sexta-feira, 24 de maio de 2024

Vereda da Poesia = 16 =

 


Trova do Rio de Janeiro

Luiz Poeta
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Que trovador desastrado!
… foi direto pro doutor:
Fiz trova de pé quebrado!
Bota um gesso, por favor!
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Soneto de Minas Gerais

Sílvia Araújo Motta
Belo Horizonte/MG

SOL COM CHUVA

No adágio popular ouvi dizer
que quando há sol com chuva...alguém sorriu!
Na despedida vi “viúva” a crer:
-“Marido vivo” em paz, feliz, fugiu...

Mulher tão forte, em tudo, quis vencer!
Enxugou o pranto, teve fé, agiu!
Criou seus filhos, graças viu chover!
Pingos lavaram “alma pura à mil...”

Com seu poder de sol viveu, brilhou...
Sempre enfrentou problemas, mas sorria!
Buscou o saber, destino então traçou.

Chove amizade... só por seu valor!
Ao ritmo dança, canta e faz poesia!
Molhada agora, beija o novo amor.
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Haicai de São Paulo

Analice Feitoza de Lima 
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP

Uma água barrenta,
pássaros sobre o barranco.
Um rio minguante.
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Poema de Portugal

Alice Gomes
Tabuaço, 1910 – 1983, Lisboa

NA IDADE DOS PORQUÊS 

Professor diz-me porquê?
Por que voa o papagaio
que solto no ar
que vejo voar
tão alto no vento
que o meu pensamento
não pode alcançar?

Professor diz-me porquê?
Por que roda o meu pião?
Ele não tem nenhuma roda
E roda, gira, rodopia
e cai morto no chão...

Tenho nove anos, professor
e há tanto  mistério à minha roda
que eu queria desvendar!
Por que é que o céu é azul?
Por que é que marulha o mar?
Porquê?
Tanto porquê que eu queria saber!
E tu que não me queres responder!

Tu falas, falas, professor
daquilo que te interessa
e que a mim não interessa.
Tu obrigas-me a ouvir
quando eu quero falar.
Obrigas-me a dizer
quando eu quero escutar.
Se eu vou a descobrir
Fazes-me decorar.

É a luta, professor
a luta em vez de amor.

Eu sou uma criança.
Tu és mais alto
mais forte
mais poderoso.
E a minha lança
quebra-se de encontro à tua muralha.

Mas
enquanto a tua voz zangada ralha
tu sabes, professor
eu fecho-me por dentro
faço uma cara resignada
e finjo
finjo que não penso em nada.

Mas penso.
Penso em como era engraçada
aquela rã
que esta manhã ouvi coaxar.
Que graça que tinha
aquela andorinha
que ontem à tarde vi passar!...

E quando tu depois vens definir
o que são conjunções
e preposições...
quando me fazes repetir
que os corações
têm duas aurículas e dois ventrículos
e tantas
tanta mais definições...
o meu coração
o meu coração que não sei como é feito
nem quero saber
cresce
cresce dentro do peito
a querer saltar cá para fora
professor
a ver se tu assim compreenderias
e me farias
mais belos os dias.
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Trova Premiada em Maringá

Lucília Trindade Decarli
Bandeirantes/PR

Aquela alegre canção,
que, outrora, era de nós dois,
traz, hoje, triste emoção
na solidão de um depois…
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Poema do Rio de Janeiro

J. G. de Araújo Jorge
(Jorge Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC 1914 – 1987 Rio de Janeiro/RJ

POEMA ÀS PALAVRAS 

 Tem uns homens por aí
com medo das palavras.

Tem uns poetas por aí
segregacionistas.

Tem preconceitos contra
as palavras:
esta não serve - é mestiça,
esta também não - é muito comum,
é do povo, não é importante,
e aquela também - não tem educação
fala muito alto, é palavrão.

Tem poeta por aí cochichando
como gente muito fina
de salão,
falando entre dentes
perpetrando futilidades
e maldades, como comadres.

Tem uns homens por ai
tratando as palavras pela cor
de sua pele:
não cruzam com as palavras, negras
amarelas, mulatas,
só fazem poemas brancos, poemas
puros, poemas arianos, poemas de raça.

Que se danem! Faço filhos
com todas as palavras
basta que elas se entreguem, e me amem
e saiam com o meu verso, à rua
para cantar.
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Quadra Popular

Coração entristecido,
por que tanto te magoas?
Se estás cercado de penas,
o que fazes que não voas?
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Décima do Rio Grande do Norte

Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

O SERTÃO

No sertão tem poesia,
tem o preá no serrote
tem mocó dando pinote
e tem cabra dando cria;
tem coalhada na bacia
tem fogueira de São João,
tem festa de apartação
tem porteira e passadiço;
quem nunca viu tudo isso
não sabe o que é sertão!
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Trova Humorística do Rio Grande do Sul

Lacy José Raymundi
Sananduva/RS, ???? – 2014, Garibaldi/RS

É mentira ou é verdade?
É verdade ou é mentira?
Se a mulher disser a idade
não acredite: confira!…
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Martelo Agalopado do Rio Grande do Norte

Professor Garcia
(Francisco Garcia de Araújo)
Caicó/RN

Minha avó também teve competência,
com seu fuso na mão, foi de primeira,
também tinha uma roca de madeira
que lhe deu o sustento, e deu vivência.
Enedina, um sinal de resistência,
não sentia o torpor da nostalgia,
na pobreza do campo onde vivia
resistiu aos insultos da escassez,
mas viveu com ternura e sensatez
encantada com tudo que fazia!
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Aldravia do Rio de Janeiro

Juçara Regina Viegas Valverde
Rio de Janeiro/RJ

respingos
do
ontem
nublam
o
hoje
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Soneto Alexandrino de Portugal

Maria João Brito de Souza
Oeiras/Portugal

MEMÓRIAS DO MAR

Sei duma vozinha que contava estórias,
Dizia segredos que só eu escutava
E que, tantas vezes, me deliciava
Quando me falava de velhas memórias...

 Sempre que contava das antigas glórias
Nos tempos remotos em que navegava
Uma caravela que então procurava
As suas conquistas, as suas vitórias

 Nessa descoberta das terras douradas,
Da canela em pau, do café em grão,
Das madeiras nobres e do açafrão,

De mil coisas lindas para ser usadas,
Coisas requintadas, coisas que só são...
Porque o mar me disse que as teve na mão!
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Trova Humorística do Paraná

Maria da Conceição Fagundes 
Curitiba/PR

Tesoura a vida do alheio
E age de modo imparcial
E ela afirma, sem receio:
- É “terapia social”!!! 
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Poema do Amazonas

Silviah Carvalho
(Sílvia Helena de Carvalho)
Manaus/AM

A MENINA DO RIO AMAZONAS

Fiquei na margem do rio,
Desanuviando minha mente,
Meditando na constância das águas,
No desapego da alma, neste vazio...

Vi pessoas passarem às margens,
E notei, cada um faz seu próprio rio!
E navegam em suas esperanças,
Levando as lendas em suas lembranças.

Vi a menina sentada à beira do rio,
Sonhando com a felicidade,
Esperando o boto... Não sei!
Que a tire da beira e, se faça seu rei.

Na espera inútil à tristeza vem à tona,
Não há encantamento... Eu chorei!
Vendo a tristeza nos olhos da menina
Do rio amazonas...

Eu a vi partindo só e com frio,
Deixando nas margens o fim do seu rio,
Eu a vi sofrer por um conto infantil,
Eu soube que ela nunca mais sorriu.

E eu! Ainda espero só,
Na margem do rio,
Do meu rio...
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Epigrama de Minas Gerais

João Salomé Queiroga
Serro/MG, 1810 – 1878

Oh, deste patrono a musa,
Diz o povo, não se entende,
Pois quando defende, acusa,
E quando acusa, defende…

(a um advogado no júri)
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Écloga* de Portugal

Miguel Torga
(Adolfo Correia da Rocha)
São Martinho de Anta, 1907 – 1995, Coimbra

Na ribeira que secou
Bebia o gado que eu tinha;
Quando chegava à noitinha,
A voz das águas chamava,
E o rebanho que pastava
Deixava os tojos e vinha.

Eu próprio molhava as mágoas
Na pureza da nascente;
Metia as mãos docemente
Na limpidez da frescura,
E as caricias da corrente
Davam-me paz e ternura.

O gado, farto, bebia;
E eu deixava-me correr
Naquele suave prazer
Que me levava consigo...
Eu não tinha que fazer,
E o gado tinha pascigo (1).
´
A noite, então, vinha mansa
Cobrir a lã das ovelhas;
Era um telhado de telhas
Furadas ou embutidas
De luzes muito vermelhas
Por todo o céu repartidas.

E aquela viva irmandade
Do rebanho e do zagal (2)
Era ali tão natural
Que apagava dos sentidos
A saudade do curral
Feita de sono e balidos.
´
Mas a ribeira secou.
Não sei que praga lhe deu
Que no leito onde correu
Há pedras e maldição...
E o meu rebanho morreu
De sede e de mansidão.
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(1) Pascigo = lugar onde o gado pasta.
(2) Zagal = pastor

* Écloga, é uma composição em verso, geralmente escrita sob a forma de diálogo, de conversa aberta entre as entidades presentes no texto e, muitas vezes, entre o autor, as personagens e o próprio leitor, é um pequeno poema pastoral que apresenta, a forma de um diálogo entre pastores ou de um solilóquio. 

A sua origem ficou a dever-se ao poeta grego Teócrito e foi utilizada por Virgílio para a composição das suas famosas Bucólicas.

A temática versada nas éclogas relacionava-se, quase sempre, com a vida campestre, os amores pastoris, as impossibilidades e não correspondências dos amores vários.

Nas épocas mais remotas, na chamada Época Clássica, a écloga servia também como meio para profundas reflexões morais, estéticas e filosóficas.

O introdutor deste subgênero literário em Portugal foi Sá de Miranda, influenciado por escritores italianos como Dante e Boccaccio. (http://www.infopedia.pt/$ecloga)

A écloga clássica parte quase sempre de um quadro idílico, o locus amoenus ou lugar aprazível, e desenvolve com certa brevidade o louvor de uma pessoa, por razões sentimentais, reflete sobre a condição do poeta e/ou da própria poesia, ou entretém-se com sutilezas políticas ou religiosas. Outro tema clássico das éclogas é o da libertação espiritual, a renúncia aos bens terrenos e sociais para uma total entrega à natureza e aos mais puros ideais de vida perseguindo a chamada aurea mediocritas. (http://www.edtl.com.pt/)

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