sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Efigênia Coutinho (Presságio)


Vou me despindo de corpo e alma
numa entrega plena, cheia...
sem sequer dar conta que
respirava, pois o corpo tomou
proporções transcendentais
duma natureza superior
indo ao mais alto do universo
e, deitou ao manto celeste, em
meio de estrelas e o garboso luar
num bailado cadenciado entre esferas
duma transcrição de tudo que existe
acima e abaixo dos meus olhos
o ar que respiro, me cinge,
abraça, me mantém entusiástica...

Acima, profecias, oráculos, respostas
e alimento para corpo e alma,
forças ocultas que regem o destino,
sem tino ou desatino, eu atino!...

Balneário Camboriú
Março 2009

Fontes:
A Poetisa
Imagem = Magia de Luz

Isaac Asimov (Os Bons Tempos de Outrora)



Sou muito dado ao otimismo com relação à ciência e tecnologia, e, nas minhas conferências, costumo pintar uma imagem rósea do futuro, contanto, naturalmente, que os novos conhecimentos sejam usados com sabedoria (o que, devo admitir, não tem sido a norma). Nem sempre a plateia concorda comigo. Lembro-me de uma sessão de perguntas e respostas em que um jovem se levantou e contestou minha afirmação de que a tecnologia havia melhorado a qualidade de vida humana.

- Você teria sido mais feliz na Grécia Antiga? - perguntei.

- Teria - afirmou o rapaz, com a segurança que só os jovens parecem ter.

- Como escravo? - perguntei.

O rapaz se sentou sem dizer mais nada.

O problema é que as pessoas recordam os “bons tempos de outrora” - uma expressão que me causa profundo desagrado - de forma extremamente parcial. Para muitos, a Grécia Antiga significa sentar-se na ágora e bater papo com Sócrates. Roma Antiga é freqüentar o Senado e discutir política com Cícero. Eles não se lembram de que nas duas civilizações apenas uma pequena elite aristocrática se dedicava a essas atividades e a imensa maioria da população era composta de trabalhadores braçais, camponeses e escravos. É muito bonito romancear a Idade Média e sonhar em ir para a guerra usando uma armadura reluzente, mas para cada “cavaleiro andante” havia noventa e nove servos e aldeões que eram tratados pior que animais. Fico irritado com os admiradores incondicionais da América rural do século dezenove, quando tudo o que se fazia, aparentemente, era ficar sentado no quintal bebericando sidra. Além disso nos períodos de recessão não havia nenhum senso de responsabilidade social para com os desempregados; e a total inexistência de remédios eficazes, incluindo os antibióticos, fazia com que a mortalidade infantil fosse elevadíssima e a expectativa de vida muito menor que hoje em dia. Também não me deixo impressionar pelos que olham para uma mansão construída em 1907 e exclamam, com um suspiro: “Puxa, não fazem mais casas assim! Veja quantos detalhes! Veja quanto capricho!”. Perco a paciência com as pessoas que estão sempre falando dos velhos tempos, quando os artesãos tinham orgulho de sua profissão e faziam de cada objeto uma obra de arte única, enquanto que hoje em dia máquinas sem alma produzem cópias e mais cópias de artigos baratos.

Vamos colocar as coisas na sua verdadeira perspectiva. Você sabe por que era possível construir lindas mansões em 1907? Porque a mão de obra era barata, de modo que você podia se dar ao luxo de contratar dezenas de empregados para construir a mansão e dezenas de criados para mantê-la funcionando. E por que a mão de obra era barata? Porque a maioria das pessoas vivia em um estado permanente de fome e miséria. O fato de que alguns podiam ter mansões estava ligado de perto ao fato de que quase todos viviam em casebres. Da mesma forma, quando os artesãos produziam laboriosamente obras de arte, essas obras eram em número muito reduzido e constituíam o privilégio de uma reduzida casta de patrícios (ou nobres, ou banqueiros); o povo tinha que se virar mesmo era com casas de pau a pique. Se as mansões são raras hoje em dia porque a população em geral vive muito melhor, fico satisfeito com isso. Se os objetos utilitários são menos artísticos para que mais pessoas possam desfrutá-los, acho que a mudança foi para melhor. Isso me torna aquele personagem terrível, um “liberal” que se preocupa com o bem estar dos pobres, e não com os yuppies? Acho que sim, mas há mais. Meu ponto de vista também é bastante prático e egoísta.

Minha primeira mulher uma vez se queixou de que não conseguia encontrar alguém para ir à nossa casa uma vez por semana para fazer alguns serviços domésticos. Ela disse:

- Gostaria de ter vivido há um século, quando era fácil arranjar criados.

- Pois eu, não - repliquei - Porque nós seríamos os criados.

Acontece que não descendo de uma longa linhagem de aristocratas, de modo que certamente não seria um dos poucos privilegiados destinados a gozar das boas coisas da vida. O mesmo é verdade para a maioria dos que recordam com saudade os “bons tempos” de outrora, mas tenho consciência disso, e eles, aparentemente, não.

Fonte:
Isaac Asimov Magazine. Numero 1. Rio de Janeiro: Record, 1990.

Arlene Lima (Gosto de você)



Gosto de você que tem a cabeça no lugar, muito conteúdo interno, idealismo e os dois pés no chão da realidade. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais que inteligência, precisamos de afeição e doçura.

Gosto de você que ri, chora, se emociona com pequenas coisas, com um carinho, um abraço, um afago. Sem essas virtudes, a vida é de violência e tudo estará perdido.

Gosto de você que ama e curte saudades, gosta de amigos, cultiva flores, admira as paisagens e escuta. Que assume a individualidade, não reprimindo seus talentos.

Gosto de você que tem tempo para fazer atos de bondade, semear perdão, repartir ternura, compartilhar convivência, brincar, cantar, e nem pára para pensar que idade tem.

Gosto de você que faz as coisas de que gosta, mas sem fugir dos compromissos difíceis e inadiáveis, por mais desgastantes que sejam. Pode ouvir o seu coração e viver apaixonadamente. Com paciência e trabalho consegue realizar as mudanças necessárias na sua vida e no mundo à sua volta.

Gosto de você que colhe, orienta, aconselha, busca a verdade e sempre quer aprender, mesmo que seja de uma criança, de um pobre, de um analfabeto, sem deixar que o medo de perder paralise os seus planos. Sempre com ação avança em seus ideais, pois é você que decide o tipo de vida que quer levar. E caminha firme, com marchas e contramarchas, avanços e retrocessos, para um futuro promissor, melhorando a si próprio e, por consequência, melhorando tudo que está à sua volta.

Gosto de você que vai passear para esquecer as mágoas, ficando feliz porque ainda está vivo, ainda sabe sorrir, levantando a cabeça e prestando atenção nos pássaros que voam no céu, nos mostrando o amor de Deus.

Gosto de você que torna essa vida livre e bela, numa aventura maravilhosa, lutando para assegurar o futuro da mocidade e a segurança da velhice. Lutando para dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência.

Gosto de você que não se importa de fazer coisas maiores e sim melhores. Que não gasta mais do que tem, comprando muito e desfrutando pouco. Que ri mais do que irrita. Que acha mais tempo para ler um livro, orar, ao invés de ficar na frente da TV. Que conquista mais espaço interior do que exterior. Que tem mais avanços em qualidade do que em quantidade. Que em nossa época dos descartáveis mantém sua moralidade inabalável.

Gosto de você que mais ama do que é amado, que serve mais do que é servido, que toma iniciativas ao invés de achar culpados, que distribui mesmo sem ter dinheiro aos montes e que sabe dizer a todos o "EU TE AMO".

Gosto de você que nasceu entres as estrelas e as flores, marcado para a Amor e a Beleza. E se há na nossa vida algumas dores, há também a certeza - para quem sabe olhar, para quem sabe amar - de que serão mais numerosas as estrelas e as rosas.

Gosto de você

Fontes:
A Autora
Imagem = Rainwords

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.51)


Trova do Dia

Deus é Pai e Onipresente
enlaça os filhos na terra,
unindo a força da mente;
sem devaneios da guerra.
JOSIAS ALCÂNTARA/PR

Trova Potiguar

Divagando, sem guarida...
Sem destino, seminua...
A menina desvalida
vende o seu corpo na rua.
DJALMA MOTA/RN

Uma Trova Premiada

1999 > Pouso Alegre/MG
Tema > LUAR > 5º Lugar.

Nosso amor tem tal magia
que mesmo em noite sem lua,
o luar, por cortesia,
brilha só na nossa rua.
ALMERINDA LIPORAGE/RJ

Uma Poesia livre

– Manoel Rodrigues de Lima/SP –
DESEJO.

Queria muito,
saber tudo sobre as flores.
Saber
sentir seu perfume.
Saber
ver suas cores.
Assim,
saberia qual lhe ofertar.

Uma Trova de Ademar

Comprei um par de “Sapato”
por quatrocentos mil réis,
confesso que achei barato
mesmo eu só tendo um dos pés!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Fiz na vida o meu escudo
desta verdade sagrada:
- o nada com Deus é tudo,
e tudo sem Deus é nada.
BELMIRO BRAGA/MG

Estrofe do Dia

Vendi doistões de aguardente,
gás, arroz e mariola,
fumo, sabão, sal e sola,
pensando um dia ser gente;
de seguro fui agente,
vendi terra e avenida,
remédio e vaca parida,
tive sucesso e reverso;
se algum dia vender verso
já fiz tudo nessa vida.
MAJÓ/RN

Soneto do Dia

– Antonio Manoel A. Sardenberg/RJ
SOL POENTE.

Quando contemplo ao longe o sol poente
atrás do monte lá no infinito
sonho acordado o sonho mais bonito,
e tenho a fé de um homem forte e crente.

A luz suave, quase se apagando,
acende em mim um fogo tão ardente,
e ao pensar eu fico imaginando
o amor se pondo assim tão de repente.

O tempo passa e vem a madrugada
como um açoite castigando a gente
na aurora fria, escura e tão calada!

Oh... breve tempo tenha dó de mim
por que flagela um coração carente,
me machucando tanto, tanto, assim!

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo VIII: No acampamento dos Verbos

— Agora iremos visitar o Campo de Marte onde vivem acampados os VERBOS, uma espécie muito curiosa de palavras. Depois dos Substantivos são os Verbos as palavras mais importantes da língua. Só com um Nome e um Verbo já podem os homens exprimir uma idéia. Eles formam a classe militar da cidade.

— Mas que é um Verbo, afinal de contas? — perguntou Pedrinho.

— Verbo é uma palavra que muda muito de forma e serve para indicar o que os Substantivos fazem. A maior parte dos Verbos assumem sessenta e oito formas diferentes.

— Nesse caso são os camaleões da língua — observou Emília. — Dona Benta diz que o camaleão está sempre mudando de cor. Sessenta e oito formas diferentes! Isso até chega a ser desaforo. Os Nomes e Adjetivos só mudam seis vezes — para fazer o Gênero, o Número e o Grau.

— Pois os senhores Verbos até cansam a gente de tanto mudar — disse o rinoceronte. — São palavras políticas, que se ajeitam a todas as situações da vida. Moram aqui em quatro grandes acampamentos, ou campos de CONJUGAÇÃO.

Os quatro acampamentos ocupavam todo o Campo de Marte. Cada um trazia letreiro na entrada. Emília leu o letreiro mais próximo — Acampamento dos Verbos da PRIMEIRA CONJUGAÇÃO. Em letras menores vinha um aviso: "Só é permitida a entrada aos Verbos de Infinito terminado em Ar".

— Que quer dizer Infinito? — indagou Narizinho.

— É uma das sessenta e oito formas diferentes dos Verbos, e a que dá nome a toda a tribo.

O acampamento imediato era o da SEGUNDA CONJUGAÇÃO, para os Verbos terminados em Er. O acampamento seguinte era o da TERCEIRA CONJUGAÇÃO, para os Verbos terminados em Ir. Os meninos viram um acampamento mais novo, anexo ao acampamento dos Verbos da Segunda Conjugação.

— Vamos começar nossa visita por aquele — disse Emília —, só porque ele é mais novinho e menor do que os outros.

Dirigiram-se todos para lá, mas o desapontamento foi grande. Encontraram apenas o Verbo Pôr e sua família.

— Ora essa — disse Emília. — Explique, Quindim, o que faz aí esse coruja? Por que não está no acampamento grande junto com os outros?

Quindim suspirou e começou:

— Antigamente Pôr pertencia à Segunda Conjugação e chamava-se Poer. Mas o tempo, que tanto estraga e muda os Verbos, como tudo mais, fez que apodrecesse e caísse o E de Poer. Ficou Pôr, como está hoje. Os gramáticos então criaram uma nova conjugação para ele e seus parentes Compor, Depor, Propor, Dispor, Antepor, Supor e outros. Depois outros gramáticos acharam que não estava bem criarem uma conjugação inteira para um Verbo só, e trouxeram o pobre Pôr e sua família para este anexo da Segunda Conjugação e lhe deram o nome de Verbo ANÔMALO, que quer dizer Verbo Anormal da Segunda Conjugação.

— Que complicação! Seria muito mais simples fabricarem um E novo de pau para substituir o que apodreceu — lembrou Emília.

— Parece simples mas não é. Os gramáticos mexem e remexem com as palavras da língua e estudam o comportamento delas, xingam-nas de nomes rebarbativos, mas não podem alterá-las. Quem altera as palavras, e as faz e desfaz, e esquece umas e inventa novas, é o dono da língua — o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não passam dos "grilos" da língua.

— Nesse caso — insistiu Emília —, em vez de xingá-lo de Anômalo, podiam ter posto um letreirinho no pescoço do Verbo: "Ele é Poer; se está Pôr é porque o E apodreceu e caiu". Mas vamos sair do anexo e ver o acampamento da Segunda Conjugação.

Lá estava coalhado de Verbos, a ponto dos meninos nem poderem andar. O momento era bom. O batalhão do Verbo Ter, que é dos mais importantes, ia desfilar. Uma cometa soou e o desfile teve começo.

Esse batalhão compunha-se de sessenta e oito praças, ou PESSOAS, distribuídas em companhias, ou MODOS, e em pelotões, ou TEMPOS. Abria a marcha o MODO INDICATIVO, com trinta e seis soldados repartidos em seis Tempos. Na frente de todos vinha o TEMPO PRESENTE, composto de seis soldadinhos, cada qual com um Pronome no bolso. Os Verbos não sabem andar sós; vivem ligados a alguém ou alguma coisa, que é o SUJEITO; e quando o Sujeito não está presente, botam em lugar dele um Pronome.

Os nomes dos seis soldadinhos do Tempo Presente eram Tenho, Tens, Tem, Temos, Tendes e Têm, e os Pronomes que traziam no bolso eram Eu, Tu, Ele, Nós, Vós e Eles. Seis soldadinhos vivos e enérgicos, que marchavam muito seguros de si.

— Bravos! — gritou Emília. — Pelo jeito de marchar a gente vê que eles têm mesmo. . .

Em seguida veio o Segundo Tempo, cujo nome era PRETÉRITO IMPERFEITO; tinha igual número de soldadinhos, ou Pessoas, embora menos jovens e com caras menos vivas.

Chamavam-se Tinha, Tinhas, Tinha, Tínhamos, Tinheis e Tinham.

— Esses não têm: tinham!. . . — observou Pedrinho. — Por isso estão meio jururus.

Depois veio o Terceiro Tempo, chamado PRETÉRITO PERFEITO, composto igualmente de seis soldados de olhos no fundo, amarelos, magros, com expressão de medo na cara. Eram eles Tive, Tiveste, Teve, Tivemos, Tivestes e Tiveram.

— Estou vendo! — comentou Emília. — Tiveram, já não têm mais nada, os bobos. Bem feito! Quem manda. . .

— Quem manda o quê, Emília? — indagou Narizinho.

— Quem manda perderem o que tinham? Agora agüentem.

Depois desfilou o Quarto Tempo, chamado PRETÉRITO MAIS-QUE-PERFEITO. Eram também seis soldados — Tivera, Tiver as, Tivera, Tivéramos, Tiver eis e Tiveram.

Depois passou o Quinto Tempo, chamado FUTURO DO PRESENTE, e foram recebidos com palmas por serem soldadinhos dos mais alegres e esperançosos — Terei, Terás, Terá, Teremos, Ter eis, Terão.

— Estes são espertos — disse Pedrinho. — Sabem contentar a todo mundo. Viva o Futuro!. . .

Estava terminado o desfile do Modo Indicativo, que exprime o que é, ou a realidade do momento.

Houve um pequeno descanso antes de começar o desfile do MODO IMPERATIVO, que era orgulhosíssimo. Compunha-se apenas de cinco soldados carrancudos, com ar mais autoritário que o do próprio Napoleão. Eram eles o Tem, Tenha, Tenhamos, Tende, Tenham.

— Só fazem isso — explicou Quindim. — Mandam que o pessoal tenha.

— Tenha que coisa? — indagou Emília.

— Tudo quanto há. Quando o Imperativo diz para você, com voz de ditador: Tenha juízo, Emília!, ele não está pedindo nada — está mandando como quem pode, ouviu?

— Fedorento!... — exclamou a boneca com um muxoxo de pouco-caso.

Depois desfilou o MODO SUBJUNTIVO, com três Tempos, de seis Pessoas cada um. O Primeiro Tempo, de nome PRESENTE, trazia os soldados Tenha, Tenhas, Tenha, Tenhamos, Tenhais e Tenham.

Em seguida desfilou o Segundo Tempo, de nome PRETÉRITO IMPERFEITO, com os seus seis soldados — Tivesse, Tivesse s, Tivesse, Tivéssemos, Tivésseis e Tivessem. E por fim desfilou o Terceiro Tempo, o FUTURO, com os seus seis soldados — Tiver, Tiveres, Tiver, Tivermos, Tiverdes e Tiverem. E pronto! Acabou-se o Modo Subjuntivo, que é o Modo que indica alguma coisa possível.

— Qual o que vem agora? — perguntou o menino.

— Vai desfilar agora o MODO INFINITIVO — respondeu Quindim. — Esse Modo só tem dois Tempos — o PRESENTE IMPESSOAL, com um soldado único — Ter; e o PRESENTE PESSOAL, com seis soldados — Ter,

Teres, Ter, Termos, Terdes e Terem.

— Hum!... — exclamou Emília quando viu passar, muito teso e cheio de si, o soldadinho Ter, do Presente Impessoal. — Este é o tal Infinito, pai de todos e o que dá nome ao Verbo. Um verdadeiro general. Merece parabéns pela disciplina da sua tropa.

Fechava a marcha do Modo Infinito o GERÚNDIO, composto do soldado Tendo, seguido logo depois do PARTICÍPIO, composto também dum só soldado, um veterano muito velho, com o peito cheio de medalhas — Tido.

— Parece o Garibaldi — asneirou a boneca. — Escangalhado, mas glorioso.

Estava finda a revista do Verbo Ter. O rinoceronte perguntou aos meninos se queriam assistir a outras.

— Não — respondeu Narizinho. — Quem vê um Verbo, vê todos. Só quero saber que história é essa de Verbos REGULARES e IRREGULARES. Estou notando ali uma cerca que separa uns de outros.

— Verbos Regulares são os bem-comportados — explicou Quindim —, os que seguem as regras muito direitinhos. Verbos Irregulares são os rebeldes, os que não se conformam com a disciplina. Este Senhor Ter, por exemplo, é Irregular, visto como não segue o PARADIGMA da Segunda Conjugação.

— Que Paradigma é esse agora? — indagou Pedrinho.

— Cada Conjugação possui o seu Regulamento, ou Paradigma, a fim de que todos os Verbos Regulares formem as suas PESSOAS sempre do mesmo modo.

— Que Pessoas, Quindim?

— Os soldadinhos são as Pessoas dos Verbos, creio que já expliquei. Tenho, Tens, Tem, Temos, Tendes e Têm, por exemplo, são as seis Pessoas do Tempo Presente do Modo Indicativo.

— Com que então o tal Ter é irregular, hein? Não parecia.

— E além de Irregular é AUXILIAR. Os Verbos Ter, Ser, Estar e Haver são chamados Verbos Auxiliares porque além de fazerem o seu serviço ainda ajudam outros Verbos. Quando alguém diz: Tenho brincado muito, está botando o Verbo Ter como auxiliar do Verbo Brincar.

— E que outras qualidades do Verbo há?

— Muitas. Verbo é coisa que não acaba mais. Há Verbos DEFECTIVOS, uns coitados, com falta de Modos, Tempos ou Pessoas.

Há os Verbos PRONOMINAIS, que não sabem viver sem um Pronome Oblíquo adiante ou atrás, como Queixar-se. Sem esse Se, ou outro Pronome, ele não se arruma na vida.

Há os Verbos ATIVOS, que dizem o que o Sujeito faz; e há os Verbos PASSIVOS, que dizem o que fizeram para o Sujeito. A frase: Eu comi o doce está com um Verbo Ativo. A frase: O doce foi comido por mim está com um Verbo Passivo (Foi Comido).

Se formos falar tudo, tudo, a respeito de Verbos, ficaremos aqui o dia inteiro. Gentinha que muda de forma como eles fazem, dá pano para mangas! E são exigentíssimos. Uns não sabem viver sem um COMPLEMENTO adiante, e por isso se chamam Verbos TRANSITIVOS. Outros dispensam o Complemento, e por isso se chamam INTRANSITIVOS. Queimar, por exemplo, é Transitivo, porque exige Complemento. Se alguém diz: O fogo queimou, a frase fica incompleta; e quem ouve pergunta logo o que é que o fogo queimou. Essa coisa que o fogo queimou, seja mato, lenha ou carvão, constitui o Objeto Direto de Queimou.

— E os Intransitivos?

— Esses não pedem Complemento, como eu já disse. O Verbo Morrer, por exemplo, é Intransitivo. Quando a gente diz: O gato morreu, a frase está perfeita e ninguém pergunta mais nada. — Eu pergunto! — gritou Emília. — Pergunto de que morreu, e quem o matou e onde jogaram o cadáver.

Quindim coçou a cabeça.
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Continua ... Capítulo IX: Emília na casa do Verbo Ser
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

AVISO DE FÉRIAS


Prezados Internautas

Comunico que não haverão postagens contínuas do blog, em virtude de eu estar viajando por uma semana para São Paulo.

Retornarei no dia 25, quinta-feira da semana vindoura.

Conto com vossa compreensão.
José Feldman

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Torquato Neto (Poesias Escolhidas)


A RUA

toda rua tem seu curso
tem seu leito de água clara
por onde passa a memória
lembrando histórias de um tempo
que não acaba

de uma rua de uma rua
eu lembro agora
que o tempo ninguém mais
ninguém mais canta
muito embora de cirandas
(oi de cirandas)
e de meninos correndo
atrás de bandas

atrás de bandas que passavam
como o rio parnaíba
rio manso
passava no fim da rua
e molhava seu lajedos
onde a noite refletia
o brilho manso
o tempo claro da lua

ê são joão ê pacatuba
ê rua do barrocão
ê parnaíba passando
separando a minha rua
das outras, do maranhão

de longe pensando nela
meu coração de menino
bate forte como um sino
que anuncia procissão

ê minha rua meu povo
ê gente que mal nasceu
das dores que morreu cedo
luzia que se perdeu
macapreto zé velhinho
esse menino crescido
que tem o peito ferido
anda vivo, não morreu

ê pacatuba
meu tempo de brincar
já foi-se embora
ê parnaíba
passando pela rua
até agora
agora por aqui estou
com vontade
e eu vou volto pra matar
essa saudade

ê são joão ê pacatuba
ê rua do barrocão.

COGITO

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos segredos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou

presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim..

LET'S PLAY THAT

quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let´s play that

(musicada por Jards Macalé)

UM CIDADÃO COMUM

Sempre subindo a ladeira do nada,
Topar em pedras que nada revelam.
Levar às costas o fardo do ser
E ter certeza que não vai ser pago.

Sentir prazeres, dores, sentir medo,
Nada entender, querer saber tudo.
Cantar com voz bonita prá cachorro,
Não ver "PERIGO" e afundar no caos.

Fumar, beber, amar, dormir sem sono,
Observar as horas impiedosas
Que passam carregando um bom pedaço
da vida, sem dar satisfações.

Amar o amargo e sonhar com doçuras
Saber que retornar não é possível
Sentir que um dia vai sentir saudades
Da ladeira, do fardo, das pedradas.

Por fim, de um só salto,
Transpor de vez o paredão.

PANORAMA VISTO DA PONTE

Azulejos retorcidos pelo tempo
Fazem paisagem agora no abandono
A que eu mesmo releguei um mal distante.

Faz muito tempo e a paisagem é a mesma
Não muda nunca - sempre indiferente
A céus que rolem eu infernos que se ergam.

Alguns vitrais. E em cinerama elástico
O mesmo campo, o mesmo amontoado
Das lembranças que não querem virar cinzas.

Três lampiões. As côres verde e rosa
A brisa dos amores esquecidos
E a pantera, muito negra, das paixões.

Não passa um rio enlameado e doce
Nem relva fresca encobre a terra dura.
É só calor e ferro e fogo e brasa

Que insistem como cobras enroladas
Nos grossos troncos, medievais, das árvores.
Uma eterna camada de silêncio

E o sol cuspindo chumbo derretido.
O céu é azul - e como não seria?
mas tão distante, tão longínquo e azul...

BILHETINHO SEM MAIORES CONSEQUÊNCIAS

Uma retificação, meu bom Vinícius:
Você falou em "bares repletos de homens vazios"
e no entanto se esqueceu
de que há bares
lares
teatros, oficinas
aviões, chiqueiros
e sentinas,
cheinhos(ao contrário)
de homens cheios
Homens cheios.
(e você bem sabe)
entulhados da primeira à última geração
da imoralidade desta vida
das cotidianas encruzilhadas e decepções
da patente inconsequência disso tudo.
Você se esqueceu
Vinícius, meu bom,
dos bares que estão repletos de homens cheios
da maldade das coisas e dos fatos,
dos bares que estão cheios de homens cheios
da maldade insaciável
dos que fazem as coisas
e organizam os fatos
E você
que os conhece tão de perto
Vinícius "Felicidade" de Moraes
não tinha o direito de esquecer
essa parcela imensa de homens tristes,
condenados candidatos naturais
a títulos de tão alta racionalidade
a deboches de tão falsa humanidade.

Com uma admiração "deste tamanho".
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Fontes:
TORQUATO NETO. Os últimos dias de paupéria: do lado de dentro. Org. Ana Maria S. de Araújo Duarte e Waly Salomão. 2.ed. rev. e aum. São Paulo: M. Limonad, 1982
http://www.naoser.hpg.ig.com.br/torquato.htm
http://www.torquatoneto.com.br

Torquato Neto (1944 – 1972)



Torquato Pereira de Araújo Neto (Teresina PI, 1944 - Rio de Janeiro RJ, 1972). Cursou Jornalismo no Rio de Janeiro, por volta de 1966, mas não chegou a concluir a faculdade.

Nos anos seguintes compôs letras musicadas por Gilberto Gil ("Geléia Geral", "Louvação"), Caetano Veloso ("Deus Vos Salve a Casa Santa", "Ai de Mim", "Copacabana", "Mamãe, Coragem") e Edu Lobo ("Lua Nova", "Pra Dizer Adeus").

Entre 1970 e 1972 atuou nos filmes Nosferatu no Brasil e A Múmia Volta a Atacar, de Ivan Cardoso, e Helô e Dirce, de Luiz Otávio Pimentel. No período também criou e redigiu a coluna Geléia Geral no jornal carioca Última Hora.

Em 1973 ocorreu a publicação póstuma de seu livro de poesia Os Últimos Dias de Paupéria, organizado por Ana Maria S. de Coraújo Duarte e Waly Salomão.

Três anos depois, foram incluídos alguns de seus poemas na antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda em 1976.

Em 1997 foram publicados quatro de seus poemas na antologia bilíngüe Nothing the Sun Could Not Explain, organizada por Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher.

Torquato Neto foi um dos compositores mais inovadores da canção popular dos anos de 1970.

Fonte:
http://www.torquatoneto.com.br/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.50)


Trova do Dia

Belo mar que amamos tanto,
com rendas brancas vestido.
Brindamos o teu encanto,
maravilhoso, incontido!
ARLENE LIMA/PR

Trova Potiguar

Na montanha a fala boa;
sermão com tanta verdade,
que até hoje ainda ecoa,
no ouvido da humanidade.
LUIZ DUTRA BORGES/RN

Uma Trova Premiada

2009 > Cantagalo/RJ
Tema > EUCLIDES DA CUNHA > 13º Lugar.

Prosando, Euclides da Cunha,
em "Os Sertões", pinta o porte
do sertanejo... que alcunha:
"é, antes de tudo um forte".
MARIA DA CONCEIÇÃO FAGUNDES/PR

Uma Poesia livre

– Shannya Lacerda/RN –
MARVADA

Leve daqui meus males;
a verdura de meus sonhos
acabou em morte! Leve, leve
daqui tudo o que lembrar.
Fadigas, cheiros, sonhos, roupas,
músicas, paisagens, roupas,
cheiros, brigas, recordações...
enfim, leve tudo consigo.
Pois não conseguirei levar comigo
junto às flores de meu caixão.
Vá.
Vá logo,
ou vá-se daqui também comigo!
Leve as agonias, passamentos, roupas;
para onde vou?, não as preciso. Ou preciso?
Se precisar leve-me junto.
Leve junto às roupas que trago
condensadas na pele e as que já nem sinto.

Uma Trova de Ademar

Uma promessa de amor
pode até ser esquecida,
mas, se feita ao Criador,
terá sim, que ser cumprida!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

A amizade verdadeira
é infinita como o espaço
mas se estreita e cabe, inteira,
nos limites de um abraço.
WALDIR NEVES/RJ

Estrofe do Dia

Você reza o Pai Nosso e não entende
que pediu a Jesus na oração,
que ele só lhe dê o seu perdão
se você perdoar a quem lhe ofende.
Mas agora que você compreende,
toda vez que estiver ajoelhado
pra rezar um Pai Nosso compassado,
você lembre durante a oração,
que é preciso que exista o seu perdão
para que você seja perdoado.
JOSÉ ACACI/RN

Soneto do Dia

– Florbela Espanca/Portugal–
EU

Eu sou a que no mundo anda perdida,
eu sou a que na vida não tem norte,
sou a irmã do sonho, e desta sorte
sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
e que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
alguém que veio ao mundo pra me ver,
e que nunca na vida me encontrou!

Fonte:
Ademar Macedo