sábado, 24 de setembro de 2011

Consiglieri Pedroso (A Menina e o Bicho)


Era uma vez um homem que tinha três filhas.

Eram todas muito amigas dele, mas havia uma que ele estimava mais.

Foi um dia à feira e perguntou às filhas o que é que elas queriam de lá. Uma delas disse:

– Um chapéu e umas botas!

A outra disse também:

– Um vestido e um xaile!

Mas a que ele estimava mais não lhe disse nada.

O homem, muito admirado, perguntou:

– Ó minha filha, tu não queres nada?

– Não quero nada, disse ela. Quero que meu pai tenha saúde!

– Tu hás-de também pedir uma coisa, seja o que for, que eu trago-ta! respondeu o pai.

Ela, para que o pai a deixasse, disse então:

– Quero que meu pai me traga um corte de goraz em campo verde.

O homem foi para a feira, comprou todas as coisas que as filhas lhe tinham pedido, e não fazia senão procurar o corte de goraz em campo verde. Mas não o encontrou. Era coisa que não havia. Por isso vinha muito triste para casa, porque era a filha que ele mais estimava.

Quando vinha andando, aconteceu-lhe ver luzir uma luz no caminho, porque já era noite.

Foi andando, andando, até chegar àquela luz.

Era um pastor, que estava ali numa cabana. O homem chegou-se a ele e perguntou:

– Sabe-me dizer que palácio é aquele, e se me podiam dar agasalho!

O pastor respondeu muito admirado:

– Oh!, senhor, mas... naquele palácio não habita ninguém; aparece lá uma coisa, e todos têm medo de lá estar!

– Deixá-lo, disse o homem, não me hão-de comer, e como não tem ninguém, vou lá dormir esta noite!

Foi. Encontrou tudo iluminado e muito rico e, entrando mais para dentro, viu uma mesa posta. Quando se ia a chegar à mesa, ouviu uma voz dizer:

– Come e vai-te deitar naquela cama que ali está, e pela manhã levanta-te e leva o que está em cima daquela mesa, que é o que a tua filha te pediu, mas, ao fim de três dias, hás-de ma trazer aqui.

O homem ficou muito contente por levar à filha o que ela tinha pedido, mas ao mesmo tempo ficou triste pelo que a voz lhe tinha dito.

Deitou-se e ao outro dia levantou-se, foi direito à mesa e viu o corte de goraz em campo verde; agarrou nele e foi para casa.

Apenas chegou, começaram as filhas de roda dele:

– Meu pai, que é que nos trouxe? Deixe ver.

O pai deu-lhes tudo quanto trazia.

A outra filha, a que ele estimava mais, perguntou-lhe só se ele tinha saúde. O pai respondeu-lhe:

– Minha filha, venho contente e ao mesmo tempo triste! Aqui tens o teu pedido.

A filha respondeu-lhe:

– Oh! meu pai, eu tinha-lhe pedido isto, porque era coisa que não havia; mas porque é que vem tão triste?

– Porque tenho de levar-te ao fim de três dias aonde me deram isto!

E contou tudo o que lhe tinha acontecido no palácio e o que a voz lhe tinha dito. A filha, quando ouviu tudo, respondeu:

– Não esteja triste, meu pai, que eu vou, e há-de ser o que Deus quiser!

Assim foi. Ao fim de três dias o pai levou-a ao palácio encantado.

Estava tudo iluminado, a mesa posta e duas camas feitas.

Quando entraram, ouviram uma voz dizer:

– Come e deixa-te estar três dias com a tua filha, para ela não ter medo.

O homem esteve os três dias no palácio. No fim, foi-se embora, ficando a filha só.

A voz falava com ela todos os dias, mas não se via ninguém.
Ao fim de uns poucos dias, a menina ouviu cantar um passarinho no jardim. A voz disse-lhe:

– Tu ouves o passarinho a cantar?

– Oiço, sim, disse a menina; é alguma novidade?

– É tua irmã mais velha que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.

A menina, muito contente, disse:

– Eu quero, sim; e tu deixas-me Ir?

– Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!

– Volto, sim! – disse a menina.

A voz deu-lhe então um anel, para ela se não esquecer, e disse-lhe:

– Olha que ao fim de três dias vai um cavalo branco buscar-te; há-de bater três pancadas: a primeira é para te vestires, a segunda é para te despedires e a terceira é para te montares. Se às três não estiveres em cima do cavalo, ele vem-se embora e deixa-te lá!

A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias, foi o cavalo branco bater três pancadas. À primeira a menina começou a vestir-se, à segunda despediu-se e à terceira montou a cavalo.

A voz tinha dado à menina um caixote de dinheiro para levar ao pai e às irmãs, e por isso elas não queriam que ela tornasse para o palácio encantado, porque já estava multo rica.

Mas a menina lembrou-se do que tinha prometido, e apenas se viu em cima do cavalo foi-se embora.

No fim de certo tempo tornou o passarinho a cantar muito contente no jardim. A voz disse-lhe:

– Tu ouves o passarinho a cantar?

– Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade?

– É a outra tua irmã que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.

A menina, muito contente, disse:

– Eu quero, sim; e tu deixas-me ir?

– Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!

– Volto, sim, disse a menina.

A voz disse, então:

– Olha que se ao fim de três dias não vieres, ficas lá, e serás a rapariga mais desgraçada que há no mundo!

A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias veio o cavalo branco. Deu a primeira pancada, e a menina vestiu-se; deu a segunda, e a menina despediu-se; deu a terceira, e montou a cavalo e foi para o palácio.

Passados tempos tornou o passarinho a cantar no jardim, mas muito triste, muito triste.

A voz disse-lhe:

– Tu ouves o passarinho?

– Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade? É, sim, é o teu pai que está para morrer, e não morre sem se despedir de ti!

– E tu deixa-me ir? perguntou a menina, muito triste.

– Deixo, sim, mas desta vez é que tu não voltas!

– Volto, sim, disse a menina.

A voz disse-lhe:

– Não voltas, não, que as tuas irmãs não te deixam vir! E tu e mais elas, serão as raparigas mais desgraçadas deste mundo, se não voltares ao fim de três dias!

A menina foi, o pai estava muito mal e não podia morrer, mas apenas se despediu dela, morreu.

As irmãs, como ela tinha perdido a noite, deram-lhe dormideiras e deixaram-na dormir.

A menina pediu muito que a acordassem antes de vir o cavalo branco.

As irmãs que fizeram? Não a acordaram e tiraram-lhe o anel do dedo.

Ao fim de três dias veio o cavalo. Bateu a primeira pancada, bateu a segunda, bateu a terceira e foi-se embora, e a menina ficou.

Ela andava muito satisfeita com as irmãs, porque não tinha o anel e já não se lembrava de coisa nenhuma.

Daí a uns poucos dias, começou a fortuna a andar para trás, a ela e às irmãs.

Até que uma vez as duas disseram-lhe:

– Mana, tu não te lembras do cavalo branco?

A menina lembrou-se, então, de tudo e disse a chorar:

– Ai. que desgraça a minha! Ai, que me desgraçaram! Que é do meu anel?

As irmãs deram-lhe o anel, e a menina, com muita pena, foi-se logo embora. Chegou ao palácio encantado, mas viu tudo muito triste, muito escuro e muito fechado.

Foi direita ao jardim e encontrou um bicho muito grande, estendido no chão. O bicho, apenas a viu, disse-lhe:

– Retira-te, tirana, que me dobraste o meu encanto! Agora serás a rapariga mais desgraçada do mundo, tu e as tuas irmãs!

O bicho estava a acabar e, assim que disse isto, morreu. A menina voltou para as irmãs, muito triste e a chorar multo, meteu-se em casa sem comer nem beber, e dali a dias morreu também.

As irmãs, essas ficaram cada vez mais pobres, por terem sido a causa disto tudo.

Fontes:
Projeto Vercial
Radar da Net

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 344)


Uma Trova Nacional

Fez a macumba... no entanto,
desesperou-se e sofreu...
- Em vez de “baixar” o santo,
a caxumba é que desceu...
–PEDRO MELLO/SP–

Uma Trova Potiguar

Desisti das minhas lutas,
nos sufrágios, com cautelas,
vou votar nas prostitutas,
me cansei dos filhos delas...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Bandeirantes/PR
Tema: TRABALHO - Venc.

Aos domingos nada faço:
falou de trabalho, eu xingo.
- E os outros dias eu passo
planejando o meu domingo!
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Dançando com Maristela
lá no forró do tampinha,
roçando nas “partes” dela
saiu faísca da “minha”...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Com aquele rebolado
que é tão fora do comum,
a mulher do delegado
também prende qualquer um...
–COLBERT RANGEL COELHO/MG–

Simplesmente Poesia

MOTE.
“Veado” talvez não seja,
mas trejeitos ele tem.

GLOSA:
Em qualquer canto que esteja
quer sentado, quer de pé,
parece mais que é mulher,
“veado”, talvez não seja.
Toda mão que aperta beija,
chama todos de meu bem,
casar, não quer com ninguém
e só fala afeminado;
pode até não ser veado,
mas trejeitos ele tem.
-LUIZ XAVIER/RN-

Estrofe do Dia

No shopping, as gatas passando,
boas, lindas, e ele espia,
“botava” os olhos e cuspia,
grande aversão demonstrando...
Eu perguntei, desde quando,
mudaste de lado assim?
Não mudei... E digo enfim:
Tô é pensando na “véia”,
Gordona e cheia de “péia”
que em casa está me esperando!...
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

À Minha Secretária
–PEDRO TORQUATO MACIEL/SP–

Eu sou um tabelião de vida austera
e gosto de ver sempre à minha frente
a linda secretária permanente
bem limpa, arrumadinha, à minha espera.

Minha mulher um dia me dissera,
lá dentro do cartório, intransigente:
"Eu desejo limpar esse ambiente
Onde o mau gosto estranhamente impera!"

Em seguida, faltando-me ao respeito,
pegou a secretária de mau jeito
e, nervosa, quebrou-lhe uma perna.

Então, ao ver-me um tanto contrariado,
risonha declarou já ter comprado
outra nova, bonita e mais moderna.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 21

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 343)


Uma Trova Nacional

Se houver um conflito cala,
porque em plena discussão,
quanto mais a gente fala,
tanto mais perde a razão.
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Uma Trova Potiguar

O beijo – doce expressão,
obra de um grande inventor,
é a chave do coração
abrindo a porta do amor.
–SEBASTIÃO SOARES/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - TrovaUneVersos/RN
Tema: SILHUETA - M/E.

Trago no peito guardada,
entre as lembranças da vida
a Silhueta gravada
da tua imagem querida!
–ZENAIDE MARÇAL/CE–

Uma Trova de Ademar

Sabe o que houve entre nós dois
que a vida desmoronou?
Descobri anos depois:
“foi um rio que passou...”
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

De uma forma desmedida,
muita gente, a toda hora,
dizendo gozar da vida
vai jogando a vida fora!!!
–ALFREDO DE CASTRO/MG–

Simplesmente Poesia

Insano
–SERGIO SEVERO/RN–

Se tem razão a loucura,
encontrei a explicação,
para tanta molhação
nesta Terra de Secura:

O Céu, fendeu o seu chão
e Deus chorou, compungido,
pelo Povo desvalido,
pela seca no Sertão.

Dessa água irei beber,
cada gota que chover,
e num total desvario...

... adoçarei as salinas,
e plantarei turmalinas,
na margem central do rio.

Estrofe do Dia

A sanfona do povo, o nome dela
Gonzagão conduzia no seu peito,
era tão cobiçada de tal jeito
todo mundo queria tocar nela;
uma banda cinzenta outra amarela
eram cores da nossa região,
o seu corpo morreu entrou no chão
mas a fama do homem não morreu;
está guardada num quarto de museu
a sanfona que mais tocou baião.
–DAUDETH BANDEIRA/PB–

Soneto do Dia

Árvore
–RAYMUNDO DE SALLES BRASIL/BA–

Abrigas, sem vaidade, a tantos quantos,
vindos de lutas, buscam refrigério;
não cobras um real por serem tantos,
não usas esse sórdido critério.

Ao que sorri feliz, ao triste, ao sério,
dás, a todos, os mesmos acalantos...
és um delubro puro e sem mistério,
templo das alegrias e dos prantos.

E ainda dás o fruto ao que tem fome,
sem sequer perguntar nem mesmo o nome
ao cansado e faminto repousante.

Oh! Árvore! tu és, não só um templo,
és, também, um belíssimo exemplo
de bondade - frondosa e verdejante!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Adolfo Coelho (Comadre Morte)


Havia um homem que tinha tantos filhos, tantos que não havia ninguém na freguesia que não fosse compadre dele e vai a mulher teve mais um filho. Que havia do homem fazer? Foi por esses caminhos fora a ver se encontrava alguém que convidasse para compadre.

Encontrou um pobrezito e perguntou-lhe se queria ser compadre dele.

– Quero; mas tu sabes quem eu sou?

– Eu sei lá; o que eu quero é alguém para padrinho do meu filho. – Pois, olha, eu cá sou Deus.

– Já me não serves; porque tu dás a riqueza a uns e a pobreza a outros.

Foi mais adiante; e encontrou uma pobre e perguntou-lhe se queria ser comadre dele.

– Quero; mas sabes tu quem eu sou?

– Não sei.

– Pois, olha, eu cá sou a Morte.

– És tu que me serves, porque tratas a todos por igual.

Fez-se o baptizado e depois disse a Morte ao homem:

– Já que tu me escolheste para comadre, quero-te fazer rico. Tu fazes de médico e vais por essas terras curar doentes; tu entras e se vires que eu estou à cabeceira é sinal que o doente não escapa e escusas de lhe dar remédio; mas se estiver aos pés é porque escapa; mas livra-te de querer curar aqueles a que eu estiver à cabeceira, porque te dou cabo da pele.

Assim foi. O homem ia às casas e se via a comadre à cabeceira dos doentes abanava as orelhas; mas se ela estava aos pés receitava o que lhe parecia. Vejam lá se ele não havia de ganhar fama e patacaria, que era uma coisa por maior! Mas vai uma vez foi a casa dum doente muito rico e a Morte estava à cabeceira; abanou as orelhas; disseram-lhe que lhe davam tantos contos de réis se o livrasse da Morte e ele disse:

– Deixa estar que eu te arranjo, e pega no doente e muda-o com a cabeça para onde estavam os pés e ele escapa.

Quando ia para casa sai-lhe a comadre ao caminho:

- Venho buscar-te por aquela traição que me fizeste.

– Pois, então, deixa-me rezar um padre-nosso antes de morrer.

– Pois reza.

Mas ele rezar; qual rezou! Não rezou nada e a Morte para não faltar à palavra foi-se sem ele.

Um dia o homem encontra a comadre que estava por morta num caminho; e ele lembrou-se do bem que ela lhe tinha feito e disse:

– Minha rica comadrinha, que estás aqui morta; deixa-me rezar-te um padre-nosso por tua alma.

Depois de acabar, a Morte levantou-se e disse:

– Pois já que rezaste o padre-nosso, vem comigo.

O homem era esperto; mas a Morte ainda era mais; pois não era?

Fontes:
Projeto Vercial
Imagem = Jangada Brasil

Concurso Internacional de Contos Vicente Cardoso (Vencedores)


A comissão julgadora do Concurso Internacional de Contos Vicente Cardoso reunida na data de 21 de Setembro de 2011 vem a público trazer os classificados no referido certame literário.

Comissão Julgadora:
Larry Wisniewski
Maria Inez Flores Pedroso

1º lugar
Pseudonimo: Phillip K. Bradbury
Autor: Gabriel Francisco de Mattos
Conto: CANÇÃO
Cuiaba - MT

2º lugar
Pseudônimo: João de Salles
Nome do autor: Júlio Pepe Barradas
Conto: MERCADOR DE ALMAS
Brasilia - DF

3º lugar
Pseudonimo: La bruja
Nome: Tatiana Alves Soares Caldas
Conto: MASMORRA VIRTUAL
Rio de Janeiro - RJ

4º lugar
Pseudônimo: Alpha Phi
Conto: SOBRE URUBUS
Nome: Anderson Santos
Porto Alegre - RS

5º Lugar
Pseudonimo: GBR
Nome: Gustavo Barbosa Rossato
Conto: 2012 THANATOS
Jundiaí - SP

MENÇÕES HONROSAS:

Pseudônimo: Rodrigo Vieira
Nome real: Davi Menossi Gonzales
Conto: FOME
São Caetano do Sul - SP

Pseudônimo: Sisifo
Nome: Dora Oliveira
Conto: A ROTA DA ESTRELA MORTA
Ipatinga - MG

Pseudônimo: Fênix dos Pampas
Nome : Cláudia de Andrade Aurelio Curcio
Conto: A JORNADA DOS GUERREIROS DE GAIA
Getúlio Vargas/Sapucaia do Sul - RS

Pseudônimo: Monsieur Cabernet Sauvignon
Nome : Gilberto Garcia da Silva
Conto: O SILÊNCIO DA ETERNIDADE
Praia Grande – SP

Pseudônimo: Geraldine Noel
Nome : Sara Maria Binatti dos Anjos
Conto: O CASEBRE
Porto Alegre – RS

Pseudonimo: Areg
Nome: Geraldo Trombin
Conto: MARCA-PÁGINA DA VIDA
Americana - SP

Pseudónimo: Leila
Nome : Valentina Silva Ferreira
Conto : OS SÚBDITOS DO DIABO
Funchal, Ilha da Madeira - Portugal

Pseudônimo: Parmênides
Nome : Marcelo Rabello dos Santos
Conto: O CONTADOR E O MAGO
Porto Alegre - RS

Pseudônimo: Zardoz
Nome: Paulo Eduardo Mauá
Título: ACORDA E VEM VER O LUAR
Santos – SP

Pseudônimo: Hans Frans
Nome: Eduardo de Paula Nascimento
Conto: MINHA LUTA
Franca - SP

Todos os textos serão publicados na coletânea O MAGO DA BORGES DE MEDEIROS a ser lançada durante a 7ª Feira do Livro de Santa Rosa que acontecerá de 13 até 16 de Outubro de 2011.

Fonte:
Magnus Langbecker
Comissão Central Organizadora da 7ª Feira do Livro de Santa Rosa

Fernando Pessoa ("Aproveitar o tempo!")


Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Milton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!

Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos — nem mais nem menos —
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos —
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.

Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...

Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...

Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!
(Passageira que viajaras tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto a vida?)

Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.

(Apostilla "Aproveitar O Tempo" de Fernando Pessoa)

Fonte:
Luis Gaspar

Pedro Ornellas (Trovas: Saudade é…) Parte 5


81
Saudade, ponte encantada
entre o passado e o presente,
por onde a vida passada
volta a passar novamente!
Archimimo Lapagesse – Florianópolis SC

82
Saudade, - coisa tão vaga,
concretiza o que passou;
é juro que a gente paga
pelo bem que desfrutou.
Bitencourt de Sá – Rio de Janeiro RJ

83
Saudade é noite de lua,
entre sobrados antigos,
e a gente só, numa rua,
lembrando velhos amigos.
Consuelo Jardim De Miranda - Belo Horizonte MG

84
Saudade é isto que existe
nos olhos desse velhinho,
quando, embevecido, assiste
aos folguedos do netinho.
Aparício Fernandes – Acari RN

85
Saudade, uma voz perdida
entre as vozes do presente.
Ao passado dando vida,
vai tirando a vida à gente...
Nichol Xavier – Rio de Janeiro RJ

86
Saudade é uma noite escura
que custa desvanecer
para alguém que só procura
por um novo amanhecer.
Agnelo Campos – Pirangi SP

87
Saudade, um grande cercado,
sem cancela e sem mourão;
onde vivo “enchiqueirado”
à sombra da solidão.
Francisco Macedo – Natal RN

88
Armado pela Ternura,
que estranho laço é a saudade...
- Prende a gente com doçura
e aperta... barbaridade...
Waldir Neves – Rio de Janeiro RJ

89
A saudade se resume
naquele odor que trescala
de um vidro já sem perfume
guardado dentro da mala.
Luiz Alfredo – São Luís MA

90
Saudade! És a ressonância
de uma cantiga sentida,
que, embalando a nossa infância,
nos segue por toda vida!
Da Costa e Silva - PI

91
Saudade é um retrato antigo
que à ironia se compara:
nele estou sempre contigo,
e nem a morte separa...
Otávio Venturelli – Nova Friburgo RJ

92
Ao passado vivo preso,
e a saudade no meu fado,
é farol que fica aceso
iluminando o passado.
Dulcídio de Barros Moreira - Juiz de Fora MG

93
Saudade – lâmpada acesa
no altar da recordação,
onde a ternura e a tristeza
rezam a mesma oração!
Colombina – São Paulo SP

94
A Saudade é dependência...
É meu vício, em tal medida,
que você se fez a ausência
mais presente em minha vida!
João Freire Filho – Rio de Janeiro RJ

95
A saudade é uma goteira
que quando vem não se acalma;
pinga quase a noite inteira
na solidão da minha alma
Miguel Cione – Ribeirão Preto SP

96
Um carro de boi gemendo,
um longo apito de trem,
uma porteira rangendo,
isto é saudade também!
Carolina Azevedo de Castro – Petrópolis RJ

97
A saudade é uma sereia
que, dentro do coração,
com seu canto sempre enleia
quem vive na solidão.
Roberto Damasceno – Cons. Lafaiete MG

98
A saudade é uma andorinha
que, ao morrer do sol a chama,
as asas tristes aninha
no coração de quem ama.
Adelmar Tavares – Recife PE

99
Esta saudade é um açoite
Que martiriza minh’alma ,
Flagela por toda a noite
E nem de dia se acalma...
Emílio Carlos Alves – Santos SP

100
Meu orgulho se rebela
mas o amor faz perdoar,
porque a saudade é janela
que eu nunca aprendo a fechar.
Almerinda Liporage (Tita) – Rio de Janeiro RJ

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Machado de Assis (O Alienista) XIII, final – Plus Ultra!


CAPÍTULO XIII - PLUS ULTRA!

Era a vez da terapêutica. Simão Bacamarte, ativo e sagaz em descobrir enfermos, excedeu-se ainda na diligência e penetração com que principiou a tratá-los. Neste ponto todos os cronistas estão de pleno acordo: o ilustre alienista faz curas pasmosas, que excitaram a mais viva admiração em Itaguaí.

Com efeito, era difícil imaginar mais racional sistema terapêutico. Estando os loucos divididos por classes, segundo a perfeição moral que em cada um deles excedia às outras, Simão Bacamarte cuidou em atacar de frente a qualidade predominante. Suponhamos um modesto. Ele aplicava a medicação que pudesse incutir-lhe o sentimento oposto; e não ia logo às doses máximas,—graduava-as, conforme o estado, a idade, o temperamento, a posição social do enfermo. Às vezes bastava uma casaca, uma fita, uma cabeleira, uma bengala, para restituir a razão ao alienado; em outros casos a moléstia era mais rebelde; recorria então aos anéis de brilhantes, às distinções honoríficas, etc. Houve um doente poeta que resistiu a tudo. Simão Bacamarte começava a desesperar da cura, quando teve a idéia de mandar correr matraca para o fim de o apregoar como um rival de Garção e de Píndaro.

—Foi um santo remédio, contava a mãe do infeliz a uma comadre; foi um santo remédio.

Outro doente, também modesto, opôs a mesma rebeldia à medicação; mas, não sendo escritor (mal sabia assinar o nome), não se lhe podia aplicar o remédio da matraca. Simão Bacamarte lembrou-se de pedir para ele o lugar de secretário da Academia dos Encobertos, estabelecida em Itaguaí. Os lugares de presidente e secretários eram de nomeação régia, por especial graça do finado Rei Dom João V, e implicavam o tratamento de Excelência e o uso de uma placa de ouro no chapéu. O governo de Lisboa recusou o diploma; mas, representando o alienista que o não pedia como prêmio honorífico ou distinção legitima, e somente como um meio terapêutico para um caso difícil, o governo cedeu excepcionalmente à súplica; e ainda assim não o faz sem extraordinário esforço do ministro da marinha e ultramar, que vinha a ser primo do alienado. Foi outro santo remédio.

—Realmente, é admirável! Dizia-se nas ruas, ao ver a expressão sadia e enfunada dos dois ex-dementes.

Tal era o sistema. Imagina-se o resto. Cada beleza moral ou mental era atacada no ponto em que a perfeição parecia mais sólida; e o efeito era certo. Nem sempre era certo. Casos houve em que a qualidade predominante resistia a tudo; então o alienista atacava outra parte, aplicando à terapêutica o método da estratégia militar, que toma uma fortaleza por um ponto, se por outro o não pode conseguir.

No fim de cinco meses e meio estava vazia a Casa Verde; todos curados! O vereador Galvão, tão cruelmente afligido de moderação e eqüidade, teve a felicidade de perder um tio; digo felicidade, porque o tio deixou um testamento ambíguo, e ele obteve uma boa interpretação corrompendo os juízes e embaçando os outros herdeiros. A sinceridade do alienista manifestou-se nesse lance; confessou ingenuamente que não teve parte na cura: foi a simples vis medicatrix da natureza. Não aconteceu o mesmo com o Padre Lopes. Sabendo o alienista que ele ignorava perfeitamente o hebraico e o grego, incumbiu-o de fazer uma análise crítica da versão dos Setenta; o padre aceitou a incumbência, e em boa hora o fez; ao cabo de dois meses possuía um livro e a liberdade. Quanto à senhora do boticário, não ficou muito tempo na célula que lhe coube, e onde aliás lhe não faltaram carinhos.

—Por que é que o Crispim não vem visitar-me: dizia ela todos os dias.

Respondiam-lhe ora uma coisa, ora outra; afinal disseram-lhe a verdade inteira. A digna matrona não pôde conter a indignação e a vergonha. Nas explosões da cólera escaparam-lhe expressões soltas e vagas, como estas:

—Tratante!... velhaco!... ingrato!... Um patife que tem feito casas à custa de ungüentos falsificados e podres... Ah! tratante!...

Simão Bacamarte advertiu que, ainda quando não fosse verdadeira a acusação contida nestas palavras, bastavam elas para mostrar que a excelente senhora estava enfim restituída ao perfeito desequilíbrio das faculdades; e prontamente lhe deu alta.

Agora, se imaginais que o alienista ficou radiante ao ver sair o último hóspede da Casa Verde, mostrais com isso que ainda não conheceis o nosso homem. Plus ultra! era a sua divisa. Não lhe bastava ter descoberto a teoria verdadeira da loucura; não o contentava ter estabelecido em Itaguaí. o reinado da razão. Plus ultra! Não ficou alegre, ficou preocupado, cogitativo; alguma coisa lhe dizia que a teoria nova tinha, em si mesma, outra e novíssima teoria.

—Vejamos, pensava ele; vejamos se chego enfim à última verdade.

Dizia isto, passeando ao longo da vasta sala, onde fulgurava a mais rica biblioteca dos domínios ultramarinos de Sua Majestade. Um amplo chambre de damasco, preso à cintura por um cordão de seda, com borlas de ouro (presente de uma universidade) envolvia o corpo majestoso e austero do ilustre alienista. A cabeleira cobria-lhe uma extensa e nobre calva adquirida nas cogitações cotidianas da ciência. Os pés, não delgados e femininos, não graúdos e mariolas, mas proporcionados ao vulto, eram resguardados por um par de sapatos cujas fivelas não passavam de simples e modesto latão. Vede a diferença:—só se lhe notava luxo naquilo que era de origem científica; o que propriamente vinha dele trazia a cor da moderação e da singeleza, virtudes tão ajustadas à pessoa de um sábio.

Era assim que ele ia, o grande alienista, de um cabo a outro da vasta biblioteca, metido em si mesmo, estranho a todas as coisas que não fosse o tenebroso problema da patologia cerebral. Súbito, parou. Em pé, diante de uma janela, com o cotovelo esquerdo apoiado na mão direita, aberta, e o queixo na mão esquerda, fechada, perguntou ele a si:

—Mas deveras estariam eles doidos, e foram curados por mim,—ou o que pareceu cura não foi mais do que a descoberta do perfeito desequilíbrio do cérebro?

E cavando por aí abaixo, eis o resultado a que chegou: os cérebros bem organizados que ele acabava de curar, eram desequilibrados como os outros. Sim, dizia ele consigo, eu não posso ter a pretensão de haver-lhes incutido um sentimento ou uma faculdade nova; uma e outra coisa existiam no estado latente, mas existiam.

Chegado a esta conclusão, o ilustre alienista teve duas sensações contrárias, uma de gozo, outra de abatimento. A de gozo foi por ver que, ao cabo de longas e pacientes investigações, constantes trabalhos, luta ingente com o povo, podia afirmar esta verdade:—não havia loucos em Itaguaí. Itaguaí não possuía um só mentecapto. Mas tão depressa esta idéia lhe refrescara a alma, outra apareceu que neutralizou o primeiro efeito; foi a idéia da dúvida. Pois quê! Itaguaí. não possuiria um único cérebro concertado? Esta conclusão tão absoluta, não seria por isso mesmo errônea, e não vinha, portanto, destruir o largo e majestoso edifício da nova doutrina psicológica?

A aflição do egrégio Simão Bacamarte é definida pelos cronistas itaguaienses como uma das mais medonhas tempestades morais que têm desabado sobre o homem. Mas as tempestades só aterram os fracos; os forres enrijam-se contra elas e fitam o trovão. Vinte minutos depois alumiou-se a fisionomia do alienista de uma suave claridade.

—Sim, há de ser isso, pensou ele.

Isso é isto. Simão Bacamarte achou em si os característicos do perfeito equilíbrio mental e moral; pareceu-lhe que possuía a sagacidade, a paciência, a perseverança, a tolerância, a veracidade, o vigor moral, a lealdade, todas as qualidades enfim que podem formar um acabado mentecapto. Duvidou logo, é certo, e chegou mesmo a concluir que era ilusão; mas, sendo homem prudente, resolveu convocar um conselho de amigos, a quem interrogou com franqueza. A opinião foi afirmativa.

—Nenhum defeito?

—Nenhum, disse em coro a assembléia.

—Nenhum vício?

—Nada.

—Tudo perfeito?

—Tudo.

—Não, impossível, bradou o alienista. Digo que não sinto em mim essa superioridade que acabo de ver definir com tanta magnificência. A simpatia é que vos faz falar. Estudo-me e nada acho que justifique os excessos da vossa bondade.

A assembléia insistiu; o alienista resistiu; finalmente o Padre Lopes. explicou tudo com este conceito digno de um observador:

—Sabe a razão por que não vê as suas elevadas qualidades, que aliás todos nós admiramos? É porque tem ainda uma qualidade que realça as outras:—a modéstia.

Era decisivo. Simão Bacamarte curvou a cabeça juntamente alegre e triste, e ainda mais alegre do que triste. Ato continuo, recolheu-se à Casa Verde. Em vão a mulher e os amigos lhe disseram que ficasse, que estava perfeitamente são e equilibrado: nem rogos nem sugestões nem lágrimas o detiveram um só instante.

—A questão é científica, dizia ele; trata-se de uma doutrina nova, cujo primeiro exemplo sou eu. Reúno em mim mesmo a teoria e a prática.

—Simão! Simão! meu amor! dizia-lhe a esposa com o rosto lavado em lágrimas.

Mas o ilustre médico, com os olhos acesos da convicção científica, trancou os ouvidos à saudade da mulher, e brandamente a repeliu. Fechada a porta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e à cura de si mesmo. Dizem os cronistas que ele morreu dali a dezessete meses no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada. Alguns chegam ao ponto de conjeturar que nunca houve outro louco além dele em Itaguaí mas esta opinião fundada em um boato que correu desde que o alienista expirou, não tem outra prova senão o boato; e boato duvidoso, pois é atribuído ao Padre Lopes. que com tanto fogo realçara as qualidades do grande homem. Seja como for, efetuou-se o enterro com muita pompa e rara solenidade.

Fonte:
ASSIS, Machado de. O Alienista.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 342)


Uma Trova Nacional

Meu peito sangrando em dor,
diz, morrendo de saudade:
– Se não voltas por amor,
seja, então, por caridade.
–GISLAINE CANALLES/SC–

Uma Trova Potiguar

Meu bem! o nosso destino
celebra a vida adorada,
- aquele fogo divino,
- aquela chuva sagrada!...
–RODRIGUES NETO/RN–

Uma Trova Premiada

1991 - Niterói/RJ
Tema: FESTA - Venc.

Onde a lei torta vigora
e o povo ao julgo se presta,
o rico só comemora
e o pobre é quem paga a festa.
–DIVENEI BOSELI/SP–

Uma Trova de Ademar

Deus, lá do céu, determina
e a vida escreve um enredo:
nossa coragem termina
assim que começa o medo!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

De sete meses gerado,
vim ao mundo temporão.
Já fui tesouro guardado,
em caixa de papelão.
–ANIS MURAD/RJ–

Simplesmente Poesia

MOTE: Ademar Macedo/RN
Mastigo um pão todo dia
amanteigado de verso.

GLOSA: Gilson Faustino Maia/RJ
Eu busco a paz e a alegria
desde que o dia amanhece.
Após fazer uma prece,
mastigo um pão todo dia.
Rimo amor com harmonia
e evito o mundo perverso.
Só quero a luz do universo
e ofereço aos meus leitores
um prato cheio de amores
amanteigado de verso.

Estrofe do Dia

Fica o homem diferente
quando cai na alta idade,
os traços da mocidade
fogem do rosto da gente,
não tem mais força no dente
pra mastigar rapadura,
acaba-se a dentadura
aí a boca emurchece,
depois que a gente envelhece
nosso mal fica sem cura.
–ZÉ DE CAZUZA/PB–

Soneto do Dia

O Branco dos Meus Cabelos
–FRANCISCO MACEDO /RN–

Sinto orgulho dos meus cabelos brancos,
são traços biográficos reais.
Qual lágrimas de vela em castiçais,
metamorfoseando solavancos.

Fios itinerantes, saltimbancos,
refletindo paixões transcendentais.
São leituras de histórias colossais,
sempre escritas aos “trancos e barrancos”.

Eles são meu recado à juventude!...
Não fujam a qualquer vicissitude,
vivam intensamente e sem temor.

Este branco tingido em meus cabelos,
tem na longevidade, meus apelos,
em seus rastros deixado pelo amor!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 20

Ialmar Pio Schneider (Soneto de Lembrança Antiga)


Bom dia ! pé de bugre e aroeira!
Cumprimento essas árvores nativas,
qual se fossem a ausente companheira,
de minha infância das imagens vivas...

Aquela que deixou-me, de maneira
tão bruscamente, em horas aflitivas,
hoje, surge-me à mente toda inteira,
para trazer-me flores sempre-vivas...

Busquei não recordá-la e foi em vão
meu intento sincero e imorredouro,
querendo sepultar essa ilusão...

Depois fiquei sabendo que partiu,
sem saber que pra mim era um tesouro
e nem que me deixava este vazio…

Fonte:
Soneto enviado pelo autor
Imagens obtidas na internet enviadas pelo autor. Fusão por José Feldman.

Fernando Sabino (O Encontro Marcado)


A Procura

A história de Eduardo Marciano nos é contada por um narrador que parece ser muito próximo da personagem, pois acompanha passo a passo a sua trajetória e conta com o domínio de quem conhece tudo sobre o rapaz. É o que chamamos de narrador em terceira pessoa. Esse narrador abre a história propondo um pacto com o leitor, chamando-o a participar do que vai contar: "Que significava o quintal para Eduardo?". Mais do que depressa queremos saber a resposta e, conhecendo - a, queremos saber mais sobre o garoto que parecia ter toda a liberdade para ser feliz e, no entanto, não a tinha. Sua primeira derrota já aparece no início do relato: a galinha de estimação Eduarda, vira o almoço de domingo.

Eduardo era filho único. Fazia de tudo para manter sempre seu lugar de destaque naquela família. era mimado, cheio de vontades e de atrevimentos, estava sempre a testar o limite das pessoas, como qualquer garoto de sua idade. Os pais não sabiam muito bem como lidar com as estranhezas temperamentais do filho, que amolava a empregada, esperneava para ir à escola, chantageava por qualquer coisa. Uma vez descobriu que arranhando o rosto deixava os pais atônitos. Pronto! Por qualquer bobagem machucava-se até sangrar. Era um desespero de menino mimado, prenúncio de um jovem sem limites.

Eduardo sempre precisava de um desafio para atingir alguma conquista. Certa vez, interessou-se por uma colega da escola que era ótima aluna. Foi o prenúncio da paixão, pela menina e pela vontade de ultrapassar seus limites. Estudou até conseguir o primeiro lugar na sala, ao lado de Lêda, a garota das notas boas. Alcançando assim o objetivo, Lêda deixa de ser o alvo de suas atenções. O episódio deu a Eduardo a medida exata de suas possibilidades. estava, então, com onze anos.

Tinha todas as curiosidades de sua época, como a descoberta de sua sexualidade, por exemplo. Estava sempre atento para as novidades, quem dormia com quem, quem tinha doença, com quem tinha pego...

Era um garoto precoce. Logo cedo destacou-se por seu talento na escrita; inscreveu-se numa maratona intelectual e ganhou o segundo lugar, um prêmio em dinheiro que foi buscar no Rio de Janeiro. Ficou por lá gastando o dinheiro do prêmio até acabar.

"Saiu pela rua, mão no bolso, sentindo que naquele momento começava a viver. Pobreza, fome, miséria_ tudo era preciso, para tornar-se escritor. Escrevera um conto em que dizia isso, mandara para um concurso de contos". Ganhou algum dinheiro como premiação e tirou disto uma lição: "Na vida tudo seria assim, a solução se apresentando imediatamente, mal começasse a buscá-la, gozando assim as dificuldades do problema? Na vida tudo lhe seria assim."

Assim foi que Eduardo enfrentou a vida, sempre achando que a solução se apresentaria a ele quando precisasse. A história, porém, vai mostrar o contrário. Eduardo consegue articular com certa facilidade seus interesses, mas nem sempre seu interior está em paz, a busca por esse momento será o fio com que o narrador tecerá a intriga.

Um episódio marcante na vida de Eduardo foi o suicídio de um amigo, o Jadir. Esse rapaz tinha uma família complicada, o pai bebia, a mãe era meio desregrada, a irmã era saliente, o que bastava para que não fosse uma boa companhia aos olhos de dona Stefânia. Um dia antes, Eduardo comentava com Jadir que, às vezes, tinha vontade de morrer. Falaram sobre suicídio, cada um emitiu sua opinião. Eduardo dizia que era covardia, a menos que se fizesse um estrago louco antes, algo que o marcasse na História. Jadir dizia que "- quem quer morrer mesmo, não pensa em nada disso, só pensa em morrer." Acabou dando tiro no peito. Isso naturalmente tirou o sono de Eduardo por muito tempo.

Ao contar a história de Eduardo, o narrador fornece um retrato dos costumes de uma época, em especial o preconceito próprio de uma cidade ainda provinciana em que o sujeito está a mercê de julgamentos preestabelecidos, especialmente em relação ao comportamento de um determinado grupo social. É o que acontece com a interferência de Dona Stefânia no namoro de Eduardo com Letícia, por exemplo. Para ela a menina não é uma boa companhia ao filho. Isso certamente porque não se simpatizou com a liberdade que a mãe dava à garota.

Seu Marciano resolve ficar sócio de um clube, onde certamente o filho terá uma vida mais saudável. Eduardo decide fazer natação e em pouco tempo é um dos melhores em sua categoria. Sentia prazer com as vitórias, "Uma espécie diferente de emoção - a de poder contar consigo mesmo, e de saber-se, numa competição, antecipadamente vencedor." Foi um vitorioso, mas sua obstinação deixava o pai preocupado, sempre às voltas com o estudo de Eduardo. Formar-se era um valor para seu Marciano, uma promessa que Eduardo não cumpriu. No colégio, não foi bom aluno. Era questionador, rebelava-se contra a estrutura da instituição, acabou formando-se aos empurrões. Certa vez o monsenhor do colégio chama-lhe a atenção, após uma briga que teve com o colega Mauro. Eduardo foi atrevido, mas o seu argumento era forte. Não foi expulso, mas Monsenhor Tavares imprimiu-lhe uma pergunta que ele só pôde, de fato, responder muitos anos depois: "Você acredita em Deus?"

Eduardo decide que será escritor. Seu Marciano o apresenta a Toledo, um escritor seu amigo, que será uma espécie de ídolo para o rapaz. por seu intermédio, Eduardo inicia-se na leitura de grandes escritores. Para Toledo, "A arte é uma maneira de ser dentro da vida. Há outras... É uma maneira de se vingar da vida. Assim como se você procurasse atingir o bem negativamente, esgotando todos os caminhos do mal. É preciso ter pulso, é preciso ter estômago." Por toda a trajetória de Eduardo e seus amigos, a voz narrativa evidencia o gosto de uma geração pela leitura e o interesse, em especial de Eduardo, pela palavra escrita e pelas descobertas que se podem fazer com o conhecimento literário. Apesar disso, a luta que Eduardo empreende para ser um escritor não se festiva. ele não consegue escrever o romance que tanto quer.

Chega, afinal, o tempo da formatura do colégio. Uma nova etapa se descortina para Eduardo e seu grupo, um mundo que eles desconhecem está prestes a se impor. Na despedida, Eduardo, Mauro e Eugênio decidem marcar um encontro dali a quinze anos, naquele mesmo lugar. Cada um segue seu destino em busca do grande encontro consigo mesmo.

Eduardo leva uma vida boêmia, o que implica pouco estudo, pouco trabalho e muita aventura. Ele e os amigos estão sempre desafiando o perigo. O mundo está vivendo os reflexos da segunda guerra mundial. A ideologia dos oprimidos é a voz geral que permeia os discursos da rapaziada. Do grupo, Mauro é o rebelde mais entusiasmado. Discursa em lugares públicos, gera polêmicas, uma espécie mais de modismo que de luta política. Eduardo começa a escrever artigos para o jornal e a incorporar um novo grupo de amigos. Juntos, Eduardo, Mauro e Hugo têm uma vida mais ou menos desregrada e audaciosa. Bebem muito desafiam a cidade, buscam um destino. Hugo acaba sendo professor; Mauro, médico. Eduardo arranja um bom emprego público no Rio de Janeiro, por via dos auspícios de seu futuro sogro ministro.

Tudo começa quando conhece Antonieta, num baile no automóvel Clube. Apesar de todas as diferenças entre eles, iniciam um namoro que vai acabar em casamento.

O Encontro

Eduardo não dá conta de nenhum tipo de relacionamento; nada que implique um convívio consegue tirar o rapaz de seu individualismo exagerado. A trajetória de seu casamento serve de pretexto para um questionamento sobre os padrões dessa instituição .Os casais se desagregam, sempre em busca de um conhecimento pessoal que está longe de se alcançar nesse romance. Conforme Eduardo caminha em busca desse encontro, outros desencontros se sucedem na narrativa. Sempre a bebida é o anestésico para os males de Eduardo. Há sempre um pretexto para estar longe do compromisso com Antonieta. Ora são os amigos do bar, ora é Neusa, a vizinha insinuante, ora são os encontros clandestinos com Gerlane, a nova namorada, tudo mostrando a incapacidade de assumir a vida como ela se apresenta. Até o filho com Antonieta lhes escapa. Eduardo parece estar sempre na contramão de seu destino.

O relacionamento do casal, desde o início, aponta para um desencontro. ela é uma moça rica, de pai influente na política. Ele é de uma família de classe média. Ela mora no Rio de Janeiro, a capital. Ele é de Belo Horizonte, uma cidade ainda marcada pelo provincianismo. ela sabe o que quer, ele se apresenta sempre em perspectivas. Não há entre eles brigas ou discussões acirradas, apesar do comportamento irreverente e descompromissado do rapaz; nesse relacionamento percebe-se que Antonieta é o elemento que tenta a harmonia do casamento. Procura compreender o temperamento depressivo de Eduardo e tenta ajudá-lo, mas ele sempre se mostra incapaz de qualquer reflexão. Nessa relação, evidencia-se o crescimento pessoal de Antonieta e a estagnação comportamental de Eduardo, um sujeito sem referências. Ela acaba desistindo da relação e parte para cuidar de sua vida. ele fica perdido em sua nova vida de solteiro e de desencontros.

A trajetória de Eduardo está sempre marcada por alguma perda. Além de sua galinha Eduarda e de seu amigo Jadir, morre seu Marciano, sem mesmo que ele pudesse estar presente. Rodrigo, um amigo do tempo da natação, morre afogado, preso às ferragens do avião que pilotava. Morre seu filho, ainda no ventre de Antonieta. Vítor, casado com Maria Elisa morre tragicamente atropelado. Essa perda também deixa Eduardo muito abalado, principalmente pelo inusitado dos fatos. Uma semana antes do acidente, Vítor esteve com Eduardo e contou-lhe sobre um exame médico que havia feito e que dera um resultado fatal, um câncer, mas que estava errado pois haviam trocado sua radiografia do pulmão com o de outra pessoa. Nesse ínterim, Vítor fez uma promessa, caso conseguisse sarar. Estavam discutindo exatamente se a promessa deveria ser cumprida, mesmo que sua "cura" se desse pela via do engano. Para Eduardo, a morte do amigo foi uma fatalidade. A própria trajetória de Eduardo evidencia uma morte lenta e gradual dos sentimentos e atitudes diante da vida.

Em O Encontro Marcado, acompanhamos o crescimento de Eduardo, e com ele, o da cidade. No entanto, só, em sua volta a Belo Horizonte após a separação é que ele se dá conta disso: "Encontrou a cidade diferente, mudada. Agitação pelas ruas, prédios novos, gente andando para lá e para cá, como se realmente tivesse urgência de ir a qualquer parte."

Há na descoberta de Eduardo, um prenúncio de que seu olhar começa a se voltar para o exterior. Vejamos se isso de fato acontece.

Eduardo percebe a cidade diferente, sem talvez o encanto de sua juventude. encontra os amigos, Mauro está casado e Hugo parece feliz como professor. Continua um intelectual, cada vez mais se dedica ao estudo acadêmico, vive rodeado dos alunos. Eduardo comparece ao encontro marcado e encontra o ginásio em férias. Os dois amigos não compareceram. "Saiu da cidade como de um cemitério".

Na volta, faz uma parada em Juiz de fora, revê lugares e pessoas que já não dizem mais nada para ele e segue de volta ao Rio. Começa sua peregrinação interior, na tentativa de se encontrar. aos poucos, vai filtrando a vida e reconstituindo o fio de sua identidade: "Agora via em volta que seu mundo era dos outros também, carregando cada qual a sua cruz _ pobres criaturas de Deus. E como eram simpáticas, essas criaturas. Nada de sordidez que via antes em cada olhar, da miséria em cada gesto, o cotidiano sem mistério, a surpresa adivinhada em cada corpo, o segredo assassinado em cada boca."

Reencontra-se com Eugênio, agora frei Domingos. Passa a visitá-lo no convento, onde parece sentir um pouco de alento. Perambula pela cidade, revê Neusa, que diz estar esperando um filho seu. Eduardo não consegue assumir essa nova situação e a moça decide não ter o filho. Aos poucos, Eduardo vai se desligando das relações com as pessoas e a cidade. Toma uma atitude, afinal, a seu favor. Desliga-se do emprego, deixando assim, a sua vaga para o colega Misael. Dá seus livros para o filho desse amigo, rapaz interessado em literatura e deslumbrado com Eduardo, como certa vez, ele o fora com Toledo. Desfaz-se do apartamento e empreende uma grande viagem... na busca e compreensão de si mesmo.

Fonte:
http://www.resumosdelivros.com.br

A. A. de Assis e Elisabeth Souza Cruz (Vaivém do Riso: trovas) Primeiro Volume


Ímpares – A. A. de Assis
Pares – Elisabeth Souza Cruz

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Conversa iniciada em 22-7-11
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1.
Quando moço, acesa a chama
despia-se ante a gatona,
agora veste o pijama
deita de lado... e ronrona.
2.
O meu vizinho se poupa
já que o cansaço é normal...
Quando fala: "Tira a roupa!",
tira a roupa do varal!
3.
Em que aperto o bom velhinho,
de assanhado, se enfiou:
chamou pra cama o brotinho,
e ela, malvada, aceitou...
4.
Brotinho assanhado inventa
mil jogadas para o amor
e o velhinho até que tenta,
mas sai sempre perdedor!!!
5.
Deu desespero no Adão
por ser um “ele” sem “ela”...
Ganhando a dita, o chorão
perdeu a paz... e a costela!
6.
Pode quem quiser falar
pois ninguém sabe o que diz,
tendo a mulher para amar
o homem ficou foi... feliz!
7.
Jamais se viu nesta vida
marido preso em gaiola...
A mulher é mais sabida:
põe-lhe no dedo uma argola!
8.
O homem de argola, também,
ao machismo não se furta:
– faz da mulher seu refém
e a mantém na rédea curta!
9.
De um homem para a mulher
que pede ajuda na pista:
– Desculpe... Se ajuda eu der,
vão me chamar de machista...
10.
A coisa é séria, querido,
tem mulher que é mulher macho...
quando manda no marido
faz dele gato e capacho!
11.
Porém chiar é bobeira...
Quem manda mesmo é a mulher;
tanto é que desde a primeira
faz do marido o que quer...
12.
Bobeira?!... Maior bobeira
é o salário do operário
que trabalha a vida inteira
e não fica milionário!
13.
Também na fauna a justiça
é às vezes discricionária:
dá mole ao bicho-preguiça,
explora a abelha operária...
14.
Falando em exploração,
nunca vi maior babado...
a mulher do capitão,
como explora o rebolado!!!
15.
Lá vai o siri-patola,
todo prosa, a rebolar...
Num puçá se enreda e enrola:
vira petisco de bar!
16.
Falando num bom petisco,
quem não se arrisca, não prova,
como é bom correr o risco
de preparar uma trova!!!
17.
Cinquentão já sou na trova;
na idade, quase oitentão...
Evito, pois, pôr-me à prova:
em museu não entro não!...
18.
Eu também tô quase nessa
e em loja de raridade,
se eu entro, saio depressa
pois pareço antiguidade!
19.
Essa tal de antiguidade
a mim me causa estranheza:
quando perde a utilidade,
é aí que vira riqueza...
20.
Estranheza, caro Assis,
é o que a gente vê "na praça"....
tem gente que pede bis
se uma injeção for de graça!!!
21.
“Ah, que surpresa gostosa!”,
diz a velhinha, feliz,
quando o velho, todo prosa,
dá no couro... e pede bis!...
22.
Buzinando o caminhão,
surpresa boa é a do otário
que dá tempo ao ricardão
para se esconder no armário!
23
Otário simples, legal;
nada faz que prejudique.
O duro é aguentar o tal
do otário metido a chique!...
24.
Com a trova vinte e quatro
me ocorreu agora a ideia:
– ninguém vai mais ao teatro,
pois perde o "acento" a plateia!
25.
Problemas há no momento
em que muda a acentuação.
– De tudo tirem o acento,
porém do “cágado” não!...
26.
O hífen de vice-prefeito,
por certo, não caiu, não,
pois logo depois do pleito
sempre dá separação!
27.
Se acaso se visse o vice
futricando o titular,
um baita disse-me-disse
logo iria se espalhar...
28.
Nunca vi maior tolice
futricar a vida alheia,
pois quem faz disse-me-disse
vai cair na própria teia!
29.
Você sabe o que é que é “teia”?
Não sabe?... Deixo explicado:
– E’ a casca de barro e areia
com que se cobre o “teiado”...
30.
Ra! Ra! Ra! Falando em barro
lembrei da antiga moringa...
água fresquinha! Eu me amarro
e a minha saudade vinga!!!
.
31.
Era uma era inocente,
e a vida era pitoresca:
– um tempo em que toda gente
mantinha a moringa fresca...
32.
Sem juntar alho e bugalho,
quando se fala em moringa,
já me lembrei do baralho,
pois és Assis... meu curinga!
33.
Curinga eu sei que não sou,
mas tenho uns truques sagazes...
– Em meu nome o pai botou
o “aaa”, isto é, três “ases”..
34.
Três "ases"... assim eu digo:
– Um "A" dizendo Alquimia;
O "A" seguinte que é de Amigo
e mais outro "A" de alegria!
35.
Chega manso, pede abrigo,
pede grana... e eu vejo claro:
esse é o tal de caro amigo
que em verdade é amigo caro!...
36.
O tipo acima descrito
custa caro e é um desacato...
Mas amigo "Assis", bendito
é simplesmente um barato!
37.
Certos tipos importantes
parecem Marte – um deserto:
vistos de longe, brilhantes;
cascalho apenas, de perto!...
38.
Brilhantes?!! - Pois sem trabalho,
sem ramo profissional,
a moça arranjou um galho
no "distrito" e... é federal!!
39.
Troca o sábio a esposa culta
pela moça apimentada...
– No instante em que a ardência avulta,
cultura não conta nada!
40.
Numa troca de "mulé",
o "mané" ficou na mão,
que a moça que dava "pé"
tinha um baita sapatão!
41.
Nervoso e agressivo quando
alguém lhe pisa no pé,
diz ele: – Estarás pensando
que eu não sou burro, ó mané?...
42.
Na trova há constatação:
- Assim como o português,
que traz muita inspiração,
o "mané" sempre tem vez!
43.
Súbito um rato matreiro
fungou no pé do Mané.
– Supôs ser de queijo o cheiro...
Quis provar... era chulé!
44.
Do teu queijo eu tiro um naco
pois a minha ideia logra...
mudo de pau pra cavaco,
que tal falarmos de... sogra?
45.
Na hora do desespero,
vale tudo, oh Deus, que horror...
Vale até, sem exagero,
chamar a sogra de “amor”!
46.
Sei também de um desespero,
pois o genro, de mutreta,
pôs pimenta no tempero
e a sogra ficou zureta!
47.
Faltam-lhe os “tchans” da “zelite”,
talvez escola e que-tais...
Mas no “tempero”, acredite,
a danadinha é demais!
48.
Tempero lembra cozinha
e a tua trova... "a penosa",
aquela da tal galinha
que no garfo era bem prosa!
49.
Diz ao garfo, humilde, a faca:
– Rema, rema, remarré...
Eu sou fraca, fraca, fraca,
mas corto mais que a cuié...
50.
Quando tem panela cheia
no fogão da cozinheira
sempre acaba em briga feia
que o patrão quer dar "rasteira" !!
51.
Felizardo é o cara esperto
que vai no mato morar.
Lá não tem patrão por perto
nem sogra no calcanhar...
52.
É verdade! Uma mamata
morar longe de patrão...
só não se pode é na mata
ficar na moita.... sem cão.
53.
Bem pior é um menestrel,
quando lhe apura a barriga,
na moitinha, sem papel,
ter que usar folha de urtiga...
54.
Querido.. eu não faço intriga,
mas veja a situação:
na moita, anda dando briga,
por dinheiro em cuecão!!
55.
Tudo o mais é mera intriga,
fabulazinha bizarra...
– O chato é ser a formiga
“cantada” pela cigarra!
56.
E por falar em cantada
quem canta seu mal espanta?
Eu sou tão desafinada
que nem galo se levanta!!!
57.
Quando o galo nega raça
e precoce o caldo entorna,
a frangona, por pirraça,
dá-lhe um ovo... de codorna!
58.
Eu falo e tenho respaldo,
pois em canja de galinha,
para aumentar mais o caldo,
pegue a sopa da vizinha!.
59.
Alarme no galinheiro.
– Será que há gambá na granja?...
– Bem mais grave: é o cozinheiro
que avisa: “Hoje vai ter canja!”...
60.
E foi tamanho o brigueiro,
pois dona "Gala" se zanga,
já que o galo, que é frangueiro,
logo quis salvar a "franga"!
61.
Fui à feira a fim de frango;
frango fresco ali faltava.
Fiquei fulo e ao fim meu rango
foi farofa, alfafa e fava.
62.
A minha ideia não míngua,
e eu lhe mando "plantar fava",
pois compondo um trava língua,
minha própria língua trava!
63.
Calma aí, não fique brava
com a minha brincadeira...
Se quiser, eu planto fava,
batatas, a horta inteira...
64.
Assis... eu não me detenho
e agora pego carreira:
– quero ver teu desempenho
se "plantares bananeira"!!!
65.
Nada há que mais atraia
a molecadinha arteira
que moça de minissaia
quando planta bananeira...
66.
Tu és um sujeito esperto,
(mas só peço que não caias)
quando estiveres bem perto
das moças perdendo as saias!!!
67.
Disse o esperto garotinho
na forçada confissão:
– Olhei pelo buraquinho...
mas não vi “o” da moça não!
68.
Por falar em confissão,
confessa a moça (e reclama):
- Tão pesado é o meu patrão
que quebrou a minha cama!
69.
O funcionário e a patroa
a um baile foram... “ficaram”.
O patrão soube: largou-a,
e os pôs na rua: “dançaram”!
70.
Com duplo sentido, a "dança"
é palavra que marcou:
– nem sempre quem dança, cansa...
mas quem se cansa... dançou!
71.
Até pra fazer pecados
é necessário ser jovem.
Adões e Evas cansados,
nem mesmo as maçãs os movem...
72.
As maçãs, "na velha idade",
lembram uvas, e o idoso,
olhando as "boas" (maldade!),
– Acançá-las?! É penoso!!!
73.
Conhaque no aperitivo,
conhaque na sobremesa...
– E’ assim que o velhinho, ativo,
mantém a velinha acesa!
74.
"Sopre a velinha , sem dó!"
e, na festinha animada,
sopraram tanto a vovó
que ela ficou resfriada!
75.
– Sopre o trombone sem DÓ,
diz a velhinha ao regente...
– Se mande pra LÁ, vovó,
e cuide de SI... SOL-mente!
76.
Assis, neste DÓ RÉ MI,
a trova pede uma pala:
– como é que eu estando aqui,
ouço tanto a sua fala?
77.
Se no dorré não faz sol,
nem também no lami si,
no remi lá do fá-rol
faz redó relá solmi...
78.
No dó ré que a gente inventa,
Antonio Augusto, tem dó!!!
Já vamos para as oitenta
numa brincadeira só!
79.
Enquanto você topar,
sigamos, então, sem medo.
Vamos brincar de brincar,
até cansar do brinquedo...
80.
O desafio me empolga,
eu topo qualquer parada....
E não preciso de folga
porque eu ando eletrizada!

Fonte:
Livro enviado por A. A. de Assis

Dalton Trevisan (Maria Pintada de Prata)


Num estilo que parte dos lugares-comuns da linguagem urbana brasileira, recriados pela introdução de originalíssimas metáforas, Dalton Trevisan conseguiu criar uma marca própria como ficcionista.

Mas o que verdadeiramente fascina em seus contos é a construção de um cenário comum para os mesmos: Curitiba. Cidade feroz - símbolo de todas as grandes cidades brasileiras - em suas ruas mal-iluminadas as pessoas espreitam as outras, em busca de uma companhia para a noite.

Alguém já disse que na Curitiba de Dalton Trevisan as pessoas vivem apenas para o amor.Apenas que esse amor curitibano não tem nada a ver com aquele amor que pressupomos autêntico.

A humanidade gerada pelo ventre disforme de Curitiba não tem autenticidade: sua forma de amar é degradada, feita de erros, instinto bestial, medo, ressentimento, tédio, traição, vingança e crime.

MARIA PINTADA DE PRATA

Grandalhão, voz retumbante, é adorado pelos filhos. João não vive bem com Maria - ambiciosa, quer enfeitar a casa de brincos e tetéias. Ele ganha pouco, mal pode com os gastos mínimos.

Economiza um dinheirinho, lá se foi com a asma do guri, um dente de ouro da mulher. Ela não menos trabalhadeira: faz todo o serviço, engoma a roupinha dos meninos, costura as camisas do marido.

Inconformada porém da sorte, humilhando o homem na presença da sogra.Para não discutir ele apanha o chapéu, bate a porta, bebe no boteco. Um dos pequenos lhe agarra a ponta do paletó:

- Não vá, pai. Por favor, paizinho.

Comove-se de ser chamado de paizinho. Relutante, volta-se para a fulana: em cada olho um grito castanho de ódio.

- O paizinho vai dar uma volta.

Tão grande e forte, embriaga-se fácil com alguns cálices. Estado lastimável, atropelando as palavras, é o palhaço do botequim.

E, pior que tudo, sente-se desgraçado, quer aconchego do corpo gostoso da mulher.

Mais discutem, mais ele bebe e falta dinheiro em casa. Maria se emboneca, muito pintada e gasta pelos trabalhos caseiros.

Desespero de João e escândalo das famílias, a pobre senhora, feia e nariguda, canta no tanque e diante do espelho as mil marchinhas de carnaval.

Os filhos largados na rua, ocupada em depilar sobrancelhas e encurtar a saia - no braço o riso de pulseiras baratas.Com uma vizinha de má fama inscreve-se no programa de calouros:

- Sou artista exclusiva - ufana-se, com sotaque pernóstico. - A féria é gorda!

Aos colegas de rádio oferece salgadinhos e cerveja. João escapole pelos fundos, envergonhado da barba por fazer. Volta bêbado e Maria tranca a porta do quarto, obrigado a dormir no sofá da sala.

Noite de inverno, o filho mais velho, ao escutá-lo gemer, traz um cobertor.

- Durma, paizinho.

A cada sucesso de Maria - o quinto prêmio de marchinha, o retrato no jornal, a carta com pedido de autógrafo:

- Ela ainda recebe vaia - é o comentário de João. - Com uma boa vaia ela aprende!

Ó não - essa aí quem é de cabelo oxigenado? Acompanhada a casa, horas mortas, pelo parceiro de vida artística. Ora o cantor de tangos, ora o mágico de ciências ocultas.

Demora-se aos beijos na porta e as mães proíbem as crianças de brincar com os dois meninos. João sabe que é o fim - dona de casa que tinge o cabelo não é séria. Vai dormir puxado na lenha, encolhido na enxerga imunda, a garrafa na mão.

Dois dias fechado (assusta-lhe a própria força e jamais bate nos filhos), urra palavrão e desfere murro na parede. Maria faz as malas e, sem que os pequenos se despeçam de João, muda-se para casa dos pais.

Lá deixa os meninos e amiga-se com um pianista de clube noturno. Mais uma bailarina, que obriga os clientes a beber. O pianista, vicioso e tísico, toma-lhe o dinheiro e, se a féria não é gorda, ainda apanha.

Cansada de surra, volta à casa dos pais. Então a velha sai em busca de João e sugere as pazes.

- Ela que fique onde está. Não quero Maria nem pintada de prata.

Despedido da fábrica por embriaguez, sobrevive com biscates. Ao vestir o paletó, da manga surge uma cobra e, aos berros, lança-o no fogo.

Aranha cabeluda morde-lhe a nuca; inútil esmagá-la com o sapato, de uma nascem duas e três - enrodilha-se medroso a um canto e esconde nos joelhos a cabeça.

Domingo recebe a visita dos filhos, enviados pela sogra. Divertem-se no Passeio Público a espiar os macaquinhos. O pai compra amendoim e pipoca, que os três mastigam delicados.

Afasta-se de mansinho e, atrás de uma árvore, empina a garrafa saliente no bolso traseiro da calça - as mãos cessam de tremer. Os meninos desviam os olhos: sapato furado, calça rasgada, paletó sem botão. Alisando a mão gigantesca:

- Não, paizinho. Não beba mais, pai.

Lágrimas correm pelo narigão de cogumelo encarnado. Despede-se com sorriso sem dentes. Esquina gorgoleja a cachaça até a última gota.

Em delírio na sarjeta, recolhido três vezes ao hospício. A crise medonha da desintoxicação, solto quinze dias mais tarde. Mal cruza o portão, entra no primeiro boteco.

Maria cai nos braços do mágico de ciências ocultas e, proibida de cantar com voz tão horrorosa, consola-se no tanque de roupa.

Nem o amante nem os velhos querem saber dos piás, internados no asilo de órfãos.

Cada um aprende seu ofício e, no último domingo do mês, com permissão da freira, vão bem penteadinhos à casa do pai.

Ainda deitado, curte a ressaca; com alguns goles sente-se melhor. Os pequenos varrem a casa, acendem o fogo, olhinho irritado pela fumaça. No almoço apresentam café com pão e salame rosa.

Sentado na cama, o pai contenta-se em vê-los comer. Sorri em paz, um deles enxuga-lhe o suor frio da testa.

Sem coragem de abandoná-lo, os filhos a seu lado durante a noite: fala bobagem, treme da cabeça aos pés, bolhas de escuma espirram no canto da boca.

Os meninos adormecem, ouvindo o ronco feio do afogado. O maior acorda no meio da noite, vai espiar o pai em sossego, olho branco.

Fala com ele, não se mexe. Tem medo e chama o irmão:

- O paizinho morreu.

Sem chorar, encolhidos na beira da cama, à escuta dos pardais da manhã.

Fonte:
- Webvestibular
- 20 Contos Menores”, Editora Record – Rio de Janeiro, 1979, pág. 43.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 341)

Uma Trova Nacional
Uma Trova Potiguar

O contraste que amargura
a maioria indefesa
é uns, com tanta fartura,
e tantos sem pão na mesa!
–CLARINDO BATISTA/RN–

Uma Trova Premiada

2002 - “Rádio” Ouro Fino/MG
Tema: MENINO DA PORTEIRA - 1º Lugar.

Vi meu drama retratado
numa canção boiadeira;
se a saudade é o boi malvado,
sou "menino da porteira"!
–PEDRO ORNELLAS/SP–

Uma Trova de Ademar

No lamaçal da favela,
tomba a criança sem vida...
Era esse o destino dela
e o de uma bala perdida!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Com esse encanto expressivo,
que de modéstia se veste,
NATAL é um presépio vivo
que Deus armou no Nordeste !
–ÉLTON CARVALHO/RJ–

Simplesmente Poesia

Céu Peregrino
–BRASIGÓIS FELÍCIO/GO–

Quanto sonho
e quanta ilusão
hei empenhado
em perder para o futuro
o sopro dos dias
que tenho tido!

Tenho vivido
como Sísifo absurdo,
para tudo cair no olvido
em que tudo cai,
ao fim de tudo.

Hoje sou peregrino
do céu que posso ter
à luz de um sol que É.

Estrofe do Dia

O globo girando sobra
mas seu eixo continua,
e o homem se perpetua
pela dimensão da obra,
o banco da morte cobra
com juros e correção,
e essa terrível inflação
um só real não perdoa,
passa a vida o tempo voa
nas asas da ilusão.
–JOMACI DANTAS/PB–

Soneto do Dia

Confessional
–GLAUCO MATTOSO/SP–

Amar, amei. Não sei se fui amado,
pois declarei amor a quem odiara
e a quem amei jamais mostrei a cara,
de medo de me ver posto de lado.

Ainda odeio quem me tem odiado:
devolvo agora aquilo que declara.
Mas quem amei não volta, e a dor não sara.
Não sobra nem a crença no passado.

Palavra voa, escrito permanece,
garante o adágio vindo do latim.
Escrito é que nem ódio, só envelhece.

Se serve de consolo, seja assim:
amor nunca se esquece, é que nem prece.
Tomara, pois, que alguém reze por mim…

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Machado de Assis (O Alienista) XI – O Assombro de Itaguaí; XII – O final dos § 4º.


CAPÍTULO XI - O ASSOMBRO DE ITAGUAÍ

E agora prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que ficou a vila ao saber um dia que os loucos da Casa Verde iam todos ser postos na rua.

—Todos?

—Todos.

—É impossível; alguns sim, mas todos...

—Todos. Assim o disse ele no ofício que mandou hoje de manhã à Câmara

De fato o alienista oficiara à Câmara expondo: — 1': que verificara das estatísticas da vila e da Casa Verde que quatro quintos da população estavam aposentados naquele estabelecimento; 2° que esta deslocação de população levara-o a examinar os fundamentos da sua teoria das moléstias cerebrais, teoria que excluía da razão todos os casos em que o equilíbrio das faculdades não fosse perfeito e absoluto; 3° que, desse exame e do fato estatístico, resultara para ele a convicção de que a verdadeira doutrina não era aquela, mas a oposta, e portanto, que se devia admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades e como hipóteses patológicas todos os casos em que aquele equilíbrio fosse ininterrupto; 4o que à vista disso declarava à Câmara que ia dar liberdade aos reclusos da Casa Verde e agasalhar nela as pessoas que se achassem nas condições agora expostas; 5° que, tratando de descobrir a verdade científica, não se pouparia a esforços de toda a natureza, esperando da Câmara igual dedicação; 6º que restituía à Câmara e aos particulares a soma do estipêndio recebido para alojamento dos supostos loucos, descontada a parte efetivamente gasta com a alimentação, roupa, etc.; o que a Câmara mandaria verificar nos livros e arcas da Casa Verde.

O assombro de Itaguaí foi grande; não foi menor a alegria dos parentes e amigos dos reclusos. Jantares, danças, luminárias, músicas, tudo houve para celebrar tão fausto acontecimento. Não descrevo as festas por não interessarem ao nosso propósito; mas foram esplêndidas, tocantes e prolongadas.

E vão assim as coisas humanas! No meio do regozijo produzido pelo ofício de Simão Bacamarte, ninguém advertia na frase final do § 4º, uma frase cheia de experiências futuras.

CAPÍTULO XII - O FINAL DO § 4º.

Apagaram-se as luminárias, reconstituíram-se as famílias, tudo parecia reposto nos antigos eixos. Reinava a ordem, a Câmara exercia outra vez o governo sem nenhuma pressão externa; o presidente e o vereador Freitas tornaram aos seus lugares. O barbeiro Porfírio, ensinado pelos acontecimentos, tendo "provado tudo", como o poeta disse de Napoleão, e mais alguma coisa, porque Napoleão não provou a Casa Verde, o barbeiro achou preferível a glória obscura da navalha e da tesoura às calam idades brilhantes do poder; foi, é certo, processado; mas a população da vila implorou a clemência de Sua Majestade; daí o perdão. João Pina foi absolvido, atendendo-se a que ele derrocara um rebelde. Os cronistas pensam que deste fato é que nasceu o nosso adágio:—ladrão que furta ladrão tem cem anos de perdão;—adágio imoral, é verdade, mas grandemente útil.

Não só findaram as queixas contra o alienista, mas até nenhum ressentimento ficou dos atos que ele praticara; acrescendo que os reclusos da Casa Verde, desde que ele os declarara plenamente ajuizados, sentiram-se tomados de profundo reconhecimento e férvido entusiasmo. Muitos entenderam que o alienista merecia uma especial manifestação e deram-lhe um baile, ao qual se seguiram outros bailes e jantares. Dizem as crônicas que D. Evarista a princípio tivera idéia de separar-se do consorte, mas a dor de perder a companhia de tão grande homem venceu qualquer ressentimento de amor-próprio e o casal veio a ser ainda mais feliz do que antes.

Não menos íntima ficou a amizade do alienista e do boticário. Este concluiu do ofício de Simão Bacamarte que a prudência é a primeira das virtudes em tempos de revolução e apreciou muito a magnanimidade do alienista, que ao dar-lhe a liberdade estendeu-lhe a mão de amigo velho.

—É um grande homem, disse ele à mulher, referindo aquela circunstância.

Não é preciso falar do albardeiro, do Costa, do Coelho, do Martim Brito e outros especialmente nomeados neste escrito; basta dizer que puderam exercer livremente os seus hábitos anteriores. O próprio Martim Brito, recluso por um discurso em que louvara enfaticamente D. Evarista, fez agora outro em honra do insigne médico—"cujo altíssimo gênio, elevando as asas muito acima do sol, deixou abaixo de si todos os demais espíritos da terra".

— Agradeço as suas palavras, retorquiu-lhe o alienista, e ainda me não arrependo de o haver restituído à liberdade.

Entretanto, a Câmara que respondera o ofício de Simão Bacamarte com a ressalva de que oportunamente estatuiria em relação ao final do § 4°, tratou enfim de legislar sobre ele. Foi adorada sem debate uma postura, autorizando o alienista a agasalhar na Casa Verde as pessoas que se achassem no gozo do perfeito equilíbrio das faculdades mentais. E porque a experiência da Câmara tivesse sido dolorosa, estabeleceu ela a cláusula de que a autorização era provisória, limitada a um ano, para o fim de ser experimentada a nova teoria psicológica, podendo a Câmara antes mesmo daquele prazo mandar fechar a Casa Verde, se a isso fosse aconselhada por motivos de ordem pública. O vereador Freitas propôs também a declaração de que, em nenhum caso, fossem os vereadores recolhidos ao asilo dos alienados: cláusula que foi aceita, votada e incluída na postura apesar das reclamações do vereador Galvão. O argumento principal deste magistrado é que a Câmara legislando sobre uma experiência científica, não podia excluir as pessoas dos seus membros das conseqüências da lei; a exceção era odiosa e ridícula. Mal proferira estas duas palavras, romperam os vereadores em altos brados contra a audácia e insensatez do colega; este, porem, ouviu-os e limitou-se a dizer que votava contra a exceção.

—A vereança, concluiu ele, não nos dá nenhum poder especial nem nos elimina do espírito humano.

Simão Bacamarte aceitou a postura com todas as restrições. Quanto à exclusão dos vereadores, declarou que teria profundo sentimento se fosse compelido a recolhê-los à Casa Verde; a cláusula, porém, era a melhor prova de que eles não padeciam do perfeito equilíbrio das faculdades mentais. Não acontecia o mesmo ao vereador Galvão, cujo acerto na objeção feita, e cuja moderação na resposta dada às invectivas dos colegas mostravam da parte dele um cérebro bem organizado; pelo que rogava à Câmara que lho entregasse. A Câmara sentindo-se ainda agravada pelo proceder do vereador Galvão, estimou 0 pedido do alienista e votou unanimemente a entrega.

Compreende-se que, pela teoria nova, não bastava um fato ou um dito para recolher alguém à Casa Verde; era preciso um longo exame, um vasto inquérito do passado e do presente. O Padre Lopes, por exemplo, só foi capturado trinta dias depois da postura, a mulher do boticário quarenta dias. A reclusão desta senhora encheu o consorte de indignação. Crispim Soares saiu de casa espumando de cólera e declarando às pessoas a quem encontrava que ia arrancar as orelhas ao tirano. Um sujeito, adversário do alienista, ouvindo na rua essa noticia, esqueceu os motivos de dissidência, e correu à casa de Simão Bacamarte a participar-lhe o perigo que corria. Simão Bacamarte mostrou-se grato ao procedimento do adversário, e poucos minutos lhe bastaram para conhecer a retidão dos seus sentimentos, a boa-fé, o respeito humano, a generosidade; apertou-lhe muito as mãos, e recolheu-o à Casa Verde.

—Um caso destes é raro, disse ele à mulher pasmada. Agora esperemos o nosso Crispim.

Crispim Soares entrou. A dor vencera a raiva, o boticário não arrancou as orelhas ao alienista. Este consolou o seu privado, assegurando-lhe que não era caso perdido; talvez a mulher tivesse alguma lesão cerebral; ia examiná-la com muita atenção; mas antes disso não podia deixá-la na rua. E, parecendo-lhe vantajoso reuni-los, porque a astúcia e velhacaria do marido poderiam de certo modo curar a beleza moral que ele descobrira na esposa, disse Simão Bacamarte:

—O senhor trabalhará durante o dia na botica, mas almoçará e jantará com sua mulher, e cá passará as noites, e os domingos e dias santos.

A proposta colocou o pobre boticário na situação do asno de Buridan. Queria viver com a mulher, mas temia voltar à Casa Verde; e nessa luta esteve algum tempo, até que D. Evarista o tirou da dificuldade, prometendo que se incumbiria de ver a amiga e transmitiria os recados de um para outro. Crispim Soares beijou-lhe as mãos agradecido. Este último rasgo de egoísmo pusilânime pareceu sublime ao alienista.

Ao cabo de cinco meses estavam alojadas umas dezoito pessoas; mas Simão Bacamarte não afrouxava; ia de rua em rua, de casa em casa, espreitando, interrogando, estudando; e quando colhia um enfermo levava-o com a mesma alegria com que outrora os arrebanhava às dúzias. Essa mesma desproporção confirmava a teoria nova; achara-se enfim a verdadeira patologia cerebral. Um dia conseguiu meter na Casa Verde o juiz de fora; mas procedia com tanto escrúpulo que o não fez senão depois de estudar minuciosamente todos os seus atos e interrogar os principais da vila. Mais de uma vez esteve prestes a recolher pessoas perfeitamente desequilibradas; foi o que se deu com um advogado, em quem reconheceu um tal conjunto de qualidades morais e mentais que era perigoso deixá-lo na rua. Mandou prendê-lo; mas o agente, desconfiado, pediu-lhe para fazer uma experiência; foi ter com um compadre, demandado por um testamento falso, e deu-lhe de conselho que tomasse por advogado o Salustiano; era o nome da pessoa em questão.

—Então parece-lhe...?

—Sem dúvida: vá, confesse tudo, a verdade inteira, seja qual for, e confie-lhe a causa.

O homem foi ter com o advogado, confessou ter falsificado o testamento e acabou pedindo que lhe tomasse a causa. Não se negou o advogado; estudou os papéis, arrazoou longamente, e provou a todas as luzes que o testamento era mais que verdadeiro. A inocência do réu foi solenemente proclamada pelo juiz e a herança passou-lhe às mãos. O distinto jurisconsulto deveu a esta experiência a liberdade.

Mas nada escapa a um espírito original e penetrante. Simão Bacamarte, que desde algum tempo notava o zelo, a sagacidade, a paciência, a moderação daquele agente, reconheceu a habilidade e o tino com que ele levara a cabo uma experiência tão melindrosa e complicada, e determinou recolhê-lo imediatamente à Casa Verde; deu-lhe todavia um dos melhores cubículos.

Os alienados foram alojados por classes. Fez-se uma galeria de modestos; isto é, os loucos em quem predominava esta perfeição moral; outra de tolerantes, outra de verídicos, outra de símplices, outra de leais, outra de magnânimos, outra de sagazes, outra de sinceros, etc. Naturalmente as famílias e os amigos dos reclusos bradavam contra a teoria; e alguns tentaram compelir a Câmara a cassar a licença. A Câmara porém, não esquecera a linguagem do vereador Galvão, e, se cassasse a licença, vê-lo-ia na rua e restituído ao lugar; pelo que, recusou. Simão Bacamarte oficiou aos vereadores, não agradecendo, mas felicitando-os por esse ato de vingança pessoal.

Desenganados da legalidade, alguns principais da vila recorreram secretamente ao barbeiro Porfírio e afiançaram-lhe todo o apoio de gente, de dinheiro e influência na corte, se ele se pusesse à testa de outro movimento contra a Câmara e o alienista. O barbeiro respondeu-lhes que não; que a ambição o levara da primeira vez a transgredir as leis, mas que ele se emendara, reconhecendo o erro próprio e a pouca consistência da opinião dos seus mesmos sequazes; que a Câmara entendera autorizar a nova experiência do alienista, por um ano: cumpria, ou esperar o fim do prazo, ou requerer ao vice-rei, caso a mesma Câmara rejeitasse o pedido. Jamais aconselharia o emprego de um recurso que ele viu falhar em suas mãos e isso a troco de mortes e ferimentos que seriam o seu eterno remorso.

— O que é que me está dizendo? perguntou o alienista quando um agente secreto lhe contou a conversação do barbeiro com os principais da vila.

Dois dias depois o barbeiro era recolhido à Casa Verde.— Preso por ter cão, preso por não ter cão! exclamou o infeliz.

Chegou o fim do prazo, a Câmara autorizou um prazo suplementar de seis meses para ensaio dos meios terapêuticos. O desfecho deste episódio da crônica itaguaiense é de tal ordem e tão inesperado, que merecia nada menos de dez capítulos de exposição; mas contento-me com um, que será o remate da narrativa, e um dos mais belos exemplos de convicção científica e abnegação humana.
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continua… Capitulo XIII, final – Plus Ultra!
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Fonte:
ASSIS, Machado de. O Alienista.