelo, fixando a chama hipnótica da vela, escrevendo o manual de vampirismo, já entre este mundo e o outro. Ouve vozes confusas vindas do passado, vê cenas terríveis de que as montanhas foram testemunhas... O vale está povoado por seres fantásticos, sombras que deslizam ao cair da noite... olhos que espreitam entre a escuridão...

A maldição plana como um abutre sobre os castelos da Transilvânia. Bárbara de Cillei morreu envenenada. A mulher de Drácula atirou-se do alto da torre do castelo, em 1462. Drácula voltou a casar-se – sem a bênção da igreja – e vive então na fortaleza de Sibiu. O filho, Mihnea, é tão mau como o pai. Alcunharam-no de Mihnea, o Mau. Também ele pratica decapitações, carnificinas, cortes de orelhas, empalamentos e estuda as «ciências» malditas para fugir à morte.

O príncipe Drácula – vlad Drakul – foi morto pelos turcos numa emboscada perto de Bucareste. Tinha 45 anos, e «foi enterrado subrepticiamente no mosteiro de Snagov sob uma laje sem inscrição. Quando em 1931 foi aberta a sepultura constatou-se que os seus despojos tinham desaparecido».

Que é que se passou? pergunta Ribadeau-Dumas: Os monges do mosteiro de Snagov, na floresta de VIasie, no meio de um grande lago, como existe um em Bucareste, mergulharam o caixão nessas águas ao ver chegar os turcos vitoriosos. Depois de afundado nunca mais se encontrou o caixão. Conta-se que no momento em que o mergulharam na água, teria surgido uma tempestade violenta, deitando árvores abaixo, rebentando os diques do lago, incendiando o mosteiro que desabou em seguida. Aos camponeses pareceu-lhes ouvir durante muito tempo tocar os sinos da igreja, igualmente arrasada nesta onda de destruição. Aquele lago ficou amaldiçoado!

»No século XX reconstruíram a igreja do convento, mas a nave abateu aquando de um tremor de terra em 1940. Hoje, apenas um monge ora nesta ilha, pelo repouso da alma do príncipe Drácula

Para se chegar ao castelo de Drácula, na Transilvânia, é preciso transpor o vale de Ollul, trepar o desfiladeiro da «Torre Vermelha», onde ainda existem ruínas de uma fortaleza militar. Estas ruínas levantam-se sobre a margem direita de uma ribeira, no alto de uma enorme falésia perpendicular à estrada. Encontramo-nos nas nascentes do Arges, por cima das quais brilha a neve dos montes Fagaras.

As aldeias são pobres, as casas modestas, os habitantes mais duros e menos sociáveis e hospitaleiros que os de outras províncias da romênia. A uns trinta quilômetros a jusante encontra-se a aldeia de Arefu onde lá em cima se ergue o ninho de águia de Drácula.

Numerosas lendas relatam a construção do castelo do terror. As crônicas da época dizem que Vlad Draklul reuniu trezentos nobres romenos na sala grande do seu palácio de Târgoviste, oferecendo-lhes um banquete suntuoso. Durante a festa, colocara à volta da sala os seus arqueiros que, a uma ordem sua, aprisionariam os convidados. E, como um rebanho, fez seguir os seus convidados até Arefu, onde chegaram dois longos dias depois.

Numerosas mulheres e crianças, diz a crônica, não agüentando a caminhada, pereceram a meio. Os que sobreviveram, logo se agarraram ao trabalho sob as ordens do príncipe Drácula. E assim construíram a fortaleza de Curtes de Arges, que seria mais tarde o ninho de águia do príncipe.

«A história não esclarece quanto tempo levou esta construção. Escravizados, acabaram por ver suas roupas cair, continuando a trabalhar nus; prosseguiram até tombar mortos pela fome, fadiga, frio e esgotamento...»

Foi assim com sangue que se construiu a fortaleza. Como se o suor, o sangue, a carne dos cadáveres tivessem servido de argamassa a esses pedregulhos.

O caminho que vai de Arefu ao castelo é duro. Uma hora a andar, antes de se atingir algumas pedras daquilo que foi uma das mais poderosas fortalezas de Valáquia. A vista é vertiginosa, distinguindo-se a mancha vermelha das aldeias espalhadas pelos contrafortes alpinos. Lá longe, para norte, luzem os picos de neve dos montes Fagaras.

No pátio do castelo o visitante apercebe-se dos vestígios de uma abóbada, toda coberta de vegetação. Muito perto, vê-se a parte de cima de um poço, cheio de pedras, como se as muralhas do antigo castelo tivessem sido aspiradas pelo abismo, obstruindo para sempre a entrada do mundo subterrâneo.

Ao lado do poço há uma escada enterrada no solo, sem dúvida uma passagem secreta, de que muitos relatos falam, com acesso a uma gruta que os camponeses de Arefu chamam Privnit (A cave), situada na margem de uma torrente. Passados alguns metros de escuridão surge um montão de pedras que barram o subterrâneo.

Os camponeses da região comentam muitas vezes sobre o castelo maldito mas hesitam em ir até lá, pois que o sombrio herói de Bram Stoker assombraria para sempre aqueles lugares.

Para Radu Florescu – o histonador romeno –. «Além da águia e do morcego, as ruínas são frequentadas pelas raposas que procuram os ratos e alguma ovelha ou carneiro que, extraviados do rebanho, caíram num buraco e, prisioneiros no matagal, ali venham a morrer.

»O regougar que os cães selvagens soltam à Lua, sobretudo quando respondem aos uivos, resulta num concerto noturno que não se ouve sem um calafrio. De vez em quando também um urso ou um lince descem os montes Fagaras até aí; mas os visitantes verdadeiramente perigosos são os lobos. Se Bram Stoker escoltasse a parelha de Drácula com as matilhas uivantes para os lados de Borgo, aqui, no alto vale de Argens, as pessoas seriam com certeza atacadas, pois a desolação de Inverno torna esses animais raivosos. Compreende-se assim que pernoitar no castelo de Drácula seja considerado um desafio à morte e mesmo os mais ousados raramente o fazem
».

Diz-se que em Arefu os raros aldeões que de noite vão ao castelo, só se aventuram levando consigo um velho missal que, afirmam eles, afasta «os espíritos do mal que rondam pelas alturas».

O vale dos imortais

No seu romance Drácula, Bram Stoker garante ter encontrado, em 1880, um professor Arminius, da universidade de Bucareste que lhe entregou um dossier «respeitante a V1ad V, filho de V1ad, o Diabo» atestando que depois da morte brutal, da sua inumação na ilha de Snagov, seguido do famoso cataclismo que arrasou a ilha, Drácula reapareceu como «vampiro».

«Pedi ao meu amigo que pusesse em ordem o seu dossier. Todas as fontes de informação levam a pensar que Drácula foi um voïvode que ganhou o seu apelido ao combater os turcos no grande rio, sobre a fronteira da terra turca. Sendo assim, não se trata de um homem vulgar, porque no tempo dele e nos séculos seguintes foi considerado o mais inteligente, o mais ardiloso e valente entre todos os que existiam para além das florestas (Transilvânia), Levou para o túmulo esse poderoso cérebro e um caráter de ferro que ‘utiliza agora contra nós’. Os Drácula, diz-nos Arminius, foram uma grande e nobre raça, ainda que certos descendentes seus (segundo os contemporâneos) tivessem pacto com o diabo. Aprenderam o segredo de Satanás no Scholmance, entre montanhas, sobre o lago Hermanstadt, onde o demônio se reclama, por direito, o décimo erudito.

»No manuscrito encontram-se palavras como estrgoica (feiticeira), Ordog (Satanás), polok (inferno), e ainda se diz neste momento que Drácula, era wampir».

Nos contrafortes dos Cárpatos, nos vales da Transilvânia, as aldeias fazem a época histórica dos Drácula. De longe em longe destinguem-se granjas de madeira, para onde o camponês conduz o seu atrelado. O caminho é escarpado, todo exposto ao sol ao longo das encostas íngremes que levam a cumes solitários. Umas vezes aparece uma cabana de caçadores, um cal vário... meio engolido pela vegetação. Outras vezes surge alguma ruína imponente coroando a colina, os muros de uma antiga fortaleza colocada de sentinela à entrada de uma garganta profunda, ao fundo da qual brilham como um espelho as águas de uma ribeira.

E fácil compreender por que este território inacessível foi noutros tempos a pátria dos Dácios, «o vale dos imortais», que os antigos gregos veneraram.

Num livro misterioso, chamado L’ lcosameron Giacomo Casanova – gentil-homem veneziano, libertino, filósofo e mágico – conta-nos de um povo que vivia no subsolo da Transilvânia, os Mégamicres, bebendo sangue para se tornarem imortais:

«Que belo alimento era o leite dos Mégamicres!... Pensamos que nada de fabuloso nos ensinara a mitologia, que estávamos no verdadeiro domicílio dos imortais e que o leite sugado por nós representava o néctar, a ambrósia, que iria sem dúvida dar-nos a imortalidade de que todos deviam desfrutar... Esta refeição durou uma hora e penso que teríamos ainda continuado não fora verificarmos com pavor algumas gotas que caíram dos seus mamilos para o nosso peito. Pela cor percebemos que era sangue.

»Intermináveis corredores ligam o mundo subterrâneo dos Mégamicres à região do lago Zirchnitz, na Transilvânia, que Casanova descreve como um ‘reino de grutas e de trevas’


Quais são os deuses venerados pelos Mégamicres, em Icosameron? Lendo a descrição que Giacomo Casanova nos faz, pensamos nos vampiros que povoam a tradição de Europa central:

«...Os deuses dos Mégamicres são répteis. Têm a cabeça muito parecida com a nossa, mas sem cabelo. Nada é tão doce e sedutor como o seu olhar, quando se fixa. De dentes são brancos e bicudos, mas nunca se vêem por eles terem sempre os beiços fechados. A voz é apenas um horrível silvo que faz ranger os dentes e gelar o coração. O povo dos Mégamicres dedicam-lhe 1m culto religioso.

A vida e a morte de Casanova continuam misteriosas. Foi preso em Veneza, pela Inquisição, acusado de magia e fechado nos esgotos do Palácio ducal, donde conseguiu fugir e correr a Europa. Manuzzi – espião dos inquiridores de Veneza, conseguiu apoderar-se de livros e documentos manuscritos em sua casa, tais como as Clavicules de Salomon, as obras de d’Agripa, e o Livre d’Abramelin le mage (publicado em Veneza).

No seu L’ Icosameron, Casanova revela que os Mégamicres são os inimigos do envelhecimento, e que nunca envelhecem:

«O sono profundo», escreve ele, «uma tão perigosa languidez, que é visível que nos faz envelhecer e acelera o ritmo das nossas vidas...»

Sabe-se que Drácula foi enterrado na ilha de Snagov, à entrada da igreja do mosteiro, e procedeu-se as várias buscas em vão. O túmulo está vazio, acontecendo o mesmo com o de Giacomo Casanova, enterrado no parque do castelo de Dux, na Boêmia, sob uma pedra tumular rodeada por um gradeamento. Depois foi transladado para poucos metros de distância, perto da entrada da pequena igreja de Santo Eustáquio, na margem de um pequeno lago...

Hoje não existem nem as lages sepulcrais nem gradeamento! Que coincidência tão estranha até à morte... Drácula e Casanova!... Coincidências ou conjugações de forças secretas para lá da nossa compreensão?... Os imortais bebedores de sangue de Giacomo Casanova viveram em tempos longínquos na Transilvânia, perto do lago Zirchnitz, numa região de «grutas e trevas».

A Transilvânia foi a pátria dos dácios muito antes da era cristã. Os gregos acreditavam que este enclave de montanhas era o «Vale dos imortais».

A antiga terra dos dácios era pagã. «Aí existiam, governados pela misteriosa deusa Mielliki, as forças dos bosques, enquanto a oeste a montanha de Nadas tinha o vento como único habitante. Havia um deus único, mas nos Cárpatos supersticiosos havia sobretudo o diabo Ordog, servido por feiticeiras que, por sua vez, tinham ao seu serviço cães e gatos pretos. E tudo vinha dos elementos da natureza e de suas fadas... No meio das árvores sagradas, de carvalhos, de nogueiras fecundas, celebravam-se secretamente os cultos do Sol e da Lua, da aurora e do cavalo preto da noite

Testemunhas da Grécia antiga recordam ter visto legiões de dácios em pé de guerra, armados de escudos, trazendo a efígie do dragão nas armas de guerra.

Para os raros viajantes da Antiguidade, este povo selvagem corresponderia aos Hiperboreanos da mitologia, os homens-deuses que venceram a morte e reinaram na ilha de Thulé (Os filósofos gregos e pessoas que em viagem citam a Dácia hiperboreana).

Os dácios consideravam-se imortais. Tinham – acreditavam eles – o dom de se transformar em lobo ou em morcego, de voar, de dialogar com os deuses no alto das montanhas. Os lugares escolhidos para os rituais eram sobre os picos rochosos, no interior de grutas inacessíveis. E sobre estes cumes que os grandes senhores – Drácula, Garal, Cillei – construíam seus ninhos de águias.

A suprema autoridade religiosa dos dácios, aquele que detinha os segredos da vida e da morte, viveu, ma das florestas da Transilvânia, no cimo de uma montanha agreste na qual construíram um templo. Supõe-se hoje que tivesse sido o monte Cugu, que se eleva a três mil metros de altitude nos confins de Banat e da Transilvânia.

Para os «padres» dácios, a divindade suprema chama-se Zalmonix. E ela que preside à iniciação.

Entre Zalmonix e os sacerdotes de Transilvânia existem outros seres que servem de intermediários entre os homens e a divindade suprema. Estes seres seriam eventualmente os vampiros ou mortos-vivos, isto é, aqueles que venceram a morte e que têm o poder de voltar ao meio dos homens, segundo a sua vontade.

O príncipe romeno Bursan-Ghica, exilado em Paris desde os anos 50, recorda ainda as velhas lendas da Transilvânia:

«Para comunicar com Zalmonix, os dácios têm de recorrer a mensageiros. Escolhem por isso os irmãos mais avançados em magia, aqueles que ultrapassaram o limiar da iniciação. Estes eleitos são os sacrificados. Os dácios trespassam-nos com as pontas das suas lanças. Mas sete dias depois, os corpos trespassados saem do túmulo e juntam-se aos outros. Tornaram-se imortais e farão de elo entre os Dácios e Zalmonix. Naturalmente que as lanças foram substituídas por agudas estacas que se plantavam na terra. Compreendem agora a realidade secreta da estaca dentro do vampirismo, e a razão por que o Drácula foi alcunhado de vlad, o empalador?...

Para certos ocultistas, fanáticos do vampirismo, o príncipe Drácula não seria um guerreiro sanguinário ao empalar as suas vítimas para seu prazer... antes cumpria as práticas da magia antiga e dos Dácios, seus antepassados, os imortais da Transilvânia.

Em 1462, Vlad Drakul foi preso na Hungria, na torre de Salomão, palácio de Visegrad. Segundo Kurytsint um diplomata russo, Drácula mantinha excelentes relações com os guardas. Fez-lhes um pedido que não deixa de ser curioso! Desejava que lhe arranjassem ratazanas, ratinhos, pássaros e outros animais pequenos.

Que razões secretas o levariam a tal? Kurytsint que estudou Drácula narra que ele empalava estes animalejos e os dispunha em redondo ou em cepa, espetados em raminhos afiados sobre o chão da sua cela. Os cronistas referem as distrações atrozes, de um sadismo monstruoso. As obras recentes acerca do personagem histórico Vlad Drakul (entre eles o livro do historiador Romeno Florescu) são bem o testemunho da opinião do autor quanto a tratar-se de perversões psicopatológicas. Apenas os ocultistas e os adeptos do vampirismo viram nelas o ressurgimento da antiga magia Dácia oferenda oculta único vínculo possível com Zalmonix deus dos vivos e dos mortos nas antigas crenças da Transilvânia

Fontes:
http://www.mortesubita.org/biografias/personalidades/

Ueda Akinari (Morada das Sarças)

conto integrante do livro: Os contos da Chuva e da Lua

Personagens Principais: Katsushirô, Miyagi
Local: Província de Shimoosa
Tema: Fidelidade

Katsushirô decide tentar uma vida melhor na cidade, para tanto, tem que deixar sua mulher, pois, não teria como leva-la junto consigo. Não querendo deixar a esposa, Katsushirô promete que voltará para casa, o mais breve conseguisse vender todas as sua peças de sedas e conseguisse um bom dinheiro e a esposa aceita e promete que estará esperando por ele, na mesma casa onde eles moravam.

Passam-se anos e a província de Shimoosa, passa por um período de guerra e todos os moradores da província fogem para salvar suas vidas e Miyagi, mesmo sabendo que sua vida corria risco, permanece na sua casa, na esperança de o marido voltar.

O marido, ao saber que a Província de Shimoosa, estava em guerra, acha que a mulher está morta e já não tem porque voltar, já que tudo o que tinha conseguido conquistar com a venda de sedas tinha sido furtado e sua casa, imaginava ele, já nem devia existir mais. Então ele permaneceu onde estava, pois para ele não restava mais aonde ir.

No entanto, a esposa persiste na Província de Shimoosa, ressentida pelo marido não ter cumprido a promessa, mas ao mesmo tempo, esperançosa de algum dia ter o marido de volta. Dessa forma, Miyagi persiste até o último dia de sua vida.

O marido, depois de um tempo, ressentido pelo remorso, regressa a Província de Shimoosa, a fim de ter notícias de sua esposa, porém sem esperanças de encontra-la viva. A sua surpresa ao chegar a sua casa foi tê-la encontrado na casa. A mulher o recebeu e Katsushirô emocionado pede perdão a esposa, que mostrou-se fiel a ele até o último momento.

Fontes:
http://www.netsaber.com.br/resumos/
Capa do Livro http://www.estampa.pt

Umberto Eco (O Nome Da Rosa)

Quando Eco publicou a sua primeira obra de ficção, em Setembro de 1980, um romance passado na Idade Média, ninguém (e menos ainda o próprio autor) era capaz de imaginar o sucesso internacional sem paralelo que teria. Em 1986, o realizador francês Jacques Annaud fez um filme com Sean Connery, Christian Slater e F. Murray Abraham. Assim, pouco tempo após a publicação do romance, já a reputação de Umberto Eco ultrapassara largamente o círculo relativamente pequeno de eruditos e intelectuais familiarizados com a sua obra teórica e ganhara fama internacional.

O livro tornou-se um best-seller no mundo inteiro, desencadeando um debate crítico acerca do seu significado e importância, que ainda hoje continua a inspirar comentários extremamente sofisticados. A literatura crítica sobre este romance transformou-se numa espécie de pequena indústria que vai desde os guias práticos com a tradução das muitas passagens em latim, para ajudar o leitor menos instruído, até volumes mais eruditos dedicados a questões teóricas implicitamente suscitadas pelo texto. Pela sua natureza pós-moderna o livro pelo menos três tipos de leitura:

A primeira categoria de leitores será seduzida pelo enredo e pelos golpes de teatro e aceitará igualmente as longas discussões livrescas e os diálogos filosóficos, pois aperceber-se-á de que é precisamente nessas páginas divagantes que Se aninham os signos, os indícios, os sintomas reveladores.

A segunda categoria deixar-se-á arrebatar pelo debate de ideias e tentará estabelecer conexões(que o autor se recusa a autorizar) com o presente.

A terceira dar-se-á conta de que este texto é um tecido feito de outros textos, um giallo de citações.

Seja como for, o autor recusa-se a revelar a qualquer destas categorias o que o livro significa. Se escreveu um romance é porque descobriu, chegado à maturidade, que essas coisas sobre as quais não se pode teorizar devemos narrá-las. O aspecto mais significativo da arte narrativa de Eco é o consumado talento com que muda constantemente de um nível para outro, com o objectivo de seduzir os seus três públicos.

A história passa-se em finais de Novembro de 1327 numa abadia beneditina no Norte de Itália, para a qual se dirigem um franciscano inglês, Guilherme de Baskerville, e o seu noviço beneditino alemão, Adso de Melk. Guilherme é ali enviado por Luís IV da Baviera (m. 1347) para encetar negociações entre o Papa João XXII (m. 1334) e um grupo de franciscanos críticos do Papa e da Igreja Católica por causa da atitude tolerante da Igreja para com as riquezas e da forma como negligencia a prática da pobreza pregada por Cristo. Quando Guilherme chega, depara com uma situação de emergência: um monge foi encontrado morto e em breve descobrem outros mortos, não se sabe se assassinados. Pedem-lhe que resolva os mistérios, antes de o grupo do Papa chegar, visto que faz parte dele um inquisidor, Bernardo Gui.

Então, Guilherme dedica-se a investigar o caso no gigantesco edifício da abadia e sua biblioteca construída como um labirinto com passagens secretas, alçapões e recessos obscuros. No decurso da sua investigação, o leitor fica a saber muitas coisas sobre a história eclesiástica da época, sobretudo os vários movimentos heréticos que se opõem às riquezas acumuladas pela Igreja no exercício do poder temporal, bem como grande cópia de pormenores a respeito dos variados tipos de manuscritos que nessa época se podiam encontrar numa biblioteca abacial verdadeira.

O romance acaba quando se descobre que um velho monge cego originário de Espanha, Jorge de Burgos, é a mente perversa que está por detrás de grande parte dos aterradores acontecimentos. Esta revelação, bem como a descoberta de que os crimes e maquinações de Jorge visavam ocultar o livro perdido de Aristóteles sobre a comédia, dá-se demasiado tarde para Guilherme, que com Adso escapa por pouco à morte num terrível incêndio que engole a abadia e a sua inestimável biblioteca (incluindo o manuscrito de Aristóteles.

Guilherme é um frademedieval particularmente anacrónico, e os seus anacronismos reflectem o sentido de humor pós-moderno de Eco.É adepto dos ensinamentos de Roger Bacon (e. 1214-c.1292), Guilherme de Occam (c. 1285-1349) e Marsilius de Padua (c. 1275-1342), o que é de esperar num erudito medieval. Mas também possuía um conhecimento mais que superficial da teoria semiótica contemporânea de Peirce e Eco! E Guilherme de Baskerville fumaria uma forma medieval de marijuana, usava óculos e estava equipado com um imã que lhe prestou bons serviços quando se perdia no labirinto da biblioteca. Assim, é uma combinação de Sherlock Holmes, de filósofo céptico, de semiótico e de frade. Esta combinação de características aparentemente díspares segue a melhor tradição dos mais famosos detectives da ficção policial, de Edgar Poe e Conan Doyle aos nossos dias. Uma das lições que Umberto Eco nos parece querer transmitir é que a procura da verdade não deve precisar de inquisição e outras ameaças às vidas das pessoas.

Fontes:
http://www.netsaber.com.br/
http://raquelsallaberry.com

Umberto Eco (Baudolino)

"Porque é verdade. Mas não penses que te censuro. Se queres transformar-te num homem de letras, e, quem sabe um dia escrever Histórias, deves também mentir, e inventar histórias, pois senão a tua História ficaria monótona.

Mas terás que fazê-lo com moderação. O mundo condena os mentirosos que só sabem mentir, até mesmo sobre coisas mínimas, e premia os poetas que mentem apenas sobre coisas grandiosas
."

Depois do estrondoso sucesso de "O nome da Rosa", Umberto Eco - o mais importante intelectual italiano deste século - retorna à Idade Média, dessa vez para homenagear sua cidade natal, a piemontesa Alessandria. Enquanto "O nome da Rosa", seu livro mais famoso, recria o clima soturno da Inquisição, "Baudolino" gravita em torno dos prazeres da corte de Federico Hohenstaufen, conhecido como Barbarossa, à época da Terceira Cruzada. A história engloba justamente o período entre 1152 e 1204, começando com a ascensão de Barbarossa ao trono e terminando com a conquista de Constantinopla pela temida ordem dos cavaleiros templários.

A trama é protagonizada por Baudolino - adolescente, criativo e mentiroso que dá título à obra - e Niceta Coniate, personagem inspirado em um historiador e orador que viveu na corte de Constantinopla. A narrativa retrocede, enquanto Baudolino conta a Niceta suas aventuras e desventuras, numa mistura de fantasia e realidade, História e faz-de-conta. Tudo isso temperado por inúmeras situações cômicas. No intervalo, Eco embaralha os seus personagens inventados e produz o mais recorrente efeito de seu texto: interferir em acontecimentos históricos conhecidos por meio de atos ou circunstâncias vividas pelos personagens fictícios. "Através deste romance," explica Eco, "releio o período medieval como fruto das invenções de um jovem."

Numa pequena aldeia do baixo Piemonte, onde mais tarde se fundará Alessandria, Baudolino, camponês fantasioso, cai nas graças de Federico Barbarossa e se torna seu filho adotivo. Mentiroso compulsivo, Baudolino tem a sorte que só os sonhadores possuem: tudo o que inventa e cria miraculosamente produz História. Assim, ele constrói uma carta fictícia de um padre que fala sobre um reino no Oriente, governado por um cristão. A missiva impressiona até mesmo o aventureiro Marco Pólo e instiga Barbarossa. Impelido por essa invenção, Federico parte em busca desse sonho.

Entre monstros que habitam o inconsciente medieval - como quimeras, unicórnios e dragões -, a história sofre reviravoltas inesperadas, a cada vez que Baudolino conta um pedaço de sua vida. "Baudolino" é uma aventura picaresca, um romance histórico no qual emergem os problemas da Itália contemporânea. Com sua narrativa fantástica, teatro de invenções lingüísticas, Umberto Eco celebra a força do mito e da utopia.

Fontes:
http://www.submarino.com.br
http://www.americanas.com.br

domingo, 5 de outubro de 2008

José Nicola (Uma aula de poesia)

O poema "Procura da poesia", de Carlos Drummond de Andrade, é o tema desta aula

Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina. As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. Não faças poesia com o corpo, esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro são indiferentes. Nem me reveles teus sentimentos, que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem. O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz. O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas. Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma. O canto não é a natureza nem os homens em sociedade. Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam. A poesia (não tires poesia das coisas) elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques, não indagues. Não percas tempo em mentir. Não te aborreças. Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas tua sepultada e merencória infância. Não osciles entre o espelho e a memória em dissipação. Que se dissipou, não era poesia. Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consuma com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?

Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiaram na noite, as palavras. Ainda úmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Obra completa. 2. ed. Rio de Janeiro, Aguilar, 1967.)

O poeta, sua arte, sua época

"Procura da poesia" é um dos textos de abertura do livro A rosa do povo, que reúne poemas escritos entre 1943 e 1945, o que significa que Drummond tinha, como pano de fundo, os horrores da Segunda Guerra Mundial e, no plano interno, os últimos anos do Estado Novo de Getúlio Vargas. O outro texto de abertura é "Consideração do poema". O conjunto formado por esses dois textos resulta numa das mais belas e profundas reflexões sobre o "fazer poético", ou seja, sobre a arte e utilidade da poesia, sobre o trabalho do artista literário e sua função social.

A reflexão sobre a arte literária e o ofício de escrever sempre foi uma preocupação dos grandes escritores, conscientes de seu trabalho. No entanto, essa necessidade de pensar o "fazer poético" tornou-se verdadeira obsessão entre os escritores modernos, como é o caso de Drummond e João Cabral de Melo Neto, para citar apenas dois poetas brasileiros.

Uma aula de poesia

O poema apresenta um falante que se dirige, em tom professoral, próprio de quem já refletiu muito sobre o assunto, a um hipotético interlocutor, que escreve (ou pretende escrever) poesia sem refletir sobre o "fazer poético". O falante se dirige ao interlocutor sempre empregando verbos no imperativo, na segunda pessoa do singular ("não faças", "não cantes", "penetra", "convive", "espera", "não forces", "não colhas", "não adules", "repara"). O interlocutor, no entanto, não tem voz, não contra-argumenta nem aceita. Apenas ouve!

Podemos, para fins didáticos, dividir o poema em duas partes: a primeira, marcada pelos imperativos negativos, representa tudo aquilo que não deve ser feito por quem pretende escrever poesia. A segunda, marcada pelos imperativos afirmativos, realça o trabalho com a matéria-prima do poeta: a palavra.

Uma especial seleção e combinação de palavras

Num texto que exalta justamente a palavra, compete ao leitor compreender o significado exato das palavras e imagens empregadas pelo poeta. Esse trabalho de pesquisa deve ser feito sempre que se lê um texto: buscar a etimologia de uma palavra, referências sobre personagens ou fatos mencionados, a compreensão de uma palavra usada em sentido conotativo ou de uma figura de palavra. Apenas como sugestão, apresentamos a seguir um pequeno glossário.

infenso à efusão lírica: infenso significa "adverso, contrário"; efusão significa "demonstração clara e sincera dos sentimentos íntimos"; o verso opõe corpo e sentimento.

bile: é o mesmo que bílis, líquido esverdeado e amargo segregado pelo fígado; em sentido figurado, significa "mau humor, azedume".

elide: forma do verbo elidir, que significa "suprimir, eliminar"; o verso afirma que a poesia elimina as relações entre sujeito e objeto.

Teu iate de marfim... esqueletos de família: nesses versos, temos uma enumeração de posses (observe a força dos pronomes possessivos), numa seqüência que abrange desde o objeto mais idealizado (iate de marfim) até o mais material (esqueletos de família); mazurca é uma dança polonesa de salão; abusão é o mesmo que "erro, ilusão", "crendice".

merencória: é o mesmo que "melancólica".

ermas: abandonadas; no verso, significa que as palavras estão sem melodia e conceito.

Idéias, sentimentos e palavras

Segundo Alceu Amoroso Lima, "a palavra é o elemento material intrínseco do homem de letras para realizar sua natureza e alcançar seu objetivo artístico". Podemos relacionar esse conceito ao que afirma Ezra Pound: "a literatura é a linguagem carregada de significado até o máximo grau possível". Pois é exatamente sobre a palavra e sua carga significativa que reflete Drummond em seu poema.

O poeta nos ensina que não se faz literatura apenas falando sobre acontecimentos ou resgatando subjetivamente a infância ou idealizando. Literatura não se faz só com idéias e sentimentos: "O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia". "Ainda não é poesia", mas pode vir a ser. Para isso, é preciso penetrar "surdamente no reino das palavras", "lá estão os poemas que esperam ser escritos". Ainda não são poemas, porque "estão paralisados", "sós e mudos, em estado de dicionário". Pensemos: as palavras em estado de dicionário, ou seja, fora de contexto, têm apenas o sentido denotativo, frio e impessoal. Se contemplarmos as palavras atentamente, de perto, perceberemos que cada uma tem mil faces secretas (conotação) sob a face neutra (denotação).

Ora, se juntarmos as duas idéias, entenderemos que poesia não é apenas falar sobre algo, muito menos colocar palavra ao lado de palavra. Sem melodia e conceito as palavras se refugiam na noite. Só há canto, só há poesia, quando as palavras estão carregadas de melodia e conceito.

A matéria-prima do poeta

"Não faça versos sobre acontecimentos" - esse primeiro verso, tomado isoladamente, permite interpretações equivocadas. Drummond não está propondo uma poesia alheia aos fatos; ele apenas reitera o trabalho com a palavra, matéria-prima do poeta. É preciso entender o poema em seu contexto histórico: o mundo estava, literalmente, em decomposição - milhares de mortos, nações se esfacelando, a destruição de Hiroxima e Nagasáqui. No meio do turbilhão, como avaliar os acontecimentos, o que é efêmero, o que é permanente? A poesia pode (e deve) falar de qualquer coisa, mas o que a sustenta, o que a perpetua é o trabalho com a linguagem.

Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de outras Línguas Estrangeiras

Por ser extensa esta lista, dividirei em algumas partes. Nesta parte, a letra A.
------------------------------
Abreviações:
_Lat - latim; fr = francês; ing = inglês; Dir = direito; esp = espanhol; gr = grego
----------------------
ab absurdo
lat Partindo do absurdo. Método de demonstração, usado principalmente em geometria.

ab aeterno
lat De toda a eternidade; sempre.

ab amicis honesta petamus
lat Só devemos pedir aos amigos coisas honestas.

abditae causae
lat Med Causas ocultas, desconhecidas. Diz-se das moléstias cujos sintomas não deixam entrever as causas que os produzem.

ab epistolis
lat Das cartas. Título de alguns funcionários da chancelaria romana.

aberratio delicti
lat Dir Desvio do delito. Erro por parte do criminoso quanto à pessoa da vítima.

aberratio ictus
lat Dir Desvio do golpe. Dá-se quando o delinqüente atinge, por imperícia, pessoa diversa da que visava.

ab hoc et ab hac
lat Disto e desta. Discorrer alguém sobre o que não entende.

ab imo corde
lat Do fundo do coração; sinceramente.

ab imo pectore
lat Do fundo do peito; do fundo da alma, com franqueza.

ab incunabulis
lat Desde o berço. Desde o princípio; desde a origem.

ab initio
lat Desde o começo.

ab intestato
lat Dir Sem deixar testamento. Diz-se da sucessão sem testamento, ou dos herdeiros que dela se beneficiam.

ab irato
lat Movido pela cólera; arrebatadamente.

ab ore ad aurem
lat Da boca ao ouvido; em segredo; discretamente.

ab origine
lat Desde a origem; desde o princípio.

ab ovo
lat Desde o ovo; desde o começo.

ab ovo (usque) ad mala
lat Do ovo até as maçãs (falando das antigas refeições romanas); do princípio ao fim; da sopa à sobremesa.

ab uno disce omnes
lat Por um conhece a todos. Pelas qualidades de um indivíduo podem ser avaliadas as qualidades de um povo.

ab urbe condita
lat Desde a fundação da cidade (de Roma). Cômputo usado pelos historiadores romanos, que datavam os fatos a partir da fundação de Roma (753 antes de Cristo). Empregavam na escrita as iniciais U. C. (Urbis Conditae), isto é, da fundação da cidade.

abusus non tollit usum
lat Dir O abuso não impede o uso. Princípio segundo o qual se pode usar de uma coisa boa em si, mesmo quando outros usam dela abusivamente.

abyssus abyssum invocat
lat Um abismo chama outro abismo. Expressão do Salmo 42, versículo 7, para indicar que uma falta cometida predispõe o pecador a cometer outras mais graves.

accipiens
lat Dir O que recebe. Pessoa que recebe um pagamento; recebedor.

acetum
lat 1 Nome latino do vinagre, usado sobretudo em linguagem farmacêutica. 2 Farm Medicamento acetoso.

acta est fabula
lat Terminou a peça. Expressão usada no teatro antigo. Foi também pronunciada pelo imperador Augusto na hora de sua morte.

ad argumentandum tantum
lat Somente para argumentar. Concessão feita ao adversário, a fim de refutá-lo com mais segurança.

ad augusta per angusta
lat Às coisas excelentes pelos caminhos estreitos. Não se vence na vida sem lutas.

ad calendas Graecas
lat Para as calendas gregas. Transferir alguma coisa para as calendas gregas é manifestar a intenção de não realizá-la. Os gregos não tinham calendas como os romanos.

ad cautelam
lat Por precaução. Diz-se do ato praticado a fim de prevenir algum inconveniente.

ad corpus
lat Dir Expressão usada para indicar a venda de imóvel sem a medida de sua área, por oposição à venda ad mensuram.

ad diem
lat Dir Até o dia. Prazo último para o cumprimento de uma obrigação.

ad duo
lat A duas vozes ou a dois instrumentos, expressão usada em Música ou canto: A sonatina de Mozart foi executada ad duo.

ad exemplum
lat Para exemplo: A medida foi tomada ad exemplum dos demais.

ad extra
lat Por fora, exteriormente: Em vista do serviço, ad extra recebeu mais.

ad extremum
lat Até o fim, até o cabo, até ao extremo: Levou sua teimosia ad extremum.

ad finem
lat Até o fim: Leu o relatório ad finem.

ad gloriam
lat Pela glória: Trabalhar ad gloriam, isto é, sem proveito material, só para conquistar glórias ou honrarias: Kepler dedicou-se à Astronomia ad gloriam.

ad hoc
lat Para isso. Diz-se de pessoa ou coisa preparada para determinada missão ou circunstância: secretário ad hoc, tribuna ad hoc.

ad hominem
lat Para o homem. Sistema de argumentação que contraria o adversário usando de suas próprias palavras ou citando o seu modo de proceder.

ad honores
lat Para as honras, como título de glória. Foi nomeado ad honores, isto é, para um cargo ou função meramente honorífico. Sin: honoris causa.

adhuc sub judice lis est
lat O processo ainda se acha em poder do juiz. A questão não foi definitivamente dirimida (refere-se a litígio ainda não julgado em última instância).

ad instar
lat À semelhança; à maneira de.

ad interim
lat Provisoriamente, de modo passageiro, interinamente: Ad interim vendia livros.

ad internecionem
lat Até o extermínio: Tito levou a guerra aos judeus ad internecionem.

ad intra
lat Por dentro, interiormente: Ria, mas ad intra toda ela era revolta.

ad judicem dicere
lat Falar ao juiz.

ad judicia
lat Dir Para os juízos. Diz-se do mandato judicial outorgado ao advogado pelo mandante.

ad libitum
lat Mús À vontade. 1 Indica que o trecho assinalado pode ser executado com movimento à escolha do intérprete. 2 No teatro indica falas que os atores podem improvisar em cena.

ad limina apostolorum
lat Aos limiares dos apóstolos. Visita qüinqüenal feita a Roma pelos bispos residenciais, a fim de prestar contas ao papa do estado de suas dioceses.

ad litem
lat Dir Para o litígio. Relativo ao processo em causa.

ad litteram
lat Conforme a letra; ao pé da letra; literalmente.

ad majorem Dei gloriam
lat Para maior glória de Deus. Lema da Companhia de Jesus, usado pelos jesuítas pelas iniciais A. M. D. G.

ad mensuram
lat Dir Conforme a medida. Venda estipulada de acordo com o peso ou a medida.

ad modum
lat Conforme a maneira, o uso: Celebrou-se a festa ad modum.

ad negotia
lat Dir Para os negócios. Refere-se ao mandato outorgado para fins de negócio.

ad nutum
lat Dir Segundo a vontade de; ao arbítrio de: Diz-se do ato que pode ser revogado pela só vontade de uma das partes; refere-se também à demissibilidade do funcionário que ocupa cargo de confiança.

ad patres
lat Para os antepassados. Expressão bíblica usada para indicar a morte: Ir ad patres (morrer).

ad perpetuam rei memoriam
lat Para lembrança perpétua da coisa. 1 Fórmula usada em bulas papais e em monumentos comemorativos. 2 Em jurisprudência designa a vistoria judicial realizada para resguardar ou conservar um direito a ser futuramente demonstrado nos autos da ação.

ad quem
lat Dir Para quem. 1 Diz-se do juiz ou tribunal a que se recorre de sentença ou despacho de juiz inferior. 2 Dia marcado para a execução de uma obrigação.

ad referendum
lat Para ser referendado. 1 Dir Diz-se do ato que depende de aprovação ou ratificação da autoridade ou poder competente. 2 Dipl Diz-se da negociação do agente diplomático, sujeita à aprovação de seu governo.

ad rem
lat À coisa. 1 Dir Diz-se do direito ligado à coisa. 2 Log Argumento que atinge o âmago da questão; opõe-se ao argumento ad hominem.

ad retro
lat Para trás. Dir Diz-se do pacto em que o vendedor tem o direito de reaver a coisa vendida, mediante a restituição do preço e despesas acessórias, dentro de prazo determinado.

ad solemnitatem
lat Para a solenidade. Dir Diz-se do requisito da lei necessário para a forma essencial ou intrínseca do ato e sua validade, e não somente para a sua prova.

ad substantiam actus
lat Dir Para a substância do ato. Diz-se do instrumento público, quando exigido como formalidade solene.

ad unguem
lat À unha. Alusão ao brilho que se obtém passando a unha sobre uma superfície: Versos ad unguem, versos polidos. Saber algo ad unguem: sabê-lo à perfeição.

ad unum
lat Até um só, até o último: Nas Termópilas, Leônidas e os seus fizeram-se matar ad unum.

ad usum
lat Para o uso; conforme o uso: ad usum dos alunos. Celebrar uma festa ad usum.

ad usum delphini
lat Para o uso do delfim. Designava as edições dos clássicos latinos, destinadas ao uso do delfim, filho de Luís XIV e ainda hoje se diz de qualquer edição expurgada.

ad valorem
lat Segundo o valor. Dir Diz-se da tributação feita de acordo com o valor da mercadoria importada ou exportada, e não, conforme o seu peso, volume, espécie ou quantidade.

aequo animo
lat Com ânimo igual; com serenidade e constância.

aequo pulsat pede
lat Bate com pé igual. Expressão de Horácio, referindo-se à morte, que esmaga tanto os habitantes dos palácios como os das choupanas. (Odes, 1, 4-13).

aere perennius
lat Mais durável que o bronze. Horácio falava de sua obra literária.

affaire
fr Negócio. Designa negócio escuso ou caso escandaloso. Sf em francês.

a fortiori
lat Com mais razão. Locução empregada para concluir do menos, para o mais evidente: se devo amar a inimigo, a fortiori amarei o meu amigo.

agenda
lat Que deve ser feito.

age quod agis
lat Faze o que fazes. Presta atenção no que fazes; concentra-te no teu trabalho.

Agnus Dei
lat Cordeiro de Deus. 1 Jesus Cristo. 2 Invocação usada durante a missa depois da fração da hóstia e no final das ladainhas. 3 Pequeno relicário de cera do círio pascal e óleo bento, moldado com a imagem do cordeiro, que o papa benze no sábado santo. Atribuem-lhe os devotos a virtude de salvaguarda nos perigos, doenças e tempestades.

agrément
fr Aprovação. Dir Consulta de governo a governo, a fim de saber se o agente diplomático, que pretende o consulente destinar para junto do consultado, convém a este.

aide mémoire
fr Seleção ou resumo de uma obra destinada à fixação dos dados mais importantes.

à la carte
fr Ao cardápio. Pratos não incluídos no cardápio de um restaurante.

à la diable
fr ao diabo. Desordenadamente; atabalhoadamente.

a latere
lat Ao lado. Diz-se de certos cardeais entre os mais cotados pelo papa, quando enviados em missões diplomáticas extraordinárias.

albo lapillo notare diem
lat Marcar o dia com pedra branca. Ser feliz durante o dia.

alea jacta est lat
A sorte foi lançada. Palavras atribuídas a César, quando passou o Rio Rubicão, contrariando as ordens do Senado Romano.

alibi
lat Dir Em outro lugar. Meio de defesa pelo qual o acusado alega e prova que, no momento do delito, se encontrava em lugar diverso daquele onde o fato delituoso se verificou.

all right
ingl Tudo bem; tudo certo.

alma mater ou alma parens
lat Mãe nutriz; mãe bondosa. Em linguagem poética, a pátria ou a escola.

alpha et omega
lat Alfa e ômega; primeira e última letras do alfabeto grego. No Apocalipse designa Cristo, princípio e fim de todas as criaturas.

alter ego
lat Outro eu. Significa o amigo do peito, de confiança, para quem não há segredos.

amicum perdere est damnorum maximum
lat Perder um amigo é o maior de todos os danos.

amicus certus in re incerta cernitur
lat O amigo certo se manifesta na ocasião incerta.

amicus humani generis
lat Amigo do gênero humano. Amigo de todos, ou seja, amigo de ninguém.

amicus Plato, sed magis amica veritas
lat Platão é amigo, porém a verdade é mais amiga.

amor et tussis non celantur
lat O amor e a tosse não se escondem.

amor vincit omnia
lat O amor vence todas as coisas. Parte de um verso de Virgílio (Écloga X, 69).

anch'io son' pittore
ital Eu também sou pintor. Exclamação atribuída a Corrégio (1494-1534), ao contemplar um dos quadros de Rafael.

ancien régime
fr Antigo regime. Locução com que, na França, se designa o governo existente antes da revolução de 1793.

animus abandonandi
lat Dir Intenção de abandonar.

animus abutendi
lat Dir Intenção de abusar.

animus furandi
lat Dir Intenção de roubar.

animus laedendi
lat Dir Intenção de prejudicar.

animus necandi
lat Dir Intenção de matar.

a non domino
lat Dir Por parte de quem não é dono. Diz-se da transferência de bens móveis ou imóveis, por quem não é seu legítimo dono.

ante litem
lat Dir Antes do litígio. Antes de proposta a ação ou como ato preparatório para ela.

ante mortem
lat Antes da morte.

à outrance
fr Sem tréguas; até o fim; a ferro e fogo; a qualquer preço.

aperto libro
lat De livro aberto. Em qualquer parte aberta do livro.

aplomb
fr Aprumo; segurança; desenvoltura.

a posteriori
lat A partir do que vem depois. Sistema de argumentação que parte do efeito para a causa. Opõe-se à argumentação a priori.

après moi le deluge
fr Depois de mim o dilúvio. Frase de Luís XV, segundo alguns, de Mme. Pompadour, segundo outros, pela qual esses personagens manifestavam seu desprezo pela coisa pública. Esperavam que a queda da monarquia só viesse após sua morte.

a priori
lat A partir do que vem antes. Prova fundada unicamente na razão, sem fundamento na experiência. Opõe-se a a posteriori.

à propos
fr Por falar nisso; a propósito.

apud
lat Junto a; em. Usada em bibliografia para indicação de fonte compulsada, nas citações indiretas.

apud acta
lat Dir Nos autos; junto aos autos.

aquae potoribus
lat Pelos bebedores de água. Palavras com que Horácio satirizava em uma de suas epístolas os poemas escritos pelos poetas sóbrios.

à quelque chose malheur est bon
fr A desgraça serve para alguma coisa. Muitas vezes a infelicidade produz um resultado benéfico inesperado.

aquilae non gerunt columbas
lat Águias não geram pombas. Segundo a ordem natural, os filhos herdam as qualidades e deficiências dos pais: tal pai, tal filho.

aquila non capit muscas
lat A águia não apanha moscas. Uma pessoa de espírito superior não se preocupa com ninharias.

a quo
lat Da parte de cá. 1 Na ignorância; sem entender, sem saber. 2 Dir Diz-se do dia a partir do qual se começa a contar um prazo. 3 Dir Diz-se do juiz de um tribunal de cuja decisão se recorre: Juiz a quo (opõe-se, neste caso, a ad quem, juiz, ou tribunal, para o qual se recorre). 4 Lóg Diz-se do termo ou princípio sobre que se fundamenta uma conclusão.

a ratione
lat Pela razão. Pela imaginação, por conjetura, por hipótese; sem fundamento nos fatos reais.

arcades ambo
lat Ambos são árcades. Virgílio nas éclogas se referia a dois pastores da Arcádia, lugar de onde se originavam bons cantores. Ironicamente se aplica a duas pessoas igualmente velhacas ou astutas.

arc-over
ingl Astronáut. Mudança de direção de um míssil guiado, ou foguete, no seu impulso ascensional, para entrar em sua trajetória predeterminada.

arcus nimis intensus rumpitur
lat O arco muito retesado parte-se. O rigor excessivo conduz a resultados desastrosos.

a remotis
lat À parte; em particular, em afastamento.

argot
fr Na França, linguagem usada pelos gatunos; gíria, calão.

argumentum ad crumenam
lat Argumento da bolsa. Emprego do suborno, na falta de razões convincentes.

argumentum baculinum
lat Argumento do porrete. Emprego da violência para a consecução de um objetivo.

arrière-pensée
fr Pensamento dissimulado através de outro que se manifesta. Restrição mental.

ars gratia artis
lat Arte pela arte.

ars longa, vita brevis
lat A arte é longa e a vida é breve. Tradução latina do primeiro aforismo de Hipócrates.

a sacris
lat Das coisas sagradas. Suspensão de exercício das ordens maiores imposta pela Igreja aos clérigos que cometeram faltas graves.

asinus asinum fricat
lat Um burro coça outro burro. Diz-se de pessoas sem merecimento que se elogiam mutuamente e com exagero.

asperges
lat Liturg 1 Antífona cantada ou recitada antes das missas dominicais, durante a aspersão e que começa pelas palavras: asperges me. 2 Aspersão com água benta durante a missa e em outras circunstâncias.

à tout seigneur tout honneur
fr A cada senhor cada honra. Cada um deve ser homenageado de acordo com a dignidade, posição social etc.

attaché
fr Adido (em diplomacia).

auctori incumbit onus probandi
lat Dir Ao autor cabe o trabalho de provar. Quem acusa que prove.

audaces fortuna juvat
lat A fortuna ajuda os audazes. O bom êxito depende de deliberações arriscadas.

audiatur et altera pars
lat Dir Que a outra parte seja também ouvida. Para haver imparcialidade e justiça no julgamento, deve-se ouvir a defesa depois da acusação.

au jour le jour
fr Dia a dia. 1 Viver de parcos recursos adquiridos diariamente. 2 Gastar todo o dinheiro ganho durante o dia sem pensar em economizar.

aunque la mona se vista de seda, mona se queda
esp Mesmo vestida de seda, a macaca é sempre macaca. Os adornos não encobrem grandes defeitos.

aura popularis
lat Brisa popular. Muito empregada nos clássicos latinos para significar a inconstância da opinião pública.

aurea mediocritas
lat Mediocridade áurea. Horácio exalta, com esta expressão, a situação da classe média, nem rica nem pobre.

aures habent et non audiunt
lat Têm ouvidos e não ouvem. Referência que o Salmo CXV faz aos ídolos, para depois concluir que aqueles que os fazem e os que neles confiam acabarão se assemelhando a eles.

au revoir
fr Adeus; até a vista.

auri sacra fames
lat Maldita fome de ouro. Expressão pela qual Virgílio condena a ambição desmedida.

auro suadente, nil potest oratio
lat Se o ouro persuade, nada vale a palavra. A eloqüência é inútil diante dos interesses pecuniários.

aut Caesar, aut nihil
lat Ou César, ou nada. Divisa ambiciosa de César Bórgia.

autem genuit
lat Porém gerou. 1 Relação longa e fastidiosa. 2 Narração enfadonha.

à vaincre sans peril, on triomphe sans gloire
fr Quando se vence sem perigo, triunfa-se sem glória. Verso de Corneille que condena o êxito fácil.

avant la lettre
fr Antes da letra. Diz-se da gravura tirada antes da legenda; figuradamente, idéia pioneira.

avant-première
fr Antes da primeira. Apresentação de filme ou peça teatral para público limitado, como críticos de arte, imprensa, autoridades etc. O neologismo pré-estréia foi lançado para substituir esta expressão.

ave Caesar, morituri te salutant
lat Salve César, os que vão morrer te saúdam. Palavras dirigidas pelos gladiadores ao imperador, antes de entrarem em luta.

avis rara
lat Ave rara. Para indicar a ausência de pessoa ou coisa que se tem em grande estima.

avoirdupois
ingl Com Nome por que é conhecido o sistema de pesos e medidas, inglês e norte-americano.

à vol d'oiseau
fr A vôo de pássaro. Pela rama; por alto.

Fonte:

Álvares de Azevedo (Noite na Taverna)

Análise da professora Célia A. N. Passoni

Em 1853-1855, surgiu a edição póstuma que recolheu as publicações esparsas de Álvares de Azevedo sob o título de Poesias. Foram sendo acrescentadas às sucessivas reedições, obras em prosa, cujos exemplos mais destacados são: Macário, narração dialogada. Próxima de escritos teatrais, e Noite na Taverna, coletânea de narrativas curtas que constitui a mais original produção de prosa de Álvares de Azevedo, ao mesmo tempo é a mais bem-sucedida obra em que se destaca a influência do clima romântico imposto pelo poeta inglês Lorde Byron.

Movido pela imaginação exacerbada, o volume apresenta os desvarios do poeta envolvido por uma conturbação febril, na qual se deixa influenciar por quase todas as grandes características das novelas mórbidas do século XIX. Visivelmente artificiais, as narrativas que constituem o cerne desta obra recebem certa dose de magia e coerência por envolver o leitor, prender-lhe a atenção, dirigi-lo ao final. E se as história relatadas não são verossímeis, pelo menos disfarçam suas incoerências pela atração com que o autor conduz sua imaginação, de modo que quase parecem reais, colocando-as envolvidas por uma onda infindável de orgias deboches, sátiras, paixões transfiguradas, relatadas pela pequena galeria de personagens boêmios que vão tomando a palavra. Das páginas de Noite na Taverna vão surgindo relatos impregnados de um clima inumano e anormal.

A indefinição percorre as páginas do volume. O leitor que procurar conhecer os limites do tempo e do espaço nada encontrará de seguro ou de definitivo. Os fatos acontecem em alguma taverna, em algum lugar, em algum tempo, tudo muito vago. Só uma coisa parece real: o vinho que enche as taças logo esvaziadas, em rodadas orgíacas de um grupo de jovens, já bastante bêbados, semi-inconscientes. Reunidos, eles contam histórias embaladas por assuntos diversos, mas com um elo comum: todas são trágicas, impregnadas de vícios, de crimes hediondos que vão de assassinatos a incestos, de infanticídios e fratricídios. Todos os casos são repassados de amor, pervertido, cujos pares se envolvem em relações delirantes absurdas e pouco reais.

Composto de sete quadros intitulados: "Uma noite do século", "Solfieri", "Bertram", "Gennaro", "Claudius Hermann", "Johann" e "Último beijo de amor".

O primeiro constitui uma espécie de apresentação do ambiente da taverna, da roda de bebedeira, de devassidão em que se encontram os personagens, do clima notívago e vampiresco. O tom declamatório anuncia a noitada e as história que estão por vir.

- Silêncio, moço! acabai com essas cantilenas horríveis! Não vedes que as mulheres dormem ébrias, macilentas como defuntos? Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras onde a beleza sigilou os olhares de volúpia?

- Cala-te, Johann! enquanto as mulheres dormem e Arnold - o loiro - cambaleia e adormece murmurando as canções de orgia de Tieck, que música mais bela que o alarido da saturnal? Quando as nuvens correm negras no céu como um bando de corvos errantes, e alua desmaia como a luz de uma lâmpada sobre a alvura de uma beleza que dorme, que melhor noite que a passado ao reflexo das taças?

- És um louco, Bertram! não é a lua que lá vai macilenta: é o relâmpago que passa e ri de escárnio às agonias do povo que morrem aos soluços que seguem as mortualhas do cólera!

As primeiras páginas deixam antever o clima das geração do mal do século, a irreverência incontida, a tendência a divagações literário-filosóficas, a vivência sôfrega e, principalmente, a morbidez e a lascívia.

- Estás ébrio, Johann! O ateísmo é a insânia como o idealismo místico de Schelling, o panteísmo do Spinoza - o judeu, e o histerismo crente de Malebranche nos seus sonhos da visão de Deus. A verdadeira filosofia é o epicurismo. Hume bem o disse: o fim do homem é o prazer. Dai vede que é o elemento sensível quem domina. E pois ergamo-nos, nós que amarelecemos nas noites desbotadas de estudo insano, e vimos que a ciência é falsa e esquiva, que ela mente e embriaga como um beijo de mulher.

A vivência que o escritor demonstra é mais cultural que real, daí buscar constantemente o reforço nas idéias de filósofos e literatos. De Álvares de Azevedo sabe-se que escreveu todas as suas obras sob o impacto de leituras diversas que vão da Bíblia a Byron, sendo as influências recebidas uma clara demonstração de toda conturbação que sua obra deixa transparecer.

Voltemos à taverna. Entre os "brados" e as taças que circulavam, são apresentados os personagens, e alguns deles tomas a palavra. Em primeira pessoa, relatam histórias pessoais. O primeiro a tomar a palavra é Solfieri que faz suas evocações, remontando-as a Roma, a "cidade do fanatismo e da perdição", onde "na alcova do sacerdote dorme a gosto a amásia, no leito da vendida se pendura o crucifixo lívido". Certa noite, Solfieri vê um vulto de mulher. Segue-a até um cemitério; o vulto desaparece e o personagem adormece sob o frio da noite e a umidade da chuva. A visão deste vulto de uma mulher atordoou o personagem durante um ano, nada o satisfazia na troca de amores com mundanas. Uma noite, após prolongada orgia, saio vagando pelas ruas e acaba entre "as luzes de quatro círios" que iluminavam um caixão entreaberto. Lá estava a mulher que lhe provocara tantas alucinações e insônias. Era agora uma defunta. O homem tomou o cadáver em seus braços, despiu-lhe o véu e...

Mas, para disfarçar o caso de necrofilia, a mulher não estava morta, apenas sofrera um ataque e catalepsia. Ao perceber que a mulher não havia morrido, Solfieri levou-a para seu leito, contemplou-a e ela, depois de breve delírio, vaio a falecer. Solfieri mandou fazer uma estátua de cera da virgem, guardou-a em seu quarto, conservou com uma grinalda de flores.

Bertram é o segundo personagem a tomar a palavra. Rapaz de cabeleira ruiva, tez branca que, com as mãos alvas na barba e olhos verde-mar fixos, pôs a falar de uma mulher o levara a perdição. Cadiz, na Espanha, é o cenário. Enamorado de Ângela, Bertram com elas se casaria se não fosse chamado para a morte do pai. Voltou após algum tempo e reencontrou Ângela, casada e com um filho. Mas o amor de ambos ainda era enorme e tornaram-se amantes. O marido descobriu a traição, quis se vingar, mas Ângela o mata. Com a mesma frieza que matou o marido, assassina o filho:

Sobre o peito do assassinado estava uma criança de bruços. Ela (Ângela) ergueu-a pelos cabelos... Estava morta também: o sangue que corria das veias rotas de seu peito se misturava com o do pai!

Fugiram ambos, numa vida insana, a vagar libertinos, até que Ângela partiu, deixando

os lábios ainda queimados doe seus e o coração cheio de verme de vícios que ela aí lançara. Partiu; mas sua lembrança ficou como um fantasma de um mau anjo perto de meu leito.

Para esquecê-la, tornou-se um libertino. Ébrio, machucado, perdido, foi recolhido por um velho e uma jovem de 18 anos. O velho acolheu-o, a jovem amou-o e por ele se perdeu. Fugiram. Confessa Bertram que se enjoou da mulher e

uma noite em que eu jogava com Siegfried - o pirata, depois de perder as últimas jóias dela, vendi-a. A moça envenenou Siegfried logo na primeira noite e afogou-se..."

Bertram se envolve em outra aventura. Após querer se matar, é salvo por um bondoso comandante. Em troca da acolhida, apaixonou-se pela mulher do benfeitor e teve seu amor retribuído. Mas o navio foi atacado por piratas e após sangrentas batalhas foi reduzido a uma jangada perdida no mar com quatro ocupantes além do narrador: o comandante, sua mulher e dois marinheiros. A comida tornava-se escassa e...

Dois dias depois de acabados os alimentos restavam três pessoas: eu, o comandante e ela.

Cumpria-se a lei do náufrago, a antropofagia. Mais um deveria morrer. Fez-se um sorteio e o comandante perdeu. Implorou por mais alguns dias, mas Bertram foi implacável, tinha fome e não hesitou em matá-lo. O cadáver serviu de alimento aos dois náufragos por mais dois dias. Outro dois dias de fome se passaram. A mulher lhe propôs morrerem juntos, e nesta última agonia amaram-se, deliraram, e ela enlouqueceu. Bertram apertou-a aos braços, convulsivo, e sufocou-a. Uma solidão modorrenta se apoderou dele, e quando acordou do pesadelo estava a bordo de um navio que o salvara.

O quarto episódio é relatado por Gennaro, o pintor. Ele entra como aprendiz do velho Godofredo Walsh, casado em Segunda núpcias com Nauza, uma jovem de vinte anos que lhe servia de modelo. Com Godofredo vive também Laura, de quinze anos, filha de seu primeiro casamento. Os acontecimentos narrados são de trinta anos passados.

Por circunstâncias alheias à vontade do narrador, Gennaro seduz Laura, que durante três meses freqüenta o quarto do rapaz. Grávida, Laura implora para Gennaro pedi-la em casamento e diante de sua recusa, a moça percebe que ele não a amava. O motivo era simples, Gennaro apaixonara-se por Nauza. Laura, por sua vez, enfraquecia e

Uma noite... foi horrível,,, vieram chamar-me: Laura morria. Na febre murmurava meu nome e palavras que ninguém podia reter, tão apressadas e confusas lhe soavam. Entrei no quarto dela: a doente conheceu-me. Ergueu-se branca, com a face úmida de um suor copioso: chamou-me. Sentei-me junto do leito dela. Apertou minha mão nas suas mãos frias e murmurou em meus ouvido:

- Gennaro, eu te perdôo: eu te perdôo tudo... Eras um infame... Morrerei.... Fui uma louca... Morrerei... por tua causa... teu filho... o meu... vou vê-lo ainda... mas no céu... meu que filho matei... antes de nascer...

Após um ano da morte de Laura, Gennaro torna-se amante de Nauza.

E as noites que o mestre passava soluçando no leito vazio de sua filha, eu as passava no leito dele, nos braços de Nauza.

Certa noite fria e escura saíram o mestre e o aprendiz. Godofredo pôs-se a contar um a história (a real) de sua vida, expondo o conhecimento que tinha dos fatos, sabendo que Gennaro fora amante da filha e agora é amante da mulher. Musculoso e forte, em contenda, Godofredo prostrou Gennaro que caiu de um despenhadeiro e só não morreu porque ficou preso nos ramos de uma "azinheira gigantesca que assombrava o rio". Após um dia e uma noite de delírios, acordou na casa de camponeses que o haviam salvado e logo que sarou, partiu. Encontrou no caminho o punhal com que o mestre tentara matá-lo. Munido da arma, procurou a casa de Godofredo que parecia abandonada, entrou pelos quartos escuros, tateando até a sala do pintor e daí dar vazão à sua vingança. Encontrando-a vazia, dirigiu-se ao quarto de Nauza e encontrou-a morta, envenenada pelo marido, que jazia morto também e de sua boca "corria uma escuma esverdeada"...

Claudius Hermann é o quinto conto do volume. Claudius Hermann, após preâmbulos em que discursa com os amigos de orgia acerca de diversos temas, expõe sua história. Viciado em jogo, Claudius Hermann chegou a apostar toda sua fortuna. Em uma das corridas, viu uma mulher passar a cavalo.

Víssei-la como eu, no cavalo negro, com as roupas de veludo, as faces vivas, o olhar ardente entre o desdém dos cílios transluzindo a rainha em todo aquele ademane soberbo!... víssei-la bela na sua beleza plástica e harmônica, linda nas usas cores puras e acetinadas, nos cabelos negros e a tez branca da fronte, o oval das faces coradas, o fogo de nácar dos lábios finos, o esmero do colo ressaltando nas roupas de amazona!... víssei-la assim, e à fé, senhores, que não havíeis rir de escárnio como rides agora!

Tal foi o fascínio que a dama exerceu sobre o rapaz que ele, quase com obsessão, perseguiu-a. Descobriu que a mulher misteriosa era a duquesa Eleonora.

(...) seis meses de agonia e desejo anelante, seis meses de amor com a sede da fera! seis meses! como foram longos!

Um dia, encorajado, abordou-a da forma mais vil possível. Eleonora era casada. Uma noite, após um baile, aproveitou-se do cansaço e sonolência da mulher e, com a chave comprada de um criado, entrou em seu quarto e lhe deu um narcótico misturado ao vinho. Em seguida, seduziu a inconsciente.

Uma semana se passou assim: todas as noites eu bebia nos lábios à dormida um século de gozo. Um mês! o mês delirantes iam os bailes do entrudo, em que mais cheia de febre ela adormecia quente, com as faces em fogo...

O marido, o belo e jovem Maffio, uma noite prometeu visitá-la em seu leito. O amante, corroído de ciúme, resolveu fugir com a mulher. Após ministrar-lhe o narcótico, saiu com a inconsciente pelos corredores, e partiram de carruagem. Ao acordar, Eleonora percebeu que estava em um local estranho, com um desconhecido, e ficou desesperada. Claudius decidiu revelar-lhe o segredo.

Escutai. - o libertino amou pois o anjo, voltou o rosto ao passado, despiu-se dele como de um manto impuro. Retemperou-se no fogo do sentimento, apurou-se na virgindade daquela visão - porque ela era bela como uma virgem, e refletia essa luz virgem do espírito, nesse brilho d'alma divina que alumia s formas - que não são da terra, mas do céu. (...)

A mulher argumentou ser impossível amá-lo, ele contra-argumentou dizendo-lhe não ser mais possível a vida dela nos padrões da normalidade, uma vez que estava desonrada. Ninguém a perdoaria. Inicialmente a mulhr concordou viver com ele, mas

(...) um dia Claudius entrou em casa. Encontrou o leito ensopado de sangue e num recanto escuro da alcova um doido abraçado comum cadáver. O cadáver era o de Eleonora: o doido nem o poderíeis conhecer tanto a agonia o desfigurava. Era uma cabeça hirta e desgrenhada, uma tez esverdeada, uns olhos fundos e baços onde o lume da insânia cintilava a furto, como a emanação luminosa dos puis entre as trevas...

Mas ele o conheceu... era o Duque Maffio...

Envolvidos pela história, ébrios e sonolentos, embalados pela lascívia e pela podridão da noite, os convivas da reunião orgíaca acabam por adormecer.

O mais desgraçado dos companheiros de conversa é Johann, personagem-narrador do sexto episódio do livro. O cenário é Paris. Johann e Artur jogavam num bilhar. Ao faltar um ponto para Artur ganhar e ao narrador muitos, houve um desvio de bola e Johann exaltou-se, provocando o adversário para um duelo de morte. Artur aceitou, mas antes de partirem para a morte, pediu ao adversário de jogo que o acompanhasse ao hotel. Lá, escreveu algumas linhas, depois pediu para Johann entregá-la a... juntamente com um anel, caso viesse a ser vítima. Antes do duelo, os contendores brindaram.

Artur foi à secretária, tirou duas pistolas, uma carregada e a outra não. Estava lançada a sorte. No duelo morreu Artur. Johann, como havia prometido, tirou o anel do defunto, recolheu dois bilhetes. O primeiro era uma carta para mãe; o segundo, apenas dizia:

À uma hora da noite na rua de ...nº 60, 1º andar: acharás a porta aberta.

e a assinatura era apenas um G. Johann teve uma idéia infame. Ele foi ao encontro.

Era escuro. Tinha no dedo o anel que trouxera do morto... Senti uma mãozinha acetinada tomar-me pela mão, subi. A porta fechou-se.

Ele seduziu a virgem. Ao sair, topou com um vulto à porta, voz levemente familiar. Desceu as escadas e sentiu uma lâmina resvalar-lhe os ombros. Uma luta horrível foi travada e houve mais um assassinato.

"Ao sair tropecei num objeto sonoro. Abaixei-me para ver o que era. Era um lanterna furta-fogo. Quis ver quem era o homem. Ergui a lâmpada...

O último clarão dela banhou a cabeça do defunto... e apagou-se...

Eu não podia crer: era um sonho fantástico toda aquela noite. Arrastei o cadáver pelos ombros... levei-o pela laje da calçada até o lampião da rua, levantei-lhe os cabelos ensangüentados do rosto... (...)

Aquele homem - sabei-lo!?... era do sangue do meu sangue, filho das entranhas de minha mãe como eu... era meu irmão!

Mas a desgraça maior ainda estava por lhe ser revelada: Johann havia possuído sua própria irmã.

Com Último beijo de amor, Álvares de Azevedo fecha o volume Noite na Taverna. Ao contrário dos outros,, traz a narrativa em 3ª pessoa. A noite ia alta e a orgia findara, pois os convivas dormiam embriagados. Entrou na taverna um a mulher vestida de negro, procurando um rosto conhecido. Quando a luz bateu em Arnold, a mulher ajoelhou-se, mas ergueu-se e dirigiu-se a Johann.

(...) A fronte da mulher pendeu e sua mão pousou na garganta dele. Um soluço rouco e sufocado ofegou daí. A desconhecida levantou-se. Tremia; ao segurar na lanterna ressoou-lhe na mão um ferro... era um punhal... Atirou-o no chão. Viu que tinha as mãos vermelhas, enxugou-as nos longos cabelos de Johann.

Voltando-se para Arnold, fez-se reconhecer. Era Giórgia que voltava depois de cinco anos. Arnold pediu para que o chamasse como antes - Artur - e pede-lhe beijos, enquanto ambos lamentam a sorte. A mulher somente vinha para dizer-lhe adeus e depois fecharia as portas de sua própria sepultura. Ante, porém, pede ao homem para que veja Johann morto. Confessa tê-lo matado e vingado aquele que a havia prostituído.

Geórgia a prostituta! vingou nele Geórgia - a virgem. Esse homem foi quem a desonrou! desonrou-a... a ela que era sua irmã!

Completando a cena de horror, entre Arnold e Giórgia aconteceu inevitáveis mortes que, de certa maneira, refletem a visão da geração de Álvares de Azevedo, o mal do século.

A mulher ajoelhou-se a seus pés.

- E agora adeus! adeus que morro! Não vês que fico lívida, que meus olhos se empanam e tremo... e desfaleço?

- Não! eu não partirei. Se eu vivesse amanhã haveria uma lembrança horrível em meu passado...

- E não tens medo? Olha! é a morte que vem! é a vida que crespucula em minha fronte. Não vês esse arrepio entre minhas sobrancelhas?...

- E que me importa o sonho da morte? Meu porvir amanhã seria terrível: e à cabeça apodrecida do cadáver não ressoam lembranças; seus lábios gruda-os a morte; a campa é silenciosa. Morrerei!

A mulher recuava... recuava. O moço tomou-a nos braços, pregou os lábios no dela... Ela deu um grito, e caiu-lhe das mãos. Era horrível de ver-se. O moço tomou o punhal, fechou os olhos, apertou-o no peito, e caiu sobre ela. Dois gemidos sufocaram-se no estrondo do baque de um corpo...

A lâmpada apagou-se.

Fontes:
http://www.portrasdasletras.com.br

III Jogos Florais de Cantagalo (Resultado Final)