quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Aluisio de Azevedo (O Japão Cronica = Capitulo 3)

O Comodoro Perry Ii Kammon
Pintura de Isis Lucena
Foi sem dúvida o insólito advento dos estrangeiros no Japão, de 1853 em diante, o que, provocando a guerra civil em todo país, determinou a queda do Shogunato e a seqüente restauração do unitarismo imperial. Aqueles porém não conseguiriam penetrar e instalar-se no território, ou pelo menos muito mais caro lhes custaria o feito, se não fora a ardilosa política e traiçoeira audácia de um homem, cuja memória é ainda hoje execrada pelos japoneses da velha têmpera; e o qual de resto pagou com a vida nas mãos dos roninos semelhante ato, nem só contrário à vontade do Micado de então, Komei, pai do atual, como inteiramente oposto às aspirações da nação, que era nessa época profundamente nativista, desde a sua mais alta à mais baixa camada social.

Esse homem fatídico é o Daimo de Hikobe, Ii Kammon no Kami, que durante muito tempo exerceu o cargo de "Tairô", ou primeiro ministro, do Shogun Tokugawa Yeçada, e depois, com a morte deste, passou a ser o poderoso Regente do Shogunato durante a menoridade do sucessor, Tokugawa Iyemochi, príncipe de Kii, criança de treze anos.

Mas, para bem explicar como se deram os fatos, é preciso voltar atrás. O primeiro Ocidental que pôs pé no Japão, assinalando com obras a sua presença, foi um português, Mendes Pinto, em 1542. Antes deste, consta que no século XIII Marco Polo havia já desembarcado no arquipélago, se é com efeito o Japão o que ele nas suas famosas memórias chama "Zipangri" ou "Cipango"; tais revelações porém, verdadeiras ou fantasiosas, sem merecerem até hoje inteiro crédito nem dos próprios compatriotas do autor, não deixaram de si nenhum resultado positivo; podendo-se pois concluir que, a passagem do ilustre navegador veneziano pelo nipônico Império do Sol Nascente, é caso de efeito inteiramente nulo e que ninguém afirma com segurança.

Com Mendes Pinto a coisa muda de aspecto, não se contentou o investigador português com descrever as suas aventuras, muito mais desenvolvidas sobre o Japão e em nada menos interessantes que as do outro, foi a Macao e de lá conseguiu trazer para o arquipélago São Francisco Xavier e mais trinta jesuítas que, uma vez instalados em Kiuciu, atraíram novos, até formarem um núcleo forte e próspero de catechistas, ao qual não tardaram de incorporar-se os espanhóis e logo depois os holandeses, arrebatados estes últimos, não pela fé, mas pela cobiça.

Qual veio a ser nos primeiros trinta anos a boa fortuna dessa pacífica expedição já o leitor conhece, mas o que talvez ainda não saiba é que, à vista de tal êxito, os holandeses, a quem tanto faltava espírito evangélico quanto sobrava o de ganância, receando lhes viessem aqueles a fazer mais tarde concorrência comercial, principiaram a guerreá-los com a mais feia e intrigante deslealdade; como eram protestantes, afetaram pertencer a religião muito diversa da dos portugueses e, calcando aos pés o Crucifixo e fazendo toda a sorte de ridículas manifestações anticatólicas, perseguiram os missionários a ponto de fornecerem a Ieiâs a artilharia com que este exterminou os cristãos na célebre hecatombe de Chimabara.

Foi com esses e outros lances de igual jaez que os holandeses obtiveram, sob o governo de Tokugawa Iyemitsu, filho e sucessor de Ieiás, o privilégio de ficar no arquipélago, enquanto eram todos os mais estrangeiros enxotados e logo corridos a bala e ponta de azagaia. A despeito porém de tanta baixeza e tanta humilhação, permanecia latente no espírito do Shogun o desejo de varrê-los também pata fora do país, de sorte que os não deixava respirar com imposições e exigências cada vez mais cruéis. A um tal Francisco Caron, que em 1640 era o chefe da feitoria holandesa em Hirado, intimaram secamente para demolir todas as edificações por ele e seus patrícios construídas, porque dizia o mandado, se afastavam um pouco da forma arquitetônica nacional imposta pelas "Cem Leis", e os bons homens dos Países Baixos submeteram-se a isso sem o menor protesto e até com vivo e afetado empenho de bem cumprir as ordens do Governo, na esperança, já se vê, de que tais mostras de sujeição abrandassem os rigores oficiais e lhes facultassem a eles continuar a auferir os belos lucros que proporcionava o seu tráfico sem concorrência.

Maximiliano Lemaire, que, com a morte de Caron, o substituiu, obteve afinal do Governo, à força de súplicas e juramentos de solidariedade, concessão para construir uma ilha ao pé de Nagasaki, feita com a terra de uma colina próxima, para estabelecer nela a sua feitoria que não tinha onde abrigar-se. Essa ilha artificial, em hemiciclo, forma lisonjeira aos Tokugawa, cujo escudo era um leque de ouro com as rosas malvas do brasão de Ieiás no centro, chamou-se Dechima e foi o escasso recinto em que, durante trinta e dois anos, vegetaram os holandeses no Japão, sem família e sem direitos, privados de licença de arredar pé do presídio, a não ser com mil formalidades e só durante certas horas do dia, enchiqueirados lá dentro debaixo de uma fiscalização draconiana; não podendo receber da pátria por ano mais do que um navio, e sem vênia de entreter relações, fora das comerciais, com os japoneses e, ainda menos, com as japonesas, às quais era rigorosamente vedado o ingresso na ilha, como a toda e qualquer mulher estrangeira, menos a asiática, era defesa, sob pena de morte, a entrada no Império.

Semelhante reclusão teve, como era de prever, conseqüências ridículas. Nesse tempo não comiam ainda os japoneses outras viandas senão de aves e peixes; o boi era um animal sagrado, o porco desprezível e o carneiro inaclimável no território, apesar das d1-ligênncias nesse sentido tentadas pelos chineses e coreanos; ora, os holandeses, que não estavam dispostos a amargar, além do que já sofriam do Governo, os rigores da cozinha japonesa, faziam vir todos os anos da Europa um bom carregamento de gado ovelhum e caprino; quanto ao bife nem era bom falar nisso - animal consagrado! Assim, quando mais tarde, depois de muita lamúria, permitiu o Shogun que as "musmês" da mais baixa extração fossem ter à ilha Dechima e isso somente na ausência do sol, o povo começou de alcunhá-las de "Ovelhas" e "Cabras", qualificativo com que ainda agora grande parte dele estigmatiza a japonesa que partilha com qualquer ocidental o fruto do paraíso.

Mas o fato é que foram os holandeses os únicos europeus a permanecer no arquipélago desde 1625, época da expulsão definitiva dos estrangeiros, até 1853, quando um grito de alarma e de cólera ecoou por todo o país, arrancado pela arrogância do Comodoro norte-americano Perry, que se apresentara nas águas japonesas com uma esquadrilha composta de quatro navios de guerra, a reclamar o direito de ancorar, deter-se e traficar nos proibidos portos de Chimoda e Hakodate.

Dai Nipão já não era o mesmo quanto ao naturalismo espontâneo dos costumes. Duzentos e cinqüenta anos de profunda paz e desenvolvimento artístico, impostos pelos Tokugawas, tinham abafado o ardor bélico e turbulento dessa raça que agora se elevava já mais além de 40 milhões de indivíduos. Os acaroados arneses e as decorativas espadas de Massamore e da família Miotchim, os mais primorosos alfagemes da idade média japonesa, jaziam havia muito dependurados nos altares domésticos, como venerandas relíquias dos tempos heróicos e dos antepassados valentes. Os príncipes e daimos viviam então tranqüilos, a gerir as suas terras patriarcais, desistidos das antigas rivalidades de classe e descuidosos das armas; os respectivos samurais, dantes tão árdegos e revessos, eram agora os seus agentes de confiança na administração dos feudos.

Mas, se por um lado haviam a preguiça e a voluptuosidade invadido a aristocracia e a nobreza militar, por outro os artistas, os operários e a gente da gleba se tinham apurado pelo esforço inteligente ou pelo trabalho subalterno. Não se contava um só analfabeto no país.

E com efeito durante aquela extensão pacífica que atingiram a sua mais linda plenitude as artes e as indústrias japonesas, caindo depois vertiginosamente com a revolução e ameaçando hoje em dia desaparecerem para sempre, estioladas de todo pela macaqueação da arte européia e do industrialismo cosmopolita e banal. Os artistas japoneses, então diretamente protegidos pelos daimos senhoriais não faziam obra de afogadilho destinada ao comércio, que só em muito pequena escala existia no Japão.

Como tinham vida garantida pelo príncipe a que serviam, e absolutamente despreocupada de necessidades materiais ou de ambições burguesas, trabalhavam sem impaciência, sem pressa de acabar, e só cuidosos da perfeição e requintado esmero. Daí essas inverossímeis maravilhas de laca, de bronze, de esmalte, de mosaico, de porcelana, e todas as outras mil inapreciáveis coisas, das quais neste sincero livro muito tenho que vos referir; coisas que nunca mais se repetiram depois daquele tempo áureo e que, — infelizes dos olhos futuros! — nunca mais se farão em parte alguma do mundo.

E que o governo feudal dos daimos era, contido pelas sábias e humanas leis de Ieiás, nem só paternal para o povo, mas talhado de molde a favorecer a expansão do talento artístico. Com uma obra d'arte perfeita obtinham-se foros de nobreza, tença vitalícia e até hereditária, se acontecia neste caso, como era então muito comum, exercer a família do artista a mesma profissão que o chefe. Uma alçada, de imediata confiança do Governo Central, composta de cinco membros e dispondo de duzentos agentes de tradicional integridade, tinha a seu cargo a fiscalização da gerência dos principados, e, uma vez por ano, passava em revista todos os oitenta e quatro distritos do Império, recolhendo, uma por uma, as queixas e reclamações do povo; o protocolo de tudo isso seguia para Yedo a ser estudado e julgado pela Corte Shogunal, que punha em confronto essas partes populares com as contidas nos relatórios, também anuais, apresentados por cada um dos daimos governadores.

Em caso de denuncia de crime grave, o Shogun fazia vir à sua presença os interessados, acareava-os em plena audiência e, se o daimo tinha razão, entregavam-lhe o delinqüente para ser punido como de lei; mas, se ficava justificada a razão de queixa contra o príncipe, o Shogun anotava o depoimento das testemunhas com o seu parecer, e os autos subiam, pro forma, às mãos da Corte do Imperador que, imediatamente, em nome do Micado, convidava o daimo criminoso a abrir honradamente o ventre com a sua katana de fidalgo. E nunca se dava o caso de semelhante convite deixar de ser atendido com toda a solicitude, nem só porque ele significava áulica deferência prestada a um nobre do Império, corno também porque, se o criminoso não se prevalecia do privilégio, passava pelo negro vexame de acabar menosprezadamente decapitado, enforcado ou crucificado, conforme o dia da semana em que caísse a execução.

O produto de cada feudo era consumido pelo próprio feudo, não havia por bem dizer outra permuta fora da produção industrial e da produção agrícola; o mercador intermediário não estava classificado, porque também não existia ainda capital em giro de especulação. O organismo político do Estado, como a própria economia do povo, achavam-se na mais sinérgica integridade de equilíbrio e força; neles se não acusava nenhum dos vírus que na Europa perturbaram e destruíram o sistema congênere; não havia questão religiosa; não haviam rivalidades dinásticas em luta, nem reivindicações filosóficas e populares contra o direito divino do Trono ou contra a autonomia civil e militar do Shogun; não haviam tendências igualitárias transbordamento industrial dos limites que às competentes classes lhes traçavam as leis ieiasinas; a vida era fácil e simples, o país abundante; o clima em geral benigno, os patrões afáveis, o caráter do povo risonho e doce, como recomendou Ieiás, a fartura das terras e das águas afastava toda e qualquer insurreição de inferiores famintos contra superiores fartos; o patriarcalismo dos costumes, a sobriedade, o gosto da nudez; a ausência da moda, o enlevo amoroso pela natureza, punham a população ao abrigo dos apetites brutais e dos vícios caros e vaidosos de que se fazem os pronunciamentos e as plutocracias.

Não se acusava no corpo da nação o menor sinal dessa implacável moléstia oriunda dos Estados Unidos da América do Norte — a Febre do milhão, a cujo alucinador contágio nenhum 'país ocidental escapou até hoje; o dinheiro ainda servia só para ser gasto e não para ser multiplicado pela tabuada dos filhos de Israel; o capital ainda não era capital, era coisa secundária, não se tinha transformado em força viva e roda dentada que engrena, arrasta, mastiga e babuja a moral, o talento, o amor e o caráter da melhor porção do mundo moderno. Ninguém se azafamava correndo atrás dos galopantes cavalinhos de Dona Isabel, e não havia por conseguinte encontrões, nem choques, nem trambolhões; suicídios só por amor, por desafronta de honra ou em piedosa homenagem à morte de um amado chefe, militar ou doméstico, a quem por íntimo e espontâneo voto de lealdade se tivesse consagrado a vida. O Shogun era olhado pela população como um pai severo e bom, e o Micado como um taumaturgo padroeiro, compassivo e brando, em cuja influência divina contavam todos para obter entrada no céu.

A Nobreza, abençoada e quieta, desfrutava em respeitável paz os prazeres do espírito adubados com as delícias coreográficas que lhe davam entre sorrisos as maikos e as gueichas; livre e ainda forte para gozar, já impotente e manietada para levantar desordens. O povo pelo seu lado tinha tudo o que lhe desejava o coração ainda simples: as suas festas civis e religiosas, os seus espetáculos e justas de lutadores, os seus arraiais e os seus fogos de artifício. As relações sociais e as regalias públicas eram, como as relações e as regalias dos poderes constituídos, metodicamente e pontualmente exercidas e observadas. Enfim — a nação era feliz.

Durante esse largo período de bem-aventurança, as várias tentativas de quebrar o isolamento japonês, empreendidas pelos ingleses, pelos espanhóis e pelos russos, abortaram completamente. A disposição geográfica do terreno e as especiais condições meteorológicas do clima e da latitude eram vigilantes cúmplices do Tokugawa no seu apertado código das "Cem Leis"; eram a melhor garantia da estreita reclusão em que desejavam viver os donos do país, caprichoso arquipélago armado com mais de três mil e oitocentas ilhas perigosas, de costas escudadas por tufões e ciclones infernais. Qual seria o louco aventureiro que entestasse contra tais sinistros para ir lá dentro, em terra firme, dar talvez, por entre homens, com ainda mais duros rochedos e mais ferozes tempestades? Assim pois, o decreto de Iyemitsu, fechando positivamente o Japão em 1625 a todo e qualquer ocidental, depois de expelir, à exceção dos ostráceos holandeses, os poucos que lá restavam, não se via uma só vez desacatado até a revoltante chegada dos americanos.

E seja dito de passagem que, no modo de fazer respeitar essa lei, o Japonês foi sempre, assevera-o Georges Bousquet, tão lógico e firme quanto cortês e humano. Por ocasião de qualquer daquelas investidas européias, negou-se ele com boas razões e boas maneiras a franquear a pátria, sem jamais empregar inúteis violências; desde todavia que a pretensão saltava para o terreno da arrogância, como sucedeu com a Rússia, o Japonês arrancava da espada e não a recolhia de novo à bainha enquanto o perturbador da paz do seu Estado não desarvorasse das águas territoriais. O Tokugawa porém, dois séculos antes, não contara com a descoberta da aplicação do vapor que, no começo do nosso, veio neutralizar as defesas naturais do seu país, transformando os oceanos, de abismos isoladores que eram, em laços de união entre todos os continentes do velho e do novo mundo.

Com o vapor ao serviço da avidez, podiam os modernos fenícios abordar às costas japonesas e, sem risco de avaria, insinuar-se por entre esses sirtes e recifes com que contava Ieiás para guardar a sua frágil e humana obra contra as danosas ambições do resto do mundo cobiçoso, fechando-a naquela natural custódia que lhe parecia invulnerável por ser feitura das mãos de Deus.

Ora, a América do Norte em 1852 sonhava com uma nova e grande linha marítima que unisse pelo Oceano Pacífico a Califórnia à China, fazendo escala pelo Japão, e por isso queria que lhe franqueasse este, ao norte o porto de Hakodate em Yezo, e a leste o de Chimoda em Izo. Era esta a razão ostensiva e oficialmente declarada, mas a oculta e talvez mais palpitante, não passava da mesma que várias vezes movera as outras nações ocidentais a pôr, não os pés, mas as garras no Extremo Oriente; quer dizer: era, nada mais, nada menos, do que a curiosidade de verificar se no misterioso arquipélago havia de fato muitas riquezas, como constava; e, caso houvesse, fazer de conta que elas não tinham dono.

Bem sei que os europeus e norte-americanos, naturalmente por decoro, não contam deste modo nos seus livros sobre o Japão os fatos que aqui vou narrando; dizem todos os autores, pelo menos os meus conhecidos, que a revolução existia em estado latente no Império Japonês e que a chegada do Comodoro Perry nada mais fizera do que precipitar-lhe os efeitos.

E preciso muito má fé, ou não, ter sequer cheirado as crônicas japonesas, para sustentar semelhante falsidade histórica! nem sei como não afirmam logo que o pobre Japão se achava em viva guerra de extermínio e que eles, americanos, lá foram, impelidos pelos próprios sentimentos de humanidade. Seria desse modo a burla mais engenhosa e mais completa.

O país nunca tivera época de tão inteira paz e nunca vivera tão despreocupado de lutas. Esta é que é a verdade! Como se deram os sucessos vou eu dizê-lo francamente, porque entre o assaltante atrevido e a vítima sacrificada, claro está que me coloco ao lado desta.

Eis o caso. Não sendo o Comodoro Perry atendido na primeira vez, ameaçou que voltaria para o ano seguinte e que empregaria a força se as suas reclamações fossem de novo rejeitadas.

Pode-se facilmente calcular o efeito produzido por tal audácia no espírito desse povo, que para mais de dois séculos vivia tranqüilo e feliz, fechado no seu canto, sem nada pedir a ninguém, nem de ninguém precisar, tão indiferente e alheio ao resto do mundo que ignorava até que se houvesse descoberto do outro lado deste a navegação a vapor. O efeito foi fulminante; uma profunda perturbação logo abalou o país inteiro. A nação dividiu-se em dois partidos; um pequeno e tímido, outro enorme e forte; o dos curiosos, dos comodistas ou medrosos, que eram pela admissão dos estrangeiros; e o dos nativistas radicais, que clamavam energicamente a favor da repulsão pelas armas. Este último partido compreendia a nação quase inteira.

O Shogun hesitava, e compreende-se a sua hesitação, porque é fácil de compreender a responsabilidade; a resistência, sem visos de bom êxito, iria pôr de novo em pé de guerra, e logo de intriga e de ambição política, os daimos que administravam agora tranqüilamente os principados, e iria acordar nos samurais o instinto brigalhão e turbulento a tanto custo, e com tanto sacrifício de sangue, reprimido pelo fundador da sua dinastia; mas, por outro lado, se o mensageiro Americano fosse admitido e conseguisse do governo japonês tratados de paz, comércio e amizade; com o do seu país, não seria isto igualmente, por modos diversos, a destruição completa da obra de Ieiás, cuja garantia única de estabilidade tinha os seus alicerces no mais completo isolamento? Sem contar que, o fato de se não chamar oficialmente a nação às armas não queria dizer que ela se não levantasse amotinada e a guerra civil não rebentasse do mesmo modo e produzindo as mesmas funestas conseqüências.

Entretanto, o Shogun Yeçada no seu enleio descobria uma tangente para escapar ao dilema, era a contemporização, a meia promessa que não dá nada e ganha tempo na expectativa de uma solução aceitável. Foi a esse farrapo de esperança que se agarrou o desgraçado.

E já sobre a hesitação deste começavam os príncipes do sul a fazer carga política, quando o mais inesperado dos fatos veio decidir tudo e precipitar os acontecimentos: o hipotético Imperador, com quem ninguém contava, esqueceu-se de que o seu destino era ser o fantasma n.0 121 e rezar para aí de gatinhas defronte do espelho até que os céus para si de feita o arrebatassem, tira-se dos seus cuidados, interrompe os seus mistérios e intervém diretamente no Governo do país, pronunciando-se com firmeza sobre a endiabrada questão.

Era a primeira vez que tal coisa sucedia desde que os Tokugawas tinham hereditariamente a posse do poder executivo. E o fato, posto que extraordinário, vinha tão a propósito naquele momento, também único e muito angustioso para a vida nacional, que ninguém, a não ser o Shogun, pareceu estranhá-lo.

Espalhou-se logo no ambiente um profilático aroma de milagres. Sim! o filho dos altos deuses descia pelo seu pé à terra vil dos homens; a palavra inspirada baixava, como a luz dos astros, lá das místicas alturas, para vir inspirar o povo querido do peito de Amateras; e essa palavra bendita fazia estremecer a multidão como se fosse a voz de uma alma do outro mundo.

A boca do santo falou e disse

É preciso, quando esses bárbaros tornarem cá, varrê-los para longe, como se varre a poeira com a vassoura. O súdito que proceder de outro modo ofende a vontade do meu coração.

Esta simples ordem do divino fantasma de Kioto fez vibrar, com um arrepio aceso, a alma de todo aquele bom povo, que nesse tempo era ainda, como o foi até aos últimos instantes da revolução, ingênuo e casto. Àquelas poucas palavras do Imperador dissolveu-se logo por encanto a pequena facção política favorável aos estrangeiros. Mas o Shogun, em cujo espírito a indecisão cedera afinal abrindo pelo lado da impossibilidade da resistência, expediu imediatamente um poderoso emissário para junto da Corte Imperial, Hayachi, príncipe de sangue, que aliás não foi sequer atendido pelo Imperador; mandou um segundo, na aparência decisivo pelo seu grande prestígio naquela Corte, da qual havia sido já o mais belo ornamento, Hotta Bishu, que apesar de tudo porém, não conseguiu melhor resultado; então o Shogun correu em pessoa para lá. Era também a primeira vez que um Tokugawa ia ao lado do Trono curvar o joelho antes de decidir sobre os negócios do Estado. Definitivamente uma das conchas da balança política começava a pesar mais e a descer, procurando equilibrar-se com a outra. A posição do Imperador tinha sido até aí a mais alçada justamente por ser a mais leve.

O Shogun expôs ao Micado a verdadeira situação do país e falou-lhe com franqueza; mostrou-lhe o perigo interno de armar os mais poderosos príncipes e disse-lhe quais eram as probabilidades negativas da resistência. Os americanos viriam fortes, e atrás deles estava a Europa inteira, a espreitar a situação, esperando o resultado da empresa para dela tirar partido!

— É preciso varrê-los! exclamou sinteticamente o Monarca.

— O melhor, insistiu o outro, seria aceitar uma conferência com Perry, fazer cara alegre e, por meios hábeis, com boa diplomacia, tratar de mistificá-lo, prometendo pouco e não dando nada...

— Isso é um paliativo que a ninguém aproveita!

— Mas que ganha tempo, durante o qual nos prepararíamos para a resistência e para a vitória neste momento impossíveis.

— Não engoliriam semelhante isca!

- Os ocidentais não conhecem absolutamente o mecanismo político do Japão... nem sequer sabem ao certo qual é o verdadeiro chefe do Estado; seria fácil por conseguinte engodá-los durante muito tempo, sem nada lhes ceder de positivo.

— Mas cedendo sempre...

— Cedendo sombras de concessões... Que pode valer um simulacro de tratado, sem a assinatura do Imperador, e que...

Yeçada não conseguiu concluir a frase, porque Komei, ouvindo falar em tratado com os estrangeiros, teve um terrível assomo de cólera e bradou, com os lábios trêmulos e os olhos apopléticos:

— Um tratado?! Nunca! E preciso varrê-los! Se o Shogun, que é o Comandante das Forças, desobedecendo as minhas ordens, não der quanto antes providências para repelir os bárbaros, eu próprio chamarei às armas os príncipes japoneses e irei em pessoa comandá-los!

Pobre Imperador! Tarde voltava ele à vida. Estremunhava agora como a Bela adormecida no bosque, e com a agravante de que não levara apenas um século a dormir. As suas intenções eram as melhores, a sua vontade enérgica e leal, o seu patriotismo legítimo e puro; mas a complicada rede de fórmulas e etiquetas, que em volta do arbítrio lhe teceram durante o sono gerações inteiras de áulicas aranhas manhosas, torcia-lhe o gesto e quebrava-lhe a ação. Nenhuma das suas ordens foi cumprida, posto não deixasse nenhuma de ser acatada com a máxima reverência; as Cortes, os Ministros, os Daimos, ninguém, como o próprio Shogun; zombava dele, isso não! mas delas zombavam todos; ninguém o contradizia, cada qual porém, a dizer que sim, ia fazendo o que melhor lhe convinha, contemporizando, iludindo os decretos, e dando tempo a que a situação por si mesma abrisse brecha para qualquer lance decisivo ou para qualquer escapada.

O Shogun ainda hesitou, ainda roeu as unhas durante alguns dias, mas, percebendo que os insofridos príncipes do sul já por conta própria se proviam para a guerra, chamou a nação às armas, dando aos daimos liberdade de levantar exército e construir navios de combate. E o país inteiro, ao grito de "Morram os Bárbaros!" ferveu em apercebimentos vertiginosos para defesa do território. Principiaram febrilmente as obras de fortificação; construiu-se dentro de poucos meses o forte de Chinagawa, guarnecido logo com artilharia fabricada em Nagasaki, pelos aprendizes dos fundidores holandeses.

Os donativos choviam de todos os lados; o dinheiro desencadeou-se espontaneamente correu a rodo; o príncipe de Satsuma fez lançar n'água dois grandes navios de forma européia e ofereceu-os ao Estado; outros daimos o imitaram; o príncipe de Mito, então detido à ordem do Governo no seu próprio castelo desde 1841, por se ter, como intransigente nativista, contraposto ao forasteiro Budismo, foi absolvido e chamado para tomar o comando em chefe da defesa marítima do país. "Era este príncipe, diz a mais recente das crônicas japonesas, um homem de energia e coragem, com dois sentimentos únicos no coração — cego fanatismo pelo Imperador e ódio ainda mais pelos estrangeiros."

Yeçada, desiludido e sagaz, tinha para si, sem ânimo contudo de dizer palavra, que todo aquele apresto bélico ingenuamente improvisado pelo patriotismo, e todo aquele santo e brioso entusiasmo dos seus compatriotas nada valeriam contra o bombardeio de um só encouraçado moderno, cujas baterias de grande projeção e certeza de mira podiam de longe, fora do alcance de qualquer insulto, fazer à terra o dano que lhe aprouvesse; e em sobrecarga do seu desalento e da sua inconsolável tristeza, notou, sempre de si para si, que o pavilhão arvorado pelas novas milícias já não era o do leque de ouro encentrando as rosas malvas da casa dos Tokugawas, com o qual, depois de Ieiás, pelejaram sempre os japoneses; mas sim a bandeira branca de globo vermelho no centro, representando o sol oriental. Era já o pendão do Império que se levantava em desafronta da pátria comum. E viu nisto Yeçada um mau presságio para a sua dinastia.

Justo um ano depois da primeira investida, o Comodoro Perry, pela primavera de 1854, surgiu de novo nas águas japonesas, e agora com uma esquadra de oito vasos de guerra de alto bordo, duzentas bocas de fogo e quatro mil homens de abordagem. Era com estes argumentos diplomáticos que os Estados Unidos da América do Norte contavam entrar em relações de paz e amizade com o Shogun, única potência que os ocidentais conheciam no Japão e à qual davam o título de soberano.

A imponente esquadra bordejou orgulhosa todo o arquipélago, e foi fundear a leste em frente á barra de Yokohama. O povo miúdo, cuja curiosidade era muito maior que o terror, corria às praias a contemplar boquiaberto aqueles estranhos monstros que invadiam as suas águas virgens de vapor, vomitando fumo negro e atroando os ares com ameaçadores berros de fera infernal e faminta; faminta ainda se não sabia de que.

Afinal a cada ronco dos monstros, os indígenas quase nus saltavam a rir torciam-se em gargalhadas de prazer; alguns, concheando as mãos na boca, respondiam ao mugido feroz com um sibilante e zombeteiro silvo de garoto; e, enquanto o povinho se divertia com o caso, o Shogun, sem querer ferir de frente a vontade do Micado, que ao apontar da esquadra lhe dera aviso terminante de dispor as forças em ordem de batalha, e sem querer também produzir a irreparável ruína de sua pátria, assanhando os ograis monstros que rondavam para a devorar, reuniu conselho extraordinário e chamou em seu socorro parecer dos príncipes Gosankês e de outros de bom aviso; mas ninguém lhe valeu na aflição; uns, encolhendo os ombros, confessavam não encontrar saída para semelhante conjuntura outros entendiam que o melhor seria cumprir à risca a vontade suprema do Imperador, desse por onde desse, ainda mesmo com o sacrifício do país inteiro; e nenhum, ou por intransigente convicção ou pelo receio do estigma público, nem por sombras alvitrava a hipótese de travar acordo no que pretendiam os invasores. O Shogun, coitado! esse arfava cabisbaixo e tíbio, escondendo o rosto entre as duas mãos. Não sei se chorava.

Passam-se dias. Os americanos já não pedem, exigem, sob pena de começar o bombardeio, a resposta do memorandum que, em nome do Governo da República, enviaram por um oficial de patente superior á "Sua Majestade o Shogun do Japão". Marcam afinal um prazo de espera e, no dia precisamente em que terminava esse prazo fatal, Yeçada é encontrado morto, estendido de bruços sobre os degraus do seu trono shogunal.

Assassínio? suicídio? natural explosão do desespero? Ninguém o explica. Um romance japonês conta o episódio histórico muito dramaticamente e diz que o mísero sucumbiu estrangulado pela perplexidade.

Com este fato, resolveram os americanos suspender a intimação e esperar, de fogos apagados, que o Estado tivesse novo chefe.

Surge então à ribalta da história contemporânea do Japão a já anunciada figura de Ii Kammon no Kami, príncipe de Hikone, ao qual, na sua qualidade de primeiro ministro ou chefe de gabinete, competia tomar as rédeas do Governo até a sagração do novo Shogun. Ora, o sucessor de Yeçada, como já disse, era uma criança de doze anos, e o príncipe de Hikone trata logo de assumir a Regência do Shogunato, o que conseguiu, a despeito da forte oposição levantada por Mito e outros intransigentes daimos do sul.

Vai a situação mudar de aspecto. Ii Kammon dispunha de todas as qualidades políticas que faltavam ao seu perplexo antecessor, audácia, energia, resolução, astúcia e sangue frio; talento não sei se o tinha e espírito nativista posso afiançar que não. Inspirado de outro modo, esse homem de valor, havendo por si a nação inteira pronta a reagir com entusiasmo até a morte, pregaria uma boa peça aos americanos, que afinal poderiam sim arrasar o país de um extremo a outro, esmigalhá-lo, mas não poriam os pés lá dentro, ficando-lhes perante o resto do mundo a odiosa responsabilidade do vandalismo cometido. Era essa a vontade da Nação; vontade insustentável decerto para o futuro, mas sem dúvida reveladora do sábio instinto de uma raça que defende a sua hegemonia, a sua originalidade, o seu caráter nacional; como nos mostrara-o os fatos posteriores.

O primeiro ato público do Regente foi dar balanço às forças deixadas pelo falecido Shogun e logo providenciar para completá-las, formando um efetivo superior ao dos primeiros daimos. Ninguém se negou a ajudá-lo nesse empenho, todos convencidos de que Ii Kammon se fortificava para resistir aos estrangeiros, quando em verdade o fazia para impor à nação pelas armas o seu programa político. Depois, sem se preocupar absolutamente com a opinião do Micado, nem com a da Nobreza e ainda menos com a do povo, recebe em audiência privada o próprio Comodoro Perry, que o toma pelo verdadeiro Imperador do Japão e firma com ele um tratado, não provisório como queria o outro, mas decisivo, e cedendo mais do que pretendia o Americano, pois além de Chimoda em Izo e Hakodate em Yezo, lhe abriu mão também do porto de Nagasaki a oeste de Kiuciu. Como complemento desta medida, envia, por conta própria, uma embaixada à América do Norte, a qual saiu do Japão sem o público dar por isso; em seguida por decreto concede a todo o súdito japonês o direito de afastar-se das águas territoriais do país e quanto quisesse e pelo tempo que lhe parecesse. Este golpe nas "Cem Leis" foi ostensivo e forte.

O povo, sempre agarrado às praias, vê com alegre surpresa a esquadra americana começar a dispersar-se, a esgalhar por todos os lados do Pacífico e afinal sumir-se no horizonte, sem fazer para a terra sequer um bocejo de fogo; respira, inteiramente estranho ao que vai pelos misteriosos bastidores sbogunais, e deveras maravilhado pela habilidade desse Regente, cujo governo se abre assim aos olhos aflitos do público por um tão lindo milagre político; mas os verdadeiros nativistas, a quem no seu vigilante amor da pátria sobressaltavam tristes pressentimentos, esses franzem o sobrolho e não participam da confiança geral.

Outras potências estrangeiras, que espreitavam de perto a solução da cartada americana; mal fariscaram o bom êxito da expedição, acudiram logo nas águas dos Estados Unidos e surgem por sua vez nas costas do requestado arquipélago. Ii Kammon recebe-as todas de braços abertos e sucessivamente vai assinando novos tratados com a Inglaterra, com a Rússia, com a Holanda e mais tarde com a França que foi então a última a apresentar-se, concedendo-lhes, além da abertura dos portos já franqueados à América do Norte, a de mais um que valia por dois, o de Kanagawa, a cuja alçada se prendia Yokohama ainda nesse tempo sem maior importância.

Às honras e zumbaias oficiais prestadas ao Regente por esses gratos expedicionários da Europa, respondeu como Imperador magnânimo, fazendo salvar as fortalezas e hasteando o pavilhão nacional. O povo via tudo isto intrigado, sem nada poder compreender do que se passava. E a bordo dos próprios navios estrangeiros lá seguiam em segredo novos embaixadores japoneses destacados para diversos pontos do Ocidente.

Não tardou a chegar ao Japão Townsend Harris, enviado pela República Norte Americana como ministro residente para acompanhar de perto o bom desempenho do tratado concluído entre os dois países. Só então foi que, alcançando os ouvidos do Imperador e caindo no domínio público a notícia dos atos arbitrários do Regente e até onde subira a sua audácia, rebentou o descontentamento da nação e transformaram-se em desespero febril a desconfiança e a ansiedade que às ocultas ardiam no ânimo dos nativistas.

Traição! Traição! bradavam de toda parte. E Mito, pondo-se à frente dos revoltados, decidiu tomar contas ao pérfido governante. Ii Kammon, bem provido de forças, recebeu-os à bala e golpes de bacamarte, mandando decapitar no próprio teatro da ação os que pôde apanhar com vida.

Era a guerra civil que recomeçava depois de dois séculos e meio, como previra Yeçada; e ela agora seria inevitável e terrível, porque acabava de abrir-se a divergência entre a Corte do Imperador e a do Shogun. Contra esta se levantavam já, ao exemplo de Mito, todos os príncipes do sul, e a seu favor acudiriam logo os do norte, fiéis à dinastia dos Tokugawas que do norte provinha.

Ii Kammon, homem de ação por excelência e disposto a não partilhar o poder com quem quer que fosse, trata antes de mais nada de pôr Mito fora de combate e descobre meios de responsabilizá-lo como conspirador contra o Shogunato, cuja soberania devia ser por princípio fundamental do Império reconhecida e respeitada pelos daimos sob sua alçada. Para documentar a acusação obtém com muita astúcia e audácia da entibiada Corte do Micado a correspondência secreta dos príncipes do sul, feita ainda em tempo do seu frouxo antecessor; publica-a lardeada de negros comentários e acompanhada das mais injuriosas censuras, e acaba condenando Mito ao exílio perpétuo e os fidalgos de sua casa ao completo afastamento dos negócios públicos.

Depois, receoso de uma provável coligação sulana contra o seu predomínio, arroja-se incontinenti em fúria desabrida sobre os príncipes de Tosa, de Tozamma e de Uwajima e sobre os quatro daimos de Sikok, que eram os mais vivos correligionários de Mito e os mais intransigentes inimigos da expansão internacional; bate-os a todos, consegue fazê-los prisioneiros; manda executar na praça pública o intrépido Tatewahi com a centena de cúmplices do seu heróico nativismo, e passa pelas armas uma multidão de samurais e homens do povo.

Não se sentindo ainda bem seguro do perigo, ordena, como medida preventiva, a captura, com arresto de armas, dos príncipes de Owari, de Gazen e de Echizen, todos três membros da Casa Imperial e os quais até aí não se tinham absolutamente pronunciado a respeito dos atos do Governo.

Era demais! Um grupo de roninos, dezessete apenas, afiam as adagas, cobrem o corpo com um capucho de palha espetadiça à moda dos kulis do campo, e atiram-se firmes para Yedo. Escondem-se às portas de Sakurada, aguardando a passagem do déspota, que tem essa manhã de atravessar por aí para chegar ao inexpugnável chiro dos shoguns.

Esperam mais de três horas. Tempo nevoado e frio apesar de estarem já a 23 de março desse ano famoso na história do Japão, 1860. Afinal surge o lobo no seu palanquim de charão dourado, ao meio de uma refulgente escolta em que as galas brilham tanto quanto as armas. Saem-lhe os roninos pela frente e, fazendo da capa escudo, às cutiladas se atiram sobre eles. Desfeito o séquito, despedaçam a liteira e arrancam pelas pernas Ii Kammon, a quem cortam a cabeça, para ir no mesmo instante levá-la ao chefe dos nativistas.

O príncipe de Mito, rejubilando com a dádiva sangrenta, manda expô-la na ponte mais concorrida da capital com o seguinte letreiro, estampado em letras vermelhas sobre uma pele de hiena:

"Esta é a cabeça de um traidor, que violou as santas leis do Japão admitindo estrangeiros na pátria."

Os assassinos, seguindo a usança nobre entre os japoneses do tempo, foram solicitar da justiça a pena capita] que lhes cabia, apresentando por escrito as razões morais que os levaram a cometer o atentado. O memorial, depois de expor todos os atos reprováveis da vida pública do Regente, concluía assim:

"Esse monstro em suma, por medo ou por espírito de perfídia, e a pretexto de necessidade política, firmou com os bárbaros tratados feitos clandestinamente, contra a vontade do Imperador e contra a vontade do povo japonês; crimes tais que não encontram perdão nos deuses, nem nos homens. E nós pois, representantes da cólera nacional, deliberamos castigar o grande culpado com a morte, dando a nossa vida em holocausto à felicidade da pátria."

Um grupo de oito samurais de Ii Kammon, fiéis à memória do chefe, juraram sobre o seu cadáver ainda quente que em breve, para vingá-lo, poriam as mão sobre o príncipe de Mito.
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continua...

Marcio Brasil (Sobre amores e cores... )

Marcio Brasil (Cor de Rosa)
Num dia de chuva e vento, ele voltava para casa. Seu guarda-chuva não era dos melhores e, na verdade, já tinha algumas barbatanas tortas que ele insistia que voltassem ao lugar e esquecessem de obedecer as ordens do vento. Cruzou por centenas de outros guarda-chuvas de cores mil, até que se chocou com uma sombrinha cor-de-rosa (como é a cor do céu dos apaixonados...). Ela derrubou as pastas de escritório que carregava. Ele entortou o guarda-chuva e arrebentou as barbatanas em definitivo. Ajudou a recolher os papéis dela no chão e recuperou outros que tentavam ganhar o céu, num balé aéreo. Ele se molhava, mas sentia o perfume que ela usava. Eternity.

- Eu te dou uma carona debaixo do meu guarda-chuva...

Ela ofereceu. Ele, queria pedi-la em casamento...
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O garoto chorava e não queria largar da mão de sua mãe, que o levava ao primeiro dia de aula da sua vida. "Vá conhecer seus coleguinhas". Mas ele não queria. Aquele era um mundo estranho, cheio de estranhos. A mãe enxugava as suas lágrimas e quase se deixava convencer pelos seus apelos de levá-lo de volta para casa. Foi quando uma amiga chegou, trazendo sua filhinha, um pequeno anjo vestido de um azul cor-de-céu. Se recompondo diante do olhar da menina, o garoto secou as lágrimas e retribuiu o sorriso doce, corajoso e inspirador diante dele. A menina lhe estendeu a pequena e delicada mão.

- Vamos entrar juntos.

Ele tocou nos seus dedos, sem desviar de seus olhos brilhantes e do sorriso cheio de vida. E, confiantes um no outro, caminharam de mãos dadas até a sala de aula, ante o olhar orgulhoso de suas mães. Foi nesse dia em que ele conheceu o seu primeiro amor, mesmo sem saber o porquê de seu coração bater mais forte perto dela...
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Tudo tinha que ter lógica para ela. Era matemática e acreditava em resultados exatos e precisos. Tudo preto no branco. Se gostasse de poesia, teria estudado Letras. Mas não acreditava nisso. Desprezava poesia e odiaria receber flores (ela dizia). Para ela, o coração era simplesmente um órgão muscular cuja função era bombear o sangue vermelho para o organismo. Algo lógico e nada a ver com a descrição alienada de adolescentes apaixonadas e tolas, contagiadas pela síndrome de Cinderela (sempre à espera de um príncipe a lhe tomar nos braços). O amor, para ela, era uma farsa inventada para disfarçar nossos instintos primários de seleção natural e acasalamento (lógico que o ser humano é um animal, ainda que racional). Algo exato. O amor, ela dizia, era como um perfume caro que se comprava para disfarçar o odor do corpo humano ou a menta da pasta de dente. Podia até impregnar sua pele ou refrescar sua boca, mas isso não fazia parte de sua natureza. Era uma ilusão breve. Ela podia viver sem perfume, assim como podia viver sem amor. (E se o príncipe se desencantasse sentindo o bafo e o chulé da Cinderela ao calçar-lhe os sapatinhos de cristal?) Era fácil descontruir mitos. Deus? Uma lenda criativa, tão inventiva quanto o Papai Noel ou o Coelhinho da Páscoa. Para ela, a explicação divina para todas as coisas foi o tempo perdido para achar a verdade sobre todas essas coisas.

- Tudo nasce, cresce e morre. Acontece com uma planta, acontece com um sapo, acontece com uma bactéria e não há nada de romântico ou misterioso nisso. É pura lógica, matemática e cronologia.

Tudo tinha que ter lógica. Mas o que ela não conseguia entender era por que, entre seis bilhões de pessoas no planeta, foi se apaixonar justamente por aquela pessoa? O que tinha ela de tão especial, a ponto de destruir toda a visão de mundo que ela possuia e revirar seus conceitos pelo avesso? "Meu Deus, me permita viver esse amor", ela pediu, após mais uma noite insone e sem lógica...
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Ele tinha aceitado o conselho dos amigos e resolveu participar do tal grupo de terceira idade. Vivia sozinho, mas ao contrário do que os velhos amigos pensavam, ser sozinho não era de todo o mal. Ele fazia os seus horários, dormia até a hora que queria, comia de vianda, fazia suas caminhadas, deixava a roupa espalhada e pedaços do jornal que lia por toda a casa. E ninguém reclamava de outros hábitos peculiares. Depois de ter sido casado por 40 anos, ele reaprendia a viver uma vida de solteiro. E não era tão mal assim. Só ainda não havia se acostumado com aquele espaço vazio no sofá, ao seu lado na hora do chimarrão ou da novela (as horas cor-de-cinza e de saudade). Ela não estava mais aqui e ele, bem, ele era um velho. Naquele dia, no grupo de terceira idade, ele dançou. Até que a cãibra lhe fez perder o compasso.

- Já passei por isso também.

Ela disse, sentando ao seu lado.

- Pela cãibra?

Ele perguntou, bem humorado.

- Não. Por achar que minha vida tinha terminado com morte de meu marido.

Respondeu aquela senhora, que não pintava o cabelo, nem maquiava as marcas da passagem do tempo.

- E como superou?

Ele indagou.

- Percebendo que o mundo foi criado em nome do amor. E também que o tempo que temos é muito curto e que os medos que alimentamos são ilusórios. Como o de dizer que me apaixonei por ti.

Ele sorriu, como uma criança no primeiro dia de aula...
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Dois estranhos cruzam seus caminhos numa rua qualquer, numa pequena cidade qualquer, em frente a uma praça verde e arborizada qualquer. "Pode ser ela", ele se indaga. Ela, ele não sabe o que pensa, incapaz de ler pensamentos ou, simplesmente, de decifrar ou perceber as sutilezas femininas. Seus passos são apressados e carregados de compromissos profissionais. Ficam paralelos por uma fração de segundos, mas - sabe aquelas cenas de filme em que tudo fica em câmera lenta? Foi o que aconteceu aqui- ela passou ao lado dele, que invadiu-se de mil pensamentos, de mil frases para dizer, de uma vontade indescritível de desvendar aquele ser encantador que cruzava ao seu lado (e que inexplicavelmente não era notado pelos outros ao redor, como que acostumados a conviver com uma força da natureza absurdamente bela e enigmática, como a Lua). Em segundos, estavam distantes um do outro para, sei lá quando, cruzarem seus caminhos novamente. Restou a ele gravar as cenas em sua memória, retroceder seus passos e apertar o slow-motion para decorar aqueles poucos segundos em que a mulher mais apaixonante do mundo cruzou seu caminho numa rua qualquer, numa pequena cidade qualquer, em frente a uma praça verdejante qualquer...
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Ela passou a noite escrevendo poesia. Estava triste, profundamente. Tudo por causa de um amor. Num de seus versos descreveu que "o amor é a maior força do universo. Mas os que se vêem tomados por essa força se tornam intensamente fracos". Ela sabia o que descrevia e transformava a tristeza em poesia. Ela lembrava dele, do seu amor (que a deixou intensamente fraca). Já havia partido (em pedaços?) e estava longe. A distância não era apenas física, mas cronológica. Os dias, meses e anos passavam impiedosos e ela acreditava no seu retorno. "Talvez não como fomos, duas pessoas que se conheciam em corpo e alma. Mas como se fosse a primeira vez, quando você sorriu para mim e acreditamos que seria para sempre", ela escrevia em seus versos. Em seguida, boba, rasgava as páginas. Especialmente ao ouvir Por Enquanto, em que Renato Russo diz na canção que "o prá sempre, sempre acaba". Renato sempre soube das coisas. Ela abriu as janelas e deixou o vento entrar, fechou os olhos e sentiu a brisa brincar com seus cabelos. Ela era bela, intensamente bela, pelos sentimentos que nutria. E resolveu que não iria mais se fechar para o mundo. "Por que um romance do passado parece tão mais confortável de abraçar, com seus erros e acertos, do que estar aberta ao futuro, estranho e distante diante de nossos olhos?", se perguntou. Ela decidiu que não seria mais fraca e que o amor lhe daria forças. Amando a si própria, sem esperar pelo amanhã ou fazer planos de romances embalados por trilhas sonoras da novela das oito.

- O verdadeiro amor surgirá sem cobranças, sem exigir mudanças, compreendendo minhas falhas humanas, e será intensamente lindo, aos meus olhos. O verdadeiro amor será sublime, será fiel. E será simples, como meus versos e complexo como o meu coração. Como é a beleza de uma rosa e a textura de suas pétalas...

Escreveu a poetisa (sem escrever...) com a ponta dos dedos no azul do céu, onde as nuvens se uniam tomando a forma de um coração, à espera de um pôr-do-sol encantador... :)

Fonte:
http://marciobrasil7.blogspot.com/search/label/Contos

Gianfrancesco Guarnieri (Cem Gramas)

Marcio Brasil (O Engraxate)
Cem Gramas era miúdo e transparente, daí o apelido. Corria sobre duas pernas longas e finas em desproporção com o corpinho mirrado. Arrastava sua caixa de engraxate por um barbante comprido e ensebado. A caixa era seu trem e, às vezes, automóvel, navio, até mesmo avião. E corria pelas ruas, a caixa atrás, saltando, batendo, lascando-se no calçamento. Era seu instrumento de trabalho, brinquedo e cofre. Lá dentro, de mistura com graxa, escova e flanelas, as riquezas de Cem Gramas: um punhado de figurinhas, selos do Correio Nacional, uma caneta tinteiro sem pena, três bolinhas de gude, duas tiras de papelão ondulado, um “bob” de enrolar cabelo, uma faquinha de lâmina partida.Já perdera muitos fregueses por ficar absorto, manuseando a tralha, enquanto outros engraxates, mais vivos, tomavam conta do cliente.

Em verdade, raras vezes Cem Gramas conseguia serviço. Na disputa pelo trabalho, levava sempre a pior. Bastava um empurrão, de leve, para deixar Cem Gramas sem ação, vencido, choramingando. O que levava para casa era fruto de caridade. Gente que se compadecia e, sem usar de seus préstimos, lhe atirava alguma nota miúda. Cem Gramas não tinha o talento de alguns dos companheiros. Tuíra, o negrinho, atraía o freguês compondo sambas na hora, engraxando e batendo o ritmo na caixa; Miguelzinho utilizava com habilidade um sorriso gostoso de moleque maroto; Bentinho sabia enaltecer a superior qualidade do material que usava; Jamegão contava piadas incríveis; Rui Barbosa entretinha o freguês falando sobre política, com toda a autoridade de seus sete anos.

Cem Gramas não fazia nada. Podia atrair despertando compaixão, mas não se dava ao trabalho. O que conseguia não era por mérito. Não descobrira ainda a indústria da piedade. Distraído, boca sempre aberta, olhos arregalados como numa admiração constante, deixava-se viver, muito só, resignado, descobrindo as coisas do mundo, uma a uma, com moderado interesse.
Sabia que voltando à favela com pouco ou sem dinheiro levaria uma surra dolorida, raivosa. O pai - se era pai mesmo ninguém sabia - não se dava bem com o trabalho e quase sempre folgava, embebedando-se desde cedo. A mãe, mulher coitada, com dores, cuidando como podia de um barraco em ruína e do nada que tinha. Trabalho mesmo era dos pequenos, cinco crianças magras e largadas, entre elas o Cem Gramas. Dois engraxavam e três vendiam coisas: pentes, barbatanas e flor. O negócio estava em processo de ampliação. Tinha os fornecedores, os intermediários e a mão-de-obra miúda e doentia.

Diziam, com orgulho, trabalhar no comércio. Temendo a pancada, arrumavam-se todos de outra forma, que o rendimento das vendas nem sempre era considerável. E daí, que o maiorzinho - Julito - já estava adquirindo fama de punguista. Cem Gramas é que não tomava jeito. Resignando-se, cada vez mais, às surras, não se importava muito com dinheiro, mesmo porque não lhe conhecia o valor. Mas de tanto apanhar acabou por perder dois dentes e a dor foi aguda. Acabou por compreender o que se exigia dele e resolveu atender o pai. Mas dinheiro não vinha que não sabia criar habilidade. Foi quando recebeu a proposta de Juvenal, o Mais-que-Deus (o apelido provinha da extrema vaidade e prepotência do dito). O que tinha a fazer era simples: postar-se na estrada e à aproximação de alguém, chorar e simular fortes dores pelo corpo. Achou fácil e até engraçado e, lá pelas dez horas, foi pra estrada e fez tudo como o combinado.

O primeiro passante não caiu no conto, nem o segundo e terceiro, mas o quarto, um senhor já, acudiu o menino, levando-o para a margem da estrada. De um salto, Mais-que-Deus fez o serviço. E, no fim da noite, depois de muito se repetir o jogo, foi feito o balanço. Oito contos e trocados, relógios, dois anéis, dois chaveiros, as peças de um caminhão e um morto. Cem Gramas ganhou mil cruzeiros em notas de duzentos. Preferia os anéis e mesmo os chaveiros. Mais-que-Deus não quis saber:

- Fica com isso, isso é que serve. Dá uma nota dessas pro teu velho, uma só. Gasta o resto. Depois vem mais. E só…

Passou os dedos nos lábios impondo segredo. E Cem Gramas obedeceu. Deu uma nota de duzentos para o pai e naquele dia não apanhou. Andou de táxi e teve muita alegria. Perdeu uma das notas e guardou a outra na caixa de engraxate. À noitinha saiu à cata de Mais-que-Deus, procurando serviço.

Fontes:
GUARNIERI, Gianfrancesco. (Organização: Worney Almeida de Souza). Crônicas de 1964. Ed. Xamã, 2008.
Pintura = http://marciobrasil7.blogspot.com/

José Verdasca (A Vida, o Homem e o Universo: ensaios crítico-analíticos)



O Autor procedeu a uma pesquisa cuidadosa, servindo ao leitor as opiniões das várias tendências filosóficas e científicas que pontuaram de luz a sabedoria humana ao longo dos tempos. Uma obra de boa e reta intenção, sem precipitações e principalmente sem conclusões, obviamente impossíveis e indesejáveis num campo de tão delicados conteúdo e contorno.

Ao escolher uma temática desta natureza, ao fazer-nos navegar entre a essência e a existência, das incertezas epistemológicas para as que a escatologia suscita, o autor conseguiu promover o pensamento introspectivo de quem lê, tornando a leitura deste livro num sadio exercício da busca de si próprio e de novas descobertas ou alegrias intelectuais, alargando os horizontes desde o psicológico/individual ao coletivo/sociológico/humanidade. Ao interrogar-se sobre o seu próprio momento entre a origem e o fim, com os escassos instrumentos de complexidade cerebral de que ainda dispõe, o ser humano não deixará certamente de desejar a passagem dum tempo geológico que lhe permita abarcar tudo quanto lhe escapa... Se não vier a destruir a sua própria humanidade.

Pois se é verdade que o Homem aprendeu a dominar a Ciência e a Técnica antes de ter atingido a verdadeira dignidade humana; se é o único ser vivo sobre a Terra capaz de contrariar o terceiro princípio da termodinâmica; se não se capacitar da necessidade fundamental de uma convivência sadia consigo próprio, com os outros e com o ecossistema de que também faz parte - aquilo a que Carl Roger chamou nos anos 60's fenômeno organísmico - nunca a espécie humana viverá o tempo geológico suficiente para compreender as origens e o destino da humanidade que irá destruir, em conjunto com a sua aldeia global, num tempo meramente histórico.

Na contracapa:

Conhece-te a ti mesmo, e conhecerás o Universo e os deuses"
(Inscrição no Templo de Delfos)
Fruto de séria e profunda investigação, serena e intuitiva meditação e objetiva e honesta reflexão, através das quais o autor tentou dissecar os segredos da alma humana, descortinar os domínios secretos da Vida e do Homem e penetrar os mistérios do Universo, esta obra aborda os problemas do Espírito à luz do misticismo de Profetas, Filósofos, Sábios e os até agora ignorados elétrons espirituais, revelados pêlos maiores físicos subatômicos da atualidade, muitos dos quais se vêm identificando com os místicos de antanho, como que a provar o ciclo vicioso que a tudo e a todos acompanha, talvez porque de forma esférica sejam o cérebro humano e o Globo Terrestre, os astros e as estrelas, o átomo e as partículas subatômicas, e, quiçá, o próprio Universo.
Não sendo obra de natureza religiosa e muito menos de opinião, trata-se, isso sim, de um livro de índole reflexiva e expositiva, cujos objetivos primordiais visam informar o(a) leitor(a), e, sobretudo, levá-lo(a) a refletir profundamente sobre os mistérios que ensombram a existência humana, os segredos que rodeiam a Essência ou origem dos Espíritos e os enigmas que à Vida concernem e que aguçam a curiosidade intelectual dos homens superiores, desafiam a intuição humana e agridem as mais lúcidas inteligências, tornando-se fonte de constantes preocupações e indagações ao longo da nossa experiência, enquanto seres espirituais que realmente somos.
Nilton Barbosa Lima (do Parlamento Mundial para Segurança e Paz)

Alguns trechos do prólogo do livro:

com o prólogo (do gr. pro=a favor+logos=exposição, discurso, verbo, texto), temos a intenção de apresentar, esclarecer e explicar o texto, desejando torná-lo mais acessível, claro e compreensível, em especial no que concerne aos assuntos, idéias e conceitos habitualmente considerados complexos e ou de difícil entendimento, pelo que podem bloquear a nossa limitada capacidade de discernir e ou escapar ao campo da nossa inteligência; aos temas metafísicos, que estão acima ou para além da física (Natureza); e, ainda, dos considerados místicos (do gr. Mystikos=misterioso), de natureza especificamente intuitiva, contemplativa e ou meditativa, e que abordam o possível e ou hipotético contato dos humanos com o divino e com os seus mistérios, dogmas e ou enigmas, valendo-se da contemplação e da meditação, através da intuição mística, quando esta busca explicar as "visões" e ou experiências extra-sensoriais e ou da Vida do Espírito.

Ao longo da nossa exposição vamos tentar analisar, clarificar, relatar e definir, primordialmente, os conceitos expressos nos vocábulos título - Vida, Homem, Universo - perfeita trilogia cósmica que guarda semelhança com a Trindade formada pela essência (origem, constituição primeira, atributo fundamental), pela existência (viver de entes e seres), e pela Natureza (physis=conjunto dos seres e do mundo físico), aqui englobadas a natureza do Homem e a natureza da Natureza, bem como os fenômenos físicos e suas causas; acreditamos que os conceitos dos citados vocábulos título apresentam grande analogia com a idéia que a cristandade faz de Santíssima Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo - ou ainda com os seus equivalentes dos antiqüíssimos deuses bramânicos - Brama (o Pai), Maya (a Mãe), e Visnu (o Filho) - que são essência, substância e Vida segundo os Upanishad da doutrina bramânica.

Temos plena consciência de que os assuntos aqui abordados são naturalmente polêmicos, mas gostaríamos de encarecer que não nos move qualquer intenção de polemizar, mas tão somente o desejo de debater para esclarecer, de expor para aprofundar e de comparar para optar, pois os temas são apresentados com o objetivo de despertar a curiosidade e o interesse do leitor, no sentido de tentar desmistificar tabus, de estudar crenças e religiões e de - conhecendo-as melhor - podermos alicerçar nossas convicções em bases e dados mais sólidos, onde a intuição mística seja complementada pelo raciocínio dedutivo, para que, através dele e por meio do silogismo, possamos tentar chegar a conclusões lógicas, portanto inteligentes.

O tema - ou temas - da presente obra é, ou são, talvez, os mais profundos de que poderíamos ocupar-nos, porquanto, desde sempre, a preocupação maior de nossos antepassados foi com as nossas origens, com o significado e interpretação daquilo que chamamos nascimento e morte e com o nosso destino após esta, e em especial com o sofrimento humano, mormente com a ansiedade e ou a angústia que, sem aviso prévio, muitas vezes de nós se apodera: a estas o Papa João Paulo II chamou "sofrimento da alma", exclusivo da nossa espécie ao longo do percurso dos homens na Terra; tal sofrimento tem muito a ver com a especulação dos crentes acerca da chamada vida extra-terrena ou eterna, e muito especialmente com a intranqüilidade ou insegurança provocada pelos primitivos mitos de céu ou paraíso, inferno e purgatório.
(...)
Acerca do título da obra - A Vida, o Homem e o Universo - urge explicar que se trata de três vocábulos de conceitos convergentes, porquanto a Vida inclui todas as vidas (em todo o Universo), quando o Homem engloba todos os homens (passados, presentes e futuros), ou seja a Humanidade, com o Universo abarcando o todo material e espiritual que são as vidas da Vida, que dele procedem para encarnar nos homens, e à Natureza retornam após a desencarnação; deste modo, estamos em presença de uma Trilogia interdependente e ou complementar, quando as três partes compõem o todo, quando o Microcosmos se aglomera e ou aglutina para formar o Macrocosmos, ou seja, quando as partículas elementares se vão juntando para a incorporação, perfeita, contínua e permanente evolução renovadora dos seres, cuja aparente matéria será fruto da atuação conjunta das quatro forças universais conhecidas: forças nuclear forte, nuclear fraca, eletromagnética, e gravítica.

Relativamente ao Universo, impõe-se-nos que o tentemos enxergar como incomensurável - como supomos que realmente é - composto de sistemas "provavelmente formados ou criados à imagem e semelhança do Sistema Solar", gigante sideral por sua vez também "desenhado" segundo o modelo do átomo, cujo núcleo equivaleria ao Sol, e cujos elétrons corresponderiam aos satélites, pois, como estes, giram em torno do núcleo, quando tudo e todos seriam compostos por matéria altamente concentrada, quem sabe talvez apenas energia que ainda confundimos com matéria. Neste nosso Universo - que continua praticamente desconhecido, "comandado" pelas citadas "grandes forças'' a que pensamos dever a sua harmonia, o seu equilíbrio, o seu funcionamento, talvez mesmo a sua existência - nada acontece por acaso, pois todos os fenômenos ditos naturais têm suas causas específicas, mesmo que por nós ignoradas; e se avançarmos em hipóteses e elucubrações, raciocínios e explicações, teses e conclusões, decerto acabaremos valendo-nos da nossa intuição mística que nos guiará no caminho já seguido pelos grandes místicos, fundadores de velhas religiões e ou de sérias teorias filosófico-morais.

É, pois, de tais seres e temas, conceitos e problemas, idéias e sistemas que vamos tratar, com seriedade mas com muita humildade; com determinação mas com profundo respeito; com objetividade mas sem qualquer tipo de preconceito; e, finalmente, com a melhor das intenções e com a mais rigorosa honestidade intelectual, apesar de sabermos - como muito bem sabemos - que a inteligência humana tem seus limites, que o domínio da língua é precário e que a linguagem escrita se presta a mal entendidos, incompreensões, distorções, erros e mesmo a contradições, falhas que aqui decerto existem, já agora assumimos e pelas quais definitiva e pessoalmente nos responsabilizamos; no que respeita às nossas limitações - por demais evidentes a quem tiver a bondade de ler o presente trabalho - delas temos uma rigorosa noção e para elas solicitamos generosa compreensão. É pois com sincera humildade, mas com muita esperança, que passamos a desenvolver os temas que nos propusemos, certos de que - em maior ou menor grau, e em circunstâncias favoráveis - alguma utilidade, proveito ou benefício poderão os nossos leitores obter deste trabalho.
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Fontes:
- VERDASCA, José. A vida, o homem e o universo: ensaios crítico-analíticos. São Paulo: Scortecci, 2006. (contracapa e pp.25-27, 33,34).

José Verdasca (1936)

José Verdasca (em pé) ao lado do presidente do Gabinete
de Leitura Sorocabano, Cel. Verlangieri.= (sentado).
José Verdasca nasceu em Gondemaria, Ourém (Fátima), Portugal, em 1936. Após o curso dos liceus efetuado no Colégio Fernão Lopes de Ourém, e no Liceu de Camões, em Lisboa, licenciou-se em ciências militares na Academia Militar de Lisboa, onde, no livro de curso, se iniciou na poesia. Prestou duas comissões de serviço nas antigas colônias portuguesas da África, a primeira como alferes em Cabo Verde e a segunda como capitão em Moçambique, onde enfrentou a guerrilha comandando várias unidades de combate. Freqüentou o curso de língua e cultura francesas na Alliance Française.

Emigrou para o Brasil em 1967, onde se dedicou ao comércio e indústria de madeiras, à pecuária e à construção civil. Licenciado e pós-graduado em Administração de Empresas pela Universidade Mackenzie, há duas décadas vem se dedicando à pesquisa histórica, tendo publicado as seguintes obras: "A Casa de Portugal e a Comunidade", "A Língua de Camões - Do Homo Sapiens à Língua Portuguesa", "Raízes da Nação Brasileira - Os Portugueses no Brasil" e "Memórias de um Capitão", esta editada e lançada em Portugal. Organizou, coordenou, comentou e prefaciou "Sermões Escolhidos" do Padre Antônio Vieira para a Editora Martin Claret.

É sócio titular da Academia Paulistana da História, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da Academia Cristã de Letras, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Ordem Nacional dos Bandeirantes e da Ordem Nacional dos Escritores, de que é o atual Presidente da Diretoria. Tem textos publicados nas revistas Ceru (Usp), Unicamp e em outras publicações brasileiras e estrangeiras. Profere palestras e conferências em universidades e instituições culturais no Brasil e no exterior. É Diretor de Relações Exteriores da Universidade Europan e membro do Parlamento Mundial para Segurança e Paz.

Foi distinguido com as seguintes honrarias e distinções: Ordem do Mérito Cultural Carlos Gomes; diploma de Honra ao Mérito da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo; diploma dos 500 anos do Brasil outorgado pela Secretaria de Estado da Cultura, Academia Paulista de Letras e Instituto Genealógico Brasileiro; Ordem Católica de São Miguel Arcanjo, no grau de cavaleiro-comendador, além de algumas dezenas de diplomas, medalhas e outras distinções.

Casado no Brasil, é pai de um casal de fihos e avô de três netas.

Fonte:
VERDASCA, José. A vida, o homem e o universo. São Paulo: Scortecci, 2006. (orelhas do livro)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

António Gedeão (1906 - 1997)


(Rómulo Vasco da Gama de Carvalho), nasceu em Lisboa em 1906. Criança precoce, aos 5 anos escreveu os seus primeiros poemas e aos 10 decidiu completar "Os Lusíadas" de Camões. A par desta inclinação para as letras, ao entrar para o liceu Gil Vicente, tomou contacto com as ciências e foi aí que despertou nele um novo interesse.

Em 1931 licenciou se em Ciências Físico Químicas pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e em 1932 conclui o curso de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras do Porto, prenunciando assim qual seria a sua atividade principal daí para a frente e durante 40 anos: professor e pedagogo. Exigente e comunicador por excelência, para Rómulo de Carvalho ensinar era uma paixão e uma dedicação. E assim, além da colaboração como co-diretor da "Gazeta de Física" a partir de 1946, concentrou durante muitos anos, os seus esforços no ensino, dedicando se, inclusive, à elaboração de compêndios escolares, inovadores pelo grafismo e forma de abordar matérias tão complexas como a física e a química. Dedicação estendida, a partir de 1952, à difusão científica a um nível mais amplo através da coleção "Ciência Para Gente Nova" e muitos outros títulos, entre os quais "Física para o Povo", cujas edições acompanham os leigos interessados pela ciência até meados da década de 1970.

Apesar da intensa atividade científica, Rómulo de Carvalho nunca esqueceu a arte das palavras e continuou sempre a escrever poesia. Porém, não a considerando de qualidade e pensando que nunca seria útil a ninguém, nunca tentou publicá-la, preferindo destruí-la. Só em 1956, após ter participado num concurso de poesia de que tomou conhecimento no jornal, publicou, aos 50 anos, o primeiro livro de poemas "Movimento Perpétuo" com o pseudônimo António Gedeão.
Continuou depois a publicar poesia, aventurando se, anos mais tarde, no teatro, no ensaio e na ficção.

Nos seus poemas há uma simbiose perfeita entre a ciência e a poesia, a vida e o sonho, a lucidez e a esperança. Aí reside a sua originalidade, difícil de catalogar, originada por uma vida em que sempre coexistiram esses dois interesses totalmente distintos.

A poesia de Gedeão é bastante comunicativa e marca toda uma geração que, reprimida por um regime ditatorial e atormentada por uma guerra, cujo fim não se adivinhava, se sentia profundamente tocada pelos valores expressos pelo poeta e assim se atrevia a acreditar que, através do sonho, era possível encontrar o caminho para a liberdade. É deste modo que "Pedra Filosofal", musicada por Manuel Freire, se torna num hino à liberdade e ao sonho. Mais tarde, em 1972, José Nisa compõe doze músicas com base em poemas de Gedeão e produz o álbum "Fala do Homem Nascido".

Nos anos seguintes dedicou se por inteiro à investigação, publicando numerosos livros, tanto de divulgação científica, como de história da ciência. Gedeão também continuou a sonhar, mas o fim aproximava se e o desejo da morrer determinou, em 1984, a publicação de Poemas Póstumos.

Em 1990, já com 83 anos, Rómulo de Carvalho assumiu a direção do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, sete anos depois de se ter tornado sócio correspondente da Academia de Ciências, função que desempenharia até ao fim dos seus dias.

Quando completou 90 anos de idade, a sua vida foi alvo de uma homenagem a nível nacional. O professor, investigador, pedagogo e historiador da ciência, bem como o poeta, foi reconhecido publicamente por personalidades da política, da ciência, das letras e da música. Faleceu em 1997.

Obra Literária:
Poesia: "Movimento Perpétuo", 1956;
"Teatro do Mundo", 1958;
"Declaração de Amor", 1959;
"Máquina de Fogo", 1961;
"Poesias Completas", 1964;
"Linhas de Força", 1967;
"Soneto", 1980;
"Poema para Galileu", 1982;
"Poemas Póstumos",1984;
"Poemas dos textos", 1985;
"Novos Poemas Póstumos", 1990

Ficção:
"A poltrona e outras novelas", 1973

Teatro:
"RTX 78/24", 1978;
"História Breve da Lua", 1981

Ensaio:
"O Sentimento Científico em Bocage", 1965;
"Ay Flores, Ay flores do verde pino", 1975

Obra Científica:
"Ciência Hermética", 1947;
"Embalsamento Egípcio", 1948;
"Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII", 1979;
"A Atividade Pedagógica da Academia das Ciências da Lisboa nos Séculos XVIII e XIX", 1981;
"A Astronomia em Portugal no Século XVIII", 1985;
"História do Ensino em Portugal, desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime de Salazar Caetano", 1986;
"O Texto Poético Como Documento Social", 1994
Diversos Livros de física e química em geral.

Fonte:
http://www.truca.pt/ouro/biografias1/antoniio_gedeao.html

Antonio Gedeão (Poesias)

Real Bordalo (Arco do Marques do Alegrete)
Certezas, precisam-se

Preciso urgentemente de adquirir meia dúzia de valores absolutos,
inexpugnáveis e impenetráveis,
firmes e surdos como rochedos.

Preciso urgentemente de adquirir certezas,
certezas inabaláveis, imensas certezas, montes de certezas,
certezas a propósito de tudo e de nada,
afirmadas com autoridade, em voz alta para que todos ouçam,
com desassombro, com ênfase, com dignidade,
acompanhadas de perfurantes censuras no olhar carregado, oblíquo.

Preciso urgentemente de ter razão,
de ter imensas razões, montes de razões,
de eu próprio me instituir em razão.
Ser razão!
Dar um soco furibundo e convicto no tampo da mesa
e espadanar razões nas ventas da assistência.

Preciso urgentemente de ter convicções profundas,
argumentos decisivos,
idéias feitas à altura das circunstâncias.
Preciso de correr convictamente ao encontro de qualquer coisa,
de gritar, de berrar, de ter apoplexias sagradas
em defesa dessa coisa.
Preciso de considerar imbecis todos os que tiverem opiniões diferentes

da minha,
de os mandar, sem rebuço, para o diabo que os carregue,
de os prejudicar, sem remorsos, de todas as maneiras possíveis,
de lhes tapar a boca,
de lhes cortar as frases no meio,
de lhes virar as costas ostensivamente.
Preciso de ter amigos da mesma cor, caras unhacas,
que me dêem palmadinhas nas costas,
que me chamem pá e me façam brindes
em almoços de camaradagem.
Preciso de me acocorar à volta da mesa do café,
e resolver os problemas sociais
entre ruidosos alívios de expectoração.
Preciso de encher o peito e cantar loas,
e enrouquecer a dar vivas,
de atirar o chapéu ao ar,
de saber de cor as frequências dos emissores.
O que tudo são símbolos e sinais de certezas.
Certezas!
Imensas certezas! Montes de certezas!
Pirineus, Urais, Himalaias de certezas!
======================
Lágrima de Preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de Sódio.
======================
A um ti que eu inventei

Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluir de tinta espessa e farta
e o passá-la em finíssima aguada
com um pincel de marta.

Um pesar grãos de nada em mínima balança,
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.

Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e ouça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir.

Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.
======================
Máquina do Tempo

O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chama-lo e te-lo, ergue-lo e defronta-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.
======================
Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e ouro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
======================
Aurora boreal

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.
======================
Dez reis de esperança

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingênuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aquarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras seletas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,

roia as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.
======================
Amor sem tréguas

É necessário amar,
qualquer coisa ou alguém;
o que interessa é gostar
não importa de quem.

Não importa de quem,
não importa de quê;
o que interessa é amar
mesmo o que não se vê.

Pode ser uma mulher,
uma pedra, uma flor,
uma coisa qualquer,
seja lá o que for.

Pode até nem ser nada
que em ser se concretize,
coisa apenas pensada,
que a sonhar se precise.

Amar por claridade,
sem dever a cumprir;
uma oportunidade
para olhar e sorrir.

Amar como um homem forte
só ele o sabe e pode-o;
amar até à morte,
amar até ao ódio.

Que o ódio, infelizmente,
quando o clima é de horror,
é forma inteligente
de se morrer de amor.
======================
Todo o tempo é de poesia

Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas qu'a amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.
======================
Saudades da Terra

Uns olhos que me olharam com demora,
não sei se por amor se caridade,
fizeram me pensar na morte, e na saudade
que eu sentiria se morresse agora.

E pensei que da vida não teria
nem saudade nem pena de a perder,
mas que em meus olhos mortos guardaria
certas imagens do que pude ver.

Gostei muito da luz. Gostei de vê la
de todas as maneiras,
da luz do pirilampo à fria luz da estrela,
do fogo dos incêndios à chama das fogueiras.
Gostei muito de a ver quando cintila
na face de um cristal,
quando trespassa, em lâmina tranquila,
a poeirenta névoa de um pinhal,
quando salta, nas águas, em contorções de cobra,
desfeita em pedrarias de lapidado cetro,
quando incide num prisma e se desdobra
nas sete cores do espectro.

Também gostei do mar. Gostei de vê-lo em fúria
quando galga lambendo o dorso dos navios,
quando afaga em blandícias de cândida luxúria
a pele morna da areia toda eriçada de calafrios.

E também gostei muito do Jardim da Estrela
com os velhos sentados nos bancos ao sol
e a mãe da pequenita a aconchega-la no carrinho e a adormece-la
e as meninas a correrem atrás das pombas e os meninos a jogarem ao futebol.

À porta do Jardim, no inverno, ao entardecer,
à hora em que as árvores começam a tomar formas estranhas,
gostei muito de ver
erguer se a névoa azul do fumo das castanhas.

Também gostei de ver, na rua, os pares de namorados
que se julgam sozinhos no meio de toda a gente,
e se amam com os dedos aflitos, entrecruzados,
de olhos postos nos olhos, angustiadamente.

E gostei de ver as laranjas em montes, nos mercados,
e as mulheres a depenarem galinhas e a proferirem palavras grosseiras,
e os homens a aguentarem e a travarem os grandes caminhões pesados,
e os gatos a miarem e a roçarem se nas pernas das peixeiras.

Mas... saudade, saudade propriamente,
essa tenaz que aperta o coração
e deixa na garganta um travo adstringente,
essa, não.

Saudade, se a tivesse, só de Aquela
que nas flores se anunciou,
se uma saudade alguém pudesse te-la
do que não se passou.
De Aquela que morreu antes de eu ter nascido,
ou estará por nascer – quem sabe? – ou talvez ande
nalgum atalho deste mundo grande
para lá dos confins do horizonte perdido.

Triste de quem não tem,
na hora que se esfuma,
saudades de ninguém
nem de coisa nenhuma.
======================
Fala do Homem Nascido

(chega à boca da cena, e diz:)

Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no ato de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se faz ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.
======================
Autobiografia

Enquanto comia
num gesto tranquilo,
comia e ouvia
falar se daquilo.

Dormia e ouvia
solicitamente,
como se presente
presente estaria.

E enquanto comia,
comia e ouvia,
a frágil menina
que no fundo habita,
que chora e que grita
saía de mim.

Saía de mim
correndo e chorando
num gesto revolto,
cabelinho solto,
roupa esvoaçando.

Ia como louca,
chorava e corria,
enquanto eu metia
comida na boca.

Fugia lhe a estrada
debaixo dos pés,
a estrada pisada
que o luzeiro doura,
serpentina loura
que vai ter ao mar.

Corria a menina
de braços erguidos,
seus brancos vestidos
pareciam luar.

Por dentro ia a noite,
por fora ia o dia.
A vida estuava,
a maré subia.

Caiu a menina
na praia amarela,
logo um modelo de algas
se apoderaram dela.

Se apoderou dela
carinhosamente,
que as algas são gestos
mas não são de gente.

Caiu e ficou se
deitada de bruços,
desfeita em soluços
sem forma nem lei.

Ò minha águazinha
faz com que eu não sinta,
faz com que eu não minta,
faz com que eu não odeie!

Águazinha querida,
compromisso antigo,
dissolve me a vida,
leva-me contigo.

Leva-me contigo
no berço das algas;
que o sal com que salgas
seja o meu vestido.

Ficou-se a menina
desfeita em soluços,
seu corpo, de bruços,
com o mar a cobri-lo,
enquanto eu, sentado,
sentado comia,
comia e ouvia,
falar-se daquilo.
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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Academia Passo-Fundense de Letras (Concurso Machado de Assis - 100 Anos de História)

Segundo Paulo Monteiro (Presidente da Academia Passo-Fundense de Letras), o sucesso desse concurso deve-se ao empenho de todos, mas absolutamente todos os acadêmicos; à colaboração da 7ª Coordenadoria Regional de Educação, também como um todo, e da direção, professores, funcionários e alunos de Ensino Médio das escolas envolvidas. A contribuição dos meios de comunicação social de Passo Fundo foi indispensável. Essa conjugação de esforços foi a responsável maior para que o concurso tivesse chegado a bom termo.

Orgulho Nacional, de Júlia Luvisa Gauer foi classificado como um dos melhores trabalhos do concurso “MACHADO DE ASSIS - 100 ANOS DE HISTÓRIA”.

Confira a resenha denominada de “Orgulho Nacional” da aluna Júlia Luvisa Gauer

Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro”. Este fragmento de Senhora, de José de Alencar, encaixa-se plenamente ao surgimento do mais notável escritor brasileiro: Joaquim Maria Machado de Assis. E foi em 21 de junho de 1839 que essa estrela nasceu. Filho de pai mestiço e mãe lavadeira açoriana, parecia não haver chance para o menino de saúde frágil, mulato, epilético e gago. Ele, porém, veio a surpreender a todos com seu singular talento.

Machadinho, para os íntimos, aos 12 anos de idade torna-se órfão de pai e mãe, sendo criado por Maria Inês, sua madrasta. Ela então, o matricula em uma escola pública, única que freqüentou. Autodidata e sedento por conhecimento, aprende francês e publica seu primeiro trabalho literário aos 16 anos, o poema “Ela”. Com 17, passa a trabalhar como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional. É onde conhece Manuel Antônio de Almeida, diretor da tipografia e pessoa que incentivou Machado à carreira literária. Em 1858, passa a trabalhar como revisor e colaborador da revista Marmota Fluminense, onde cria seu mais influente círculo de amizades, do qual fazem parte Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar, Gonçalves Dias e, é claro, Manoel Antônio de Almeida. Desde então, passa a publicar obras românticas, sendo Crisálidas a primeira. Em 1869 casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novais, durando o matrimônio 35 anos, que apesar de feliz, não gera nenhum herdeiro. É ela quem lhe apresenta os clássicos portugueses e a vários autores ingleses. Nesse ponto, o escritor já era considerado bem sucedido na literatura e possuidor de um seguro cargo público. Em 1887, Machado funda e se torna primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, permanecendo no cargo até sua morte.

Sua obra pode ser dividida em dois momentos. A primeira é onde ele publica suas obras de influência romântica: romances, contos e poesias. Apesar das aparências, Machado não se sentia satisfeito, pois sua lucidez, mente fervilhante e questionamento do mundo o deixavam inquieto. Intoxicado pela desilusão e o pessimismo europeus, passa a escrever com ironia e humor inteligentes, iniciando a segunda fase, de caráter realista, a qual o consagra o gênio da literatura brasileira. Publica em 1881 uma obra completamente original e diferente dos padrões da época: Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde um defunto narra sua história e vangloria-se por não ter deixado filhos. Em seguida, publica Quincas Borba e Dom Casmurro, outras famosas obras suas. Essa, mostra a ingenuidade do homem quando se apaixona, e, ironiza as teorias da época, principalmente o positivismo. Aquela, talvez seja a mais instigante. Até hoje não se sabe se Capitu, uma das protagonistas, traiu seu marido Bentinho com o melhor amigo, Escobar. Nem mesmo estudiosos de Machado de Assis conseguem desvendar esse mistério, apenas confirmando sua genialidade. Aliás, as mulheres de Machado possuem uma área de mistério e dissimulação. Conscientes de seus poderes sobre os homens, seduzem-nos para conseguir o que querem: fugir de suas tediosas rotinas ou de matrimônios arruinados. Isso pode ser notado explicitamente em D. Conceição, de Missa do Galo; D. Severina, de Uns braços, e em Sofia, de Quincas Borba. No geral, o casamento em si representa uma instituição falida em suas histórias.

Cosmopolita, reservado e cínico, o escritor preferiu escrever realizando uma análise profunda do ser humano, salientando suas vontades, defeitos e vaidades. Assim como em seu conto O Espelho, o gênio parecia possuir duas almas, a externa e a interna. A externa gostava do júbilo que recebia por sua fama e o fazia parecer sereno e pacato. Porém, sua alma interna era como lava incandescente, fazendo-o questionar o ser humano e o mundo a sua volta. Acostumado a disfarçar suas emoções desde jovem, utiliza tal característica em suas obras, não deixando o leitor se envolver ou criar laços afetivos com seus personagens através de sua narrativa. A todo o momento interrompe a história para falar e instigar seu leitor. Também trata dos temas universais em suas histórias, como a confusão de sentimentos, jogos de interesses, inveja, ciúmes e hipocrisia.

Machado de Assis morre de câncer no Rio de Janeiro em 1908, deixando muitos admiradores. Sua história ainda contraria a tese defendida pelo naturalismo, que afirmava o homem estar submetido ao meio. O gênio é um grande exemplo de vida, pois sua origem humilde não o impediu de ganhar o mundo e tornar-se uma das mais brilhantes estrelas da Literatura Mundial
."
===============
Sobre a autora:
Júlia Luvisa Gauer, tem 16 anos, e cursa o 3º ano do Ensino Médio, na Escola de Ensino Médio Garra, sendo orientada pelo professor Fábio Aroque Candaten.

Fonte:
http://www.escolagarra.com.br/

Academia Passo-Fundense de Letras (RS)

(Foto de Natália Monteiro)
Acadêmicos presentes à sessão de encerramento cultural do ano acadêmico de 2008.
Da direita para a esquerda: Jurema Carpes do Valle, Elisabeth Souza Ferreira, Craci Dinarte, Helena Rotta de Camargo e Dilce Piccin Corteze (sentadas).
Em pé: Marco Antonio Damian, Gilberto R. Cunha, Xiko Garcia, Rogério Sikora, Osvandré Lech, Paulo Monteiro, Getúlio Vargas Zauza, Darcy Pinheiro da Silva (de Cruz Alta), Santo Verzeleti e Alberto Rebonato.

A Academia Passo-Fundense de Letras, antes denominada “Grêmio Passo-Fundense de Letras”, surgiu no dia 7 de abril de 1938. O termo inicial de fundação foi assinado pelas 25 pessoas presentes ao ato. Conforme o que foi decidido na reunião preliminar de 31/03/1938, teve lugar na Prefeitura Municipal de Passo Fundo, no dia 7 de abril de 1938, às 20h 30min, a sessão de fundação do Grêmio Passo-Fundense de Letras.

Sante Umberto Barbieri, bispo da Igreja Metodista, deu início à reunião, usando da palavra, na qualidade de delegado da Academia Rio-Grandense de Letras, propôs que fosse aclamado presidente da solenidade que ora se iniciava o sr. Arthur Ferreira Filho. Para secretariar os trabalhos, foi convidado o dr. Verdi De Césaro, que redigiu extensa ata relatando o histórico acontecimento.

A primeira diretoria eleita e empossada, ficou assim constituída: Arthur Ferreira Filho, presidente; Gabriel Bastos, vice-presidente; Sante Uberto Barbieri, secretário geral; Verdi De Césaro, 1º secretário; Lucila Schleder (Ronchi), 2º secretário; Daniel Dipp, tesoureiro e Antônio Athos Branco da Rosa, bibliotecário.

No dia 29/04/1939, às 20h 30min, conforme ata nº 04, foram aprovados os estatutos da entidade.

O Grêmio Passo-Fundense de Letras, no dia 16/09/1939, foi reorganizado, começando, assim, a sua segunda fase de atividade, que culminou com a transformação do Grêmio em Academia, por iniciativa do acadêmico Celso da Cunha Fiori. Esse fato ocorreu no dia 20/05/1960, em sessão presidida pelo confrade José Gomes, presidente do Sodalício.

A Academia Passo-Fundense de Letras foi instalada em 07/04/1961 conforme ata nº 01, livro 045 estando na presidência o acadêmico Celso da Cunha Fiori. Sua diretoria estava assim constituída: Celso da Cunha Fiori, presidente; Túlio Fontoura, vice-presidente; Mário Braga Júnior, 2º vice-presidente; Arthur Sussembach, secretário geral; Paulo Giongo, sub secretário; Verdi De Césaro, tesoureiro; Rômulo Cardoso Teixeira, 2º tesoureiro e Gomercindo dos Reis, bibliotecário.

Em 1961, a Academia Passo-Fundense de Letras foi declarada de utilidade pública, conforme projeto de lei nº 1/61, no governo do prefeito Benoni Rosado e Centenário Amaral, presidente da Câmara de Vereadores.

Presidentes da APL (1938 a 2008)
01 - António Augusto Meirelles Duarte (sete mandatos)
02 - Antônio C. Oliveira (dois mandatos)
03 - Arthur Ferreira Filho
04 - Aurélio Amaral
05-Benedito Hespanha (cinco mandatos)
06 - Celso da Cunha Fiori (seis mandatos)
07 - César José dos Santos
08 - Delma Rosendo Gehm
09 - Francisco Antonino Xavier e Oliveira
10 - Gelásio Maria
11 - Irineu Gehlen (seis mandatos)
12 - Ironi G. Andrade
13 - José Gomes
14 - José Pedro Pinheiro
15 - Mário Daniel Hoppe
16 - Nídia Bolner Weingartner
17 - Octacílio de Moura Escobar
18 - Paulo Renato Ceratti (quatro mandatos)
19 – Paulo Monteiro (atual)
20 - Ricardo José Stolfo
21- Romeu G. S. Pithan
22 - Rômulo Cardoso Teixeira
23 - Sabino Ribas Santos
24 - Sady Machado da Silva
25 - Santina Rodrigues Dal Paz
26 - Saul Sperry Cézar
27 - Túlio Fontoura
28 - Umberto Lucca (três mandatos)
29 - Verdi De Césaro (dez mandatos)
30 - Welci Nascimento

Academia Passo-Fundense de Letras se localiza na Av. Brasil Oeste, 792 – CEP: 99010-001 – Passo Fundo – RS - Brasil

Fontes:
http://jornaltelescopio.blogspot.com/2008/12/academia-passo-fundense-de-letras.html
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=9295&cat=Ensaios&vinda=S