terça-feira, 26 de maio de 2009

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de outras linguas) Letra G-H


Genus irritabile vatum
Latim – Raça irritadiça dos poetas. É como Horácio traduz a idéia de que poetas e escritores são temperamentais.

Gloria Patri

Latim – Glória ao Pai. Relativo apalavras iniciais do versículo que se canta ou reza no fim dos salmos e de outras orações da Igreja.

Gloriae et virtutis invidia est comes

Latim – A inveja é a companheira da glória e da virtude. A inveja procura destruir a virtude e o mérito alheio.

God save the king ou the queen
Inglês – Deus salve o rei (ou) a rainha. Frase inicial do hino nacional inglês.

Gold point
Inglês – Ponto de ouro. Situação cambial equilibrada nos países de moeda-ouro.

Graecum est, non legitur
Latim – É grego, não se lê. Axioma medieval que mostra o desprestígio do grego entre os eruditos.

Grammatici certant
Latim – Os gramáticos discutem. Empregada para significar que uma questão não se resolverá facilmente.

Grande mortalis aevi spatium

Latim – Grande espaço da vida de um mortal. Assim descreve Tácito os quinze anos em que reinou Domiciano.

Grand-prix
Francês – Grande prêmio. Diz-se do maior prêmio concedido em exposições, concursos, corridas etc.

Gratia argumentandi
Latim – Pelo prazer de argumentar. Emprega-se quando se quer usar um argumento do adversário considerado inconsistente.

Gratis pro Deo
Latim – De graça, para Deus. Sem remuneração.

Gravis testis
Latim – Testemunha grave. Testemunha digna; testemunha de peso.

Graviter facere
Latim – Agir com prudência, com moderação, com gravidade.

Grosso modo
Latim – De modo geral. Por alto, sem penetrar no âmago da questão.

Gutta cavat lapidem
Latim – A gota de água cava a pedra. Traduz a idéia do provérbio: Água mole em pedra dura tanto dá até que fura.

Habeas corpus
Latim – Direito = Que tenhas o corpo. Meio extraordinário de garantir e proteger com presteza todo aquele que sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, por parte de qualquer autoridade legítima.

Habemus confitentem reum
Latim – Temos o réu que se confessa. Frase da oração em que Cícero defende Ligário, partidário de Pompeu.

Habent sua fata libelli
Latim – Os livros têm o seu destino. Aforismo de Terenciano Mauro, cuja obra permaneceu obscura durante muito tempo.

Happy end
Inglês – Fim feliz. Indica o desfecho feliz nas peças teatrais e cinematográficas.

Hasta la vista
Espanhol – Até a vista.

Hic et nunc
Latim – Aqui e agora. Imediatamente; neste instante.

High fidelity
Inglês – Alta fidelidade. Alta qualidade, grande pureza de som obtida nos aparelhos eletrônicos.

Hic jacet
Latim – Aqui jaz. Expressão consagrada nas inscrições de lápides mortuárias.

Hic jacet lepus
Latim – Aqui está a lebre; esta é a dificuldade.

Hoc caverat mens provida Reguli
Latim – A mente previdente de Régulo previra isto. Aplica-se nos casos em que alguém diz ter previsto um acontecimento depois dele realizado.

Hoc erat in votis
Latim – Isto estava nos votos. Aplica-se quando se obtém algo muito desejado.

Hoc opus, hic labor est
Latim – Aí é que está a dificuldade. Sentença de Virgílio que se aplica no sentido literal.

Hoc volo, sic jubeo; sit pro ratione voluntas
Latim – Quero isto, ordeno isto, que a vontade sirva de razão. Frase de Juvenal que condena a arbitrariedade.

Hodie mihi, cras tibi
Latim – Hoje para mim, amanhã para ti. Usada nas inscrições tumulares e quando se deseja o mesmo mal a quem o causou.

Home fleet

Inglês – Esquadra da casa. Nome que se dá à Armada Inglesa, referindo à parte dela que permanece na Grã-Bretanha.

Homo faber
Latim – O homem artífice. Locução empregada por Henri Bergson para designar o homem primitivo ante a necessidade de forjar ele próprio os utensílios indispensáveis à manutenção da vida.

Homo homini lupus
Latim – O homem é lobo para o homem. Pensamento de Plauto, aceito por alguns e praticado por muitos.

Homo sapiens
Latim – O homem sábio. 1 Nome da espécie homem na nomenclatura de Lineu. 2 Expressão usada por Henri Bergson para indicar o homem, único animal inteligente em face aos demais.

Homo sum et nihil humani a me alienum
Latim – Sou homem e nada do que é humano me é estranho. Terêncio advoga a solidariedade humana.

Honni soit qui mal y pense
Francês – Envergonhe-se quem pensar mal disto. Divisa da ordem da jarreteira na Inglaterra.

Honoris causa
Latim – Por causa da honra. Título honorífico concedido a pessoas ilustres.

Honos alit artes
Latim – A honra alimenta as artes. Máxima de Cícero que explica a necessidade de aplausos como incentivo aos artistas.

Horresco referens
Latim – Tremo ao referir. Palavras de Enéias ao narrar o episódio da morte de Laocoonte.

Horribile dictu
Latim – Horrível de se dizer. Locução interjetiva.

Hors ligne

Francês – Fora da linha; bem acima do normal.

Hospes hostis
Latim – Estrangeiro, inimigo. Máxima antiga que traduz o sentimento de desconfiança e hostilidade para com os estrangeiros.
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As outras letras:
LETRA A
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA B
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_07.html
LETRA C
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_21.html
LETRA D
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA E
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_28.html
LETRA F
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/01/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html


Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=gramatica/docs/expressoeslatinas

domingo, 24 de maio de 2009

Trova VII

Montagem em cima de imagem do blog http://blogmaria.blogspot.com

Miriam Panighel Carvalho (O Poeta)



Assim como o ator interpreta
uma peça com emoção,
assim também verseja o poeta
que escreve com seu coração.

Faz poemas com sentimento
A emoção não consegue ocultar
Não tem hora, não tem momento
Para o bardo o amor decantar

O poeta jamais "faz de conta"
Ele conta e -ah! - como encanta!
Abre a alma e jamais desaponta
Não escreve - o vate - ele canta.

De espírito super sensível
Na verdade é incompreendido
Mas nos olhos deixa visível
Vestígios de um amor perdido...
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Lygia Fagundes Telles (As Cerejas)



Aquela gente teria mesmo existido? Madrinha tecendo a cortina de crochê com um anjinho a esvoaçar por entre rosas, a pobre Madrinha sempre afobada, piscando os olhinhos estrábicos, vocês não viram onde deixei meus óculos? A preta Dionísia a bater as claras de ovos em ponto de neve, a voz ácida contrastando com a doçura dos cremes, esta receita é nova... Tia Olívia enfastiada e lânguida, abanando-se com uma ventarola chinesa, a voz pesada indo e vindo ao embalo da rede, fico exausta no calor... Marcelo muito louro - por que não me lembro da voz dele? - agarrado à crina do cavalo, agarrado à cabeleira de tia Olívia, os dois tombando lividamente azuis sobre o divã. Você levou as velas à tia Olívia? , perguntou Madrinha lá embaixo. O relâmpago apagou-se. E no escuro que se fez, veio como resposta o ruído das cerejas se despencando no chão.

A casa em meio do arvoredo, o rio, as tardes como que suspensas na poeira do ar - desapareceu tudo sem deixar vestígios. Ficaram as cerejas, só elas resistiram com sua vermelhidão de loucura. Basta abrir a gaveta: algumas foram roídas por alguma barata e nessas o algodão estoura, empelotado, não, tia Olívia, não eram de cera, eram de algodão suas cerejas vermelhas.

Ela chegou inesperadamente. Um cavaleiro trouxe o recado do chefe da estação pedindo a charrete para a visita que acabara de desembarcar.

- É Olívia! - exclamou Madrinha. - É a prima! Alberto escreveu dizendo que ela viria, mas não disse quando, ficou de avisar. Eu ia mudar as cortinas, bordar umas fronhas e agora!... Justo Olívia. Vocês não podem fazer idéia, ela é de tanto luxo e a casa aqui é tão simples, não estou preparada, meus céus! O que é que eu faço, Dionísia, me diga agora o que é que eu faço!
Dionísia folheava tranqüilamente um livro de receitas. Tirou um lápis da carapinha tosada e marcou a página com uma cruz.

- Como se já não bastasse esse menino que também chegou sem aviso...

O menino era Marcelo. Tinha apenas dois anos mais do que eu mas era tão alto e parecia tão adulto com suas belas roupas de montaria, que tive vontade de entrar debaixo do armário quando o vi pela primeira vez.

- Um calor na viagem! - gemeu tia Olívia em meio de uma onda de perfumes e malas. - E quem é este rapazinho?

- Pois este é o Marcelo, filho do Romeu - disse Madrinha. - Você não se lembra do Romeu? Primo-irmão do Alberto...

Tia Olívia desprendeu do chapeuzinho preto dois grandes alfinetes de pérola em formado de pêra. O galho de cerejas estremeceu no vértice do decote da blusa transparente. Desabotoou o casaco.

- Ah, minha querida, Alberto tem tantos parentes, uma família enorme! Imagine se vou me lembrar de todos com esta minha memória. Ele veio passar as férias aqui?
Por um breve instante Marcelo deteve em tia Olívia o olhar frio. Chegou a esboçar um sorriso, aquele mesmo sorriso que tivera quando Madrinha, na sua ingênua excitação, nos apresentou a ambos, pronto, Marcelo, aí está sua priminha, agora vocês poderão brincar juntos . Ele então apertou um pouco os olhos. E sorriu.

- Não estranhe, Olívia, que ele é por demais arisco - segredou Madrinha ao ver que Marcelo saía abruptamente da sala. - Se trocou comigo meia dúzia de palavras, foi muito. Aliás, toda a gente de Romeu é assim mesmo, são todos muito esquisitos. Esquisitíssimos!

Tia Olívia ajeitou com as mãos em concha o farto coque preso na nuca. Umedeceu os lábios com a ponta da língua.

- Tem charme...

Aproximei-me fascinada. Nunca tinha visto ninguém como tia Olívia, ninguém com aqueles olhos pintados de verde e com aquele decote assim fundo.

- É de cera? - perguntei tocando-lhe uma das cerejas.

Ela acariciou-me a cabeça com um gesto distraído. Senti bem de perto seu perfume.

- Acho que sim, querida. Por quê? Você nunca viu cerejas?

- Só na folhinha.

Ela teve um risinho cascateante. No rosto muito branco a boca parecia um largo talho aberto, com o mesmo brilho das cerejas.

- Na Europa são tão carnudas, tão frescas.

Marcelo também tinha estado na Europa com o avô. Seria isso? Seria isso que os fazia infinitamente superiores a nós? Pareciam feitos de outra carne e pertencer a um outro mundo tão acima do nosso, ah! como éramos pobres e feios. Diante de Marcelo e tia Olívia, só diante dos dois é que eu pude avaliar como éramos pequenos: eu, de unhas roídas e vestidos feitos por Dionísia, vestidos que pareciam as camisolas das bonecas de jornal que Simão recortava com a tesoura do jardim. Madrinha, completamente estrábica e tonta em meio das suas rendas e crochês. Dionísia, tão preta quanto enfatuada com as tais receitas secretas.

- Não quero é dar trabalho - murmurou tia Olívia dirigindo-se ao quarto. Falava devagar, andava devagar. Sua voz foi se afastando com a mansidão de um gato subindo a escada. - Cansei-me muito, querida. Preciso apenas de um pouco de sossego...

Agora só se ouvia a voz de Madrinha que tagarelava sem parar: a chácara era modesta, modestíssima, mas ela haveria de gostar, por que não? O clima era uma maravilha e o pomar nessa época do ano estava coalhado de mangas. Ela não gostava de mangas? Não?... Tinha também bons cavalos se quisesse montar, Marcelo poderia acompanhá-la, era um ótimo cavaleiro, vivia galopando dia e noite. Ah, o médico proibira? Bem, os passeios a pé também eram lindos, havia no fim do caminho dos bambus um lugar ideal para piqueniques, ela não achava graça num piquenique?
Fui para a varanda e fiquei vendo as estrelas por entre a folhagem da paineira. Tia Olívia devia estar sorrindo, a umedecer com a ponta da língua os lábios brilhantes. Na Europa eram tão carnudas... Na Europa.

Abri a caixa de sabonete escondida sob o tufo de samambaia. O escorpião foi saindo penosamente de dentro. Deixei-o caminhar um bom pedaço e só quando ele atingiu o centro da varanda é que me decidi a despejar a gasolina. Acendi o fósforo. As chamas azuis subiram num círculo fechado. O escorpião rodou sobre si mesmo, erguendo-se nas patas traseiras, procurando uma saída. A cauda contraiu-se desesperadamente. Encolheu-se. Investiu e recuou em meio das chamas que se apertavam mais.

- Será que você não se envergonha de fazer uma maldade dessas?

Voltei-me. Marcelo cravou em mim o olhar feroz. Em seguida, avançando para o fogo, esmagou o escorpião no tacão da bota.

- Diz que ele se suicida, Marcelo...

- Era capaz mesmo quando descobrisse que o mundo está cheio de gente como você.

Tive vontade de atirar-lhe a gasolina na cara. Tapei o vidro.

- E não adianta ficar furiosa, vamos, olhe para mim! Sua boba. Pare de chorar e prometa que não vai mais judiar dos bichos.

Encarei-o. Através das lágrimas ele pareceu-me naquele instante tão belo quanto um deus, um deus de cabelos dourados e botas, todo banhado de luar. Fechei os olhos. Já não me envergonhava das lágrimas, já não me envergonhava de mais nada. Um dia ele iria embora do mesmo modo imprevisto como chegara, um dia ele sairia sem se despedir e desapareceria para sempre. Mas isso também já não tinha importância. Marcelo, Marcelo! chamei. E só meu coração ouviu.

Quando ele me tomou pelo braço e entrou comigo na sala, parecia completamente esquecido do escorpião e do meu pranto. Voltou-lhe o sorriso.

- Então é essa a famosa tia Olívia? Ah, ah, ah.

Enxuguei depressa os olhos na barra da saia.

- Ela é bonita, não?

Ele bocejou.

- Usa um perfume muito forte. E aquele galho de cerejas dependurado no peito. Tão vulgar.

- Vulgar?

Fiquei chocada. E contestei mas em meio da paixão com que a defendi, senti uma obscura alegria ao perceber que estava sendo derrotada.

- E, além do mais, não é meu tipo - concluiu ele voltando o olhar indiferente para o trabalho de crochê que Madrinha deixara desdobrado na cadeira. Apontou para o anjinho esvoaçando entre grinaldas. - Um anjinho cego.

- Por que cego? - protestou Madrinha descendo a escada. Foi nessa noite que perdeu os óculos. - Cada idéia, Marcelo!

Ele debruçara-se na janela e parecia agora pensar em outra coisa.

- Tem dois buracos em lugar dos olhos.

- Mas crochê é assim mesmo, menino! No lugar de cada olho deve ficar uma casa vazia - esclareceu ela sem muita convicção. Examinou o trabalho. E voltou-se nervosamente para mim. - Por que não vai buscar o dominó para vocês jogarem uma partida? E vê se encontra meus óculos que deixei por aí.

Quando voltei com o dominó, Marcelo já não estava na sala. Fiz um castelo com as pedras. E soprei-o com força. Perdia-o sempre, sempre. Passava as manhãs galopando como louco. Almoçava rapidamente e mal terminava o almoço, fechava-se no quarto e só reaparecia no lanche, pronto para sair outra vez. Restava-me correr ao alpendre para vê-lo seguir em direção à estrada, cavalo e cavaleiro tão colados um ao outro que pareciam formar um corpo só.

Como um só corpo os dois tombaram no divã, tão rápido o relâmpago e tão longa a imagem, ele tão grande, tão poderoso, com aquela mesma expressão com que galopava como que agarrado à crina do cavalo, arfando doloridamente na reta final.

Foram dias de calor atroz os que antecederam à tempestade. A ansiedade estava no ar. Dionísia ficou mais casmurra. Madrinha ficou mais falante, procurando disfarçadamente os óculos nas latas de biscoitos ou nos potes de folhagens, esgotada a busca em gavetas e armários. Marcelo pareceu-me mais esquivo, mais crispado. Só tia Olívia continuava igual, sonolenta e lânguida no seu negligê branco. Estendia-se na rede. Desatava a cabeleira. E com um movimento brando ia se abanando com a ventarola. Às vezes vinha com as cerejas que se esparramavam no colo polvilhado de talco. Uma ou outra cereja resvalava por entre o rego dos seios e era então engolida pelo decote.

- Sofro tanto com o calor...

Madrinha tentava animá-la.

- Chovendo, Olívia, chovendo você verá como vai refrescar.

Ela sorria umedecendo os lábios com a ponta da língua.

- Você acha que vai chover?

- Mas claro, as nuvens estão baixando, a chuva já está aí. E vai ser um temporal daqueles, só tenho medo é que apanhe esse menino lá fora. Você já viu menino mais esquisito, Olívia? Tão fechado, não? E sempre com aquele arzinho de desprezo.

- É da idade, querida. É da idade.

- Parecido com o pai. Romeu também tinha essa mesma mania com cavalo.

- Ele monta tão bem. Tão elegante.

Defendia-o sempre enquanto ele a atacava, mordaz, implacável: É afetada, esnobe. E como representa, parece que está sempre no palco . Eu contestava, mas de tal forma que o incitava a prosseguir atacando.

Lembro-me de que as primeiras gotas de chuva caíram ao entardecer, mas a tempestade continuava ainda em suspenso, fazendo com que o jantar se desenrolasse numa atmosfera abafada. Densa. Pretextando dor de cabeça, tia Olívia recolheu-se mais cedo. Marcelo, silencioso como de costume, comeu de cabeça baixa. Duas vezes deixou cair o garfo.

- Vou ler um pouco - despediu-se assim que nos levantamos.

Fui com Madrinha para a saleta. Um raio estalou de repente. Como se esperasse por esse sinal, a casa ficou completamente às escuras enquanto a tempestade desabava.

- Queimou o fusível! - gemeu Madrinha. - Vai, filha, vai depressa buscar o maço de velas, mas leva primeiro ao quarto de tia Olívia. E fósforos, não esqueça os fósforos!
Subi a escada. A escuridão era tão viscosa, que se eu estendesse a mão poderia senti-la amoitada como um bicho por entre os degraus. Tentei acender a vela mas o vento me envolveu. Escancarou-se a porta do quarto. E em meio do relâmpago que rasgou a treva, vi os dois corpos completamente azuis, tombando enlaçados no divã.

Afastei-me cambaleando. Agora as cerejas se despencavam sonoras como enormes bagos de chuva caindo de uma goteira. Fechei os olhos. Mas a casa continuava a rodopiar desgrenhada e lívida com os dois corpos rolando na ventania.

- Levou as velas para a tia Olívia? - perguntou Madrinha.

Desabei num canto, fugindo da luz do castiçal aceso em cima da mesa.

- Ninguém respondeu, ela deve estar dormindo.

- E Marcelo?

- Não sei, deve estar dormindo também.

Madrinha aproximou-se com o castiçal.

- Mas que é que você tem, menina? Está doente? Não está com febre? Hem?! Sua testa está queimando... Dionísia, traga uma aspirina, esta menina está com um febrão, olha aí!

Até hoje não sei quantos dias me debati esbraseada, a cara vermelha, os olhos vermelhos, escondendo-me debaixo das cobertas para não ver por entre clarões de fogo milhares de cerejas e escorpiões em brasa, estourando no chão.

- Foi um sarampo tão forte - disse Madrinha ao entrar certa manhã no quarto. - E como você chorava, dava pena ver como você chorava! Nunca vi um sarampo doer tanto assim.

Sentei-me na cama e fiquei olhando uma borboleta branca pousada no pote de avencas da janela. Voltei-me em seguida para o céu limpo. Havia um passarinho cantando na paineira. Madrinha então disse:

- Marcelo foi-se embora ontem à noite, quando vi, já estava de mala pronta, sabe como ele é. Veio até aqui se despedir, mas você estava dormindo tão profundamente.

Dois dias depois, tia Olívia partia também. Trazia o costume preto e o chapeuzinho com os alfinetes de pérola espetados no feltro. Na blusa branca, bem no vértice do decote, o galho de cerejas.

Sentou-se na beirada da minha cama.

- Que susto você nos deu, querida - começou com sua voz pesada. - Pensei que fosse alguma doença grave. Agora está boazinha, não está?

Prendi a respiração para não sentir seu perfume.

- Estou.

- Ótimo! Não te beijo porque ainda não tive sarampo - disse ela calçando as luvas. Riu o risinho cascateante. - E tem graça eu pegar nesta altura doença de criança?

Cravei o olhar nas cerejas que se entrechocavam sonoras, rindo também entre os seios. Ela desprendeu-as rapidamente.

- Já vi que você gosta, pronto, uma lembrança minha.

- Mas ficam tão lindas aí - lamentou Madrinha. - Ela nem vai poder usar, bobagem, Olívia, leve suas cerejas!

- Comprarei outras.

Durante o dia seu perfume ainda pairou pelo quarto. Ao anoitecer, Dionísia abriu as janelas. E só ficou o perfume delicado da noite.

- Tão encantadora a Olívia - suspirou Madrinha sentando-se ao meu lado com sua cesta de costura. - Vou sentir falta dela, um encanto de criatura. O mesmo já não posso dizer daquele menino. Romeu também era assim mesmo, o filho saiu igual. E só às voltas com cavalos, montando em pêlo, feito índio. Eu quase tinha um enfarte quando via ele galopar.

Exatamente um ano depois ela repetiria, num outro tom, esse mesmo comentário ao receber a carta onde Romeu comunicava que Marcelo tinha morrido de uma queda de cavalo.

- Anjinho cego, que idéia! - prosseguiu ela desdobrando o crochê nos joelhos. - Já estou com saudades de Olívia, mas dele?

Sorriu alisando o crochê com as pontas dos dedos. Tinha encontrado os óculos.

Fonte:
TELLES, Lygia Fagundes. As Cerejas. Ed. Atual, 1993.

João Guimarães Rosa (Sagarana) (Parte I)



Artigo do prof. Teotônio Marques Filhos
Artigo em 3 partes.

Localização da obra no estilo de época

Publicado em 1946, Wilson Martins coloca Sagarana como uma das três grandes estréias da prosa de ficção pós-modernista ou, como querem outros, neomodernista.

Para a crítica, o Pós-Modernismo representa o incontido desejo de superar as formas modernistas em busca, principalmente, de originalidade e expressividade, não só no concernente à linguagem, onde se explora a sua plumagem e o seu canto, para usar as mesmas expressões de Guimarães Rosa, como também a ânsia do universal. Deste modo, procurando transcender o estritamente regional, o escritor pós-modernista parte sempre de um plano vertical para, assim, chegar a uma dimensão metafísica, universal do homem.

Embora seja o livro de estréia de Guimarães Rosa, não é difícil ver em Sagarana esses elementos inovadores que caracterizam o Pós-Modernismo. Com efeito, a pesquisa lingüística e a ânsia do metafísico - que superam o estritamento local e regional - têm sido uma das grandes características pós-modernistas, e aqui, especialmente, de Guimarães Rosa. Entretanto, esses elementos apenas vislumbram em Sagarana, despontando intensa e desconcertantemente no monumental romance - Grande Sertão: Veredas (1956). Diríamos que Sagarana foi uma espécie de rascunho que Guimarães Rosa usou para a elaboração de Grande Sertão: Veredas. Na comparação não vai nenhuma subestimação do primeiro livro de Guimarães que, pelo fato de ter sido rascunho, não deixa de ser obra-prima. É a velha história de Adão e Eva que se repete aqui: toda obra-prima tem um rascunho. No caso, o rascunho seria o velho Adão; a obra-prima, a femininíssima Eva... Quem é que vai negar uma coisa desta, minha gente, quem?!

Como sugere o título, Sagarana é uma coletânea de contos estruturados a partir de uma visão moderna dessa espécie literária, pois, embora apresentem os seus elementos tradicionais, os contos de Guimarães Rosa são portadores de “um sopro renovador”, como observa o crítico Massaud Moisés: “Numa linguagem mesclada de tipismos mineiros, eruditismos e arcaísmos, traz para a literatura regionalista um sopro renovador, um senti­do de epicidade e profundo conhecimento da alma humana, que fazem dele, desde logo, um escritor de lugar definitivamente marcado” (Massaud Moisés).

Como já ressaltamos atrás, Guimarães Rosa foi um dos primeiros entre nós que logrou captar o mundo regional através de um prisma universal: a sua obra veio concretizar a nova dimensão que o regionalismo estava esperando: a dimensão do espírito e do mistério das coisas.

Dono de um estilo pessoalíssimo, onde sobressaem os elementos melopéicos das palavras, os contos de Sagarana, fogem, muitas vezes, àquela estrutura que apontamos no início.

Estilo de Guimarães Rosa em Sagarana

Com relação ao estilo de Guimarães Rosa em Sagarana, muita coisa tem-se que falar. Pelo menos cinco características sobressaem na sua maneira de ver o mundo, no seu modo de escrever. Abaixo vamos relacionar essas características:

1) Linguagem

Quanto à linguagem, Augusto de Campos observa que “embora revele um notável e incomum domínio artesanal, a linguagem de Guimarães Rosa também não se confunde com a dos estilistas da língua. O seu palavreado diferente não é constituído propriamente de vocábulos “difíceis” ou desusados, como no caso de Euclides da Cunha ou Coelho Neto, mas de recriações e invenções forjadas a partir das virtualidades do idioma, que levam o leitor a constantes descobertas.” Vejamos, abaixo, os principais aspectos:

Criação de vocábulos

É o que podemos chamar de neologismos onde sobressaem composições e derivações novas, além “de novos tipos de construção frasal”, ditos “neologismos sintáticos”, segundo Mattoso Câmara.

Vamos arrolar aqui alguns exemplos de neologismos vocabulares:

a) derivação prefixal. Um dos prefixos mais usados é ainda dês-: desfeliz, desinquieto, desenxergar, etc. sempre em sentido negativo ou como mero reforço, dado e desgaste do prefixo existente, como é o caso de desinfeliz ou mesmo desinquieto.

b) derivação sufixal. É outro processo formador de vocábulos novos bastante usado no livro e que funciona como expressivo recurso estilístico, principalmente em se tratando de linguagem popular. Entre outros exemplos, mencionemos o caso de: vaqueirama, assinzinho, coisama, pensação, cigarrar, rapaziar, quilometrosa, maismente, saudadear, pererecar, etc.

As vezes o sufixo é usado mesmo em palavras que não o comportam, como é o caso, já citado, de maismente, assinzinho, arranjeizinho (cf. “Arranjeizinho lá um lugar de guarda-civil”, Sag. 82) e amormeuzinho que aparece no conto “São Marcos”.

Registre-se ainda o expressivo verbo pernilongar, que aparece no conto ‘São Marcos”.

c) derivação parassintética. Consiste no uso de prefixo e sufixo ao mesmo tempo. Não é muito freqüente em Sagarana, mas mesmo assim podemos anotar alguns exemplos: avoamento, esmoralizado, desbriado, amaleitado, etc.

d) abreviação. Na abreviação, registre-se o caso de estranja (cf. “você não tem vergonha de trabalhar p’ra esses gringos, p’ra uns estranjas, gente atoa?” — Sag. 89), além de largo uso da síncope, como é o caso de corgo em vez de córrego, p’ra em vez de para, e muitos outros casos que refletem a nossa língua popular. Veja-se ainda vam’bora para “vamos embora” e ixa para “virgem” (como interjeição).

e) composição aglutinada. Consiste na junção de dois vocábulos de modo que percam a sua individualidade fônica. É o caso de, entre outros: passopreto (pássaro + preto), milmalditas (mil + malditas), suaviloqüência (suave + eloqüência), destamanho (deste + tamanho), membora (me + embora), santiaméin (santo + amém) e o curioso nomopadrofilhospritossantamêin (em nome do pai, do filho e do espírito santo, amém) que sugere a rapidez com que Nhô Augusto fez o sinal da cruz, naquelas circunstâncias em que se achava (cf. Sag. 362).

É curioso também o dei’stá (deixa + está) de largo uso no interior.

f) composição justaposta. Consiste na união de dois ou mais vocábulos em que se mantém a integridade fônica de ambos. Como exemplo, anote-se: hoje-em-dia, mulheres-a­toa, todo-o-mundo e aqueles vocábulos formados pela introspecção bovina de “Conversa de Bois” como: “boi-grande-que-berra-feio-e-carrega-uma-cabeça-na-cacunda (para marruás, touro) e homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta (para o homem que guia os bois e leva o ferrão).

Arcaísmos

Como sabemos, arcaísmos são “vocábulos, formas ou construções frasais que saíram do uso na língua corrente”. Evidentemente, os arcaísmos de Sagarana foram usados por Guimarães Rosa para fins estilísticos, com a intenção de estabelecer coerência entre forma e conteúdo. Com efeito, o arcaísmo em Sagarana é um reflexo da linguagem popular, visto que a língua do interior, afastada do contato com a civilização, é estática, conservando muitos vocábulos do português arcaico. Entre outros, anotemos aqui alguns exemplos: riba (cf. por riba do monte), banda (em lugar de lado), vigiar (em vez de olhar), quentar (em vez de esquentar) e uma enfiada de verbos com prótese de um a, outrora bastante em voga em nossa língua e que ainda existe na fala do nosso homem do interior: agarantir, alembrar, alumiar, amostrar, arreconhecer, arrenegar, arresolver, arresponder, arresistir, aclivertir, etc.

Erudismo

Escrever com erudismo é um fato que a crítica reconhece no estilo de Guimarães Rosa. É o que ocorre sempre quando é o escritor que narra, quando não pretende registrar modismos regionais ou a linguagem popular. Nesse sentido nos parecem válidos os contos “São Marcos” e “Minha Gente”, principalmente este último, donde extraímos este exemplo:

Eu tinha cochilado na rede, depois de um almoço gostoso e pesado, enquanto Tio Emílio, na espreguiçadeira, lia sua pilha de jornais de uma semana. A varanda era uma praia de ilha, ao mar da chuva. Meu espírito fumaceou, por ares de minha só pos-se — e fui, por inglas de Inglaterra, e marcas de Dinamarcas, e landas de Holanda e Irlanda. Subi à visão de deusas, lentas apsaras de sabor de pétalas, lindas todas: Dária, da Circássia; Ragna de Aase; e Gúdrun, a de olhar cor dos fiordes; e Vivian, violeta; e Érika, sílfide loira; e Varvára, a de belos feros olhos verdes; e a princesa Vladislava, císnea e junoniana; e a princesinha Berengária, que vinha, sutil, ao meu encontro, no alternar esvoaçante dos tornozelos preciosos...” (pág. 197).

Figuras

Aqui sobressaem pelo menos três figuras importantes:

a) Metáfora. Consiste numa transposição do sentido de um vocábulo por se tornar opaco ou gasto o existente. Como ressalta Oscar Lopes, as metáforas de Guimarães Rosa são tantas e tão originais que produzem um efeito poético radical: o efeito de ressaca do significado novo sobre o significado corrente. Anote-se: “De noite, saiu uma lua rodo-leira, que alumiava até passeio de pulga no chão” (26); em vez de dizer que a lua era cheia e brilhava intensamente; “Cor do céu que vem chuva” (24) para indicar uma cor que é mais que o castanho ou baio; “Estou como ovo depois de dúzia” (32) para dizer que está sobrando; “em mão de vaqueiro com dez anos de lida nos currais do sertão” (36) para dizer que o vaqueiro era experiente; “Só de vez em quando é que um quer me saudar com a mão canhota” (40) para indicar que, vez por outra, surgiam ingratidões, ou coisa semelhante; “aproveitava para encher, mais um trecho, a infinda lingüiça da vida” (49) para indicar que ia levando a vida de qualquer jeito; “Durou o prazo de se capar um gato” (98), para dizer que a ação foi rápida; e aquele “arquipélago de reses” (172) para indicar ajuntamentos de reses aqui e ali. E assim muitas outras.

b) Anacoluto. “Chama-se anacoluto ou frase quebrada àquela em que a uma palavra ou locução, apresentada inicialmente, se segue uma construção oracional em que essa palavra ou locução não se integra.” A definição é de Mattoso Câmara (cf. Dicionário de Filologia e Gramática), que acrescenta: “Na língua oral coloquial o anacoluto é um processo freqüente de construção de frase”. E o que se pode ver em Sagarana, visto que uma das principais características de Guimarães é exatamente a estilização da sintaxe popular. Veja-se esse exemplo: “Que há? O senhor sabe que, a mim, eu gosto de estimar e respeitar os meus amigos, e, grande principalmente, as suas famílias excelentíssimas...” (82); ou aquela passagem de “Conversa de Bois”, onde o escritor procura expressar a angústia e inquietude do menino Tiãozinho através de um mundo de reticências e frases entrecortadas que avolumam na sua cabeça e dão prova do seu apavoramento diante da mor­te de seu Agenor Soronho (vide pág. 317-318).

c) Silepse. A silepse é uma concordância ideológica. Quer dizer, é uma concordância que se faz com a idéia e não com o termo expresso. É o caso do coletivo com o verbo no plural que ocorre várias vezes em Sagarana. “Eu acho que a boiada vai bem, sêo Major. Não vão dar muito trabalho, porque estão bem gordos” (20) “Ele é de uma turma de gente sem-que-fazer, que comeram carne e beberam cachaça na frente da igreja, em sexta-feira da Paixão, só p’ra pirraçar o padre e experimentar a paciência de Deus...” (256).

Trata-se, igualmente, de uma concordância bem popular.

Musicalidade

Trata-se de uma das características mais presentes e individualizadoras de Guimarães Rosa, que dão um caráter nitidamente poético à sua prosa. É o que o escritor chama de “plumagem e canto das palavras”. Com efeito, amiúde Guimarães apela para os aspectos auditivos (“canto”) e visuais (“plumagem”), fazendo uma verdadeira orquestração sonora com as palavras. Isso sobressai principalmente em “O Burrinho Pedrês” e “São Marcos” onde, nesse último, há uma verdadeira saraivada de luz e cores de início (aspecto visual-plumagem das palavras), para ceder lugar aos sons e ao ritmo (canto das palavras), depois que fica cego. É curioso ver-se o conto neste sentido.

Entre outros recursos melopéicos, ressaltam-se:

a) Rimas. É um recurso bastante explorado em Sagarana e expressa, mais uma vez, a natureza popular da linguagem rosiana. Vejam-se esses exemplos: “por amos e anos” (3); “boi sanga sapiranga” (6); “veio apropinquando, brando” (10); “suspiro de vaca não arranca estaca” (17), “e as vagas de dorsos, das vacas e touros” (23): “Quem não trabuca não manduca” (72); “Você é tudo, bigodudo” (89); “ó Vitalina, engambela ela” (111); “papo de mola, quando anda pede esmola” (139); “Pega à unha, joão-da-cunha” (147).

Sensível ao poder fônico dos vocábulos, diz o Prof. Wilton Cardoso, Guimarães Rosa se deixa entregar a combinações léxicas, cujo fim é sem dúvida explorar o seu manancial sonoro”. Na prática desse recurso, “se algumas vezes pretende ilustrar conteúdo semântico, à maneira onomatopaica, em outros casos dá à nota sonora valor próprio e exclusivo, já que não se relaciona com o contexto.”

b) Ritmo. É outro elemento poético que se pode constatar em Sagarana. Principal­mente em “O Burrinho Pedrês”, onde a disposição das palavras parece acompanhar as marchas e contra-marchas do rebanho que começa a trotar em passos cadentes:

Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combuscos, cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, churriados, corombos, cornetos, bocalvos, borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros... E os tocos da testa do mocho macheado, e as cuarmas antigas do boi cornalão...” (pág. 22).

Move-se o rebanho lentamente e o ritmo pentassilábico acompanha-lhes a marcha cadente e uniforme.

As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão...” (pág. 23).

c) Aliteração. Consiste numa “repetição de dado fonema, numa frase, em vocábulos seguidos, próximos, distantes e simetricamente dispostos” (Mattoso Câmara). É recurso que serve para intensificação do ritmo, conferindo-lhe expressiva harmonia imitativa, como é o caso ainda da boiada anterior onde a mansietude do ritmo pentassilábico “é aparente ou provisória, observa o prof. Wilton Cardoso, porque a rês brava pula e volteia na ponta da vara e comunica calor à centopéia ondulante, que começa a acelerar-se.” É o que parece expressar as aliterações em medida trissilábica da passagem abaixo: “Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando.. . Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando...” (pág. 23).

Outros exemplos de aliterações são: “três trons de trovões” (18); “bebedérrimo, Badu” (49); “que vinha vivendo o visto mas vivando estrelas” (235); etc.

d) Onomatopéia. É outro recurso melopéico, de larga tonalidade, que Guimarães explora em Sagarana. Consiste em “procurar reproduzir determinado ruído, constituindo-se com os fonemas da língua, que pelo efeito acústico, dão melhor impressão desse ruído” (Mattoso Câmara). Entre outros, citemos: “A boiada entra no beco - Tchou! Tchou! Tchou!... (48) para tanger o gado; “lho... lho... lho... - vão, devagar, as braçadas de Sete-de-Ouros” (66), para o burrinho atravessando o rio; “-Prrr-tic-tic-tic!” para chamar galinha; “i-tchungs”-tchungou uma piabinha” (242), para o movimento da piaba, etc.

Concluindo, podemos afirmar com Pedro Xisto que “os vocábulos do nosso romancista-poeta não se restringem a contar uma história. Eles têm, ainda, o que contar de si próprios. Eles são mais do que signos abstratos e indiferentes. Eles integram a coisa, participando, concretamente, das vivências.”

Assim, em Guimarães Rosa, “não é a linguagem que se acomoda à realidade, mas a realidade que se transforma em linguagem”.

2. Fabulação

É outra característica de Guimarães Rosa que sobressai em Sagarana: o seu extraordinário poder de fabulação. Suas narrativas, repletas de incidentes, casos fantásticos e imaginários, contém às vezes mais de uma “estória” dentro da “estória”. É o que se pode notar, principalmente, em “O Burrinho Pedrês”, onde, dentro da “estória” de Sete-de-Ouros podemos surpreender e anotar outros casos que os vaqueiros vão relatando no decorrer da viagem.

Outros exemplos neste sentido são: “Minha Gente” que inicialmente se perde em descrições paisagísticas (outra grande qualidade de Guimarães), para depois se concentrar na história propriamente, por sua vez, mesclada de outros casos; “Corpo Fechado”, cuja “estória” começa propriamente no final, com Manual Fulô contando outros casos para o doutor; “Conversa de Bois”, que é entrecortada também por outros casos, etc.

De um modo geral, entretanto, esses casos secundários são postos em função do principal: têm a finalidade de comprovar ou preparar terreno para a história principal.

3. Personagens

De um modo geral os personagens de Sagarana estão ligados à paisagem mineira, à vida das fazendas, à saga dos vaqueiros e dos criadores de gado - mundo da infância e mocidade de Guimarães Rosa.

Seus personagens são admiravelmente delineados e caracterizados não apenas externamente, mas com uma rara penetração da psicologia do homem rústico. Suas descrições, atestam um conhecimento minucioso de gentes, plantas e bichos em contacto com o ambiente sertanejo”. (Augusto de Campos).

Entre outras personagens que sobressaem nos contos de Sagarana, podemos relacionar aqui Nhô Augusto, de “A Hora e Vez de Augusto Matraga”; Latino Salãthiel, de “A Volta do Marido Pródigo”; Maria lima, de “Minha Gente”; Manuel Fulô, de “Corpo Fechado”; Turíbio Todo, de “Duelo”, além do burrinho Sete-de-Ouros, de “O Burrinho Pedrês” e aquele fantástico boi Rodapião, de “Conversa de Bois”, onde Guimarães se revela também profundo conhecedor da “psicologia” bovina.

4. Provérbios e Quadras

É outra característica do estilo rosiano que evidencia um gosto bem popular: o gosto por ditados e provérbios, além das quadrinhas que harmonizam as noites sertanejas, sob um céu palpitante de luar e de estrelas que pululam encantadas dos sons gotejantes das melodias populares. Mundo de fantasia e poesia que já começa a crepuscular para dar lugar aos sons trepidantes e fumegantes das guitarras desconcertantes que infestam e empestam este soberbo século XX de maravilhas fatais!

Dos primeiros, anote-se: “não é nas pintas da vaca que se mede o leite e a espuma” (18); “Suspiro de vaca não arranca estaca!” (17), “para bezerro mal desmamado, cauda de vaca é maminha” (34); “Sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão” (319), e muitas outras.

Das segundas (quadrinhas), entre as muitas que o livro oferece, citemos:

O Curvelo vale um conto,
Cordisburgo um conto e cem.
Mas as Lages não têm preço,
Porque lá mora o meu bem
...” (pág. 22)
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continua...

Sófocles (496 a.C. – 406 a.C.)



Sófocles foi um dramaturgo grego, um dos mais importantes escritores de tragédia ao lado de Ésquilo e Eurípedes. Suas peças retratam personagens nobres e da realeza. Filho de um rico mercador, nasceu em Colono, perto de Atenas, na época do governo de Péricles, o apogeu da cultura helênica.

Escreveu em grego 123 peças para a competição dramática anual das festas dionisíacas e obteve 24 vitórias, constando que a primeira vitória foi aos 18 anos (468 a. C.), sendo este o marco inicial de uma carreira de sucesso. Apenas sete "sobrevivem" até os dias de hoje, e também trabalhou como ator.

Dedicou parte de sua vida às atividades atléticas, à música, à política, ao militarismo e à vida religiosa (foi sacerdote do herói-curador Amino). Considerado o continuador da obra de Ésquilo, Com apenas 16 anos de idade Sófocles estava pronto para competir com os dramaturgos já experientes, e ganhou o 1º prêmio que também era concorrido por Ésquilo. Ele sempre interpretava suas próprias peças. Foi sacerdote ordenado, ligado ao serviço de dois heróis locais, Arconte e Esculápio; o deus da Medicina. Dirigiu o departamento do Tesouro, que controlava os fundos da Confederação de Delfos.

Em suas tragédias, mostra dois tipos de sofrimento: o que decorre do excesso de paixão e o que é conseqüência de um acontecimento acidental (destino). Concentrava em suas obras a ação em um só personagem destacando o seu caráter e os traços de sua personalidade. Reduziu a importância do coro no teatro grego, relegando-o ao papel de observador do drama que se desenrola à sua frente. Também aperfeiçoou a cenografia e aumentou o número de elementos do coro de 12 para 15, porém esse número pode variar de acordo com o poeta que define a tragédia. Sua concepção teatral foi inovadora e elevou o número de atores de dois para três.

Teve dois filhos: Lofon de sua esposa Nicostrata e Ariston, de sua concubina Teoris de Scione.
Suas peças "sobreviventes" são:
Ájax
Antígona
As Traquínias
Édipo Rei
Electra
Filoctetes
Édipo em Colono

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_3169.html
http://pt.shvoong.com/books/biography/1776689-s%C3%B3focles/
Imagem = http://www.filosofix.com.br/

Sófocles (Édipo Rei)



Composta por Sófocles, em data ignorada, e particularmente admirada por Aristóteles, esta obra-prima da tragédia grega, ilustra a impotência humana diante do destino.

Édipo é filho de Laio, rei de Tebas, e da rainha Jocasta. Nos antecedentes dessa história, o Oráculo anuncia a Laio que, por causa da maldição dos Labdácidas, se este viesse a ter um filho com Jocasta, esse filho o mataria. Laio, com temor de que a profecia do Oráculo se realizasse, ordena Jocasta a entregar seu filho a um pastor da região. Amarra, fura-lhe os pés e o abandona no monte Citerón para sua vida ser ceifada. Mas, o pastor, com piedade, entrega-o a Pólibo, rei de Coritos. Pólibo e sua mulher Meréope criam-no como um filho.

A estória começa quando Édipo, príncipe de Corinto, é insultado por um bêbado, que o acusa de ser filho ilegítimo do Rei Políbios. Embora Políbios procure tranqüilizar Édipo, o príncipe, perturbado, recorre ao Oráculo de Píton, mais tarde conhecido como Delfos.

O oráculo evita responder à sua dúvida, mas dá a terrível informação de que Édipo está destinado a matar o pai e casar-se com a mãe.

O Oráculo apenas revela que Édipo mataria seu próprio pai e casaria com sua própria mãe. Desesperado e crendo que Pólibo e Meréope eram seus pais verdadeiros, Édipo resolve abandonar Corintos para nunca mais regressar. É nessa mesma época que a cidade de Tebas está sendo atacada pela Esfinge, devorando os cidadão tebanos, pois eram incapazes de decifrar o enigma proposto pela Esfinge. Ao passar por Tebas, numa encruzilhada de três caminhos, Em uma encruzilhada, Édipo depara-se com uma carruagem. À frente vem o arauto, que ordena rudemente a Édipo que se afaste e tenta empurrá-lo para fora da estrada. O príncipe começa uma briga e termina matando todo mundo que nela se envolve. Para sua desgraça, um dos homens que vinha na carruagem era seu pai verdadeiro, o rei Laios de Tebas. Ao chegar na cidade de Tebas, Édipo consegue decifrar o enigma da Esfinge, libertando a cidade do flagelo e acaba sendo proclamado o rei de Tebas, casando-se com a viúva de Laio, a rainha Jocasta, sua mãe verdadeira.

Assim, a profecia se tornou realidade: Édipo matou o próprio pai e se casou com a própria mãe.

Anos se passam e Édipo reina como um verdadeiro soberano e tem vários filhos com Jocasta, mas a cidade passa por momentos difíceis e a população pede ajuda ao rei. Os deuses enviam uma peste a cidade de Tebas, pois os homens estavam desobedecendo ao Oráculo. Édipo, preocupado com a situação envia seu cunhado, Creonte, ao Oráculo de Delfos para saber qual era a causa da peste que assolava a cidade de Tebas. A resposta do Óráculo foi que a cidade estava naquela situação por causa da morte de Laio e que para solucionar o problema o assassino deveria ser descoberto e punido. Porém, Édipo não sabe que Laio era seu pai e que o tinha matado na encruzilhada. Então manda seu cunhado Creonte buscar o adivinho Tirésias, que com medo de revelar que era Édipo o assassino, resiste em responder.

Depois de ser muito insultado por Édipo, chamado de traidor da cidade, Tirésias não hesita em revelar quem é o verdadeiro assassino. O assassino era o próprio Édipo. Édipo não crê nisso, mas acredita que Creonte e Tirésias estão armando. Assim, Édipo de investigador se torna investigado e vai em busca de assassino de Laio. Ao longo da tragédia, Édipo descobre que Pólibo e Meréope não eram seus pais e que seu verdadeiro pai era Laio e sua verdadeira mãe era Jocasta. Jocasta suicída-se assim que descobre. Não suportando a verdade de ser um assassino e um parrecida Édipo fura os próprios olhos para não ver sua dura realidade.

Foi daí que veio seu nome: "oidípous" significa "pé inflamado".
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Um clássico da literatura ocidental, esta peça de Sófocles é considerada uma das mais perfeitas tragédias da Grécia Antiga.

Fonte:
www.E-Book-Gratuito.Blogspot.Com

Luiz Eduardo Caminha (Liberdade, Liberdade!)

Imagem do filme Sonho de Liberdade
Um caniço na beira do lago, uma voz no deserto, um uivo na escuridão, sei lá, não importa. Não me curvo com o vento, o deserto não me cala (mesmo que ninguém me ouça!), as trevas não me amedrontam. Então: brademos!!!

Liberdade, liberdade!

Não me ponhas normas,
Preceitos, nem regra.
Depois de tanta refrega,
Não hei de obedecer!

Não me imponhas grades,
Grilhões, nem cadeia.
Depois de tanta peleia,
Não hei de me prender!

Não me coloques canga
Ferros, nem algema.
Depois de tanta pena,
Não hei de fenecer!

Não me cales, enfim,
Nem queiras qu’eu fique mudo.
O que sobra do meu mundo imundo,
É o meu jeito de dizer!

Liberdade, liberdade,
Ainda que seja tarde.
Ainda que duvidoso,
O porvir, o alvorecer!
...
Minha voz é filha do silêncio,
Minha escrita, enteada do vento,
Minha vida é um curso d’água,
Minha vocação, um oceano!

(Florianópolis , Ratones, 03.05.2009)
Fonte:
Colaboração do autor.

sábado, 23 de maio de 2009

Bandeira Tribuzi (Vôo Poético)



ITINERÁRIO DO CORPO

A Afonso Felix de Sousa

I

O pequeno lugar predestinado:
cama – lençóis, colchão e travesseiro:
objetos banais pousados sobre
a armação de madeira para dois.

Pequeno apartamento de cidade!
Pequenos corpos e cansados despem-se,
despem roupas, sapatos, conveniências
à pequenina luz que afaga as coisas.

Estão nus, lado a lado, sobre o leito
e se entrelaçam para desafogo
de raivas, lutas, ilusões, sentidos.

Talvez não saibam
por que assim se prendem,
Já cantam sino pelo novo filho!

II

Entre o campo de neve a vida fende-se
barbaramente, para dar passagem
à colheita que vem sem estações:
bicho da terra que se chama homem.

Nove meses guardado e construído
com silêncio, carne, sangue e esperança,
ei-lo que rasga o ovo e se apresenta
disforme, placentário, precioso.

Ela está como o campo após a ceifa.
De seus peitos já mana o claro líquido
onde a vida se côa como um filtro.

Olha o pequeno corpo que se deita
a seu lado, entre o sonho e a realidade,
e, brandamente, diz apenas: - Filho!

III

Infância triste, tempo de castigos
e doces ilusões mas sem brinquedo
que teus olhos encontram nas vitrines
e tua débil mão jamais alcança.

Porém o corpo vai rompendo elástico
pesar do tempo amargo em que floriste.
Teus olhos já se pousam sobre a vida
embora ignorando-lhe a inocência.

Assim, surgindo vens dos alimentos,
cuidados e remédios e o alicerce
da sapiência que são letra e número.

Assim te formas resumido corpo
que será de homem e continuará
brincando em nova trágica maneira.

IV

Resides entre o sonho e coisas ásperas,
a confusão do trágico e a rosa,
a escola, o emprego, o livro clandestino,
a refeição modesta, o sono limitado.

Teu corpo é apenas máquina de sexo
e coração: toda a razão de ser
está na amada, amada inconsistente:
olhos, cabelos, seios, agressivos

somente, mas tu a colocas lá
bem no centro do mundo e lhe declamas
baladas, vossos corpos se aproximam.

Entre comícios, agressões, revoltas,
pressa, atenção, estudo, devaneio,
estás defronte ao mundo e interrogas.

V

A resposta és tu mesmo: corpo de homem,
o sentimento e pensamento de homem,
passo seguro de homem, ombros de homem,
boca, face, palavra e gestos de homem.

O que sabes do mundo! Gestos mágicos
te multiplicam ao calor dos corpos.
Uma coragem funda, o olhar sábio,
avanças com o tempo e o constróis.

A noite existe – não a das carícias,
de sono leve, corpos repousando –
noite pesando sobre cada coisa.

Avanças bloqueado pela Noite
(há muitos, muitos corpos avançando)
e teus passos vão dar na madrugada.

VI

És fogo que se apaga lentamente.
Folhas que vão tombando despem a árvore.
Árvore a quem a seiva foi faltando,
tua missão se acaba e envelheces.

Teus olhos já cansados de aprender
formas, gestos e a grande cor do mundo.
Tua boca já cansada de alimentos,
de beijos, de palavras, de protesto.

Outros vêm substituir tua coragem
com novos braços para a mesma luta,
e passos fortes para o mesmo fim.

Tua hora vem chegando necessária.
O corpo se dissipa. Tua passagem
não terá vermes para devorá-la.
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CONCLUSÃO PARA CONSOLO

Bicho da terra estás apenas morto.
Já a terra de que és bicho te recobre
e uma pequena flor acena, leve,
um pequenino adeus sobre teu túmulo.

Tua mulher jamais esquecerá
tua sólida figura. Nem teus filhos
que em si a reproduzem e prosseguem
tua presença em gestos e palavras.

O tempo que rompeu teu rude corpo
como inverno passando sobre o campo,
não cortou a semente indispensável.

Ele mesmo será propício à nova
árvore forte que sustem o mundo
e reverdece o chão da vida mágica.
Lamentação do quase ex-príncipe

Menino sou do tempo que se acaba
e, consequentemente, sou aquele
para quem tudo que de novo venha
recorda o anterior que mais amava.

Sou filho do ruído das palavras
de que abusava para, sem sentido,
me ver de cores vivas revestido.
Não ter lugar real facilitava

o meu estar entre diversas forças,
neutro. Menos a idéia que o proveito
exerci. Filho do tempo e inculpável,

sempre exaltei gratuitas circunstâncias.
Não sei se me defendo, se me odeio,
se iludo o meu saber-me e odiar-me.
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PAISAGEM

Eis aqui um cão
e defronte um homem:
ambos o pão
da fome comem.
Olha o cão a vida
triste das pedras
(coitado do cão
que não pasta ervas)
e por fim já morde
o osso das trevas.

Olha a vida o homem
com saudade amarga.
Os olhos do homem
já não olham nada.
Só, em seus ouvidos
de carne fanada,
teimam os latidos
da morte e do nada.
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A MESA

A mesa tem somente o que precisa
para estar, circundada de cadeiras,
fazendo parte da vida familiar
entre alimentos, flores e conversa.

Escura mesa gravemente muda
que, parecendo alheia a quanto a cerca,
encerra no silêncio toda a ciência
da idade desdobrando gerações.

olho de cerne, comovido e frio!
indiferente coração parado
entre o grito infantil e o olhar cansado.

Mistério de madeira rodeado
por cadeiras, lembranças, utensílios,
e um leve odor de tempo alimentício.
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ORDEM DO DIA

Há que remover a neve desta folha de papel!

Breve escutaremos o motor dos sentimentos
enchendo a manhã com sua algazarra. Eis a máquina se
movimentando! Da esquerda para a direita vão surgindo
os sulcos onde caem as sementes
da Emoção.

Na vasta planície
desvirginada
germina já o pólen da lírica.

Um vento de humana condição
(oh arte, coisa social!) faz voar até tuas mãos
esta lavoura mental.
Como bom descendente de um povo de camponeses
medes o rigor da semeadura,
sonhas as chuvas na raiz, o futuro pão...
Pão sonoro!

De repente,
as aves da poesia, que se alimentavam no campo semeado, rompem vôo para o céu de tua inteligência
e desfecham seu canto
maravilhoso contra tua surpresa.

Teu coração é a corda do violino!
Eis a geração do poema:
sua mecânica, seu plantio,
sua colheita.
Estás diante de uma safra eterna!
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O HOMEM EM PELE E OSSO

A pele é superfície,
os ossos são entranha.
A pele é o que se vê,
os ossos o que escapa.
A pele é uma casca,
os ossos uma safra.
A pele é entrega,
o osso é arma.
A pele é palma,
o osso é clava.
A pele é a pintura,
os ossos são a casa.
A pele é o acidente,
o osso o permanente.
A pele são as nuvens,
os ossos são a água.
A pele são os musgos,
os ossos são as montanhas.
A pele é o agora,
os ossos são milênios.
A pele é um orvalho,
os ossos são invernos.
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ROMANCEIRO DA CIDADE DE SÃO LUÍS

Pré-história

Na solidão do chão sem tempo
há uma ilha de expectativa,
entre dois rios, como braços,
suavemente recolhida.
Verdes copas e o vento nelas
e os cachos das frutas nativas
e as alvas coxas de suas praias
ao sol do trópico estendidas.

Vizinho o mar com sua espuma,
seu horizonte imaculado,
com sua raiva e sua ânsia,
com seu verde pulmão salgado,
misturando sua maresia
com o acre cheio do mato.
Vizinho o mar com seu mistério
e o além por ser desvendado.

o mar de onde, por milênios,
tudo que vem é rumor longo,
surdo ou cavo, manso ou severo,
cantochão grave, som redondo

contra pedras, conchas, areias,
interminável apelo em som do
horizonte que não revela
o mistério profundo e abscôndito.
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IMAGEM

Vista do mar, a cidade,
subindo suas ladeiras,
parece humilde presépio
levantado por mãos puras:
nimbada de claridade,
ponteia velhos telhados
com as torres das igrejas
e altas copas de palmeiras.
Seus dois rios, como braços
cingem-lhe a doce figura.

Sobre a paz de sua imagem
flui a música do tempo,
cresce o musgo dos telhados
e a umidade das paredes
escorre pelos sobrados
o amargo sal dos invernos.
Tudo é doce e até parece
que vemos só o animado
contorno de iluminura
e não a realidade:
vista do mar, a cidade
parece humilde presépio
levantado por mãos puras
e em sua simplicidade
esconde glórias passadas,
sonha grandezas futuras.
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POEMA

Um cão ladrou
na noite obscura
tremores frios
de inanição
A mulher magra
esperou cansada
que a carne exausta
fosse chamariz
Poucos sexos jovens
se investigaram
muitos não conseguiram
fugir à frustração
Alguns descansaram
outros se diluíram
o caixote de lixo
esperou esperou
]Depois rompeu
a madrugada.
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SONETO DO VIETNÃ

A bomba de napalm está fritando
a carne espedaçada no sudoeste.
Relincham os canhões e aves uivando
sobrevoam os pântanos da peste.

A morte cultivada, amontoando
vai cadáveres bons para a manchete:
é a vida, a leste e a oeste prosperando
no negócio da morte que floresce.

E quantos mais prodígios desabrocham,
quando o século atinge o último quarto
na véspera intranquila desse parto

do futuro obscuro, a que se imolam
a puta de Saigon, amarga e nua,
e o astronauta pisando o chão da lua!
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CONSUMO & DOR (fragmentos)

Como é bela
a favela
Azul e amarela;
que ruído
colorido
da bala no ouvido;
que floração
de gozo-ação
na prostituição;
que doçura
na cobertura
de jornal em noite pura;
que inaudita
arquitetura
da palafita;
que aconchego
de sossego
do desemprego;
como consola
a esmola...!

Quem é este pobre
animal que pasta
apenas angústia
e paz recusada?
Quem é este pobre
bicho cuja erva
que rói é um veneno
em que se alimenta?
Quem é este ser
já tão diferente
de quanto seria
se fosse existente

Ó pergunta vã
que ninguém responde:

é o filho da manhã
padecendo a noite,

é a vida florindo
sua própria morte.
====================

OS TELHADOS

Sobre este campo vermelho
que o tempo pasta,
o passado é lento rebanho
retouçando nuvens brancas.

Andorinhas seculares
ondeiam no verão supremo
e o musgo denuncia aos ares
que o tempo se fez eterno

Torna viagem

Parasse o rio onde foi fonte,
ficasse a fonte onde foi nuvem,
voltasse o mar onde foi rio
para que o rio fosse chuva...

Assim esta rosa de outono
que já vai sendo minha vida,
seria folha, caule, seiva
e raiz da infância perdida!
=============================

INEVITÁVEL

Insaciavelmente ela te espera
carnívora em seu furor uterino.
Movida pela fome de pantera
vigia teus descuidos de menino.

De numerosas tramas tece a espera
e os becos sem saída do destino
e em seu macio pêlo esconde a fera,
a fúria, o enredo e o negro desatino.

Sempre atenta te espreita desarmado,
pronta a te desferir garra ferina
para sorver-te a vida àquela hora

insuspeita, fatal e inevitada.
Pois, se lhe foges, ela te fascina
E, se te entregas, ela te devora.
============================

A PORTA ESTREITA

Entre estar vivo e a morte
um interstício apenas, porém se
do próprio sono limitado ao permanente
é tão profundo o limiar de incógnita!

Como saber no emaranhado
de voz, silêncio, gesto e rigidez,
o tempo inicial da irreversível
ausência e o derradeiro arfar do peito?

Como saber onde começa o adeus,
onde parou o olhar, onde os ouvidos
desceram véus imateriais ou quando

os sentidos, ornados de indiferença,
caminham já na outra margem frios
a este rumor de vida que não cessa?
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Bandeira Tribuzi (2 Fevereiro 1927- 8 Setembro 1977)




Bandeira Tribuzi, pseudônimo de José Tribuzi Pinheiro Gomes, (São Luís, Maranhão, 2 de fevereiro de 1927 — 8 de setembro de 1977) foi um poeta brasileiro.

José Tribuzi Pinheiro Gomes, que usaria o nome literário de Bandeira Tribuzi, nasceu em São Luís do Maranhão no dia 2 de fevereiro de 1927. Filho de Joaquim Pinheiro Ferreira Gomes, comerciante português, e Amélia Tribuzi Pinheiro Gomes, brasileira descendente de italianos. Aos cinco anos de idade seguiu com os pais para Portugal. Pela vontade paterna seria um frade franciscano e para satisfazê-lo, apesar de não ter vocação sacerdotal, permaneceu nos educandários religiosos até a conclusão do Seminário Maior. Estudou nas cidades de Porto, Aveiro e Coimbra. Nessa última, em sua famosa Universidade, dedicou-se às Ciências Econômicas e Filosóficas.

Retornou a São Luís, em 1946, passando a exercer intensa atividade intelectual, sendo considerado por muitos o divulgador do modernismo no Maranhão. Trouxera da Europa um acentuado sotaque português e a leitura de Fernando Pessoa, José Régio, Mário de Sá Carneiro, García Lorca... A admiração pelo poeta Manuel Bandeira o levou a antepor o “Bandeira” ao sobrenome Tribuzi para formar o pseudônimo.

Casou-se, em 1949, com D. Maria dos Santos Pinheiro Gomes.

Foi poeta, novelista, romancista, dramaturgo, compositor (com 93 composições musicadas, incluindo o hino oficial da cidade de São Luís), ensaísta, crítico literário, historiador e professor. Trabalhou como jornalista em diversos órgãos de imprensa, criou a revista Ilha e dirigiu vários jornais, como o Jornal do Povo e O Estado do Maranhão. Foi funcionário público, na condição de economista e Chefe de Relações Públicas do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, e também Diretor do Banco do Estado do Maranhão. Tornou-se uma das figuras mais destacadas do planejamento econômico estadual, redigindo planos de governo e assessorando governadores. Representou o Maranhão no V Encontro Nacional de Secretários de Planejamento, em Porto Alegre, em 1973.

Sua estréia em livro foi em 1947 com a coletânea de poemas Alguma existência, edição do Autor, seguindo-se Rosa da esperança, Guerra e paz, Safra, Sonetos, Pele & osso, Breve memorial do longo tempo e, em edições póstumas, Poesias completas, de 1979, incluindo vários inéditos, Tropicália consumo & dor, de 1985 e Obra poética, de 2002.

Em maio de 1977, foi-lhe prestada, em comemoração ao seu cinqüentenário, uma homenagem da intelectualidade brasileira, em São Luís, da qual participaram figuras proeminentes da literatura, da sociedade e da política, em que se destacavam Ferreira Gullar, Odylo Costa, filho, Jorge Amado, Josué Montello e José Sarney, entre outros.

Bandeira Tribuzi morreu poucos meses depois, em São Luís, a 8 de setembro de 1977.

"Ao mesmo tempo que soube ser o intérprete das grandes angústias humanas no ritmo de seus poemas, Tribuzi foi a voz de seu povo e de sua província, com um modo de ser genuinamente maranhense.

Já acentuei que não devemos confundir, nos escritores da província, os provincianos e os provinciais. Os primeiros só existem em função da província, ao passo que os segundos têm a dimensão universal embora vivam na Província, e a cantem, e a celebrem, e nela reconheçam o recanto do mundo que não trocariam por nenhum outro.

Tribuzi é bem o poeta provincial por excelência, como Gonçalves Dias na Canção do exílio. Sua obra é uma convergência de problemas e sentimentos universais, a que o poeta empresta a beleza do seu canto. Creio que, sob esse aspecto, ninguém mais representativo do que ele, no quadro geral da poesia maranhense contemporânea
."
(Josué Montello. “O legado literário de Bandeira Tribuzi”. In: Tribuzi, Bandeira. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1979.)

Obras do autor

Alguma existência (1948)
Rosa da Esperança (1950)
Safra (1960)
Sonetos (1962)
Pele & Osso (1970)
Poesias Completas (1979)

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br
http://www.redutoliterario.hpg.ig.com.br/poesia/tribuzi.htm

Graciliano Ramos (A Safra de Tatus)



— Como foi aquele negócio dos tatus que a senhora principiou a semana passada, minha madrinha? Perguntou Das Dores.

O rumor dos bilros esmoreceu e Cesária levantou os óculos para a afilhada:

— Tatus? Que invenção é essa, menina? Quem falou em tatu?

— A senhora, minha madrinha, respondeu a benzedeira de quebranto. Uns tatus que apareceram lá na fazenda no tempo da riqueza, da lordeza. Como foi?

Cesária encostou a almofada de renda à parede, guardou os óculos no caritó, acendeu o cachimbo de barro ao candeeiro, chupou o canudo de taquari:

— Ah! Os tatus. Nem me lembrava. Conte a história dos tatus, Alexandre.

— Eu? Exclamou o dono da casa, surpreendido, erguendo-se da rede. Quem deu seu nó que o desate. Você tem cada uma!

Dirigiu-se ao copiar e ficou algum tempo olhando a lua.

— Se os senhores pedirem, ele conta, murmurou Cesária aos visitantes. Aperte com ele, seu Libório.

Ao cabo de cinco minutos Alexandre voltou desanuviado, pediu o cachimbo a mulher, regalou-se com duas tragadas:

— Ora muito bem.

Restituiu o cachimbo a Cesária e foi sentar-se na rede.

Mestre Gaudêncio curandeiro, seu Libório cantador, o cego preto Firmino e Das Dores exigiram a história dos tatus, que saiu deste modo.

— Saberão vossemecês que este caso estava completamente esquecido. Cesária tem o mau costume de sapecar umas perguntas em cima da gente, de supetão. Às vezes não sei
onde ela quer chegar. Os senhores compreendem. Um sujeito como eu, passado pelos corrimboques do diabo, deve ter muitas coisas no quengo. Mas essas coisas atrapalham-se: não há memória que segure tudo quanto uma pessoa vê e ouve na vida. Estou errado?

— Está certo, respondeu mestre Gaudêncio. Seu Alexandre fala direitinho um missionário.

— Muito agradecido, prosseguiu o narrador. Isso é bondade. Pois a história de Cesária puxou tinha-se esvaído sem deixar mossa no meu juízo. Só depois de tomar um deforete pude recordar-me dela. Vou dizer o que se deu. Faz vinte e cinco anos. Hem, Cesária? Quase vinte e cinco anos. Como o tempo caminha depressa! Parece que foi ontem. Eu ainda não tinha entrado forte na criação de boi, que me rendeu uma fortuna, já sabem. Ganhava bastante e vivia sem cuidado, na graça de Deus, mas as minhas transações voavam baixo, as arcas não estavam cheias de patacões de ouro e rolos de notas. Comparado ao que fiz depois, aquilo era pinto. Um dia Cesária me perguntou:
— Xandu, porque é que você não aproveita a vazante do açude com uma plantação de mandioca?"
— "Han? Disse eu distraído, sem notar o propósito da mulher. Que plantação?" E ela, interesseira e sabia, a criatura mais arranjada que Nosso Senhor Jesus Cristo botou no mundo:
— "Farinha está pela hora da morte, Xandu. Viaja cinqüenta léguas para chegar aqui, a cuia por cinco mil-réis. Se você fizesse uma plantação de mandioca na vazante do açude, tínhamos farinha de graça."
— "É exato, gritei. Parece que é bom. Vou pensar nisso." E pensei. Ou antes, não pensei. O conselho era tão razoável que, por mais que eu saltasse para um lado e para outro, acabava sempre naquilo: não havia nada melhor que uma plantação de mandioca, porque estávamos em tempo de seca braba, a comida vinha de longe e custava os olhos da cara. Íamos ter farinha a dar com o pau. Sem dúvida. E plantei mandioca. Endireitei as cercas, enchi a vazante de mandioca. Cinco mil pés, não, catorze mil pés ou mais. No fim havia trinta mil pés. Nem um canto desocupado. Todos os pedaços de maniva que peguei foram metidos debaixo do chão.
— "Estamos ricos, imaginei. Quantas cuias de farinha darão trinta mil pés de mandioca? Era uma conta que eu não sabia fazer, e acho que ninguém sabe, porque a terra é vária, às vezes rende muito, outras vezes rende pouco, e se o verão apertar, não rende nada. Esses trinta mil pés não renderam, isto é, não renderam mandioca. Renderam coisa diferente, uma esquisitice, pois, se plantamos maniva, não podemos esperar de modo nenhum apanhar cabaças ou abóboras, não é verdade? Só podemos esperar mandioca, que isto é a lei de Deus. A gata dá gato, a vaca dá bezerro e a maniva dá mandioca, sempre foi assim. Mas este mundo, meus amigos, está cheio de trapalhadas e complicações. Atiramos num bicho, matamos outro. E Sinha Terta, que mora aqui perto, na ribanceira, escura e casada com homem escuro, teve esta semana um filhinho de cabelo cor de fogo e olho azul. Há quem diga que sinha Terta não seja séria? Não há. Sinha Terta é um espelho. E por estas redondezas não existe vivente de olho azul e cabelo vermelho. Boto a mão no fogo por sinha Terta e sou capaz de jurar que o menino é do marido dela. Vossemecês estão-se rindo? Não se riam não, meus amigos. Na vida há muito surpresa, e Deus Nosso Senhor tem esses caprichos. Sinha Terta é mulher direita. E as manivas que plantei não deram mandioca. Seu Firmino esta aí fala não fala, com a pergunta na boca, não é seu Firmino? Tenha paciência e escute o resto. Ninguém ignora que plantação em vazante não precisa de inverno. Vieram umas chuvinhas e a roça ficou uma beleza, não havia coisa parecida por aquelas beiradas.
— "Valha-me Deus, Cesária, desabafei. Onde vamos guardar tanta farinha?" — mas estava escrito que não íamos arrumar nem uma prensa. Quando foi chegando o tempo da arranca, as plantas começaram a murchar. Supus que a lagarta estivesse dando nelas. Engano. Procurei, procurei, e não descobri lagarta.
— "Santa Maria! cismei. A terra é boa, aparece chuva, a lavoura vai para diante e depois desanda. Não entendo. Aqui há feitiço." Passei uns dias acuado, remexendo os miolos e não achei explicação. Tomei aquilo como castigo de Deus, para desconto dos meus pecados. O que é certo, é que a praga continuou: no fim de S. João todas as folhas tinham caído, só restava uma garrancheira preta.
— "Caiporismo, disse comigo. Estamos sem sorte. Vamos ver se conseguimos levar ao fogo uma fornada." Encangalhei um animal, pendurei os caçuás nos cabeçotes, marchei para a vazante. Arranquei um pau de mandioca, e o meu espanto não foi deste mundo. Esperava tamboeira choca, mas, acreditem vossemecês, encontrei uma raiz enorme, pesada, que se pôs a bulir. A bulir, sim senhor. Meti-lhe o facão. Estava oca, só tinha casca. E, por baixo da casca, um tatu-bola enrolado. Arranquei outra vara seca: peguei o segundo tatu. Para encurtar razões, digo aos amigos que passei quinze dias desenterrando tatus. Os caçuás enchiam-se, o cavalo emagreceu de tanto caminhar e Cesária chamou as vizinhas para salgar aquela carne toda. Apanhei uns quarenta milheiros de tatus, porque nos pés de mandioca fornidos moravam às vezes casais, e nos que tinham muitas raízes acomodavam-se famílias inteiras. Bem. O preço do charque na cidade baixou, mas ainda assim apurei alguns contos de réis, muito mais que se tivesse vendido farinha. A princípio não atinei com a causa daquele despotismo e pensei num milagre. É o que sempre faço: quando ignoro a razão das coisas, fecho os olhos e aceito a vontade de Nosso Senhor, especialmente se há vantagem. Mas a curiosidade nunca desaparece do espírito da gente. Passado um mês, comecei a matutar, a falar sozinho, e perdi o sono. Afinal agarrei um cavador, desci a vazante, esburaquei tudo aquilo. Achei a terra favada, como um formigueiro.

E adivinhei por que motivo a bicharia tinha entupido a minha roça. Fora dali o chão era pedra, cascalho duro que só dava coroa-defrade, quipá e mandacaru. Comida nenhuma. Certamente um tatu daquelas bandas cavou passagem para a beira do açude, topou uma raiz de mandioca e resolveu estabelecer-se nela. Explorou os arredores, viu outras raízes, voltou, avisou os amigos e parentes, que se mudaram. Julgo que não ficou um tatu na caatinga. Com a chegada deles as folhas da plantação murcharam, empreteceram e caíram. Estarei errado, seu Firmino? Pode ser que esteja, mas parece que foi o que se deu.

Fontes:
http://www.alfredo-braga.pro.br/biblioteca/asafradetatus.html
Imagem = http:// www.klickeducacao.com.br

Ponto de Leitura de Itu realiza AMANHÃ a 1ª Exposição de Fanzines da cidade


A 1ª EXPOZINE de Itu, do PONTO DE LEITURA- Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima tem como objetivos divulgar os fanzines nacionais de todos os estilos, fortalecer esta mídia independente no interior de São Paulo e ainda mostrar para os meios de comunicação o valor desta mídia, que foi criada nos anos 1930 nos Estados Unidos.

Fanzine é um termo derivado das palavras inglesas fan (fã, em português) e magazine (revista, em português) que, entre outras traduções, significa uma publicação editada por um fã. Trata-se de uma publicação despretensiosa, eventualmente sofisticada no aspecto gráfico, dependendo do poder econômico do respectivo editor. Engloba todo o tipo de temas, com especial incidência em histórias em quadrinhos (HQs), ficção científica, literatura, música, feminismo, vegetarianismo, cinema, anarquismo, rock, hip hop, terror, mangás, assuntos gerais, jornalismo alternativo, entre outros. Também se dedica à publicação de estudos sobre algum assunto proposto pelo grupo ou editor. O público interessado nestes fanzines é bastante diversificado.

O primeiro fanzine surgido no Brasil foi o Ficção, criado por Edson Rontani em 1965 em Piracicaba (SP). Criado numa época que o termo que definia produção independente era boletim, o fanzine trazia textos infomativos e uma interessante relação de publicações brasileiras de quadrinhos desde 1905.A produção de fanzines no Brasil nos últimos anos vem crescendo e tem características de reação dos artistas e público ao descaso das editoras de quadrinhos com relação à produção nacional.

Na programação da 1ª EXPOZINE de Itu destacam-se: oficina com o fanzineiro ituano Paulo Rodrigues; encontro de fazedores com coordenação do Zine Kausadores Di Revolta (Itu); exposição de materiais; palestra com o Prof. Gazy Andraus, Doutor em Ciências da Comunicação, na área de Interfaces da Comunicação, pela ECA-USP (premiado com a melhor tese de 2006 pelo HQ-MIX-2007); intercâmbios de fanzineiros; e uma homenagem ao quadrinista e fanzineiro Moacir Torres.

A homenagem é para um dos mais importantes fanzineiros e quadrinistas do interior paulista. Moacir Torres nasceu em Agudos (SP) em 1957 e reside em Indaiatuba (SP) desde 1993. Começou como desenhista na TV Cultura em 1974. Fundou em 1978 em Santo André (SP) com Cláudio Feldman, a Editora Taturana, que publicou dezenas de títulos, além de periódicos como o Jornal da Taturana e Tempo Livre. Trabalhou como arte-finalista para a Editora Abril e ilustrou o suplemento “Diário Criança” do jornal “Diário Popular” de São Paulo por cerca de dez anos. Participou de várias coletâneas literárias e de dezenas de salões de humor e HQs. Criou e publicou várias revistas em quadrinhos, atividades e livros infantis. Duas revistas infantis criadas por Torres foram lançadas recentemente na Espanha e em Portugal. Atualmente ministra oficinas de desenho e vem produzindo várias revistas de atividades infantis para editoras, além de passatempos e quadrinhos para vários jornais brasileiros.

O público interessado pode conferir a exposição de Fanzines e publicações independentes no PONTO DE LEITURA, e também participar da oficina: Como criar um Fanzine? às 14 horas no dia 24 de maio, data do evento, e da palestra às 16 horas. As inscrições para a Oficina podem ser feitas no próprio Ponto de Leitura.

Os Fanzines interessados em participar do evento podem enviar exemplares para o endereço: Rua Floriano Peixoto, 238, Centro, Itu/SP, CEP 13300-005, aos cuidados de Paulo Rodrigues.

A abertura oficial da exposição ocorre no dia 24 de maio a partir das 16 horas. A participação em todas as atividades é gratuita.

SERVIÇO

1ª EXPOZINE DE ITU - 2009

QUANDO: 24 de Maio de 2009 a partir das 14 horas.

ONDE: PONTO DE LEITURA - BIBLIOTECA COMUNITÁRIA PROF. WALDIR DE SOUZA LIMA.

ENDEREÇO: Rua Floriano Peixoto, 238, Centro, Itu/SP.

QUANTO: Entrada gratuita.

CONTATOS: bibliotecacomunitariaitu@gmail.com ou pelos fones:
(11) 8445.6122 - Renato
(11) 4813.3556 - Paulo
(11) 7163.3756 - Josuel
(11) 7599.4109 - Raphael

Fonte:
Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima

Pär Lagerkvist (Barrabás)


Barrabás, símbolo do homem moderno
(artigo de João Carlos Petrini)

O romance do sueco Fabian Pär Lagerkvist, Barrabás, que ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1952, descreve de maneira sugestiva a dialética que acompanha todo o desenvolvimento da sociedade moderna, entre uma postura religiosa e uma racionalista. A obra apresenta Barrabás, uma figura marginal nos Evangelhos, preso nas masmorras do império romano, condenado à morte e inesperadamente libertado pelo clamor popular, que o preferiu a Jesus.

As personagens são dos primórdios do cristianismo, mas as questões levantadas são tipicamente modernas e a narrativa introduz o leitor no âmago do drama da liberdade diante do Mistério. O romance confirma a tese de Octávio Paz, de 1984, segundo a qual a literatura do século passado, muitas vezes irreligiosa e secularizada, não consegue se afastar do mistério, antes permanece a ele vinculada, como eixo de uma inevitável problemática, com a qual o homem do século XX se vê impelido a confrontar-se, mesmo que de maneira irreverente ou blasfema.

Lagerkvist (1952) apresenta o drama de Barrabás com uma linguagem simples e direta, numa sobriedade elegante, deixando entrever, por trás das cenas descritas, situações e posturas nas quais o leitor pode-se reconhecer. O romance, escrito como anotações sucintas dos acontecimentos relatados, deixa amplos espaços para que o leitor, movido por discretas sugestões, se envolva com a problemática.

Barrabás é apresentado como um bandido, violento e admirador da força, parricida, cioso de sua autonomia. Ele tem sua vida salva graças a Jesus, pois Pilatos o libertou em lugar do carpinteiro nazareno. Barrabás vive por causa de um outro que morreu em seu lugar e ele não sabe por quê. Experimenta uma irresistível urgência de compreender quem é esse por obra do qual está vivo, procurando compreendê-lo no horizonte explicativo de seu mundo, a partir dos critérios e dos valores com os quais está familiarizado. Ele é símbolo do homem moderno, com o qual guarda muitas semelhanças: este também é violento, pois construiu a civilização da qual se gloria ao clamor dos canhões, e é parricida, tendo eliminado o Pai do seu horizonte. O homem moderno reconhece no cristianismo a fonte dos valores que impuseram ao mundo a sua cultura e, como Barrabás, tem necessidade de compreender a origem da qual recebeu tudo o que tem de mais precioso. Procura enquadrar a tradição cristã nos esquemas da racionalidade iluminista mas, ao fazer isso, perde a possibilidade de abrir um verdadeiro diálogo com essa realidade..

Sabendo que Jesus tinha dito que iria ressuscitar ao terceiro dia, o personagem de Lagerkvist se posta perto do túmulo para ver o que iria acontecer. De repente, um clarão deixa-o quase cego por alguns momentos. Em seguida, ele vê o túmulo vazio e encontra uma mulher que exulta de alegria, afirmando que Jesus ressuscitou. De início, ele pensa que está diante de uma situação extraordinária, que poderia explicar o que aconteceu nos últimos dias. Mas, logo em seguida, ele pondera que sua vista ficou ofuscada porque tinha permanecido muito tempo na escuridão da prisão e a primeira luz do dia certamente devia ter produzido aquela cegueira momentânea. E, regozijando-se interiormente por constatar que tudo estava dentro dos padrões da normalidade com os quais estava familiarizado, sentiu pena da mulher que, na sua simplicidade, estava alegre por algo irreal, quase certamente fruto de sua imaginação, sugestionada pelos acontecimentos dos dias anteriores.

Todo o romance é um contínuo suceder-se de idas e vindas entre uma irresistível exigência de saber se Jesus é realmente o Filho de Deus e a confirmação de que tudo corre de acordo com as leis da natureza e segundo as regras do poder. A cada página, ele parece atraído a juntar-se àquelas pessoas que conviveram com Jesus e que são estranhamente fascinantes, mas acaba por prevalecer a distância, sugerida pela visão da realidade à qual está acostumado.

Barrabás entrevista Lázaro, que Jesus ressuscitara, mas não se persuade da divindade do Mestre. A exaltação da humildade e da misericórdia feita pelos cristãos provoca sentimentos de repulsa num homem como ele, admirador da força e da violência. As circunstâncias o levam a uma mina do império romano, onde deve trabalhar amarrado com uma corrente de ferro a um escravo que era discípulo de Jesus. Barrabás fica impressionado pela transformação que observa no rosto do companheiro de desventura quando reza ajoelhado; ele admira a força interior que vê emanar desse homem que parece falar com Deus. Era uma força que Barrabás desconhecia e queria para si. Risca o símbolo de Cristo no verso da placa de identificação dos escravos, como estava na placa do amigo, mas não consegue rezar e chega a considerar tudo uma ilusão, toma as distâncias também desse companheiro e, por fim, o denuncia. É levado a Roma e quando ouve dizer que os cristãos estão tocando fogo na cidade, fica entusiasmado. Quem sabe, eles deram o passo para rebelar-se à prepotência romana e usar a violência para defender-se. Agora, sim, tem algo em comum com essas pessoas e pode fazer parte desse grupo. Ele também, então, começa a atear fogo à cidade.

O romance termina com Barrabás na prisão, junto com os cristãos. Sofre a maior decepção quando descobre que os cristãos negam sua responsabilidade pelo incêndio. O entusiasmo dele devia-se a um equívoco. Eles o reconheceram; a maioria olhava para ele com certa hostilidade, porque o amado Mestre morrera em lugar dele. Ele fica afastado de todos, solitário. Estranhamente, histórias e temperamentos tão distintos continuam entrelaçando-se. Apesar de todas as diferenças, a Barrabás e aos cristãos é reservado um destino semelhante. Com efeito, no final, ele também é crucificado. A cena guarda uma impressionante proximidade e, ao mesmo tempo, a maior distância com o que acontecera com Jesus em Jerusalém: no alto da cruz, ao dar o último suspiro, Barrabás grita: “Nas tuas mãos entrego o meu espírito”, que são palavras quase idênticas às pronunciadas por Jesus. Mas o autor marca a diferença dizendo que Barrabás emitiu o seu grito “dirigindo-se às trevas” e não “ao Pai” como fizera Jesus . Na forma como Barrabás encerra sua aventura terrena, pode-se reconhecer uma alusão ao niilismo, que emerge como a última meta para a qual o homem moderno se encaminha.

Fontes:
PETRINI, João Carlos. Pessoa, Matrimônio, Família: entre Cultura Pós-moderna e Cristianismo. Disponível em http://www.hottopos.com/videtur25/petrini.htm

Pär Fabian Lagerkvist (23 Maio 1891 – 11 Julho 1974)



(Växjö Småland, 23 de Maio de 1891 — Estocolmo, 11 de Julho de 1974)

Escritor e poeta sueco nascido em Växjö Småland, laureado com o Prêmio Nobel da Literatura (1951) pelo vigor artístico e verdadeira independência de pensamento com a qual desenvolveu a sua poesia.

Filho de um mestre de estação, Anders Johan Lagerkvist e de sua esposa Johanna Blad, desde cedo inclinou-se pela literatura e, assim chegou a universidade. Depois de um ano na Universidade de Uppsala, foi para Paris (1913), onde viveu a influência do expressionismo, especialmente como pintor. Morou principalmente na França e Itália, e mesmo depois do seu retorno definitivo para a Suécia, freqüentemente viajou pelo Continente e pelo Mediterrâneo.

Na poesia suas primeiras publicações bem sucedidas foram Ansiedade (Ångest ,1916) e Canções do Coração (Hjärtats sånger ,1926). Seus primeiros sucessos em prosa foram volumes autobiográficos Gäst hos verkligheten (1925) e Det besegrade livet (1927). Como dramaturgo, foi extremamente versátil com peças como Um momento difícil (Den svåra stunden , 1918), Segredos do Céu (Himlens Hemlighet ,1919), Han som fick leva om sitt liv (1928).

Também com seu trabalho demonstrou forte oposição ao totalitarismo com publicações como Bödeln (1933), O homem sem alma (Mannen utan själ, 1936) e Seger mörker de i (1939). Outros três romances importantes de fundo religioso foram O Anão (Dvärgen , 1944), Barabbas (1950) e Sibyllan (1956), sendo Barabbas, a história de um crente sem fé, seu primeiro sucesso verdadeiramente internacional.

Morreu em Estocolmo. Suas últimas publicações em vida foram A Terra Santa (Det heliga landet , 1964) e Mariamne (1967).

Fontes:
– Tradução do sueco dos títulos de livros: José Feldman
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/NLPFLage.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A4r_Lagerkvist