domingo, 19 de maio de 2024

Vereda da Poesia = 11


Uma Trova de São Paulo/SP

Therezinha Dieguez Brisolla

– Depressa!… A bolsa ou a vida.
– Mas, que sufoco, senhor!…
Diz a livreira polida.
– Não sabe o nome do autor?
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Um Soneto de Manaus/AM

Gaitano Laertes P. Antonaccio

AMOR SEM EMOÇÃO

O amor de agora é uma troca virtual,
tão diferente, tão estranho ao coração,
que mais parece uma relação pactual,
entre seres humanos, sem emoção!…

O amor que se contempla nos amantes,
perdeu hoje, a essência da sinceridade.
É falso, não se manifesta como antes,
porque despreza a ética e a moralidade.

O amor agora, vem se transformando
a cada dia, todo minuto, todo instante
deixando a paixão, muito mais distante,

enquanto a falsidade vai se avolumando.
O amor, hoje, não cede nenhum espaço,
não cabe num beijo, não vale um abraço!…
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Uma Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

Luiz Poeta
(Luiz Gilberto de Barros)

No
inefável
riso
chapliniano
lírica
tristeza
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Um Poema de São José dos Campos/SP

MIFORI

MANTO DA NOITE

No manto da noite vem,
as estrelas com seus brilhos,
e a lua cheia,  também,
clareando com rastilhos,
o namoro de um alguém.

Sei, que é no manto da noite,
atingindo a madrugada,
que silêncio vira açoite,
a quem tem vida agitada,
e insônia de pernoite.

E o manto da noite,  assim...
Com alegria e prazer,
diz: vim, olhe para mim!...
Viva e deixe-me viver,
quero chegar até o fim
tendo cumprido o dever.
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Um Limerique de Americana/SP

Mariana U. Bardella

Minha "peixinha"
é metidinha
um dia ela
foi parar na panela
virou comidinha.
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Um Poema de Portugal

Eugénio de Andrade
(José Fontinhas)
Fundão, 1923 – 2005, Porto

AS PALAVRAS QUE TE ENVIO SÃO INTERDITAS*

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma  regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos noturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.
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* Interditas = proibidas.
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Um Haicai de Taubaté/SP

Angélica Villela Santos
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

Cachecóis e mantas 
Amontoados sobre a cama: 
Frente fria que chega.
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Uma Setilha de Natal/RN

Francisco Neves Macedo
Natal/RN, 1948 – 2012

Do sertão sou oriundo...
Aprendiz de agricultor,
no meu “roçado” eu cultivo,
a semente, o fruto, a flor.
Colhendo em cada leirão*,
dentro do meu coração,
os doces frutos do amor!
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* Leirão = espaço de terreno cultivado
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Um Poetrix de Belo Horizonte/MG

Angela Togeiro

Falsa borboleta

Ousei ser lagarta e pupa.
Rompi o casulo
numa sociedade de asas tolhidas.
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Um Soneto de Salvador/BA

Gregório de Matos
Salvador/BA, 1623 – 1696, Recife/PE

SONETO A UMA SAUDADE

Em o horror desta muda soledade,
Onde voando os ares a porfia,
Apenas solta a luz a aurora fria,
Quando a prende da noite a escuridade.

As cruel apreensão de uma saudade!
De uma falsa esperança fantasia,
Que faz que de um momento passe a um dia,
E que de um dia passe à eternidade!

São da dor os espaços sem medida,
E a medida das horas tão pequena,
Que não sei como a dor é tão crescida.

Mas é troca cruel, que o fado ordena;
Porque a pena me cresça para a vida,
Quando a vida me falta para a pena.
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Uma Trova de Bandeirantes/PR

Adalberto Dutra Rezende
Cataguazes/MG, 1913 – 1999, Bandeirantes/PR

A missão será cumprida,
quer tu acertes ou falhes;
Deus traça as linhas da vida,
e o destino, seus detalhes...
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Um Poema de Angola

Aires de Almeida Santos
Bié, 1922 – 1991, Benguela

MEU AMOR DA RUA ONZE

Tantas juras nos trocamos,
Tantas promessas fizemos,
Tantos beijos roubamos,
Tantos abraços nos demos.

Meu amor da Rua Onze,
Meu amor da Rua Onze,
Já não quero
Mais mentir.

Meu amor da Rua Onze,
Meu amor da Rua Onze,
Já não quero
Mais fingir.

Era tão grande e tão belo
Nosso romance de amor
Que ainda sinto o calor
Das juras que nos trocamos.

Era tão bela, tão doce
Nossa maneira de amar
Que ainda pairam no ar
As promessas que fizemos.

Nossa maneira de amar
era tão doida, tão louca
Qu'inda me queimam a boca
Os beijos que nos roubamos.

Tanta loucura e doidice
Tinha o nosso amor desfeito
Que ainda sinto no peito
Os abraços que nos demos.

E agora
Tudo acabou.
Terminou
Nosso romance.

Quando te vejo passar
Com o teu andar
Senhoril,
Sinto nascer

E crescer
Uma saudade infinita
Do teu corpo gentil
De escultura
Cor de bronze,
Meu amor da Rua Onze.
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Quadra Popular de Minas Gerais

Não furtar
nada que dos outros são;
mas você bem que furtou 
meu pobre coração.
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Um Martelo Agalopado* de Caicó/RN

Professor Garcia
(Francisco Garcia de Araújo)

Já falei do sertão, falei do mar,
da floresta e do espaço eu já falei,
as montanhas e os morros já cantei
nem sei mais o que agora eu vou cantar.
Mas o poeta começa a imaginar
e descobre que a fonte da poesia
jorra tudo que a mente humana cria
sem jamais lhe faltar inspiração...
É o milagre do amor e da razão
que me faz ser poeta todo dia!
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*Martelo Agalopado, embora seja mais raro e seja mais usado pelos cantadores repentistas. No caso, a estrofe deve ter dez versos de dez sílabas poéticas, sendo que cada verso tem que ter a acentuação tônica na terceira, sexta e décima sílabas poéticas. A rima segue o mesmo padrão da décima. (http://acorda.net.br/?page_id=1061)

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