segunda-feira, 29 de abril de 2024

José Ouverney (Oceano de Trovas)


1
A "cara" do meu destino
vai na carteira, onde eu vou,
num retrato pequenino
que a saudade autografou!
2
A fé, rompendo caminhos
em passadas vigorosas,
põe perfume nos espinhos
e favos de mel nas rosas! 
3
Brigamos... e a solidão
desperta a minha revolta:
de que vale eu ter razão,
se ela não tem... mas não volta?
4
Cuidado, esposa e marido,
nessas brigas conjugais,
porque o casal sai ferido
e as crianças... muito mais!
5
De um homem não se questionam
os seus valores morais:
as paredes desmoronam
mas, a estrutura, jamais!
6
Duas culpas, um pecado
e um remorso a nos doer:
você – que escolheu errado;
eu – que nem pude escolher... 
7
Enquanto a Paz se cultua
dentro dos lares, com grade,
a violência, na rua,
dita leis à liberdade.

8
Era um ninho tão modesto
que, ao entrarmos, eu e ela,
a felicidade... e o resto...
saíram pela janela.
9
Expulsando a maquiagem,
a lágrima veio, pura,
e pousou sobre a mensagem,
no lugar da assinatura!...
10
Fugir, poeta, não queiras,
do que a vida preceitua:
teu destino é abrir fronteiras
e deixar que o sonho flua!
11
Há mentiras proferidas,
bem piores que punhais,
porque provocam feridas
que não se fecham jamais...
12
Havia tanto respeito
naquele beijo na testa,
que a paixão ficou sem jeito
e retirou-se da festa!
13
Já bêbado na balada,
viu uma saia xadrez,
e, ao persistir na “cantada”,
quase apanhou do escocês”!
14
"Mãe-Natureza"! – Eis o nome
de quem, em nome do amor,
gera o fruto e estanca a fome
do seu próprio predador!...
15
- Me empresta cem?  - Nem por alto!
- Vinte!  - Eu já disse: não tem!
- Passe a grana: isto é um assalto!
- OK, eu te empresto os cem!
16
“Nada de truque, safado,
que eu vi a vizinha à espreita!”
E ele, agora, interessado:
“a da esquerda...ou da direita?”
17
Não sei o que é mais chocante
numa explosão entre dois:
se são os gritos, durante,
ou é o silêncio depois...
18
Na varanda, ao rés do chão,
que simbiose perfeita:
a lua estende o colchão
e a fantasia se deita!
19
Na vida há instantes brutais,
gerados com tal crueza,
que eu não sei o que dói mais:
se é a dúvida... ou a certeza...
20
Nos teatros das calçadas,
"artistas" – que a dor consome –
exibem cenas ousadas
do frio abraçando a fome... 
21
No teatro da ilusão
minha tristeza, em cartaz,
vive o drama da paixão
que em três atos se desfaz...
22
No velório, que lambança:
o clima era tão festivo
que até o morto entrou na dança,
pensando que estava vivo!
23
Num desfile sensual
de muitas rosas vermelhas,
põe-se em festa o roseiral,
saudando o enxame de abelhas!
24
Num encontro inesperado
tudo voltou, de repente,
e os fantasmas do passado
invadiram meu presente...
25
Num rodeio o que me encanta
é a humildade do peão,
que nunca ao pódio se adianta
sem antes "beijar" o chão!
26
O tempo passa depressa
mas, quem diz que eu envelheço?
- cada olhar é uma promessa!
- cada espera... um recomeço!
27
Pendendo no quarto a rama
a roseira parecia
deslumbrada ao ver, na cama,
outra rosa... que dormia!
28
Poeta é um iluminado:
cantando as mágoas que tem,
torna o seu mundo encantado
e encanta o nosso também!
29
Quando se tem por escopo
o trabalho e a persistência,
marcar presença no topo
deixa de ser coincidência!
30
Quem de utopias precisa
para algum sonho alcançar?
Basta dar rédeas à brisa
e aprender a galopar!
31
Que mico: o cara, simplório,
até por falta de assunto,
pôs a contar, no velório,
anedotas de... defunto!
32
Renúncia nem sempre vem
nos causar medo ou vergonha;
só perde tudo que tem
quem renuncia ao que sonha!
33
Se brigamos, certamente
todos temos a perder;
quando a discórdia é a semente,
o que se pode colher???
34
Se já não sou, no salão,
teu par de todos os dias,
que eu seja ao menos o chão
onde a valsar rodopias!
35
Se o teu noivado vai mal,
é claro que isso me importa:
goteira no teu quintal
é "chuva na minha horta"!
36
Se somos vidas sozinhas,
não culpemos mais ninguém:
tu, prometeste e não tinhas;
eu... dei tudo e fiquei sem...
37
Uma porteira é o bastante
para eu lembrar de um menino
correndo atrás do berrante,
nas estradas de Ouro Fino!
38
Um buquê de romantismo
redesenhou o horizonte:
se a distância foi o abismo,
a saudade foi a ponte!
39
Um carro de bois chorão
 que eu vi passar, à distância,
 trouxe de volta o sertão
 que povoou minha infância!  
40
Velhice é um soturno porto
no qual eu passo meus dias
acenando, em desconforto,
para embarcações vazias...

Fontes:
Desenho do Trovador, por José Feldman

Nenhum comentário: