quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Sinclair Pozza Casemiro (Peregrinação)

Expedição pelo Caminho de Peabiru
Peregrinação no Caminho de Peabiru

Vejo a pedra que rola
Querendo ganhar o mundo
Sendo que foi feita pra ficar.
Vejo o barro que se prende nas rodas de um móvel,
Nos pés calçados ou não do caminhante, traindo seu destino de ficar.
Não sei se sabem que estão buscando além do que podem
E do que lhes foi destinado.
Mas sei que a pedra acaba indo longe
Nas construções, nas estradas asfaltadas…
O barro se espalha e se vai…
Sou peregrina que anda
Nos quilômetros deste chão de tantas cores,
De tantas formas, cheiros e marcas,
E estou presa na sua extensão, passo a passo.
Mas, como as pedras e o barro,
Meus sonhos se vão
Construindo e edificando longe…
Se espalhando feito pó na imensidão do possível.
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TROVAS

Busca-se ainda o Caminho,
vive-se a doce ilusão
de um mundo feito carinho,
que ao fraco não negue o pão.

Pediram-me lá uma trova
Preciso, pois, de emoção,
Mas vive tão só e sem novas
Meu pobre e infeliz coração!
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Sinclair Pozza Casemiro


Possui graduação em Letras Anglo Portuguesa pela Universidade Estadual de Maringá [UEM] (1976), mestrado em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho [UNESP] (1995), doutorado em Letras, Área de Filologia e Lingüistica Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho [UNESP] (2001) e pós-doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo [USP].

Coordenadora de Pesquisa do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM – NECAPECAM, com sede em Campo Mourão, pesquisadora pelo CNPq da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão - FECILCAM

Foi diretora e vice-diretora da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, FECILCAM, Brasil.

É Professora da Comunidade dos Municípios de Campo Mourão, COMCAM

Prêmios e títulos

- 2004 Certificado, Secretaria de Estado da Ciência,Tecnologia e Ensino Superior do Paraná.
- 2003 Honra ao Mérito, FECILCAM.
- 2003 Certificado, FECILCAM - Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão.
- 2003 Certificado de Honra ao Mérito, Conselho Departamental da FECILCAM - Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão.
- 2003 Certificado, Coordenação do Curso de Letras, Universidade Paranaense - UNIPAR.
- 2003 Certificado, Universidade Estadual de Londrina. - UEL
- 2003 Palmas para Elas - Mulher Especial, Fundação Cultural de Campo Mourão.
- 2002 Menção Honrosa - Mulheres Destaque 2002, Secretaria Especial de Cultura do Município de Campo Mourão.
- 1998 Cidadã Benemérita de Campo Mourão, Prefeitura Municipal de Campo Mourão.
- 1994 Certificado, Departamento de Linguística da Faculdade de Ciências e Letras de Assis.
- 1994 Certificado, Auditório da FECILCAM e FUNDACAM.
- 1992 Certificado, Departamento de Letras do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
- 1991 Certificado, UNIFRAN.
- 1991 Certificado, Departamento de Letras da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava.

Entidades a que pertence

– Cadeira n.14 da Academia Mourãoense de Letras.

– Delegada municipal por Campo Mourão da União Brasileira dos Trovadores/PR

– Coordenadora de pesquisas do NECAPECAM - Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Caminho de Peabiru na região de Campo Mourão (COMCAM), sua equipe realiza um trabalho de resgate da história da trilha indígena conhecida pelo topônimo “Caminhos de Peabiru” . Trata-se de uma rede pré-colombiana de caminhos indígenas, cuja extensão, pelos estudos que se vêm realizando, é bastante polêmica. Para Rosana Bond, estudiosa do tema, ela pode chegar a mais de três mil quilômetros, ligando o Oceano Atlântico ao Pacífico (São Vicente ao Peru). Há historiadores que contestam essa hipótese e o NECAPECAM se debruça sobre as mais diferentes hipóteses para melhor conhecer a história dessa milenar rota. Algumas das conclusões a que chegaram os seus pesquisadores são as de que, baseando-se nas pesquisas arqueológicas de Igor Chmyz, da década de 1970, na região da COMCAM, onde se realizam as peregrinações, o Peabiru foi construído pelos Itararés (do grupo Macro-GÊ); e, baseando-se nos depoimentos de descendentes do povo guarani, suas trilhas foram utilizadas, entre outras formas, pela nação guarani em sua migração em busca da Terra Sem Mal.

Produção bibliográfica

Artigos publicados em periódicos

– Estudos sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM. Compêndio sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM, Campo Mourão, v. 2, p. 10-25, 2005.
– Estudos Literários de Campo Mourão. Compêndio da Academia Mouraoense de Letras, Campo Mourão, v. 1500, p. 147-160, 2004.
– A lingua portuguesa como disciplina. X CELLIP, Londrina, 2003.
– Linguagem-lingua-fala-discurso-letras. III SIC- Semana de Iniciação Científica, Campo Mourão, v. III, p. 109-118, 2002.

Livros publicados/organizados

– (Organizadora). 2º Compêndio da Academia Mourãoense de Letras Vida & Liberdade - O Caminho De Peabiru A Terra Sem Mal E Os Guaranis. 1. ed. Campo Mourão: UNESPAR/FECILCAM, 2006. v. 1. 172 p.

- Causos do Coração do Paraná – por entre as beiras do Ivaí e do Piquiri. Editora Sisgraf, 2005.

– Pequeno Vocabulário comentado de usos lingüísticos no Projeto Caminhos de Peabiru da COMCAM. 1ª. ed. Campo Mourão: UNESPAR/FECILCAM - Campo Mourão, 2005. v. 500. 30 p.

– (Organizadora). Compêndio do Simpósio Caminho de Peabiru. 1. ed. CAmpo Mourão: UNESPAR/FECILCAM, 2005. v. 500. 272 p.

– Pequeno Vocabulário comentado de usos lingüísticos no Projeto Caminho de Peabiru da COMCAM. 2ª. ed. Campo Mourão: UNESPAR/FECILCAM - Campo Mourão, 2005. v. 500. 45 p.

– (Organizadora) . Caminho de Peabiru projeto de resgate -Compêndio sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM Micro-Região 12 do Paraná.O Silêncio E As Vozes Sobre O Caminho De Peabiru Nos Discursos Da História Da Comcam- Micro Região 12. 1. ed. Campo Mourão: NECAPECAM, 2005. v. 1. 209 p.

– Enquanto conto, encanto o conto - lendas, contos e rumores de Campo Mourão. 1ª. ed. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2004. v. 5000. 100 p.

– (Organizadora). Compêndio da Academia Mourãoense de Letras. 1ª. ed. Campo Mourão: UNESPAR/FECILCAM, 2004. v. 1. 182 p.

– (Organizadora). IV Semana de Iniciação Científica. 1. ed. Campo Mourão: FECILCAM-Campo Mourão, 2003. v. 1. 540 p.

– Caminhos In versos. 3ª. ed. Curitiba: Francisco Pinheiro, 2002. v. 1000. 110 p.

– Um olhar sobre a língua...Portuguesa? A formação do Professor como desafio. 1ª. ed. Campo Mourão: Unespar, 2001. v. 800. 101 p.

– Novos Conteúdos Para O Curso De Letras Na Terminalidade De Formação Do Professor De Língua Materna.. 1. ed. Assis: UNESP, 2001. v. 1. 281 p.

– Amigos da Poesia. 1ª. ed. Campo Mourão: Kromoset, 2000. v. 600. 80 p.

– Caminhos In versos. 1ª. ed. Curitiba: Francisco Pinheiro, 1997. v. 1000. 110 p.

– Emprego Dos Verbos Ter E Haver. 1. ed. Assis: Universidade Estadual Paulista/Assis-SP, 1991. v. 1. 84 p.

– A Informática E A Estatística Na Língüística. 1. ed. Assis: Universidade Estadual Paulista"Julio De Mesquita Filho", 1991. v. 1. 34 p.

Diversos textos em jornais de notícias/revistas
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Mais informações sobre
Caminho de Peabiru pode ser obtido em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/11/o-caminho-de-peabiru.html
Terra sem Mal em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/04/lenda-indgena-em-busca-da-terra-sem-mal.html
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Fontes:
Currículo Lattes.
Dados adicionais e atualizados fornecidos pela Escritora.
SARTORI, Rubens Luiz. Compêndio da Academia Mourãense de Letras.2004.

O Caminho de Peabiru

A pintura representa Sumé (Pai Tumé ou
São Tomé) descerrando mata adentro o
Caminho de Peabiru.

São milenárias a Rota do Estanho (Ilhas Britânicas - Cassitérides, talvez as atuais Scilly - do primeiro milênio de nossa era; a Rota da Seda, que tornou esse produto conhecido pelos gregos no III século antes de Cristo, indo ao Pamir, até a Torre de Pedra, onde se realizavam os mercados fornecidos pelos negociantes chineses; a Rota do Lapis-Lazuli, do terceiro milênio; a Rota da Prata, pela qual os Tírios iam procurar na Espanha a prata e outros metais com os "navios de Tarsis", de que fala a Bíblia, e tantas outras.

As civilizações se fizeram pelas rotas. Por elas se aculturaram povos, se enriqueceram nações, se conquistaram mundos. Nem todas as rotas, porém, permanecem vivas. Algumas, sim, permanecem, pelo menos na memória de suas gentes. Outras, resgatadas, continuam guiando seus povos a caminho de novos sonhos, novas riquezas, adaptadas aos novos tempos.

O Caminho de Peabiru era uma “estrada” milenar, transcontinental que ligava o oceano Atlântico ao Pacífico, atravessando a América do Sul, unindo quatro países. No Brasil, passava por Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e depois seguia para Paraguai, Bolívia e Peru, cortando mata, rios, cataratas, pântanos e cordilheiras.

O caminho, no Brasil, começava em São Vicente ou Cananéia, no litoral paulista, cruzava o Estado do Paraná de Leste a Oeste, penetrava no chaco paraguaio, atravessava a Bolívia, ultrapassava a Cordilheira dos Andes e alcançava, finalmente, o sul do Peru e a costa do Pacífico. Este era o chamado tronco principal, mas havia vários ramais. Um deles cruzava o rio Paranapanema, na divisa entre São Paulo e Paraná, onde segundo a historiadora Rosana Bond, baixava o sul quase em linha reta, passando pelas atuais cidades paranaenses de Peabiru e Campo Mourão. Outro ramal dava no litoral de Santa Catarina e outro, ainda, provavelmente, no Rio Grande do Sul; ao todo tinha aproximadamente 3 mil km de extensão, possuía oito palmos de largura (cerca de 1,40 metros) e aproximadamente 0,40 centímetros de profundidade. Para evitar o efeito erosivo da chuva, a trilha era forrada com vários tipos de grama, que também impediam que a via fosse tomada por ervas daninhas. O professor Moysés Bertoni, pesquisador da cultura dos índios guaranis, afirma que a grama foi plantada apenas em alguns trechos, mas as sementes que grudavam nos pés e nas pernas dos viajantes acabaram estendendo o revestimento aos demais trechos.

Segundo o professor Moysés Bertoni, o Peabiru é algo fantástico por seu tamanho, sua função e suas características, diz; ainda que até hoje a civilização moderna não conseguiu construir nenhuma rodovia ou ferrovia ligando os dois oceanos de ponta a ponta.

A verdadeira história do Peabiru, segundo estudiosos ainda é um mistério, uma das teorias mais aceitas é que o caminho é a menor e melhor rota entre os oceanos Atlântico e Pacífico, tendo um importante papel no intercâmbio cultural e na troca de produtos entres as nações indígenas. Dizem ainda que foi aberto pelos guaranis em busca constante de uma mitológica "Terra sem Mal", aconselhados pelos seus deuses - base da religião guarani. Esse território mágico seria a morada dos ancestrais, descrito como o lugar onde as roças cresciam sem serem plantadas e onde a morte era desconhecida. Segundo o professor Samuel Guimarães da Costa, o Paraná seria esse "Nirvana" indígena e o Peabiru uma espécie de caminho santo que percorria o paraíso perdido, (para os índios, o Paraná se chamava Guairá, que em tupi-guarani quer dizer "terra da eterna juventude)”.

Existem mais duas hipóteses para a criação do Peabiru: a de São Tomé e/ou Pay Sumé, apóstolo de Cristo, e a da civilização Inca.

Uma das mais importantes heranças indígenas encontradas pelos colonizadores ao chegar ao Brasil foi, sem dúvida, o Peabirú, uma estrada de mais de 2.500 quilômetros - e com inúmeras rotas secundárias - que ligava o alto dos Andes até o litoral sul brasileiro.

O Peabirú era uma valeta de 1,40 metro de largura e 40 centímetros de profundidade, forrado por uma gramínea que impedia erosões. Os primeiros relatos sobre o caminho datam de 1516 e são envoltos em mistérios e lendas.

Entre eles, a de que o Peabirú fazia parte da Estrada do Sol, construída durante o Império Inca. O seu formato mais largo em relação às outras trilhas existentes em território brasileiro na época reforça a tese dos defensores dessa teoria.

Já os jesuítas acreditavam que ele havia sido construído por São Tomé. Especulações à parte, o fato é que o caminho, ladeado por muitas aldeias de índios guaranis, foi amplamente usado por diversos conquistadores, em diferentes períodos da colonização.

O trecho inicial do Peabirú, chamado de trilha dos tupiniquins, era o único meio conhecido na época de cruzar a Serra do Mar. Passou a ser muito utilizado também pelos jesuítas, principalmente por José de Anchieta, quando estes colocaram em prática o trabalho de catequização dos índios. Por isso, a trilha foi rebatizada como "Caminho do Padre José".

Importância Histórica

Segundo a escritora Rosana Bond, autora do livro “O Caminho de Peabiru” o caminho possui grande importância histórica, pois entre outras coisas serviu para as andanças e até grandes migrações de povos indígenas e, mais tarde, para a descoberta de riquezas, criação de missões religiosas, comércio, fundação de povoados e cidades.

Segundo as crônicas coloniais, os relatos do Padre Montoya e os historiadores Sérgio Buarque de Hollanda, Jaime Cortesão e Eduardo Bueno, o Peabiru é o principal caminho para a penetração da região sul do Brasil e do Paraguai.

Pelo Peabiru transitaram além dos indígenas, São Tomé e/ou Pay Sumé, Incas, ou seja, os possíveis criadores da trilha, também outros desbravadores ainda que considerado somente o período pós-Cabralino: soldados sacerdotes, aventureiros, os artifícies de nossa América, pessoas que construíram a história da região sul do Brasil.

Aleixo Garcia um português que utilizou o Peabiru, foi o primeiro europeu a fazer contato com os Incas, e a penetrar o interior do Brasil e do Paraguai em busca de um acesso às riquezas desse povo, no ano de 1524, a partir do litoral de Santa Catarina e, rumando para oeste, seguindo o caminho traçado pelos índios, chegou à região de Assunção, no Paraguai. Depois de diversas peripécias e confrontos com inúmeras tribos uma pequena parte de sua expedição retornou com peças de ouro e prata tomadas dos Incas.

Segundo o historiador Eduardo Bueno, depois da jornada de Aleixo Garcia, o Peabiru se tornou um caminho bastante conhecido e muito percorrido. Por ele seguiria, em 1531, a malfadada expedição de Pero Lobo, um dos capitães de Martim Afonso de Sousa.

Também pelo Peabiru passaram Alvar Nuñes Cabeza de Vaca em 1541 e Ulrich Schmidel em 1553, jesuítas como Pedro Lozano e Ruiz de Montoya também o percorreram em suas missões de catequese aos guaranis. Um século mais tarde, seria também pela via do Peabiru que Raposo Tavares e outros bandeirantes paulistas seguiriam para realizar seus devastadores ataques às missões do Guairá, no atual estado do Paraná.

Segundo Jaime Cortesão, foi pelo Peabiru que a civilização européia adentrou a oeste e subiu aos Andes. E para expressar a velocidade da penetração, basta assinalar que o gado, introduzido em 1502 em Cananéia, aparecia já em 1513 na Corte Incaica. Esta rapidez na disseminação de um elemento cultural prova quanto eram rápidas e ativas as comunicações através do continente.

Ainda no século XVI, o Peabiru foi o caminho usado para a fundação de Assunção, no Paraguai, para a criação de três ou quatro cidades espanholas no atual Estado do Paraná, para a implantação de 15 reduções jesuítas e até para a descoberta da maior mina de prata do mundo em Potosi, Bolívia.

Cortesão relata que, se julgamos tal caminho merecedor de tantas referências, é porque não somente foi o mais importante da face atlântica da América Latina, mas também o maior varadouro cultural e civilizador .

Depois de 1630, quando os bandeirantes entraram no Paraná e destruíram as cidades espanholas e as missões dos jesuítas, o Peabiru foi praticamente abandonado. O caminho ainda conseguiu retomar vida no século XIX, quando serviu, mais uma vez, para entrada de uma nova leva de homens brancos, os colonizadores pioneiros do interior do Paraná.

É notória a importância que o Caminho de Peabiru possui seja pelo traçado que cortava o continente, seja pelas personagens que por ele transitavam, pois é através dele que a verdadeira história e cultura de nossos antepassados são transmitidas nos dias de hoje, apesar da colonização européia que, utilizando do Peabiru adentrou na nossa região a fim de explorar o povo e a grandiosa riqueza natural aqui encontrada. O Peabiru é um caminho de importância inquestionável e deve ser resgatado para que as raízes do nosso povo sejam mantidas vivas entre o maior número de cidadãos e não apenas na memória de poucos estudiosos.

Fontes:
http://www.caminhodepeabiru.com.br/
http://zuboski.blogspot.com/

Paulo Vieira Pinheiro (Devaneios Poéticos)




No futuro bem próximo me vejo leve,
assim como quem passou,
assim como quem se foi.
Livre de laços.
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Tanto tempo que nem sei

Parei pela dor.
Constato que poderia, sim, mas não deu.
Juntando tudo que lembro fui, mas não fiz.
Voltando tudo sei que poderia ter sido mais, mas não fui.
Nesse rascunho escrevo o que quero
e em pouca vez isto fiz.
Um sucesso é tudo.
Que horas são?
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Momentos de insensatez

Bom dia minha querida!
Como você dormiu? bem?
O dia se faz largo.
O sol se enfeitou e todos os pássaros que cantam cantam para você.
Antes que o café esfrie venha ver uma coisa.
Sim... deixa pra depois.
Dormes como um bichinho.
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Veneta

Quando te comecei pensava no que darias.
Não sabia ao certo qual rumo tomarias.
Rubra tinta multicores sentidos desfia e
assim sendo das veias minhas tinto destino és.

Do novelo arranco um fio que cria
Aponto ao longo do vão contido da página
Digo a que vim e a que viria
Se não me barro a passagem de meu dia

Pensei em cantar uns versos antigos
Daqueles que a memória se esforça em vão
Dizer alegres cantares que contam
Histórias e glórias da alma em canção
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Xadrez

Minha alegria não se dá por solucionar problemas.
Hoje estou de malas prontas.
Vou para o paraíso dos sonhos.
Dentro em breve estarei encontrando o ar que quero.
Daqui há pouquinho pisarei miudinho em alvas sombras.
Reverei minhas matas e sentirei o seu cheiro.
Odor tão intenso que me vem à boca.
Um amor que na serra me espera abraçarei.
Contaremos inúmeras estrelas, sem medos.
Curiangos valentes se lançarão em vôos abruptos.
Cintilantes estrelas por testemunhas.
Para quê mais?
Os nossos exageros que brotaram e o peso do sei não nos abateu.
O som do coração, em êxtase sóbrio, nos convida a aquietar.
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Universo das Palavras
Exercício 21042008-1.

Para ir aprendi a falar,
para ficar aprendi a escrever.
Bem idas e benvindas, estadas imperfeitas.

Degraus de palavras ascendem em mim.

O primeiro me diz quem sou.
O segundo me diz onde estou.
O terceiro me diz com quem,
certamente com alguém ou ninguém.

Outros, porem, há.
Aquele de raro barro.
Uns de pedra firme.
Aqueloutro etéreo tropeço.

Em pouca página,
muitas palavras.
Uma poesia que corrói,
uma construção de idéias.

Construir degraus,
por mais caros que sejam,
encerra penares benfazejos.
Traços de alegrias que chegam.

Fazer em um segundo
um pensar tão fecundo...
momento que não voltará...
instante único em vida tanta.

Um brusco mudar.
O intenso me ensinou a calar e
calando tive tempo de aprender.
Sofro essa sede tanta.
Minha boca seca seca imagens tantas.
Calar se tornou o normal.
Escrever se tornou letal.
Sentenças de vida e de morte em grupos de letras
fazem de mim o deus que sou.
Tontas vidas, vidas... vidas?
Embrulho de gentes.
Rejeitos nascentes.
Fluxos escorrem nos meio-fios de aço.
A chuva corre e o lixo escorre...
Todos os meus sentidos fendidos, torcidos, meio vivos, meio mortos.
Onde estou agora? Onde estarei nessa hora?
De certo não nasci para só vir ver, tenho ânsia de ser.
Preso neste mundo de quatro paredes, com céus sem sóis,
aspiro mais escrever do que ser lido.
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Esperanças
Exercício 21042008-3

Há braços
Há maços
Há traços
De amor
De mora
De hora
Corola de honor.

Que trazes
Mais ases
Mais ares
De cor
De fora
Agora
Seja o que for
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Cintilar
Estudo 080608-1

Noite sem lua clara de estrelas
Faz viajar em mil pensamentos.
Calo agora a te contemplar
Esperança de alma noturna

A beleza certa e tamanha
Cresce a cada vislumbre ao céu
Sou eu quem a admiro silente
Ou ela quem se expõe a meu olhar

Cintilam olhos feito estrelas
As olho com elas a me fitar
Visões de um espaço imenso

Contido num instante tão breve
Que encanta em nosso descobrir
Nos procuramos e nos achamos
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Fonte:
O Autor
Imagem obtida na internet.

Erros Mais Comuns da Lingua Portuguesa (Parte V)



81 – A tese “onde”… Onde só pode ser usado para lugar: A casa onde ele mora. / Veja o jardim onde as crianças brincam. Nos demais casos, use em que: A tese em que ele defende essa idéia. / O livro em que… / A faixa em que ele canta… / Na entrevista em que…

82 – Já “foi comunicado” da decisão. Uma decisão é comunicada, mas ninguém “é comunicado” de alguma coisa. Assim: Já foi informado (cientificado, avisado) da decisão. Outra forma errada: A diretoria “comunicou” os empregados da decisão. Opções corretas: A diretoria comunicou a decisão aos empregados. / A decisão foi comunicada aos empregados.

83 – Venha “por” a roupa. Pôr, verbo, tem acento diferencial: Venha pôr a roupa. O mesmo ocorre com pôde (passado): Não pôde vir. Veja outros: fôrma, pêlo e pêlos (cabelo, cabelos), pára (verbo parar), péla (bola ou verbo pelar), pélo (verbo pelar), pólo e pólos. Perderam o sinal, no entanto: Ele, toda, ovo, selo, almoço, etc.

84 – “Inflingiu” o regulamento. Infringir é que significa transgredir: Infringiu o regulamento. Infligir (e não “inflingir”) significa impor: Infligiu séria punição ao réu.

85 – A modelo “pousou” o dia todo. Modelo posa (de pose). Quem pousa é ave, avião, viajante, etc. Não confunda também iminente (prestes a acontecer) com eminente (ilustre). Nem tráfico (contrabando) com tráfego (trânsito).

86 – Espero que “viagem” hoje. Viagem, com g, é o substantivo: Minha viagem. A forma verbal é viajem (de viajar): Espero que viajem hoje. Evite também “comprimentar” alguém: de cumprimento (saudação), só pode resultar cumprimentar. Comprimento é extensão. Igualmente: Comprido (extenso) e cumprido (concretizado).

87 – O pai “sequer” foi avisado. Sequer deve ser usado com negativa: O pai nem sequer foi avisado. / Não disse sequer o que pretendia. / Partiu sem sequer nos avisar.

88 – Comprou uma TV “a cores”. Veja o correto: Comprou uma TV em cores (não se diz TV “a” preto e branco). Da mesma forma: Transmissão em cores, desenho em cores.

89 – “Causou-me” estranheza as palavras. Use o certo: Causaram-me estranheza as palavras. Cuidado, pois é comum o erro de concordância quando o verbo está antes do sujeito. Veja outro exemplo: Foram iniciadas esta noite as obras (e não “foi iniciado” esta noite as obras).

90 – A realidade das pessoas “podem” mudar. Cuidado: palavra próxima ao verbo não deve influir na concordância. Por isso : A realidade das pessoas pode mudar. / A troca de agressões entre os funcionários foi punida (e não “foram punidas”).

91 – O fato passou “desapercebido”. Na verdade, o fato passou despercebido, não foi notado. Desapercebido significa desprevenido.

92 – “Haja visto” seu empenho… A expressão é haja vista e não varia: Haja vista seu empenho. / Haja vista seus esforços. / Haja vista suas críticas.

93 – A moça “que ele gosta”. Como se gosta de, o certo é: A moça de que ele gosta. Igualmente: O dinheiro de que dispõe, o filme a que assistiu (e não que assistiu), a prova de que participou, o amigo a que se referiu, etc.

94 – É hora “dele” chegar. Não se deve fazer a contração da preposição com artigo ou pronome, nos casos seguidos de infinitivo: É hora de ele chegar. / Apesar de o amigo tê-lo convidado… / Depois de esses fatos terem ocorrido…

95 – Vou “consigo”. Consigo só tem valor reflexivo (pensou consigo mesmo) e não pode substituir com você, com o senhor. Portanto: Vou com você, vou com o senhor. Igualmente: Isto é para o senhor (e não “para si”).

96 – Já “é” 8 horas. Horas e as demais palavras que definem tempo variam: Já são 8 horas. / Já é (e não “são”) 1 hora, já é meio-dia, já é meia-noite.

97 – A festa começa às 8 “hrs.”. As abreviaturas do sistema métrico decimal não têm plural nem ponto. Assim: 8 h, 2 km (e não “kms.”), 5 m, 10 kg.

98 – “Dado” os índices das pesquisas… A concordância é normal: Dados os índices das pesquisas… / Dado o resultado… / Dadas as suas idéias…

99 – Ficou “sobre” a mira do assaltante. Sob é que significa debaixo de: Ficou sob a mira do assaltante. / Escondeu-se sob a cama. Sobre equivale a em cima de ou a respeito de: Estava sobre o telhado. / Falou sobre a inflação. E lembre-se: O animal ou o piano têm cauda e o doce, calda. Da mesma forma, alguém traz alguma coisa e alguém vai para trás.

100 – “Ao meu ver”. Não existe artigo nessas expressões: A meu ver, a seu ver, a nosso ver.

Fonte:
http://www.culturatura.com.br/

Seminário Cultura e Educação, em Piracicaba



Fonte:
Branca Tirollo, presidente da ALB/Piracicaba.

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte VI



SEGUNDA PARTE

ESTUDO DAS LENDAS

CAPÍTULO I

FAUSTO ou o homem que vende sua alma aos poderes do mal

Esse personagem imortal de Goethe — às vezes de Marlowe — soube, depois de velho, reconquistar a juventude, acumular bens, governar seu espírito com uma compreensão, quase divina.

O homem contrai desta forma uma aliança sobrenatural a fim de se alçar a um nível superior e, abandonando seu arcabouço original, projeta-se num outro ente espiritual.

Este conhecimento é tributário da dualidade da alma humana; e Mefistófeles endossa nossa dívida e nossos defeitos. Satanás se incumbe de nossos crimes e de nossas baixezas; é a válvula que permite ao homem, se libertar. Mas, depois de haver vendido seu bem mais precioso, o homem tenta zombar do Espírito do mal e almeja finalmente o espírito supremo da Bondade.

1. — A presença do diabo

Desde a criação do Mundo o diabo tenta nos corromper; ele é a origem da maldição celeste; evoca o assassínio de Abel, provoca o dilúvio e a destruição de Sodoma. Se quer tentar Jesus incita tempestades e violenta as virgens.

As concepções demonológicas encontram-se entre os povos mais diversos: árabes, babilônios, assírios, bem como no pensamento hebraico, na religião persa, na doutrina cristã, na filosofia grega. Tiveram lugar dominante na vida e nos escritos.

Mas o cristianismo, com o fito de despertar a atenção do público cansado de dissertações filosóficas de mistérios, criou o personagem literário do diabo. Não é mais uma divindade inatingível mas apenas um ser ridicularizado, válvula indispensável para o rigor do catolicismo e da justiça divina. É assim que aparece em Le jeu des Vierges sages et des Vierges folles (O jogo das virgens ajuizadas e das virgens loucas) em La premiere joie de Marie (A primeira alegria de Maria) etc. Cohen busca esse rasto maravilhoso no seu Théâtre français au Moyen Age (O teatro francês na Idade Média).

2. — As duas formas de lenda

Fausto reflete a geração em que evolui; a conclusão difere conforme o gosto do autor ou o interesse da religião. Esse homem que vendeu sua alma morre amaldiçoado, abandonado pelo céu: é o drama de Marlowe e dos protestantes. Em compensação, esse homem orgulhoso que se perverteu para satisfazer sua curiosidade natural e que logo em seguida se revoltou contra Satanás receberá o perdão. Surge então o drama cristão de Goethe.

3. — Origem da lenda

A primeira forma da lenda parece ser oriunda da Ásia, com La légende de Théophile (A lenda de Teófilo), de que Eutiquiano, sacristão da igreja de Adana, teria sido testemunha ocular.

Teófilo, vidama — administrador — muito estimado, é injustamente destituído de seu cargo. A fim de reencontrar seu posto, pediu auxílio a um mágico. Satanás concluiu o pacto. Apesar do êxito, Teófilo, arrependido, reza durante quarenta dias e quarenta noites implorando à Virgem Maria a restituição do ato satânico. Teófilo confessa publicamente o seu ato e morre. Essa lenda foi muito apreciada na Idade Média: Saint-Bernard, Voragine, Rutebeuf utilizaram-na. No tímpano do portal norte da Igreja de Notre-Dame de Paris acha-se representado esse milagre; na mesma ocasião, Viollet-le-Duc põe em cena o artista Biscornet assinando um pacto com o demônio a fim de completar sua obra (Serralheria das portas de Notre-Dame de Paris).

4. — Outras formas da lenda

Em 1220, Cesário d’Heisterbach escreveu Histoire de Militarius (História de Militarius) que, depois de uma vida de deboche, vende-se ao diabo e, finalmente, obtém o perdão da Virgem. Com a Légende du chevalier qui donna sa femme au diable (Lenda do cavaleiro que deu a mulher ao diabo) de origem picarda (século XIV), a virgem, tomando o lugar da mulher caluniada, põe em fuga Satanás.

Mais próximo de La légende de Théophile está o texto brabantês La légende du chevalier voué au démon et sauvé par sainte Gertrude (1612) (Lenda do cavaleiro ao demônio e salvo por Santa Gertrude) (G. de Rébreviett) e La farse de Munyer (A farsa de Munyer).

Dessa forma, nessa espécie de imaginaria popular — assaz rica em textos semelhantes — a Virgem intercede em favor de homens orgulhosos, perdulários e jogadores.

5. — A lenda de Cipriano

Santa Justina, virgem de Antioquia, é atormentada por Cipriano que se dá à magia; mas Cipriano constata que “o crucificado é maior do que todos os diabos” converte-se e torna-se bispo. Voragine acentua dessa forma o poder esotérico do sinal da cruz. Calderón recolhe a lenda para seu Magicien predigieux (1637) (O mágico prodigioso). O pacto foi também suprimido em São Cristóvão ou Santa Teodora.

Em Saint Basile, évêque (São Basilio, bispo), Voragine confunde o amor com o desejo de se elevar; Urádio, um jovem escravo, que se vende ao demônio para poder esposar a filha do seu patrão, São Basilio conseguirá recuperar a célula demoníaca. Achille Jubinal, depois de Jehan de Saint-Quentin, narra em seus Contes, dits et fabliaux, várias lendas semelhantes (Le dit du chevalier et de l’escuier - Os ditos do cavaleiro e do escudeiro), Le dit du pauvre chevalier (O dito do pobre cavaleiro), Le dit des II chevaliers (O dito dos II cavaleiros). Mira de Amescua: L’esclave du démon (Escravo do demônio) associa D. Juan e Fausto. O eremita D. Gil sucumbe à tentação; dá sua alma a Satanás para poder abraçar uma freira que não passa de um esqueleto. O pavor restitui seu pensamento a Deus e São Miguel triunfará sobre Satanás.

Moreto: Tomber pour se relever (Cair para se reerguer), Calderón: Joseph des Femmes (José das Mulheres), Molina: Le damné pour manque de confiance (O maldito por falta de confiança), pensam ainda na doutrina luterana. Thomas Mann, no Doutor Fausto narra vários contos semelhantes (capítulo XIII).

6. — O ensinamento da lenda

Assim sendo, para atingir um fim ardentemente desejado um infeliz vende sua alma ao diabo, seja por intermédio de um judeu, seja por evocação direta graças a fórmulas mágicas. O pacto é escrito com sangue, marca indelével que o torna indissolúvel por um período de sete anos. A vítima arrependida é arrancada a Satanás por meio de uma intervenção celeste. Esta luta é de quarenta dias — prazo da redenção. Substitui-se a Virgem pela santa da região para que a autenticidade seja incontestável. Teófilo busca a dignidade e as honrarias; os cavaleiros se ocupam de riquezas; Urádio pensa no amor; e Fausto, na juventude e no gênio.

A Igreja reformada serve-se da lenda de Fausto para combater o ensinamento do catolicismo.

O inferno triunfa nas literaturas alemã, inglesa, escandinava e holandesa.

7. — O pacto satânico e a crendice popular

Fortemente instrumentada, a crença popular é de que toda inteligência superior é alimentada por um trato desonesto. Procura-se solapar o poder da Igreja católica. O poder temporal do Papa Silvestre II é oriundo da colaboração do diabo que fez com que um pastor de Auvergne fosse elevado às mais altas dignidades: é o “homem dos três R” por ter assumido postos em Reims, Ravenne e Roma. Abelardo, precursor do racionalismo moderno, tem a exigência de Fausto; esse herói da crítica e da independência é derrotado por São Bernardo, conservador da ordem. Apolônio de Tiano, Sião, o Mágico e os papas desde João XIII até Paulo II período ativo da Reforma — são assim caluniados por espíritos invejosos do seu poder. Alfred Neumann, ao escrever O diabo, sob o nome de Necker, servidor de Luís XI, mostra claramente a opinião do povo que pretende ver no êxito de um homem surpreendente um poder oculto.

8. — O personagem histórico

Fausto, nascido nos últimos anos do século XV, talvez em Kundling, perto de Bretten, teria morrido em 1543 ou, conforme o médico Bégardi, em 1539. E. Faligan na sua Histoire de la légende de Faust (História da lenda de Fausto) cita escritos históricos que provam a sua existência; Fausto, em 1507, era professor, em 1509, bacharel em teologia e recebido na Faculdade de Heidelberg. Esse indivíduo preguiçoso, ladrão e dado à embriaguez, discípulo de Lutero, tem uma vida movimentada. Toma como cunhado o próprio Diabo e chama o seu cão de Prestigiar. Prematuramente envelhecido pelos excessos, sua morte impressiona a imaginação popular. Sua vida estranha e sua morte cruel — talvez crapulosa — deram origem a uma lenda.

9. — Nascimento da lenda

Em 4 de setembro de 1587, Johan Spies publica em Francforte L’histoire du docteur Faust (História do doutor Fausto) (autor anônimo). Depois da evolução psicológica dessa alma transviada, as suas aventuras extraordinárias são relegadas, desordenadamente, para o fim do livro.

A edição de Widmann em 1599, acentua o caráter teológico: é a contribuição protestante. L’histoire de Wagner (A história de Wagner) é a repetição da de Fausto. Fredericus Scotus Tolet publica em 1593 uma vida de Fausto na qual ele viaja como sendo Cristóvão Colombo. Marlowe escreve uma farsa trágica, violenta e sem igual, a Tragique histoire du docteur Faust (A trágica história do doutor Fausto) (Londres, 1604). É uma obra profundamente humana na qual o autor conclui que o inferno está em nós mesmos. Com o teatro de fantoches — os “puppenspiele” — Fausto perde seu conteúdo ideológico para tornar-se o impostor; o elemento trágico passa a residir apenas no destino do herói, ficando a parte cômica com Hanswurst ou Kasperle, Polichinelo alemão.

Essas numerosas representações inspiram Dreher e Schütz e depois, Geisselbrecht.

10. — O drama de Goethe

Em 1773 Goethe inspira-se no teatro de fantoches. Devolve a essa lenda protestante sua nobreza primitiva: Fausto tornar-se-á um Abelardo alemão. Símbolo da vida humana, esse drama é o do saber, o da paixão. Mas Fausto aspira a uma verdade superior: será salvo apesar de seus erros. Mefistófeles é a antítese das boas qualidades do sábio. Esse desdobramento de personalidade é mais notável em L’étrange cas du docteur Jeckyll (O estranho caso do doutor Jeckyll) com Stevenson que identificou o vício e a virtude. Essa cumplicidade demoníaca reteve a atenção de Goethe, e o mal — força consciente — seria o reativo do bem. Satanás torna-se então o servidor de Deus. “O diabo é um companheiro que, provocando o homem, fá-lo também agir.” Aliás, o prólogo de Fausto assemelha-se à conversação entre Deus e Satanás (Job, I, 6; II, 3) que é encontrada no ensaio de Abraão (Job, 17, 1812).

Não será esse o licor da imortalidade que foi apresentado pelo médico dos Deuses ao Vichnu por ocasião de um dos seus avatares?

Além do valor esotérico desse drama, eis que aparece a heroína Margarida, uma das mais belas almas humanas. Mas nessa luta de amor pueril, sem escrúpulos e sem remorsos, a lei da fatalidade esmaga a inocência. Se Fausto não houvesse soçobrado na desvairada noite de Walpurgis, teria representado o amor imortal.

Goethe, entre setenta e seis e oitenta e dois anos escreveu o segundo Fausto, soma de saber e conhecimento. Nesse poema metafísico, de simbolismo muitas vezes obscuro, Fausto — a ciência — casa-se com Helena, mulher perfeita, de beleza antiga e plástica, símbolo da iniciação. Euforion é a alma no último grau da encarnação, libertada de suas correntes materiais.

Dois grandes filmes foram inspirados nesses temas equivalentes, um de Marcel Carné, Les visiteurs du soir (Os visitantes da noite) e o outro de René Clair, La Beauté du diable (A beleza do diabo).

11. Sucessão literária

Fausto enamorado, faz lembrar D. Juan, e Grabbe desenvolve essa comparação analisada por Micheline Sauvage: Le cas de Don Juan (O caso de D. Juan) (Le Seuil, 1953). Mas Fausto, romântico. como Chamisso e Lenau, suicida-se. Intelectual puro para Lessing, é um orgulhoso revoltado para Lenz, Muller, Klinger. O Fausto de Heine desapareceu; sua ação é muito confusa conforme Soden, Klingemann e Stolte.

Herói de todas as dúvidas e de todos os conflitos humanos, o Fausto de Turguenief é alvo do amor culpável. Mac Orlan o faz viver entre rufiões e raparigas e uma prostituta endossa essa terrível dívida (Margarida da noite). Em compensação, Mon Faust (Meu Fausto) de Paul Valéry, é uma criatura que esgotou tudo o que a vida pode dar. Mefistófeles é desviado pelas transformações do mundo moderno. Essa fresca sensualidade aparece na comédia satírica, Lust; depois de La demoiselle de Cristal (A jovem de Cristal), vem Le Solitaire (O solitário) que é o drama da negação de nossa civilização; sonho intelectual de M. Teste ou de Leonardo da Vinci, cada homem integrou-se de uma parcela diabólica. As duas peças estão inacabadas; se Lust deixa supor o triunfo do amor, observamos o pensamento trágico já assinalado por Rhumbs (Rumbas), Variétés (Variedades), Analectas (Analetos).

Thomas Mann escreveu a tragédia de um músico obcecado: O doutor Fausto. Livro de uma extraordinária densidade e anotações perturbadoras, o Diabo aparece durante a Idade Média. Lembramo-nos de Paganini cuja virtude era classificada entre a dos personagens diabólicos e que não pode ser enterrado religiosamente (as tribulações de seu cadáver duraram cinquenta e sete anos). Ferchault observa, porém, os músicos inspirados por esse tema. São eles, Schumann, Berlioz, Gounod, Liszt, Wagner e outros. Stravinsky orquestrou L’histoire du soldat (A história do soldado) de Ramuz — na qual um desertor vende a sua alma — num verdadeiro milagre de realização instrumental sonora. Bellaigue se filia aos pintores: Étude artistique et littéraire sur Faust (1883) (Estudo artístico e literário sobre Fausto). Depois de Ary Scheffer haver pintado Margaridas, as melodias de Berlioz transpareceram em Delacroix.

Não poderíamos deixar passar em silêncio La merveilleuse histoire de Pierre Schlemihl (A maravilhosa história de Pierre Schlemihl) na qual Chamisso aponta um pacto particular; um homem vende a sua sombra pela bolsa de Fortunato. A tentação é feita em dois estágios; o diabo, humilde como nos tempos medievais, compra apenas a sombra na esperança de recuperar a alma quando a desgraça se consumar. As sombras aparecem também na obra de Mac Orlan (Père Barbançon) na qual a sombra de Encolpe instiga uma luta sorrateira; se bem que o pacto não apareça, a atmosfera diabólica é a mesma.

12. — Conclusão

Esta lenda de origem satânica nasceu com L’histoire de Théophile. Pelo poder da prece, o homem foge ao jugo do mal. O protestantismo consagra o triunfo do inferno. Fausto denuncia uma crise literária e moral, é um universo resumido. O drama de Fausto continua a ser, assim, o drama humano por excelência.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Trova LXVIII (Nei Garcez - Curitiba/PR)


Trova obteve Menção Especial no Âmbito Estadual (Paraná) nos XIV Jogos Florais de Curitiba - tema: Vassoura
Fotomontagem da trova sobre imagem de http://parafernaias.blogspot.com

O Mundo Curioso da Literatura



Alcides Maya (1878-1944) foi o primeiro gaúcho a ingressar na Academia Brasileira de Letras, em 1914.

Em 1963, com quarenta anos, Celso Luft casou-se com Lya Fett, com vinte e um anos, e que viria a tornar-se a escritora Lya Luft. Eles se conheceram durante uma prova de vestibular e, posteriormente, ela foi sua aluna. Celso, então conhecido como Irmão Arnulfo, abandonou a batina para casar. Eles tiveram três filhos: Suzana (1965), André (1966) e Eduardo (1969). Celso faleceu em 1995.

O escritor porto-alegrense Flávio Moreira da Costa (1942-) foi um dos escritores brasileiros mais premiados na década de 90. Ele foi também indicado pela Unesco para viver como escritor-residente no CAMAC, comunidade artística internacional em Marnay-sur-Seine, a 110km de Paris, onde escreveu o romance O país dos ponteiros desencontrados, lançado pela Editora Agir em novembro de 2004.

A gaúcha Luciana de Abreu (1847-1880) foi a primeira mulher, no Brasil, a ser aceita em uma sociedade literária (o Partenon literário, criado em 1868).

O fato de não ter ocupado uma vaga na Academia Brasileira de Letras só fez o poeta Mário Quintana ( 1906-1994) aguçar seu conhecido humor e sarcasmo. Perdida a terceira indicação para aquele sodalício, compôs o conhecido “Poeminha do Contra”, onde mostra que acreditava que enquanto os imortais da Academia serão esquecidos, seus versos são simplesmente livres...
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

Em 17 de fevereiro de 1927, o combativo e popular jornalista e escritor Crispim Mira foi assassinado na redação do jornal que trabalhava, em Florianópolis. Ele não tolerava os abusos do poder público e fazia questão de denunciar em seus jornais as irregularidades vigentes. Pouco antes de morrer escreveu artigos em que questionava, por exemplo, a lentidão com que a Comissão de Melhoramentos dos Portos, vinculada ao Ministério da Viação, tratava do aumento do calado do porto de Florianópolis – que, por ser limitado, obrigava as embarcações a atracarem na ilha de Ratones, na Baía Norte. Quem atirou em Crispim Mira foi Aécio Lopes, 26 anos, filho de Tito Lopes - diretor da Companhia de Melhoramentos dos Portos da Capital e duramente criticado nos editorias de Folha Nova, onde Mira trabalhava. Aécio e seus comparsas foram absolvidos, no entanto. (O poder $empre falou muito alto).

A catarinense Edla Van Steen (1936-) é uma das únicas autoras do sul do país a ter 4 livros publicados (e muito elogiados) nos Estados Unidos. São eles: A bag of stories, 1991 (EUA) Scent of love, 1991 (EUA) Village of the ghost bells, 1991 (EUA) Early mourning, 1991 (EUA).

Em 1885, o catarinense Luiz Defino (1834 - 1910), em concurso nacional da revista A Semana, foi eleito o maior poeta do Brasil.

Harry Laus (1922-1992) publicou seu primeiro livro depois dos 50 anos de idade, após aposentar-se na carreira militar. O escritor e crítico de arte catarinense é hoje mais conhecido na França que no Brasil.

Guido Wilmar Sassi (1922-2003) não terminou o curso ginasial, mas aos doze anos de idade, já costumava ler tudo quanto lhe caía à mãos, inclusive Cervantes no original espanhol, histórias de fadas e ficção científica (Júlio Verne), romances policiais (Edgar Wallace e Conan Doyle), os contos de Hoffmann, Machado de Assis e Monteiro Lobato, peças de teatro e dicionários. (algo raro para um menino de hoje de 12 - ou até bem mais - anos de idade).

Dalton Trevisan, além de não dar entrevistas e não aceitar ser fotografado (a menos que seja por um descuido, como nesta foto), não recebe visitas nem aceita nenhuma espécie de fama. Já recebeu o apelido de "Vampiro de Curitiba", por viver enclausurado em casa.

O escritor paranaense José Colombo de Souza (1920-?), como se informa em nota por ocasião do lançamento do livro Fuga, foi demitido de uma academia de letras por converter-se à poesia moderna. Sobre Fuga, afirmava-se que era obra hesitante como toda a poesia moderna.

O poeta Emiliano Perneta (1866-1921) foi quem divulgou As Flores do Mal, do francês Baudelaire aos poetas curitibanos, fazendo da capital do Paraná, um dos centros de formação de poetas simbolistas. Em vida, os curitibanos lhe prestaram uma homenagem, dando-lhe o título de “Príncipe dos Poetas Paranaenses”. A poética de Emiliano Pernet tem versos bem trabalhados à parnasiana e tematiza a metalinguagem, o satanismo, o elogio à natureza e o misticismo cristão.

Falando em poesia, com suas poesias curtas, sucintas e sábias, Paulo Leminski (1944-1989) anda sendo chamado o precursor (inteligente) do Twitter (inteligente). Por sinal, ele foi homenageado recentemente no Jornal da Globo, na ótima coluna de Nelson Motta.

Outra curiosidade interessante sobre Leminski, é que ele se casou ainda menor de idade, aos 17 anos, com Neiva Maria de Sousa. O casamento durou apenas 6 anos, e eles não tiveram filhos. No mesmo ano em que se separou, começou a namorar Alice Ruiz, poetisa com quem viveu vinte anos e incentivou a escrever. Os dois, inclusive, moraram um ano com a ex-esposa de Leminski e o namorado dela. Tiveram três filhos: Miguel Ângelo, Áurea e Estrela. Separaram-se em 1987.

Emílio de Meneses (1866 – 1918), jornalista e poeta curitibano ao ser convidado para a Academia Brasileira de Letras compôs um discurso de posse, em que revelava nada compreender de Salvador de Medonça, nem na expressão da atuação política e diplomática, nem na superioridade de sua realização intelectual de poeta, ficcionista e crítico. A Mesa não permitiu a leitura do discurso e o sujeitou a algumas emendas. Emílio protelou o quanto pôde aceitar essas emendas, e quando faleceu, quatro anos depois de ter sido eleito, ainda não havia tomado posse de sua cadeira.

O escritor Wolfgang Von Goethe escrevia em pé. Ele mantinha em sua casa uma escrivaninha alta.

O escritor Pedro Nava parafusava os móveis de sua casa a fim que ninguém o tirasse do lugar.
Gilberto Freyre nunca manuseou aparelhos eletrônicos. Não sabia ligar sequer uma televisão. Todas as obras foram escritas a bico-de-pena, como o mais extenso de seus livros, Ordem e Progresso, de 703 páginas.

Euclides da Cunha, Superintendente de Obras Públicas de São Paulo, foi engenheiro responsável pela construção de uma ponte em São José do Rio Pardo (SP). A obra demorou três anos para ficar pronta e, alguns meses depois de inaugurada, a ponte simplesmente ruiu. Ele não se deu por vencido e a reconstruiu. Mas, por via das dúvidas, abandonou a carreira de engenheiro.

Machado de Assis, nosso grande escritor, ultrapassou tanto as barreiras sociais bem como físicas. Machado teve uma infância sofrida pela pobreza e ainda era miope, gago e sofria de epilepsia. Enquanto escrevia Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado foi acometido por uma de suas piores crises intestinais, com complicações para sua frágil visão. Os médicos recomendaram três meses de descanso em Petrópolis. Sem poder ler nem redigir, ditou grande parte do romance para a esposa, Carolina.

Graciliano Ramos era ateu convicto, mas tinha uma Bíblia na cabeceira só para apreciar os ensinamentos e os elementos de retórica. Por insistência da sogra, casou na igreja com Maria Augusta, católica fervorosa, mas exigiu que a cerimônia ficasse restrita aos pais do casal. No segundo casamento, com Heloísa, evitou transtornos: casou logo no religioso.
Aluísio de Azevedo tinha o hábito de, antes de escrever seus romances, desenhar e pintar, sobre papelão, as personagens principais mantendo-as em sua mesa de trabalho, enquanto escrevia.

José Lins do Rego era fanático por futebol. Foi diretor do Flamengo, do Rio, e chegou a chefiar a delegação brasileira no Campeonato Sul-Americano, em 1953.

Aos dezessete anos, Carlos Drummond de Andrade foi expulso do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), depois de um desentendimento com o professor de português. Imitava com perfeição a assinatura dos outros. Falsificou a do chefe durante anos para lhe poupar trabalho. Ninguém notou. Tinha a mania de picotar papel e tecidos. "Se não fizer isso, saio matando gente pela rua". Estraçalhou uma camisa nova em folha do neto. "Experimentei, ficou apertada, achei que tinha comprado o número errado. Mas não se impressione, amanhã lhe dou outra igualzinha."

Numa das viagens a Portugal, Cecília Meireles marcou um encontro com o poeta Fernando Pessoa no café A Brasileira, em Lisboa. Sentou-se ao meio-dia e esperou em vão até as duas horas da tarde. Decepcionada, voltou para o hotel, onde recebeu um livro autografado pelo autor lusitano. Junto com o exemplar, a explicação para o "furo": Fernando Pessoa tinha lido seu horóspoco pela manhã e concluído que não era um bom dia para o encontro.

Érico Veríssimo era quase tão taciturno quanto o filho Luís Fernando, também escritor. Numa viagem de trem a Cruz Alta, Érico fez uma pergunta que o filho respondeu quatro horas depois, quando chegavam à estação final.

Clarice Lispector era solitária e tinha crises de insônia. Ligava para os amigos e dizia coisas pertubadoras. Imprevisível, era comum ser convidada para jantar e ir embora antes de a comida ser servida.

Monteiro Lobato adorava café com farinha de milho, rapadura e içá torrado (a bolinha traseira da formiga tanajura), além de Biotônico Fontoura. "Para ele, era licor", diverte-se Joyce, a neta do escritor. Também tinha mania de consertar tudo. "Mas para arrumar uma coisa, sempre quebrava outra."

Manuel Bandeira sempre se gabou de um encontro com Machado de Assis, aos dez anos, numa viagem de trem. Puxou conversa: "O senhor gosta de Camões?" Bandeira recitou uma oitava de Os Lusíadas que o mestre não lembrava. Na velhice, confessou: era mentira. Tinha inventado a história para impressionar os amigos.

Fernando Sabino foi escoteiro dos nove aos treze anos. Nadador do Minas Tênis Clube, ganhou o título de campeão mineiro em 1939, no estilo costas.

Guimarães Rosa, médico recém-formado, trabalhou em lugarejos que não constavam no mapa. Cavalgava a noite inteira para atender a pacientes que viviam em longínquas fazendas. As consultas eram pagas com bolo, pudim, galinha e ovos. Sentia-se culpado quando os pacientes morriam. Acabou abandonando a profissão. "Não tinha vocação. Quase desmaiava ao ver sangue", conta Agnes, a filha mais nova.

Mário de Andrade provocava ciúmes no antropólogo Lévi-Strauss porque era muito amigo da mulher dele, Dina. Só depois da morte de Mário, o francês descobriu que se preocupava em vão. O escritor era homossexual.

Vinicius de Moraes, casado com Lila Bosco, no início dos anos 50, morava num minúsculo apartamento em Copacabana. Não tinha geladeira. Para aguentar o calor, chupava uma bala de hortelã e, em seguida, bebia um copo de água para ter sensação refrescante na boca.

José Lins do Rego foi o primeiro a quebrar as regras na Academia Brasileira de Letras, em 1955. Em vez de elogiar o antecessor, como de costume, disse que Ataulfo de Paiva não poderia ter ocupado a cadeira por faltar-lhe vocação.

Castro Alves morreu com apenas 24 anos, nasceu em 1847 vindo a falecer em 1871.

J.K Roling (Escritora de Harry Potter) começou a escrever seu primeiro livro Harry Potter e a Pedra Filosofal, em guardanapos em um bar que frequentava, e ao terminar o livro ficou com uma terrível dúvida: escolher se comprar leite para sua filha ou mandava seu livro pra editora, hoje ela é milionaria !

Jorge Amado para autorizar a adaptação de Gabriela para a tevê, impôs que o papel principal fosse dado a Sônia Braga. "Por quê?", perguntavam os jornalistas, Jorge respondeu: "O motivo é simples: nós somos amantes." Ficou todo mundo de boca aberta. O clima ficou mais pesado quando Sônia apareceu. Mas ele se levantou e, muito formal disse: "Muito prazer, encantado." Era piada. Os dois nem se conheciam até então.

Fontes:
http://www.escritoresdosul.com.br/
Academia Brasileira de Letras.
http://moyseswesley.blogspot.com
Imagem = montagem sobre desenho do blog de Moyses Wesley.

Antonio Brás Constante (Deu a Louca nas Fabulosas Fábulas)


Se as fábulas infantis de outrora fossem escritas hoje em dia, tudo seria diferente, o Lobo Mau estaria mal, muito mal, combalido na cama da vovozinha, que teria saído de casa para passar trotes em algum telefone público (se na cidade de Canoas isso acontece, porque não poderia ocorrer em fábulas?). O lobo teria sido vítima dos três porquinhos, que lhe contaminaram com a gripe suína. Nesta história ao invés dele ter soprado neles, foram eles que assoaram o nariz perto dele.

Os porquinhos por sinal, não seriam apenas três, mas sim, milhares, que atirariam lixo pelas janelas dos carros, ou em terrenos baldios, ou ainda despejando detritos industriais em rios, sem preocupação nenhuma com reciclagem ou meio ambiente, e teriam a alcunha de sociedade.

Se não bastasse a gripe, o lobo ainda seria acusado de atentado violento ao pudor e canibalismo contra uma tal Chapeuzinho Vermelho, uma das lideres do comando vermelho, e conhecida no bosque encantado como a maior traficante de “docinhos” alucinógenos da região.

No caso de João e o pé de feijão, seria João que passaria o conto do vigário nas negociações, trocando vacas loucas por sacas de feijão, que ficariam armazenados em gigantescos silos subsidiados pelo governo, que ainda pagaria a João para guardá-los, mantendo assim o preço de mercado.

João também aprontaria das dele com sua irmã Maria, existindo inclusive boatos de que juntos eles teriam saqueado uma pobre velhinha, vandalizando sua casa e ainda chamando a coitada de bruxa. Tudo isso em decorrência do vício de ambos por “docinhos”, onde faziam de tudo para consegui-los. Seriam considerados como dois exemplos de jovens perdidos no bosque encantado.

A Cinderela da atualidade passaria o rodo na casa da madrasta, deixando-a sem nada, e fugiria com um tal de príncipe, marginal conhecido, que não engolia sapos de ninguém. Já a
Branca de neve ganharia este apelido em decorrência do pó que forneceria aos seus convidados em suas festinhas privativas para políticos entre outras personalidades influentes, utilizando anões nas suas operações, que em áureos tempos também já foram conhecidos como anões do orçamento, em terras brasilis.

Nos dias de hoje Pinóquio não seria literalmente um cara de pau, mas ainda assim seria um baita mentiroso, provavelmente entraria na política, mas ao invés de crescer o nariz, o que cresceria absurdamente seria sua conta bancária.

Estamos vivendo em um mundo onde os contos de fadas foram trocados pelos games, os príncipes e princesas por uma tentadora carreira (entenda-se isso em todos os sentidos) e a infância cada vez mais vem deixando de acontecer em meio a uma antiga bolha de fantasias, onde era a cegonha que trazia os ovos de páscoa e Papai Noel era pregado na cruz. As novas fontes de utopia são uma mescla entre o real e o digital. Um mundo em que pequenos e inquietos “pré-adultos” se formam antes mesmo de serem adolescentes.

Enfim, um mundo onde muitos adultos sentem-se tão obsoletos quanto seus saudosos contos de fadas de antigamente, sem conseguirem assimilar o que estas mudanças causarão as futuras gerações, que já há um bom tempo vem atropelando estas recordações com uma carruagem envenenada de abóboras transgênicas.

Fontes:
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/abrasc
Imagem = http://www.contaoutra.com.br

Academia Paranaense da Poesia Convida

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terça-feira, 10 de novembro de 2009

Trova LXVII (Neoly de Oliveira Vargas - RS)


Trova vencedora no Âmbito Estadual (Rio Grande do Sul) nos Jogos Florais de Porto Alegre - 2007 - Tema: Marujo

Jogos Florais de Nova Friburgo de 1960 a 2008 (Vencedores)


1960 - AMOR
Não me chames de senhor
que eu não sou tão velho assim,
e ao teu lado, meu amor,
não sou senhor...nem de mim!
Rodriges Crespo (Belo Horizonte)

1961 - SAUDADE
Maria, só por maldade,
deixou-me a casa vazia
Dentro da casa: a saudade!
e na saudade: Maria!
Anis Murad (Rio de Janeiro)

1962 - CIÚME
Quanto mais teu corpo enlaço
mais padeço o meu tormento,
por saber que o meu abraço
Não prende o teu pensamento
Jesy Barbosa (Petrópolis)

1963 - VIDA
Esta engrenagem, que é a vida
esmaga a todos, sem dó
e a gente, aos poucos moída,
de novo volta a ser pó.
Paulo Emílio Pinto

1964 - BEIJO
Ao beijar a tua mão,
que o destino não me deu,
tenho a estranha sensação
de estar roubando o que é meu...
Durval Mendonça (Rio de Janeiro)

1965 - MULHER
No dia em que tu quiseres
ser meu senhor e meu rei,
serei todas as mulheres
na mulher que te darei.
Nydia Iaggi Martins (Nova Friburgo/RJ)

1966 - DESPEDIDA
Meu lenço, na despedida,
tu não viste em movimento:
- Lenço molhado, querida,
Não pode agitar-se ao vento.
Carlos Guimarães (Nova Friburgo/RJ)

1967 - NOITE
Noites feitas de saudade,
de lembranças, de meiguice...
-Tão curtas na mocidade
E tão longas na velhice!
Alfredo de Castro (Pouso Alegre/MG)

1968 - NOVA FRIBURGO
Amanhece. A névoa fina
vai aos poucos se extinguindo...
E o Sol, varrendo a neblina,
mostra Friburgo...sorrindo!
Daniel de Carvalho

1969 - ABANDONO
Sozinho...o tempo passando,
um dia vai, outro vem...
Meu Deus! Maria chegando,
abro meus olhos...ninguém!
Rubens de Castro

1970 - PRESENÇA
Aérea, fluída, de gase...
corpo volátil de essência...
sua presença era quase,
como se fosse uma ausência...
João Rangel Coelho (Rio de Janeiro/RJ)

1971 - ANGÚSTIA
Na minha angústia, calado,
eu vi no espelho outro dia,
um rosto amargo e cansado
- Meu Deus do céu, quem seria?...
Walter Sanches

1972 - SILÊNCIO
Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto...
Luiz Otávio (Rio de Janeiro/RJ)

1973 - RETICÊNCIAS
Mãos tristes temendo ausências
se despedem com revolta...
Nosso adeus tem reticências
que acenam dizendo...Volta!
Carolina Ramos (Santos/SP)

1974 - FIBRA
Cabelos brancos ao vento,
-Saudade feita de neve - !
Mil fibras de sentimento
dizendo a tudo: Até breve!...
Helvécio Barros (Bauru/SP)

1975 - ENCONTRO
Eu e tu , duas metades
Que a vida vai separando...
Eu e tu, duas saudades
Na saudade se encontrando
Izo Goldman (São Paulo/SP)

1976 - CULPA
Ante as sandálias furadas
que entre cascalhos gastei,
não culpo o chão das estradas,
culpo os maus passos que dei.
José Maria Machado de Araújo (Rio de Janeiro)

1977 - CONFLITO
No conflito de um desgosto,
por saber que não me queres,
vivo em busca do teu rosto
no rosto de outras mulheres...
Octávio Venturelli (Nova Friburgo/RJ)

1978 - OCASO
Na paixão em que me abraso
tanto sol tem minha estrada,
que eu não troco o meu ocaso
pela mais linda alvorada!
Alcy R. Souto Maior (Rio de Janeiro/RJ)

1979 - AUSÊNCIA
Não diga adeus nem brincando,
o adeus é irmão da saudade,
e alguma ausência, escutando,
pode pensar que é verdade...
Octávio Venturelli (Nova Friburgo/RJ)

1980 - RUMO
Fim do meu rumo. Eu grisalho
dos netos entre os carinhos,
pareço um velho espantalho
cercado de passarinhos.
Romeu Gonçalves da Silva

1981 - VIDRAÇA
Entre esperas e demoras,
que a solidão descompassa,
já nem sei quantas auroras
vi chegar pela vidraça!...
Vasques Filho (Fortaleza/CE)

1982 - FUGA
Em passos e contrapassos,
ao som de acordes tristonhos
sempre foges dos meus braços
no bailado dos meus sonhos...
Vasques Filho (Fortaleza/CE)

1983 - QUASE
São quase uma eternidade
minhas noites de abandono,
porque em meu quarto a saudade
se deita, mas não tem sono...
João Freire Filho (Rio de Janeiro)

1984 - AMOR
Nós tanto nos pertencemos,
nosso amor vai tão além...
Que nós dois já nem sabemos,
qual de nós é mais de quem!
Almerinda Liporage (Rio de Janeiro)

1985 - BRINQUEDO
Infância é um brinquedo usado
que um dia a vida resolve
tomar um pouco emprestado
e nunca mais nos devolve!
Arlindo Tadeu Hagen (Juiz de Fora/MG)

1986- CANTIGA
Cantiga, que me transporta
da angústia, ao sono de paz;
é o som da chave na porta
e teus passos, logo atrás...
Almerinda Liporage (Rio de Janeiro)

1987 - ACENO
Partiste sem um aceno
multiplicando os meus ais:
não quis teu mundo pequeno
meu sonho grande demais!
Eugênia Maria Rodrigues (Rio Novo/MG)

1988 - PROCURA
Jurei não te procurar...
Jurei, mas quebrei a jura...
Quem ama pode jurar
não procurar, mas...procura.
Luna Fernandes (Rio de Janeiro/RJ)

1989 - TEIMOSIA
Espero-a...A noite está fria,
mas não desisto...Ouço passos...
E o prêmio da teimosia
vem se acolher em meus braços
José Tavares de Lima (Juiz de Fora/MG)

1990 - LEMBRANÇA
Teu retrato até rasguei
para fugir da verdade...
“ Sem lembranças””, eu pensei,
mas ninguém rasga a saudade!...
Thereza Costa Val (Belo Horizonte/MG)

1991 - ESPAÇO
Mãe, por mais que eu me concentre
na importância do que faço
não esqueço que teu ventre
foi o meu primeiro espaço!
Almerinda Liporage (Rio de Janeiro)

1992 - EMOÇÃO
Resisto...mas, distraída,
minha razão nem percebe
quando a emoção atrevida
abre a porta...e te recebe!
Marilúcia Resende (São Paulo/SP)

1993 - RETRATO
Teu retrato, enraivecida,
eu rasguei, sem embaraços...
mas a saudade atrevida
juntou de novo os pedaços!...
Marilúcia Resende (São Paulo/SP)

1994 - DESPREZO
Não desprezei meu Nordeste,
desprezo, eu juro, foi não...
Foi a dureza do agreste
que me afastou do setão!
Alfredo de Castro (Pouso Alegre/MG)

1995 - POETA
Quando esta lua indiscreta,
me traz lembranças sem fim
eu choro o velho poeta
que morreu dentro de mim.
Rita Marciano Mourão (Ribeirão Preto/SP)

1996 - MAGIA
Lavrador,por tuas mãos,
que Deus dotou de magia,
faz-se o milagre dos grãos
dando o pão de cada dia!
Maria Lucia Daloce Castanho (Bandeirantes/PR)

1997 - TRISTEZA
Eu me recuso, tristeza,
a conviver com teu mundo:
-Vida que tem correnteza
não cria lodo no fundo!
Héron Patrício (São Paulo/SP)

1998 – JANELA
Meu orgulho se rebela
mas o amor faz perdoar,
porque a saudade é janela
que eu nunca aprendo a fechar.
Almerinda Liporage (Rio de Janeiro)

1999 - BILHETE
Velho bilhete...lembrança
de um amor que não foi meu...
Um pedido de esperança
que a vida não respondeu...
Marina Bruna (São Paulo/SP)

2000 - INSTANTE
A saudade se embaraça
e a paixão se intensifica...
- Não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica
Eduardo Toledo (Pouso Alegre/MG)

2001 - DETALHE
Meu perdão foi um tributo
A uma lágrima suspensa:
- um detalhe diminuto
Mas,que fez a diferença...
Darly Barros (São Paulo/SP)

2002 - CERTEZA
Se te vais, por gentileza,
deixa a porta sem trancar!
não me roubes a certeza,
de que logo irás voltar!
Adélia Victória Ferreira (São Paulo)

2003 - ESPERA
Eu te quero às escondidas
e, se esta espera durar,
te esperarei quantas vidas
for necessário esperar!
Eugênia Maria Rodrigues (Rio Novo/MG)

2004 - REFÚGIO
Baú velho, tampo torto,
cartas e fotos mofando...
- Refúgio de um sonho morto
Que eu vivo ressuscitando
José Ouverney (Pindamonhangaba/SP)

2005 - MOTIVO
Sei que os motivos são poucos,
sei que as razões também são,
mas este amor nos faz loucos
e os loucos não têm razão!!!
Gerson César de Souza (Porto Alegre/RS)

2006 - FRONTEIRA
Amai- vos, e as derradeiras
muralhas hão de cair.
- Havendo amor, as fronteiras
não têm razão de existir!
Antonio Augusto de Assis (Maringá/PR)

2007 - MENSAGEM
Sem precisar das imagens
ou linguagem que os ensinem,
os olhos trocam mensagens
que as palavras não definem.
Campos Sales (São Paulo/SP)

2008 - ESCOLHA
Duas culpas, um pecado
e um remorso a nos doer:
você- que escolheu errado;
eu- que nem pude escolher...
José Ouverney (Pindamonhangaba/SP)
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Theo Padilha (Júlia, Jarbas e o Amor)



“Que dias há que na alma me tem posto um não-sei-quê, que nasce não sei onde, chega não sei como e dói não sei porque?”

Era uma vez uma menina muito bonita, morena, cheia de charme, de belos seios, um lindo rosto, cabelos lisos, lábios grossos e vermelhos, dentes perfeitos, uma verdadeira pintura em forma de mulher, com treze anos de idade, chamada Júlia.

Corria os meados do ano de 1955, quando seus pais resolvem mudar para um pequeno patrimônio no norte do Paraná. Naquele pequenino fim de mundo, ela causou muitos comentários junto ao povo que ali residia. Com aquela garota na vila, as meninas ficaram temerosas pelos seus namorados e até as mulheres pelos seus maridos. Julia, criada num centro maior, sabia encantar a todos. Para poder ir aos bailes, a menina tinha que fugir de seus pais. E a cada baile que ia sempre havia uma briga pela disputa daquela bela prenda. E ali era na bala e no facão. A família de Julia morava num sobrado, bem em frente a praça. Da janela do sobrado ela ouvia muitos elogios. Ficava toda cheia quando ouvia:

- Nossa! Ela parece uma boneca!

Apesar de gostar dos assédios, ela não se achava tão bacana assim. Dizia que os homens dali é que não conheciam nada, pela rudeza de seus modos. Pela simplicidade daquele lugar.

Num desses bailes, ela foi tirada para dançar por um caboclo educado, charmoso, cheiroso. Ela sai para a dança, mas quando olha nos pés do cidadão, este estava de botas e calçava esporas.

- O moço vai dançar ou vai amansar cavalo? – disse a moça, em tom de brincadeira.
- Por que a moça pergunta? – disse o vaqueiro.
- De esporas, nem pense! – e largou do rapaz no meio do salão.

Enquanto o homem tirava as esporas, Julia já estava com outro rodopiando pelo salão. Nisso deram um tiro certeiro no lampião que clareava o baile. Na confusão, a pobre moça foi jogada pela janela e correu para a sua casa, perdendo o salto do sapato.

E o moço das esporas começou a freqüentar o bar que os pais de Julia tinham. Seu padrasto estava muito doente e ela ajudava a mãe nos afazeres, juntamente com uma empregada. Certo dia aquele moço aparece no bar e confessa:

- Aquele tiro no lampião foi porque outro homem tirou minha prenda! – disse o moço chamado Jarbas. Comigo não tem disso não!
- O povo desse lugar parece índio! – respondeu Julia.

E assim ficaram amigos. E em outro baile lá estavam juntinhos dançando.

- Como é bonita essa música, Jarbas!
- Eu gosto muito dessa “Saudades do Matão”, tem muito a ver comigo criado no mato. – responde Jarbas.

E no calor daquele idílio, Jarbas aproveita para pedir a Julia para passear com ele em Jacarezinho.

- Não, meu bem, não posso ir. Não conheço ninguém por lá! – reclama a moça.

Jarbas era muito persistente. Não demorou muito para que fizesse a cabeça da pequena Julia. E então, logo fizeram muitas viagens pela região. Tudo que Julia queria, não tinha preço e era comprado na hora para sua satisfação.

Os dias passam, os meses correm e os dois viviam um para o outro. O interessante é que eles saiam juntos, posavam fora, mas não mantinham relações sexuais. Aquilo deixava Jarbas mais apaixonado. Um dia ele prometeu:

- Meu amor, te amo, te adoro, te dava a Lua se pudesse, mas agora chega! Não agüento mais!

Diante dessas palavras, Julia que também desejava esse momento, marcou um encontro para o dia 6 de agosto de 1956. Ela agora, estava com 14 anos e dez meses de idade. Jarbas tinha 33 anos. E aconteceu de tudo, naquela primeira noite do casal, que agora estavam mais apaixonados. Ficaram dormindo juntos e saindo até o dia que a mãe de Júlia descobriu:

- Olha aqui Jarbas, estou sabendo de tudo. Você assume ou vou mandá-lo para a cadeia!

Jarbas não titubeou, chamou sua namorada e foram juntos comprar a mobília da casa. Julia, então começa uma vida de atropelos. Ele era ciumento, possessivo, mas muito amoroso. Ela sempre fiel. Nunca tinha dado motivos. Mas o ciumento sempre encontra seus motivos.

Jarbas tinha um sítio perto daquele patrimônio. Ele acordava às cinco horas da manhã para tirar leite. Júlia ficava na casa dos pais. Eles tinham um código. Quando Jarbas chegava em determinada curva antes do sítio, ele dava um tiro. Ela tinha que no outro dia falar a hora que ouvira o estampido. Quando ele estava bravo dava mais tiros.

Jarbas começou a cuidar dos costumes de Júlia. As amizades eram por ele escolhidas. Decote. Modo de sentar. Tudo tinha que ser de uma primeira dama. Jarbas tinha um revólver 38 niquilado que servia de espelho para Júlia retocar o batom. Ele jamais levantou a mão contra ela. Havia ali um respeito mútuo, necessário a toda relação. E aquele castelo de areia começou a desabar. Algumas brigas botaram um ponto final naquela união. Só o que restou dessa relação foi o filho, que agora Julia tinha que cuidar.

Durante a separação ela pleiteou na Justiça a guarda do filho Leandro e ganhou. Eles tinham toda a assistência médica, farmácia, empório. Eles estavam muito bem de saúde, mas para não deixar fechar a conta da farmácia, tomaram muito Biotônico Fontoura. E para aproveitar o dinheiro do aluguel que Jarbas tinha que dar, foram morar na casa da avó.

Certa vez Jarbas prometeu:

-- Se você arrumar outro homem eu te mato!

Júlia muito corajosa, casou-se com outro só para enfrentar o bicho. Casou-se com um amigo de infância, Pedro. No dia 8 de abril de 1976. Foi só uma fuga. Nunca houve amor entre ambos. Júlia preparou toda a festa de casamento na conta de Jarbas. O bolo era lindo.

A SEGUNDA LUA DE MEL

Quando o baile do casamento terminou, Pedro já se havia recolhido. Júlia vestindo um lindo penhoar sobre uma camisola, entra no quarto e Pedro estava empacotado no meio das cobertas. Nem viu sua beleza.

-- “Se fosse o Jarbas, estaria me carregando no colo, como sempre fazia.” – pensou Júlia.
Pedro estava tremendo, embaraçado e nada aconteceu. Júlia prometeu consertar o bode. Mas não teve concerto.

Júlia agora era vendedora e viajava muito. Era desembaraçada, sorridente, carinhosa. Pedro era o oposto disso tudo.Com o casamento Julia dispensou todo o auxílio de Jarbas. Pedro não aceitava a ajuda do outro. Certa noite aparece Jarbas, todo valente. Batendo na porta com o cabo do revólver. Júlia viu o pobre Pedro amarelar. Correu para a porta da cozinha. Enquanto Jarbas esbravejava na porta da sala. Júlia achou aquilo hilário. Um batendo aqui e o outro correndo qual um canguru pulandinho pelos fundos. E aquela união depois de quatro anos foi por água a baixo. Separaram-se.

Júlia só pensava no Jarbas. Um belo dia ele aparece.

-- Soube que você se separou vim ver o que você precisa! – disse Jarbas. Júlia levou um susto.
-- Tanto posso vir aqui com tirar você daqui! O que resolve? – perguntou o rapaz.
-- Aqui, não! – respondeu a moça.

Então mudaram-se de cidade. Toda sexta feira Jarbas a trazia para a casa da mãe. Andavam por ruas sem movimento, às escondidas.

-- Não matei ninguém. Não roubei. A mulher é minha. O filho é meu. Hoje vou mostrar para este povo que sou bem macho! – disse Jarbas bem alto.

E passeou com Julia de carro por toda a cidade. Ele adorava exibir sua Julia. Era um verdadeiro troféu para ele.

Nasce Ana, Jarbas já estava muito doente. E a doença já o deixava mais ciumento. Julia resolve deixá-lo definitivamente. Mesmo assim ele vinha trazer doces e guloseimas para a nova filhinha. Eles já não mais se viam. Jarbas morreu no dia 9 de janeiro de l985. Julia até hoje não vê ninguém que tenha o jeito tão especial que teve Jarbas, e mesmo tendo outros casos ele a amava verdadeiramente.

Joaquim Távora, 4 de abril de 2009

Fonte:
Academia Poçoense de Letras e Artes “Apolo”
http://www.apoloacademiadeletras.com.br/
Fotomontagem sobre imagem de http://bymk.com.br

Rodrigo Capella (Poesias Escolhidas)


CONFERIDA

Fogo no corredor,
morte,
ardente e cruel,
não sei se vou viver,
pra ver o que é seu.

A vida traz lembranças,
ás vezes cansa,
cabeça, adoeceu?
liberdade plebeu.

Identidade conferida, mudança de ares.
troco sons e mares.
Ignoro a idade,
vida em vão,
sem paternidade,
dor no coração.
==================

CHUVA, CHUVA, FUJA!

Raio de brilho omisso,
terra, de mim desgastada,
entre ofícios e ócios,
vida apagada.

Tempo de ternura e agonia,
vento com chuva carregada,
prefiro momento controlado,
vida, tempo confiscado.

Quadro sem luz,
caminho tortuoso de moral.
Ternura, agonia, fuja,
enquanto é carnaval.
========================

ATITUDE

Rimar faz mal,
coitado do poeta,
que por qualquer razão,
quer ligar, rimar, juntar.

Prefiro versos soltos,
pequenos e grandes,
cheios de gentes,
cantantes, falantes, antes.

Porra! O que eu faço?
versos e rimas,
narro fatos.

Reflito o momento,
comento, assuntos assim,
não vejo essência,
em fazer versos pra mim.
===================

AGORA

Fúnebre momento hilário,
Percorre toques de olhar,
Calafrio, imensidão,
O contrário digo não.

Veias da imaginação,
Suar entre gestos,
Sublime a minha volta,
Corda, a toda hora.

Ventos que sopram calados,
Amaldiçoados, coitados,
Tempo, vago atado,
Correr, sangue intenso.

Eu mesmo perdido,
Tardio é meu vão,
Coração triste e oco,
Nem pensar em perdão.
Caramba, senso não há,
Palavras perdidas,
O que cita ação,
Intensa, revolta, agora.
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Machado de Assis (A Idéia do Ezequiel Maia)


A idéia do Ezequiel Maia era achar um mecanismo que lhe permitisse rasgar o véu ou revestimento ilusório que dá o aspecto material às coisas. Ezequiel era idealista. Negava abertamente a existência dos corpos. Corpo era uma ilusão do espírito, necessária aos fins práticos da vida, mas despida da menor parcela de realidade. Em vão os amigos lhe ofereciam finas viandas, mulheres deleitosas, e lhe pediam que negasse, se podia, a realidade de tão excelentes coisas. Ele lastimava, comendo, a ilusão da comida; lastimava-se a si mesmo, quando tinha ante si os braços magníficos de uma senhora.

Tudo concepção do espírito; nada era nada. Esse mesmo nome de Maia não o tomou ele, senão como um símbolo. Primitivamente, chamava-se Nóbrega; mas achou que os hindus celebram uma deusa, mãe das ilusões, a que dão o nome de Maia, e tanto bastou para que trocasse por ele o apelido de família.

A opinião dos amigos e parentes era que este homem tinha o juízo a juros naquele banco invisível, que nunca paga os juros, e, quando pode, guarda o capital. Parece que sim; parece também que ele não tocou de um salto o fundo do abismo, mas escorregando, indo de uma restauração da cabala para outra da astrologia, da astrologia à quiromancia, da quiromancia à charada, da charada ao espiritismo, do espiritismo ao niilismo idealista. Era inteligente e lido; formara-se em matemáticas, e os professores desta ciência diziam que ele a conhecia como gente.

Depois de largo cogitar, achou Ezequiel um meio: abstrair-se pelo nariz. Consistia em fincar os olhos na extremidade do nariz, à maneira do faquir, embotando a sensibilidade ao ponto de perder toda a consciência do mundo exterior. Cairia então o véu ilusório das coisas; entrar-se-ia no mundo exclusivo dos espíritos. Dito e feito. Ezequiel metia-se em casa, sentava-se na poltrona, com as mãos espalmadas nos joelhos, e os olhos na ponta do nariz. Pela afirmação dele, a abstração operava-se em vinte minutos, e poderia fazer-se mais cedo, se ele não tivesse o nariz tão extenso. A inconveniência de um nariz comprido é que o olhar, desde que transpusesse uma certa linha, exercia mais facilmente a miserável função ilusória. Vinte minutos, porém, era o prazo razoável de uma boa abstração. O Ezequiel ficava horas e horas, e às vezes dias e dias, sentado, sem se mexer, sem ver nem ouvir; e a família (um irmão e duas sobrinhas) preferia deixá-lo assim, a acordá-lo; não se cansaria, ao menos, na perpétua agitação do costume.

— Uma vez abstrato, dizia ele aos parentes e familiares, liberto-me da ilusão dos sentidos. A aparência da realidade extingue-se, como se não fosse mais do que um fumo sutil, evaporado pela substância das coisas. Não há então corpos; entesto com os espíritos, penetro-os, revolvo-os, congrego-me, transfundo-me neles. Não sonhaste a noite passada comigo, Micota?

— Sonhei, titio, mentia a sobrinha.

— Não era sonho; era eu mesmo que estava contigo; por sinal que me pedias as festas, e eu prometi-te um chapéu, um bonito chapéu enfeitado de plumas...

— Isso é verdade, acudia a sobrinha.

— Tudo verdade, Micota; mas a verdade única e verdadeira. Não há outra; não pode haver verdade contra verdade, assim como não há sol contra sol.

As experiências do Ezequiel repetiram-se durante seis meses. Nos dois primeiros meses, eram simples viagens universais; percorria o globo e os planetas dentro de poucos minutos, aniquilava os séculos, abrangia tudo, absorvia tudo, difundia-se em tudo. Saciou assim a primeira sede da abstração. No terceiro mês, começou uma série de excursões analíticas. Visitou primeiramente o espírito do padeiro da esquina, de um barbeiro, de um coronel, de um magistrado, vizinhos da mesma rua; passou depois ao resto da paróquia, do distrito e da capital, e recolheu quantidade de observações interessantes. No quarto mês empreendeu um estudo que lhe comeu cinqüenta e seis dias: achar a filiação das idéias, e remontar à primeira idéia do homem. Escreveu sobre este assunto uma extensa memória, em que provou a todas as luzes que a primeira idéia do homem foi o círculo, não sendo o homem simbolicamente outra coisa: — um círculo lógico, se o considerarmos na pura condição espiritual; e se o tomarmos com o invólucro material, um círculo vicioso. E exemplificava. As crianças brincam com arcos, fazem rodas umas com as outras; os legisladores parlamentares sentam-se geralmente em círculo, e as constantes alterações do poder, que tanta gente condena, não são mais do que uma necessidade fisiológica e política de fazer circular os homens. Que são a infância e a decrepitude, senão as duas pontas ligadas deste círculo da vida? Tudo isso lardeado de trechos latinos, gregos e hebraicos, verdadeiro pesadelo, fruto indigesto de uma inteligência pervertida. No sexto mês...

— Ah! meus amigos, o sexto mês é que me trouxe um achado sublime, uma solução ao problema do senso moral. Para os não cansar; restrinjo-me ao exame comparativo que fiz em dois indivíduos da nossa rua, o Neves do nº 25, e o Delgado. Sabem que eles ainda são parentes.

E aí começou o Ezequiel uma narração tão extraordinária, que os amigos não puderam ouvir sem algum interesse. Os dous vizinhos eram da mesma idade, mais ou menos, quarenta e tantos anos, casados, com filhos, sendo que o Neves liquidara o negócio desde algum tempo, e vivia das rendas, ao passo que o Delgado continuara o negócio, e justamente falira três semanas antes.

— Vocês lembram-se ter visto o Delgado entrar aqui em casa um dia muito triste?

Ninguém se lembrava, mas todos disseram que sim.

— Desconfiei do negócio, continuou o Ezequiel, abstraí-me, e fui direito a ele. Achei-lhe a consciência agitada, gemendo, contorcendo-se; perguntei-lhe o que era, se tinha praticado alguma morte, e respondeu-me que não; não praticara morte nem roubo, mas espancara a mulher, metera-lhe as mãos na cara, sem motivo, por um assomo de cólera. Cólera passageira, disse-lhe, e uma vez que façam as pazes... — Estão feitas, acudiu ele; Zeferina perdoou-me tudo, chorando; ah! doutor, é uma santa mulher! — E então? — Mas não posso esquecer que lhe dei, não me perdoo isto; sei que foi na cegueira da raiva, mas não posso perdoar-me, não posso. E a consciência tornou a doer-lhe, como a princípio, inquieta, convulsa. Dá cá aquele livro, Micota.

Micota trouxe-lhe o livro, um livro manuscrito, in folio, capa de couro escuro e lavrado. O Ezequiel abriu-o na página 140, onde o nome do Delgado estava escrito com esta nota: — "Este homem possui o senso moral". Escrevera a nota, logo depois daquele episódio; e todas as experiências futuras não vieram senão confirmar-lhe a primeira observação.

— Sim, ele tem o senso moral, continuou o Ezequiel. Vocês vão ver se me enganei. Dias depois, tendo-me abstraído, fui logo a ele, e achei-o na maior agitação. — Adivinho, disse-lhe; houve outra expansão muscular, outra correção... Não me respondeu nada; a consciência mordia-se toda, presa de um furor extraordinário. Como se apaziguasse de quando em quando, aproveitei os intervalos para teimar com ele. Disse-me então que jurara falso para salvar um amigo, ato de covardia e de impiedade. Para atenuá-lo, lembrava-se dos tormentos da véspera, da luta que sustentara antes de jazer a promessa de ir jurar falso; recordava também a amizade antiga ao interessado, os favores recebidos, uns de recomendação, outros de amparo, alguns de dinheiro; advertia na obrigação de retribuir os benefícios, na ridicularia de uma gratidão teórica, sentimental, e nada mais. Quando ele amontoava essas razões de justificação ou desculpa, é que a consciência parecia tranqüila; mas, de repente, todo o castelo voava a um piparote desta palavra: "Não devias ter jurado falso". E a consciência revolvia-se, frenética, desvairada, até que a própria fadiga lhe trazia algum descanso.

Ezequiel referiu ainda outros casos. Contou que o Delgado, por sugestões de momento, faltara algumas vezes à verdade, e que, a cada mentira, a consciência raivosa dava sopapos em si mesma. Enfim, teve o desastre comercial, e faliu. O sócio, para abrandar a inclemência dos fados, propôs-lhe um arranjo de escrituração. Delgado recusou a pés juntos; era roubar os credores, não devia fazê-lo. Debalde o sócio lhe demonstrava que não era roubar os credores, mas resguardar a família, coisa diferente. Delgado abanou a cabeça. Não e não; preferia ficar pobre, miserável, mas honrado; onde houvesse um recanto de cortiço e um pedaço de carne-seca, podia viver. Demais, tinha braços. Vieram as lágrimas da mulher, que lhe não pediu nada mas trouxe as lágrimas e os filhos. Nem ao menos as crianças vieram chorando; não, senhor; vieram alegres, rindo, pulando muito, sublinhando assim a crueldade da fortuna. E o sócio, ardilosamente ao ouvido: — Ora vamos; veja você se é lícito trair a confiança destes inocentes. Veja se... Delgado afrouxou e cedeu.

— Não, nunca me há de esquecer o que então se passou naquela consciência, continuou o Ezequiel; era um tumulto, um clamor, uma convulsão diabólica, um ranger de dentes, uma coisa única. O Delgado não ficava quieto três minutos; ia de um lado para outro, atônito, fugindo a si mesmo. Não dormiu nada a primeira noite. De manhã saiu para andar à toa; pensou em matar-se; chegou a entrar em uma casa de armas, à Rua dos Ourives, para comprar um revólver, mas advertiu que não tinha dinheiro, e retirou-se. Quis deixar-se esmagar por um carro. Quis enforcar-se com o lenço. Não pensava no código; por mais que o revolvesse, não achava lá a idéia da cadeia. Era o próprio delito que o atormentava. Ouvia vozes misteriosas que lhe davam o nome de falsário, de ladrão; e a consciência dizia-lhe que sim, que ele era um ladrão e um falsário. Às vezes pensava em comprar um bilhete de Espanha, tirar a sorte grande, convocar os credores, confessar tudo, e pagar-lhes integralmente, com juro, um juro alto, muito alto, para puni-lo do crime... Mas a consciência replicava logo que era um sofisma, que os credores seriam pagos, é verdade, mas só os credores. O ato ficava intacto. Queimasse ele os livros e dispersasse as cinzas ao vento, era a mesma coisa; o crime subsistia. Assim passou três noites, três noites cruéis, até que no quarto dia, de manhã, resolveu ir ter com o Neves e revelar-lhe tudo.

— Descanse, titio, disse-lhe uma das sobrinhas, assustada com o fulgor dos olhos do Ezequiel.

Mas o Ezequiel respondeu que não estava cansado, e contaria o resto.
O resto era estupendo. O Neves lia os jornais no terraço, quando o Delgado lhe apareceu. A fisionomia daquele era tão bondosa, a palavra com que o saudou —
"Anda cá, Juca!" vinha tão impregnada da velha familiaridade, que o Delgado esmoreceu. Sentou-se ao pé dele, acanhado, sem força para lhe dizer nem lhe pedir nada, um conselho, ou, quando menos, uma consolação. Em que língua narraria o delito a um homem cuja vida era um modelo, cujo nome era um exemplo? Viveram juntos; sabia que a alma do Neves era como um céu imaculado, que só interrompia o azul para cravejá-lo de estrelas. Estas eram as boas palavras que ele costumava dizer aos amigos. Nenhuma ação que o desdourasse. Não espancara a mulher, não jurara falso, não emendara a escrituração, não mentiu, não enganou ninguém.

— Que tem você? perguntou o Neves.

— Vou contar-lhe uma coisa grave, explodiu o Delgado; peço-lhe desde já que me perdoe.

Contou-lhe tudo. O Neves, que a princípio o ouvira com algum medo, por ele lhe ter pedido perdão, depressa respirou; mas não deixou de reprovar a imprudência do Delgado. Realmente, onde tinha ele a cabeça para brincar assim com a cadeia? Era negócio grave; urgia abafá-lo, e, em todo caso, estar alerta. E recordava-lhe o conceito em que sempre teve o tal sócio. — "Você defendia-o então; e aí tem a bela prenda. Um maluco!" O Delgado, que trazia consigo o remorso, sentiu incutir-se-lhe o terror; e, em vez de um remédio, levou duas doenças.

"Justos céus! exclamou consigo o Ezequiel, dar-se-á que este Neves não tenha o senso moral?"

Não o deixou mais. Esquadrinhou-lhe a vida; talvez alguma ação do passado, alguma coisa... Nada; não achou nada. As reminiscências do Neves eram todas de uma vida regular, metódica, sem catástrofes, mas sem infrações. O Ezequiel estava atônito. Não podia conciliar tanta limpeza de costumes com a absoluta ausência de senso moral. A verdade, porém, é que o contraste existia. Ezequiel ainda advertiu na sutileza do fenômeno e na conveniência de verificá-lo bem. Dispôs-se a uma longa análise. Entrou a acompanhar o Neves a toda a parte, em casa, na rua, no teatro, acordado ou dormindo, de dia ou de noite.

O resultado era sempre o mesmo. A notícia de uma atrocidade deixava-o interiormente impassível; a de uma indignidade também. Se assinava qualquer petição (e nunca recusou nenhuma) contra um ato impuro ou cruel, era por uma razão de conveniência pública, a mesma que o levava a pagar para a Escola Politécnica, embora não soubesse matemáticas. Gostava de ler romances e de ir ao teatro; mas não entendia certos lances e expressões, certos movimentos de indignação, que atribuía a excessos de estilo. Ezequiel não lhe perdia os sonhos, que eram, às vezes, extraordinários. Este, por exemplo: sonhou que herdara as riquezas de um nababo, forjando ele mesmo o testamento e matando o testador. De manhã, ainda na cama, recordou todas as peripécias do sonho, com os olhos no teto, e soltou um suspiro.

Um dia, um fâmulo do Neves, andando na rua, viu cair uma carteira do bolso de um homem, que caminhava adiante dele, apanhou-a e guardou-a. De noite, porém, surgiu-lhe este caso de consciência: — se um caído era o mesmo que um achado. Referiu o negócio ao Neves, que lhe perguntou, antes de tudo, se o homem vira cair a carteira; sabendo que não, levantou os ombros. Mas, conquanto o fâmulo fosse grande amigo dele, o Neves arrependeu-se do gesto, e, no dia seguinte, comendou-lhe a entrega da carteira; eis as circunstâncias do caso. Indo de bond, o condutor esqueceu-se de lhe pedir a passagem; Neves, que sabia o valor do dinheiro, saboreou mentalmente esses duzentos réis caídos; mas advertiu que algum passageiro poderia ter notado a falta, e, ostensivamente, por cima da cabeça de outros, deu a moeda ao condutor. Uma idéia traz outra; Neves lembrou-se que alguém podia ter visto cair a carteira e apanhá-la o fâmulo; foi a este, e compeliu-o a anunciar o achado. "A consideração pública, Bernardo, disse ele, é a carteira que nunca se deve perder."

Ezequiel notou que este adágio popular — ladrão que furta a ladrão tem cem anos de perdão — estava incrustado na consciência do Neves, e parecia até inventado por ele. Foi o único sentimento de horror ao crime, que lhe achou; mas, analisando-o, descobriu que não era senão um sentimento de desforra contra o segundo roubado, o aplauso do logro, uma consolação no prejuízo, um antegosto do castigo que deve receber todo aquele que mete a mão na algibeira dos outros.

Realmente, um tal contraste era de ensandecer ao homem mais ajuizado do universo. O Ezequiel fez essa mesma reflexão aos amigos e parentes; acrescentou que jurara aos seus deuses achar a razão do contraste, ou suicidar-se. Sim, ou morreria, ou daria ao mundo civilizado a explicação de um fenômeno tão estupendo como a contradição da consciência do Neves com as suas ações exteriores... Enquanto ele falava assim, os olhos chamejavam muito. Micota, a um sinal do pai, foi buscar à janela uma das quartinhas d’água, que ali estavam ao fresco, e trouxe-a a Ezequiel. Profundo Ezequiel! tudo entendeu, mas aceitou a água, bebeu dois ou três goles, e sorriu para a sobrinha. E continuou dizendo que sim, senhor, que acharia a razão, que a formularia em um livro de trezentas páginas...

— Trezentas páginas, estão ouvindo? Um livro grosso assim...

E estendia três dedos. Depois descreveu o livro. Trezentas páginas, com estampas, uma fotografia da consciência do Neves e outra das suas ações. Jurava que ia mandar o livro a todas as academias do universo, com esta conclusão em forma de epígrafe: "Há virtualmente um pequeno número de gatunos, que nunca furtaram um par de sapatos". — Coitado! diziam os amigos descendo as escadas. Um homem de tanto talento!

Fontes:
ASSIS, Machado de. Contos esparsos. RJ: Ediouro. Coleção Prestígio.
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