domingo, 30 de outubro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 380)


Uma Trova Nacional

Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
– Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
–A. A. DE ASSIS/PR–

Uma Trova Potiguar

Tristeza no peito eu sinto,
em ver que a mãe terra come,
o próprio filho faminto,
que a mesma matou de fome.
LUIZ DUTRA BORGES/RN–

Uma Trova Premiada

2004 - Nova Friburgo/RJ
Tema: REFÚGIO - M/H

No refúgio desmanchamos,
quando ficamos a sós,
esses nós que carregamos
no fundo de todos nós!
–SELMA PATTI SPINELLI/SP–

Uma Trova de Ademar

Quem na mata acende a chama,
suja o rio e a correnteza;
joga um punhado de lama
no rosto da natureza!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

A tristeza me persegue
todo instante, todo dia,
mas, coitada, não consegue
dizimar minha alegria.
–ALYDIO C. SILVA /MG–

Simplesmente Poesia

Esperança
–MARIO QUINTANA/RS–

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
– Ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume
na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
– Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que
não esqueçam:
– O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

Estrofe do Dia

Meditar e viver em harmonia,
estar sempre em defesa do irmão,
emprestar seu apoio em oração
aos que penam sem ver a luz do dia,
amoldar-se aos conselhos de Maria,
ler na Bíblia a palavra abençoada,
ao sentir uma mão pobre estirada
ofertar-lhe remédio, roupa e pão
- Ser fraterno é trazer no coração
a bondade por Deus recomendada.
–PEDRO ERNESTO FILHO/CE–

Soneto do Dia

Via-Láctea
–OLAVO BILAC/RJ–

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://dylanangel.blogspot.com

Júlia Lopes de Almeida (As Árvores)


Quando, na margem lodosa do Tibre, os primeiros romanos plantaram a figueira, árvore da flor saborosa e em cujas veias o leite escorre compacto e doce, prestavam culto à lenda da sua origem, fazendo da planta como que o símbolo da pátria. Naquela terra da febre, sem águas puras, a árvore sorveu do solo a ardência doentia que transmitiu depois, já purificada, à polpa sangüínea da sua flor.

As abelhas que procuram de preferência o mel do figo ao de outro qualquer fruto ou flor, enxamearam depressa por entre as largas folhas escuras da árvore, em que legiões de insetos invisíveis punham um tom luminoso de vida e deram aos romanos, trabalhadores e simples, favos deliciosos.

A cheirosa figueira teve, com justiça, o seu lugar sagrado no Palatino.

Naqueles tempos rudes, e em outros ainda de mais velha antiguidade, o respeito intuitivo pelas árvores era tamanho, que os homens as criam representantes de divindades. O carvalho, o loureiro, a palmeira e o mirto, eram invólucros de deuses. Olhando para a coroa tufosa das tílias, sorvendo-lhe o aroma das pálidas sombrinhas esverdeadas, o grego ouvia suaves promessas de Vênus, alma dessa planta, tapetando-lhe de veludo as estradas da vida.

Este preito à árvore, que a poesia nativa e a crença pagã investiam de solenidade, é para mim um dos encantos mais singulares da tradição.

Por fortuna de outros tempos, ele não ficou completamente extinto; não teve a França a sua árvore da Liberdade, fincada na terra da pátria pelos soldados da revolução, que a cobriam de flores e fitas tricolores?

Se hoje não há árvores simbólicas, há, entretanto, outras que o espírito do homem culto celebriza. Não é raro ver-se na Europa, mesmo em países de menor intelectualidade, uma árvore solitária, secular, rugosa, em cujas raízes ninguém pisa, e que vive cercada por um gradil, para que não lhe toquem mãos irreverentes. Essa é uma árvore célebre, é uma árvore amada, porque abrigou um dia um dos heróis da pátria. A municipalidade tem para ela cuidadíssimos desvelos, o povo sabe-lhe a história, e respeita-a só por ela ter dado frescura a alguém, que à sua sombra descansou de uma batalha cruenta ou escreveu versos imortais.

Creio ter já lido que D. João VI, a quem nossa história parece-me não ter feito ainda inteira justiça, tem a sua mais bela memória na primeira palmeira do Jardim Botânico, de cujas sementes nasceram os únicos adornos da Capital.

Dia formoso, aquele em que o rei desceu do seu trono para, no rude mister de jardineiro, tocar com a mão macia a terra áspera e fértil da pátria preferida. Suspeitaria ele que a alma da planta estrelada lhe perpetuaria a lembrança, melhor que as crônicas, tantas vezes confusas, tantas vezes mal interpretadas?

Talvez... Dizem que ouvindo ramalhar os mais velhos cedros do Líbano, que afirma a lenda serem contemporâneos de Salomão, alguns viandantes contemplativos crêem sentir nesse sussurro toda a doçura do Cântico dos Cânticos.

Conta um escritor português, descrevendo um campo estrangeiro, que nele havia a doce e pálida oliveira de ramagem miúda, que dá à paisagem um tom grego.

Uma simples árvore acorda a idéia de um país e desenrola aos olhos de um poeta a vastidão de um sonho.

O pinheiro resistente à neve e querido dos povos escandinavos, traz à idéia planícies brancas em que a sua silhueta negra se destaca apontando para o céu pálido. E dos seus braços híspidos que se fazem as árvores de Natal, consagradas à infância em nome de Jesus. Assim, o cipreste faz lembrar o cemitério, e o bambual o lago da fazenda, em que os marrecos deslizam e o gado bebe.

Dir-se-ia que só por si a árvore delineia e fixa a fisionomia dos lugares. Nenhum viajante esquece os castanheiros de Londres, que são vigorosos traços da sua austeridade e grandeza, nem as árvores tosquiadas de Paris, onde pardais chilreiam e a Primavera põe delicados rebentões cor de alface; nem as mimosas de Canes e de Nice, esgalhando-se em ramos delicados de folhas pequeninas e botões cor de palha, tão acordes com essas cidades elegantes e frívolas; nem tão pouco as luxuosas magnólias de Petrópolis, em que as flores se abrem como pequeninas urnas de ouro; capitosas.

Vendo os algodoeiros desgraciosos, inclinados e tortos como corpos doentes, e que por aí ficaram com desigualdade em algumas ruas, tenho muitas vezes pensado na árvore que deveríamos escolher de preferência para a nossa cidade. Deveria ser uma árvore pura, perfeita, indicada por eleição de artistas e conselho de sabedores.

O algodoeiro, com o seu aspecto desalinhado, sente-se contrafeito entre as duras pedras das calçadas e atira-se todo, numa atitude contorcida, para os lados ou para a frente, na ânsia histérica do sol.

A palmeira, de que todos levamos a imagem no coração quando saímos da pátria, e inimiga da habitação do homem; quer a seus pés colchões de areia, ou extensos gramados sobre que derrube sem fragor o casco das suas palmas secas.

Disse-me um dia um dos nossos melhores pintores, que, se tivesse poder para tanto, guarneceria toda a cidade de paineiras, a árvore das estações, que antes de desnudar-se se purpurisa em flores.

Eu gostaria de ver nas florestas que atapetam os morros e cingem a cidade, mais desses maravilhosos flamboyants de ramalhões escarlates, que são a gloria dos nossos verões ardentes. Que árvore há mais pomposa, quando se reveste de folhas e de pétalas?

Mais que aos coqueiros, de palmas flabeladas, mais que todos os espécimes da floresta e que todas as árvores de pomar, de flor cheirosa, eu adoro a mangueira, a mangueira selvagem, grande, tranqüila, onde a erva parasita se enleia e pende, onde o ninho se oculta e que parece guardar em si esse mistério doce que fez com que os homens da antiguidade julgassem algumas árvores invólucros de deuses. Cada cidade deveria ter o seu conselho de sábios e de artistas que lhe estudassem o clima e, de acordo com a sua fisionomia, lhe escolhessem a arborização severa ou delicada.

Um viajante, num traço rápido e firme, pinta-nos o valor do povo do baixo Canadá. Como? Revelando-nos o seu amor por uma árvore, que ele planta como um emblema da sua beleza e da sua fortuna — o érable.

Planta-o, e não deixa arrancá-lo, nenhum machado cruel lhe amputa os braços vigorosos, nem lhe lanha o tronco, porque as iras do povo, que são como as iras de Deus, cairiam em coro sobre a mão que o brandisse.

Árvores bondosas da minha terra, sob a cúpula iluminada do céu, no supremo júbilo do sol, sacudi as vestes de esmeralda e deixai cair no chão da floresta a chuva benéfica da vossa sementeira. Nem sempre o homem será cego: dia virá em que a vossa beleza imperiosa e doce faça cair o braço que tente erguer contra vós o afiado gume de um ferro.

Entretanto, perdoai-nos o mal que vos fazemos e sabei que entre tantas vozes perversas ou indiferentes, sempre há algumas que, como a do poeta Alfredo de Musset, peçam a vossa sombra para sua sepultura.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte VII


RISADAS

Às criaturas alegres

Fantasia, ó fantasia, tropo ardente
Da aurora alegre undiflavando as bandas
Do adamascado e rúbido oriente,
Ó fantasia, águia das asas pandas.

Tu que os clarins do sonho mais fulgente
Das Julietas, feres, nas varandas,
Ó fantasia dos Romeus, ó crente,
Por que países meridionais tu andas?!

Vem das esferas, entre os sons que vibras.
Vem, que desejo emocionar as fibras,
Quero sentir como este sangue impulsas.

Noiva do sol que os sóis preclaros gozas
Para rimar umas canções de rosas,
Como risadas de cristal, avulsas...

AVE! MARIA...

Ave! Maria das Estrelas, Ave!
Cheia de graça do luar, Maria!
Harmonia de cântico suave,
Das harpas celestiais branda harmonia...

Nuvem d'incensos através da nave
Quando o templo de pompas irradia
E em prantos o órgão vai plangendo grave
A profunda e gemente litania...

Seja bendito o fruto do teu ventre,
Jesus, mais belo dentre os astros e entre
As mulheres judaicas mais amado...

Ó Luz! Eucaristia da beleza,
Chama sagrada no Evangelho acesa,
Maravilha do Amor e do Pecado!

IMPASSÍVEL

Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um só dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.

Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d'estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.

A Imensidade nunca mais quer vê-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.

Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.

VERÔNICA

Não a face do Cristo, a macilenta
Face do Cristo, a dolorosa face...
O martírio da Cruz passou fugace
E este Martírio, esta Paixão é lenta.

Um vivo sangue a face te ensangüenta,
Mais vivo que se o Deus o derramasse;
Porque esta vã paixão, para que passe,
É mister dos Titãs a luta incruenta.

Se tu, Visão da Luz, Visão sagrada
Queres ser a Verônica sonhada,
Consoladora dessa dor sombria

Impressa ficara no teu sudário
Não a face do Cristo do Calvário
Mas a face convulsa da Agonia!

SÍMILES
(Desterro)

Pedro traiu a fé do Apostolado.
Madalena chorou de arrependida;
E nessa mágoa triste e indefinida
Havia ainda uns laivos de pecado.

Tudo que a Bíblia tinha decretado,
Tudo o que a lenda humilde e dolorida
De Jesus Cristo apregoou na vida,
Cumpriu-se à risca, foi executado.

O filho-Deus da cândida Maria,
Da flor de Jericó, na cruz sombria
Os seus dias amáveis terminou.

Pedro traiu a fé dos companheiros.
Madalena chorou sob os olmeiros
Jesus Cristo sofreu e... perdoou.

EXILADA

Bela viajante dos países frios
Não te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais -- secretos,
-- Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e és loura e tens os amavios
Os incógnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste...

SONETOS

Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidões remotas,
Batem as asas todos os sonetos.

Vão -- por estradas, por difíceis rotas,
Quatorze versos -- entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.

Com a brunida lâmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens límpidas, gentis,

Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flóreas primaveras,
Todo estrelado de áureos colibris.

DECADENTES

Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.

Desesperado frêmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves -- todos os vivos elementos.

Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.

Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso é triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias...

OLAVO BILAC

Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiações puríssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas...

Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebê-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.

E por aqui, nas lúcidas paisagens,
Vestido das mais fluídicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarões imersos...

Ando a gozar, entre lauréis e palmas,
O que cantei na terra, junto às almas,
Na eterna florescência dos meus versos.

DOENTE

As unhas perigosas da bronquite
Nas tuas carnes sensuais e moles
Não deixarão que o teu amor palpite
Nem que os olhares pelos astros roles.

É fatal a moléstia. Só permite
Que te acabes por fim e que te estioles.
Sem que em teu peito o coração se agite,
Sem que te animes, sem que te consoles.

Vai se extinguindo a polpa dessas faces...
Mas se ainda hoje em mim acreditasses,
Como no tempo virginal de outrora,

Tu curar-te-ias com pequeno esforço
Das serranias através do dorso,
Pela saúde dos vergéis afora.

DOENTE [VARIAÇÃO]

As unhas perigosas da bronquite
Nas tuas carnes flácidas e moles,
Não deixarão que o teu amor palpite,
Nem que os olhares pela esfera roles...

É fatal a moléstia -- só permite
Que te acabes por fim, e que te estioles,
Sem que em teu peito um coração se agite,
Sem que te animes, sem que te consoles.

Vai-se extinguindo a polpa dessas faces!
Mas se ainda hoje em mim acreditasses,
Como no tempo musical de outrora,

Me seguirias com pequeno esforço,
Das serranias através do dorso,
Pela saúde dos vergéis afora!

LIRIAL

Vens com uns tons de searas,
De prados enflorescidos
E trazes os coloridos
Das frescas auroras claras.

E tens as nuances raras
Dos bons prazeres servidos
Nos rostos enlourecidos
Das parisienses preclaras.

Chapéu das finas elites,
De roses e clematites,
Chapéu Pierrette -- entre o sol

Passando, esbelta e rosada,
Pareces uma encantada
Canção azul do Tirol.

TO SLEEP, TO DREAM

Dormir, sonhar -- o poeta inglês o disse...
Ah! Mas se a gente nunca mais sonhasse
Ah! Mas se a gente nunca mais dormisse
E a ilusões não mais acalentasse?

E o que importava que o futuro risse
De um visionário que tal cousa ideasse;
Se não seria o único que abrisse
Uma exceção da vida humana à face?...

Se os imortais filósofos modernos
Que derrubaram todos os infernos,
Que destruíram toda a teogonia.

Orientando a triste humanidade,
Deixaram, mais e mais, a piedade
Inteiramente desolada e fria?

NO CAMPO

Acordo de manhã cedo
Da luz aos doces carinhos:
Que rosas pelos caminhos!
Que rumor pelo árvoredo!

Para o azul radioso e ledo
Sobe, de dentro dos ninhos,
O canto dos passarinhos
Cheio de amor e segredo.

Dentre moitas de verdura
Voam as pombas nevadas,
Imaculadas de alvura.

Pelas margens das estradas
Que penetrante frescura
Que femininas risadas!

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cap. V


V
A costureira das fadas

Depois do jantar o príncipe levou Narizinho à casa da melhor costureira do reino. Era uma aranha de Paris, que sabia fazer vestidos lindos, lindos até não poder mais! Ela mesma tecia a fazenda, ela mesma inventava as modas.

— Dona Aranha — disse o príncipe — quero que faça para esta ilustre dama o vestido mais bonito do mundo. Vou dar uma grande festa em sua honra e quero vê-la deslumbrar a corte.

Disse e retirou-se. Dona Aranha tomou da fita métrica e, ajudada por seis aranhinhas muito espertas, principiou a tomar as medidas. Depois teceu, depressa, depressa, uma fazenda cor-de-rosa com estrelinhas douradas, a coisa mais linda que se possa imaginar.

Teceu também peças de fitas e peças de renda e peças de entremeio — até carretéis de linha de seda fabricou.

— Que beleza! — ia exclamando a menina, cada vez mais admirada dos prodígios da costureira. — Conheço muitas aranhas em casa de vovó, mas todas só sabem fazer teias de pegar moscas. Nenhuma é capaz de fazer nem um paninho de avental...

— É que tenho mil anos de idade — explicou dona Aranha, — e sou a costureira mais velha do mundo. Aprendi a fazer todas as coisas. Já trabalhei durante muito tempo no reino das fadas; fui quem fez o vestido de baile de Cinderela e quase todos os vestidos de casamento de quase todas as meninas que se casaram com príncipes encantados.

— E para Branca de Neve também costurou?

— Como não? Pois foi justamente quando eu estava tecendo o véu de noiva de Branca que fiquei aleijada. A tesoura caiu-me sobre o pé esquerdo, rachando o osso aqui neste lugar. Fui tratada pelo doutor Caramujo, que é um médico muito bom. Sarei, embora ficasse manca pelo resto da vida.

— Acha que esse tal doutor Caramujo é capaz de curar uma boneca que nasceu muda? — perguntou a menina.

— Cura, sim. Ele tem umas pílulas que curam todas as doenças, exceto quando o doente morre.

Enquanto conversavam, dona Aranha ia trabalhando no vestido.

— Está pronto — disse ela por fim. Vamos prová-lo.

Narizinho vestiu-se, indo ver-se ao espelho.

— Que beleza! — exclamou, batendo palmas. — Estou que nem um céu aberto!...

E estava mesmo linda. Linda, tão linda no seu vestido de teia cor-de-rosa com estrelinhas de ouro, que até o espelho arregalou os olhos, de espanto.

Trazendo em seguida o seu cofre de jóias, dona Aranha pôs na cabeça da menina um diadema de orvalho, e braceletes de rubis do mar nos braços, e anéis de brilhantes do mar nos dedos, e fivelas de esmeraldas do mar nos sapatos, e uma grande rosa do mar no peito.

Mais linda ainda ficou Narizinho, tão mais linda que o espelho arregalou um pouco mais os olhos, começando a abrir a boca.

— Pronto? — perguntou a menina, deslumbrada.

— Espere — respondeu dona Aranha Costureira. — Faltam os pós de borboleta.

E ordenou às suas seis filhinhas que trouxessem as caixas de pó de borboleta. Escolheu o mais conveniente, que era o famoso pó Furta-todas-as-Cores, de tanto brilho que parecia pó de céu sem nuvens misturado com pó de sol-que-acaba-de-nascer. Polvilhada com ele a menina ficou tal qual um sonho dourado! Linda, tão linda, tão mais, mais, mais linda, que o espelho foi arregalando ainda mais os olhos, mais, mais, mais, até que — craque!... rachou de alto a baixo em seis fragmentos!

Em vez de ficar danada com aquilo, como Narizinho esperava, dona Aranha pôs-se a dançar de alegria.

— Ora graças! — exclamou num suspiro de alívio. – Chegou afinal o dia da minha libertação. Quando nasci, uma fada rabugenta, que detestava minha pobre mãe, virou-me em aranha, condenando-me a viver de costuras a vida inteira. No mesmo instante, porém, uma fada boa surgiu, e me deu esse espelho com estas palavras: “No dia em que fizeres o vestido mais lindo do mundo, deixarás de ser aranha e serás o que quiseres.”

— Que bom! — aplaudiu Narizinho. — E no que vai a senhora virar?

— Não sei ainda — respondeu a aranha. — Tenho de consultar o príncipe.

— Sim, mas não vire em nada antes de fazer destes retalhos um vestido para a Emília. A pobrezinha não pode comparecer ao baile assim em fraldas de camisa como está.

— Agora é tarde, menina. O encantamento está quebrado; já não sou costureira. Mas minhas filhas poderão fazer o vestido da boneca.

Não sairá grande coisa, porque não têm a minha prática, mas há de servir. Onde está a senhora Emília?

Narizinho não sabia. Depois que furtou os óculos da velha e saiu correndo, ninguém mais vira a boneca. Dona Aranha voltou-se para as seis aranhinhas.

— Minhas filhas — disse ela — o encanto está quebrado e logo estarei virada no que quiser. Vou portanto abandonar esta vida de costureira, deixando a vocês o meu lugar. O encantamento continua em vocês. Cada uma tem de conservar um pedaço do espelho e passar a vida costurando até que consiga um vestido que o faça rachar de admiração, como sucedeu ao espelho grande.

Nisto o príncipe apareceu. Narizinho contou-lhe toda a história, inclusive a atrapalhação da aranha quanto à escolha do que havia de ser.

O príncipe observou que seu reino estava com falta de sereias, sendo muito do seu agrado que ela virasse sereia.

— Nunca! — protestou Narizinho, que era de muito bons sentimentos. — Sereias são criaturas malvadas, cujo maior prazer é afundar navios. Antes vire princesa.

Houve grande discussão, sem que nada fosse decidido. Por fim a aranha resolveu não virar em coisa nenhuma.

— Acho melhor ficar no que sou. Assim, manca duma perna, se viro princesa ficarei sendo a Princesa Manca; se viro sereia, ficarei sendo a Sereia Manca — e todos caçoarão de mim. Além do mais, como já sou aranha há mil anos, estou acostumadíssima.

E continuou aranha.
–––––––
continua…

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

47a. Feira do Livro de Porto Alegre (Programação de 31 de outubro, segunda-feira)


Formação para os professores da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre
31/10/2011 - 09:00

Mostra do Programa Clube de Jovens da Secretaria de Inclusão Escolar de Buenos Aires
31/10/2011 - 09:00

Encontro com autor
31/10/2011 - 10:30

O Autor no Palco
31/10/2011 - 10:30
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

Oficina de Trovas
31/10/2011 - 13:30
Aprenda a fazer trovas e suba os degraus da poesia. Oficina em módulo único

O gênero literário soneto está superado?
31/10/2011 - 14:00
Debate sobre a história do soneto e a leitura dos mesmos

Encontro com autor
31/10/2011 - 14:00

O Autor no Palco
31/10/2011 - 14:00
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

A Arte Levada a Sério
31/10/2011 - 14:00
Apresentação do grupo teatral do Colegio Dom Diogo

Tenda.doc: Sessão Fantaspoa - Lovecraft: Medo do Desconhecido
31/10/2011 - 14:30
Documentário, repleto de grandes presenças, faz uma crônica sobre a vida, a obra e as ideias por trás dos contos bizarros de Lovecraft. Direção de Frank H. Woodward

Juca o cavalo marinho
31/10/2011 - 15:00

O horror na biblioteca
31/10/2011 - 15:30
Um breve passeio pelos clássicos da literatura de horror, desde o nascimento do gênero no séc.XVIII até a primeira metade do séc.XX, quando o gênero foi fundido à ficção científica

Lobisomens: Sangue e Luar
31/10/2011 - 15:30

Bate-papo sobre terror
Dom Quixote e Dulcinéia contando Histórias
31/10/2011 - 15:30

A história do Saci, Lenda Popular e A bruxinha que era Boa, de Maria Clara
Cine SESC
31/10/2011 - 15:30

Exibição do filme O pequeno Nicolau
O Autor no Palco
31/10/2011 - 15:30

Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental
Oficina: Poesia e ilustração
31/10/2011 - 16:00
A partir da escolha de um texto poético, pensar o papel da ilustração como um veículo de reconstrução do texto. Oficina em módulo único

Histórias mal-assombradas
31/10/2011 - 16:00
Contos populares aterrorizantes

Tudo é Passageiro
31/10/2011 - 16:00

II Seminário Nacional de Crítica e Literatura - Faces do horror na literatura
31/10/2011 - 16:30
Uma viagem pelo gênero consagrado por Poe: o fascínio e a imortalidade da literatura de horror

Oficina: Fumproarte
31/10/2011 - 16:30

Normas legais, critérios de habilitação e seleção. Módulo 1/3

O Cavaleiro do Templo - Cruzadas e Templários
31/10/2011 - 17:00
Como um cavaleiro percebeu o renascer do ocidente no tempo das cruzadas

Gre-Nalzinho é sempre Gre-Nalzinho
31/10/2011 - 17:00

Biblioteca pública e escola
31/10/2011 - 17:30
O trabalho em conjunto da biblioteca pública de Biberach - Biblioteca do ano na Alemanha em 2009

Oficina aberta: sobre a necessidade de sentir medo
31/10/2011 - 18:00
O medo é a mais temida das sensações, mas, paradoxalmente, é uma das mais buscadas ao longo da vida

Fantasia Heroica: das revistas pulp ao panorama da literatura nacional
31/10/2011 - 18:30
As origens do gênero conhecido como Fantasia Heroica, ou Espada e Magia, nas revistas pulp e sua evolução até os dias atuais, com destaque para o novo cenário brasileiro na Literatura Fantástica

Oficina: Contos - a literatura e as sensações
31/10/2011 - 18:30
Oficina de escrita criativa com ênfase no conto e em técnicas narrativas variadas. Visa ao desbloqueio criativo e ao incremento de memória sensorial. Módulo 1/3

Arte às 18:30

Apresentação do Grupo Vocal e Instrumental de Vez em Canto
De Pai Para Filha - As 100 melhores receitas
31/10/2011 - 18:30

Doutrina e Prática dos Alimentos - 4ªEd.//Coisa Julgada Civil
31/10/2011 - 18:30

Colaboração no Processo civil - Vol.14 2ªEd.//Código de Processo Civil - 3ªEd.
31/10/2011 - 18:30

O caso Laura
31/10/2011 - 18:30

Cavaleiro do Templo IV
31/10/2011 - 18:30

Rumos da literatura de entretenimento e fantasia no Brasil
31/10/2011 - 19:00
Discussão com os autores sobre os rumos da literatura de entretenimento no Brasil e os caminhos dos romances de fantasia

Oficina: Design Editorial
31/10/2011 - 19:00

A ilustração na publicação gráfica. Módulo 3/3

2º Seminário Reinações - O fantástico e a literatura infantojuvenil
31/10/2011 - 19:00

O terror e o sobrenatural em Edgar Allan Poe
Cine Santander Cultural
31/10/2011 - 19:00
Sessão Comentada

Observação da lua através de telescópios - Laboratório de Astronomia - Faculdade de Física/PUCRS
31/10/2011 - 19:30
A atividade será cancelada caso não haja condições meteorológicas

Cordão da Saideira: Imaginário cantado
31/10/2011 - 20:00
Espetáculo musical insipirado no livro "Monstruário" de Mário Corso. Músicas e textos que fazem referência aos seres mitológicos que habitam o imaginário popular

Gordura Trans
31/10/2011 - 20:00
Espetáculo teatral

A Fada
31/10/2011 - 20:30

Filhos do Eden (autor autografa junto Deus Máquina)
31/10/2011 - 20:30

Deus máquina
31/10/2011 - 20:30

Dragões de Éter (volumes 1, 2 e 3)
31/10/2011 - 20:30

Sagas vol.3 - Martelo das Bruxas
31/10/2011 - 20:30

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

sábado, 29 de outubro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica 38)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 379)


Uma Trova Nacional

Vendo a mãe de cara inchada,
a menininha inocente
exclamou, alvoroçada:
“Mamãe espera outro dente!”
–MARINA BRUNA/SP–

Uma Trova Potiguar

De pileque, o Zé Libório,
procedeu de modo errado...
Chupando o supositório:
– ah confeito ruim danado!
–DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Bandeirantes/PR
Tema: TRABALHO - M/H

O trabalho do banqueiro
está no seu jogo impuro:
tem lucro com meu dinheiro
e ainda me cobra juro.
–OLYMPIO COUTINHO/MG–

Uma Trova de Ademar

Sou dançador de primeira
e, se acaso for forró,
eu passo uma noite inteira
dançando com um pé só!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Sendo traída, de graça,
pelo esposo, capitão,
a Maria, por pirraça,
o traiu com o “batalhão”.
–CÉLIO GRUNEWALD/MG–

Simplesmente Poesia

MOTE.
Cabra safado não morre;
Só se matar de cacete.

GLOSA:
Não há veneno nem porre
pra levar o traste ruim.
Quem é bom logo tem fim,
cabra safado não morre;
o diabo sempre o socorre
por debaixo do colete;
toma coice de ginete,
de cobra leva mordida,
mas não desgruda da vida,
só se matar de cacete.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Estrofe do Dia

O meu pai foi um grande pobretão
tinha apenas dez mil agricultores
setecentas opalas, mil tratores
e uma fábrica bem grande de avião
oficinas de rádios no Japão
foi o dono do vinho italiano
seis mil casas pai compra todo ano
possui minas de prata, ouro e cobre
e da família, meu pai é o mais pobre
nos dez pés de martelo alagoano.
–JOÃO FURIBA/PE–

Soneto do Dia

Quanto Custa o Amor?
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

“O amor não tem idade!” – Acho isto lindo!
Esse chavão é dos que mais comovem;
entendo que as ideias se renovem,
ao fluxo de emoções interagindo.

Assim como a mulher quer tampa jovem
para a velha panela, ainda ebulindo,
o ancião a um tenro colo ser bem vindo,
talvez os radicais jamais aprovem.

Não quero ser juiz, não tenho o siso,
mas, no desfecho, o que me afrouxa o riso
é constatar, de forma habitual,

que nesse amor moderno e avesso ao crivo,
o dono do aparato aquisitivo
é sempre a parte idosa do casal!…

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Antonio Brás Constante (E se o seu Aniversário Caísse em um Dia Desses...?)


Muitos acham que coincidir a data de seu aniversário com um feriado é uma boa, já que neste dia não precisarão ir trabalhar ou estudar, e poderão curtir em casa numa melhor ainda. Minha cunhada, por exemplo, faz aniversário no dia 20 de setembro, que aqui no sul é feriado farroupilha. Mas, dependendo da data, a comemoração pode não ser tão boa assim.

Vamos imaginar como seria o aniversário para pessoas nascidas no dia 2 de novembro – FINADOS – Todo mundo parecendo triste, ninguém muito interessado em fazer festas, preferindo os cemitérios aos salões de baile. Um dia em que só quem recebe flores é quem já morreu, e as velas acessas não são para se soprar e sim para orar.

Aniversariantes do dia 12 de outubro – DIA DAS CRIANÇAS – Você é uma criança e o aniversário é seu, mas todos os seus amiguinhos também ganham presentes. O lado bom para quem ainda é criança (dentre aquelas que conseguem viver e curtir esta fase de criança) é que o dia fica sendo uma festa, a parte ruim é que para os pais o gasto é enorme (os presentes infantis inflacionam nesta época do ano). Por outro lado tem o lado ruim também para a criança, já que ela acaba ganhando apenas um presente dos pais, que ganharia de qualquer jeito, visto que seu aniversário está misturado e mesclado com a referida data.

Aniversariantes do dia 29 de fevereiro – ANO BISSEXTO – Um aniversário a cada quatro anos. Se fosse tomado ao pé da letra, a pessoa também envelheceria de quatro em quatro anos e acabaria tendo filhos e talvez até netos mais velhos que ela ao longo da vida.

Aniversariantes do dia 25 de Dezembro – NATAL – É parecido com o dia das crianças, mas o agravante neste caso é que apesar de ser o seu aniversário, todo mundo só fala do outro aniversariante que também nasceu neste dia e que acaba monopolizando todas as atenções para ele (curiosamente o mesmo dia em que nasceram os deuses: Osiris, Adônis, Mitra, entre outros, com histórias de vida e morte parecidas, mas muito parecidas, com a do tal aniversariante famoso, e que poderiam ser consideradas como plágio se não tivessem acontecido muito antes do nascimento dele).

Aniversariantes do dia 1 de abril – DIAS DOS BOBOS – quanta sacanagem sofreria o pobre aniversariante, recebendo caixas de presentes vazias ou com tijolos dentro, e ao abrir a massa humana de amigos gritaria: “PRIMEIRO DE ABRIL!”. Todo mundo querendo pregar uma peça no aniversariante, que correria o risco de passar boa parte de seus aniversários sendo alvo das brincadeiras alheias, muito mais do que qualquer outra pessoa. Em nosso mundo moderno com seus clichês mais modernos ainda, o aniversariante poderia ser considerado como uma vítima de bulling com data marcada.

Aniversariantes em que a data cai na SEXTA-FEIRA SANTA. Não é sempre que acontece, mas se tiver o infortúnio de que seu aniversário aconteça nesta data, saiba que terá problemas, por exemplo: fazer um churrasquinho com cerveja gelada para comemorar a data querida? Nem pensar! O cardápio é peixe com vinho, e nada de bolos já que as pessoas geralmente jejuam neste dia. Músicas e danças também são desaconselhadas e muitas vezes repreendidas. Já para quem teve o aniversário acontecendo bem na quarta-feira de cinzas, vai encontrar a patota toda de ressaca, sem ânimo ou grana para comemorar após quatro dias de festas.

Também têm as datas de aniversário que fazem das pessoas pretensos ícones, vinculando-as de alguma forma a tais acontecimentos, como no caso do dia 8 de março, DIA INTERNACIONAL DA MULHER (já que o dia nacional é em 30/04, praticamente desconhecido das multidões). A mulher que nasce nesse dia parece carregar nos ombros uma responsabilidade maior, por fazer aniversário em um dia tão emblemático, mesmo que ela esteja alheia a tudo isso, sempre existirão aqueles que vão dizer: “ela nasceu em tal dia, é um sinal”, e esperam que ela seja uma líder, ou que faça a diferença de algum modo. Por outro lado, se for homem, o vivente está tranqüilo, mesmo que tenha nascido no dia do homem (esse dia existe???) já que ninguém vai dar qualquer importância a isso mesmo.

Aniversariantes do dia 13 (somente quando cair em uma sexta-feira) – DIA DO AZAR - Azar o seu que neste dia vai pagar a festa da parentada e amigos, que por ser sexta-feira vão vir em peso lhe dar os parabéns, ficando para comer e beber as suas custas.

E, claro, nós não podemos nunca se esquecer das pessoas que aniversariam no DIA DAS PRAGAS. A data começou a ser comemorada após eventos com pragas de gafanhotos, etc. E apesar de eu não ter encontrado um dia específico para celebrar esta data, posso presumir que deve ser no final do ano, algo entre 25 de novembro a 15 de dezembro. Vai se saber quantas pragas chegaram e amaldiçoaram nosso mundo durante este período...

Enfim, em meio a tantas datas de aniversários misturadas a datas importantes (ou, em alguns casos, pretensamente importantes) o essencial é entender que o aniversário é algo que se comemora de dentro para fora e não de fora para dentro como muitos imaginam. Muito mais do que festas ou presentes, o aniversário é um marco de passagem aonde chegamos todo ano e dizemos para nós mesmos: “Bom, até aqui tudo bem (ou não). E agora? Continuo como estou ou mudo o curso da minha vida..”. Dedico este texto a minha simpática fisioterapeuta, que anda tendo um trabalhão danado para curar a tendinite do meu ombro, e que faz aniversário no dia dois de novembro. Foi através de uma conversa exatamente sobre o fato de se fazer aniversário no dia de finados que acabou dando inicio a ideia deste texto. Feliz aniversário minha jovem!

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Pedro Ornellas (A Rosa em Trovas)


Mesmo soltas e espalhadas
as pétalas são formosas;
porém somente abraçadas
é que elas se tornam rosas!
A. A. DE ASSIS

Pobre horizonte pequeno
de quem crê, sem ver mais nada,
que uma rosa com sereno,
é só uma rosa molhada!
ARLINDO TADEU HAGEN

Eu disse ao ver-te formosa,
em teu traje rosicler:
– Mudou-se a mulher em rosa,
ou fez-se a rosa mulher?
ARI SIMÕES COELHO

Nesta existência de dores
andam caprichos mesquinhos:
junto ao charco nascem flores,
e brota a rosa entre espinhos.
CARLYLE MARTINS

Tal qual o meu pé de rosa
que ao ser podado floresce,
esta saudade teimosa
quanto mais podo mais cresce!
CAROLINA RAMOS

Rosas tolas, tão vaidosas,
que em belas hastes vicejam...
Vem, amor, olha estas rosas
- quero que as rosas te vejam!
J.G. DE ARAÚJO JORGE

São as mulheres formosas
como os rosais nos caminhos:
de longe, mostram as rosas;
mostram, de perto, os espinhos.
LEONARDO HENKE

Às vezes o mar bravio
dá-nos lição engenhosa:
afunda um grande navio,
deixa boiar uma rosa!
LUIZ OTÁVIO

Com pena, por vê-lo morto,
a borboleta, piedosa,
simulou, no galho torto,
duas pétalas de rosa...
ORLANDO BRITO

Pude notar, nos caminhos,
mesmo em horas desditosas,
que rosas não têm espinhos;
espinhos é que têm rosas!
PEDRO ORNELLAS

Passa a noite num aceno,
e uma rosa perfumada
mostra os brincos de sereno
que ganhou da madrugada!
PEDRO ORNELLAS

Ironia caprichosa
do tempo ao traçar caminhos:
Transforma o botão em rosa
e enche a roseira de espinhos!
PEDRO ORNELLAS

Deus de formas engenhosas
manda recados do além;
o orvalho, molhando as rosas,
molha os espinhos também!
PEDRO ORNELLAS

Disfarça as falhas teimosas
fazendo o bem nos caminhos;
quando a roseira tem rosas
ninguém percebe os espinhos!
PEDRO ORNELLAS

Tem gente que se revela
só quando de perto olhamos...
Mesmo a roseira mais bela
tem espinhos entre os ramos!
PEDRO ORNELLAS

Morreu o sol lentamente,
incendiou-se o céu profundo...
Levaram para o poente
todas as rosas do mundo!
VASCO DE CASTRO LIMA

Fonte:
Trovas enviadas por Pedro Ornellas

Ialmar Pio Schneider (Dia Nacional do Livro)


Por ter ocorrido em 29 de outubro de 1810 a fundação da Biblioteca Nacional, esta data é comemorada como o Dia Nacional do Livro.

Ocorreu-me escrever algo a respeito do livro, este amigo mudo mas sábio que me acompanha desde que me conheço por gente. O pouco que sei nesta vida pacata que levo, além dos mestres que me ensinaram, estão os livros como fonte de conhecimentos onde procurei sempre a aprendizagem e o lazer, apesar da mortificante televisão cuja tentação não tenho resistido.

Também não posso deixar de referir-me ao leitor para o qual compus um soneto:

AO LEITOR

Quando escrevo me assalta um pensamento
indeciso de não saber a quem
possa atingir meu louco sentimento
e duvidar assim não me faz bem…

Espero apenas que o meu sofrimento
não vá prejudicar... ferir ninguém…
Ponho aqui realidade e fingimento
para a escolha daqueles que me lêem.

Segue junto comigo se te apraz
conhecer solidão e fantasia,
às vezes desespero, às vezes paz:

meus “Sonetos e Cânticos Dispersos”,
dizendo que no mundo da poesia
cada qual é o poeta dos seus versos...

Pode parecer estranho que quase sempre me socorro da poesia para escrever o meu texto aqui, buscando divulgar os autores, os mais diversos. É uma maneira de despertar o interesse para a arte poética pois sempre vejo nela uma tábua de salvação à realidade cruel que presenciamos no dia-a-dia.

Nunca é demais lembrar: “Um país se faz com homens e livros”. Monteiro Lobato (1882-1948). Então, façamos deles os nossos fiéis e constantes companheiros para enfrentar a vida.

Fonte:
Texto e soneto enviado pelo autor

Júlia Lopes de Almeida (Os Beijos)


Falam os senhores médicos contra os beijos condenando-os como transmissores de micróbios assassinos. Misérias do sangue ou feias doenças incubadas passam invisível e perfidamente de uma para outra criatura, no mais rápido ou sutil dos ósculos.

— Não se beijem! é uma das fórmulas modernas dos higienistas; resta-nos duvidar que eles, para exemplo, se submetam a essas leis de esquivança que apregoam... Porque, em verdade, quem haverá por todo este mundo vasto, por mais emurchecidos que tenha os lábios ou por mais seca que tenha a alma, que não sinta florir no peito, com maior ou menor viço, o desejo imperioso de unir a sua boca a outra boca amada ou de refrescá-la nas faces acetinadas de uma criança?

Fagulhas das labaredas em que nos consumimos, os beijos crepitarão por toda a larga face da terra, embora a ciência contra eles asseste a ducha gelada dos seus decretos proibitivos.

Não há em língua humana palavra que, como o beijo, exprima, por mais silencioso que ele seja, a ternura e o amor.

A boca de um mudo diz tudo quanto há de mais elevado e de mais veemente, quando beija; no beijo está o único triunfo da sua alma encarcerada!

Bem prega Frei Thomaz... Não se beijem! Dentro do beijo, como dentro do cálice de uma flor de aroma capitoso, está muitas vezes escondido o veneno que nos leva ao último sono. Cuidado... Quando tais palavras escrevem, esses senhores que só olham para a vida através das lentes dos microscópios, deverão sentir em si próprios o rugido da natureza ofendida a clamar contra essa impiedosa verdade da ciência.

A vida sem beijos! a vida sem beijos é como um jardim sem flores, um pomar sem frutos, ou (que escorregue ainda mais esta velha comparação) um deserto sem oásis. Não valeria a pena prolongar a existência à custa de tamanho sacrifício. Por assim entender é que a humanidade faz e fará sempre ouvidos surdos à teoria da supressão do beijo. Para ela, ele não é tal o veículo da peçonha, a ameaça constante dos fantasmas terríficos de doenças asquerosas e tristes, coisa desvirtuada e maléfica, mas sim, e por todos os séculos dos séculos, o que dele disse um poeta meu amigo:

"... O selo da amizade

E do amor! Ele só nos dá felicidade.
Dois corações que o tédio ou o cansaço importune,
Só um beijo de amor os levanta e reúne.
O beijo é vida, o beijo é luz, o beijo é glória!
Observai bem: vereis que o beijo é toda a história
Da humanidade. Foi o beijo primitivo
Que na terra o primeiro homem tornou cativo
Da primeira mulher; depois, ardente ou brando,
Veio o beijo de amor as raças perpetuando,
Unindo gerações a gerações, e unindo
O passado ao futuro insondável e infindo.
O beijo é a transfusão das almas; ele encerra
Tudo que possa haver de divino na terra."

Não é só o beijo perpetuador das raças que derrama na alma o clarão mirífico da felicidade. Quando uma mãe beija um filho, como que sente o seu coração maior que o mundo e mais vitorioso que todos os hinos do universo! Saberá alguém de coisa mais doce nem mais pura, que o beijo da amizade?

Infelizmente, nem todos os beijos são:

"Tudo que possa haver de divino na terra!"

Como diz o poeta.

É que Filinto de Almeida desconhece o horror dos beijos convencionais, que só os lábios femininos trocam entre si.

Para esses o rigor das leis científicas deveria ser bem aceito... Que se beijem duas amigas que se estimam, sim! Que por um enlevo de simpatia, uma mulher beije a outra em um primeiro dia de encontro, como um pacto de futura amizade, sim! Mas, que, sem espontaneidade de afeto ou sem velha estima, só por cortesia e obediência ao hábito, duas criaturas indiferentes, e que às vezes até se desestimam, troquem beijinhos cada vez que se encontram... Por Deus, nem é decente nem agradável!

Por mais que a gente queira esquivar-se, não pode, sem incorrer em falta grave, furtar-se ao impulso com que certas damas atraem as outras para o cumprimento da praxe. Que desastres, às vezes, nesse movimento! Abas de chapéus que se chocam, véus que se arrepanham, corpos que se contrafazem, e no fim: um chapéu torto, uma face babada, e no íntimo uns ressaibos de mel avinagrado.

A graça esquisita dessa insistência está muitas vezes em que a senhora que imprime à outra o puxão para o beijo, dá-lhe logo a face a beijar, face em que não raro desabotoam espinhas e quase sempre o cold cream se alastra.

E não há resistência capaz de livrar uma criatura de tais assaltos; quer queira quer não queira, ela há de beijar e há de ser beijada em plena rua, em plena luz, por pessoas a quem não a prende nenhum laço de afeto, ou mesmo de simpatia muito forte.

Sei que me atiro para dentro de uma casa de maribondos falando assim; pouco importa.

De resto, esta impressão não é só minha. Nenhuma mulher deixará de sentir revolver-se no seu coração um sentimento de desagrado, ao unir a sua boca a outra boca de que tenham saído por ventura epigramas que a firam ou indiretas que a molestem.

O beijo é uma coisa muito nobre para ser esbanjada assim, sem significação, em encontros de acaso, em qualquer canto de rua...

Para que ele seja suave e doce, deve ser dado com a consciência da amizade; do contrário, quando não é perverso, é ridículo.

Não se diga que foi a nossa índole meiga e expansiva que inventou tal costume; ele foi importado, mas creio que já caiu em desuso nas terras de que proveio. Pelo menos, as estrangeiras não se beijam entre si com tamanha efusão. Elas desconfiam, talvez, de que perdem o valor os beijos de uma criatura que os dispensa a toda a gente, e por isso só os gastam em família e pouco mais... Aqui, ao contrário, o furor do beijo a esmo tem aumentado; toda a gente se julga com direito a ele e o reclama num gesto imperioso que não admite recusa...

Em resumo, a minha opinião neste assunto melindroso e terrível é esta: não compreendo a vida sem o beijo, como não compreendo o beijo sem o afeto.

Como, enquanto houver mundo, há de haver o amor, o beijo triunfará de todas as perseguições que lhe fizerem os senhores bacteriologistas.

Eles mesmos, depois de horas e horas passadas no interior dos seus gabinetes e dos seus laboratórios, ao levantarem os olhos, cansados das páginas dos livros ou das lentes dos microscópios, sentirão, para refrigério das suas almas entontecidas pela vertigem de tantas misérias humanas, o desejo de as suavizarem num beijo, em que os seus lábios impuros de homens encontrem a fresca inocência da face de uma criança... E estou certa de que apressarão os passos, para irem beijar em casa os filhos pequeninos...

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte VI


25 DE MARÇO

(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o Ceará

Bem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na órbita traçada -- de fogo dos obuses.

Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura -- a lei cujos fossos
Se ergue a consciência -- e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.

E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de heróis -- presentes pelo dorso
À rubra luz da glória -- enquanto voa e zumbe.

O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.

NINHO ABANDONADO

À distinta família Simas, pela morte de seu chefe,
o Ilmo. Sr. João da Silva Simas.

O vosso lar harmônico e tranqüilo
Era um ninho de luz e de esperanças
Que como abelhas iriadas, mansas,
Nos vossos corações tinham asilo.

Havia lá por dentro tanta crença
E tanto amor puríssimo, cantando,
Que parecia um largo sol faiscando
Por majestosa catedral imensa.

Agora o ninho está desamparado!
Sumiu-se dele o pássaro adorado,
O mais ideal dos pássaros do ninho.

Não se ouve mais a música sonora
Da sua voz -- dentro do ninho, agora,
Paira a saudade como um bom carinho.

CRENÇA

Filha do céu, a pura crença é isto
Que eu vejo em ti, na vastidão das cousas,
Nessa mudez castíssima das lousas,
No belo rosto sonhador do Cristo.

A crença é tudo quanto tenho visto
Nos olhos teus, quando a cabeça pousas
Sobre o meu colo e que dizer não ousas
Todo esse amor que eu venço e que conquisto.

A crença é ter os peregrinos olhos
Abertos sempre aos ríspidos escolhos;
Tê-los à frente de qualquer farol

E conservá-los, simplesmente acesos
Como dois fachos -- engastados, presos
Nas radiações prismáticas do sol!

CRISTO E A ADÚLTERA

(Grupo de Bernardelli)

Sente-se a extrema comoção do artista
No grupo ideal de plácida candura,
Nesse esplendor tão fino da escultura

Para onde a luz de todo o olhar enrista.
Que campo, ali, de rútila conquista
Deve rasgar, do mármore na alvura,
O estatuário -- que amplidão segura

Tem -- de alma e braço, de razão e vista!
Vê-se a mulher que implora, ajoelhada,
A mais serena compaixão sagrada
De um Cristo feito a largos tons gloriosos.

De um Nazareno compassivo e terno,
D'olhos que lembram, cheios de falerno,
Dois inefáveis corações piedosos!

ÊXTASE DE MÁRMORE

À grande atriz Apolônia.

O mármore profundo e cinzelado
De uma estátua viril, deliciosa;
Essa pedra que geme, anseia e goza
Num misticismo altíssimo e calado;

Essa pedra imortal -- campo rasgado
A comoção mais íntima e nervosa
Da alma do artista, de um frescor de rosa,
Feita do azul de um céu muito azulado;

Se te visse o clarão que pelos ombros
Teus, rola, cai, nos múltiplos assombros
Da Arte sonora, plena de harmonia;

O mármore feliz que é muito artista
Também -- como tu és -- à tua vista
De humildade e ciúme, coraria!

INVERNO

Amanheceu -- no topo da colina
Um céu de madrepérola se arqueia
Limpo, lavado, reluzindo -- ondeia
O perfume da selva esmeraldina.

Uma luz virginal e cristalina,
Como de um rio a transbordante cheia,
Alaga as terras culturais e arreia
De pingos d'ouro os verdes da campina.

Um sol pagão, de um louro gema d'ovo,
Já tão antigo e quase sempre novo
Surge na frígida estação do inverno.

-- Chilreiam muito em árvores frondosas
Pássaros -- fulge o orvalho pelas rosas
Como o vigor no espírito moderno.

FALANDO AO CÉU

Falas ao Céu, Amor! Em vão tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele é branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.

A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.

Sempre surdo, hoje o céu é mudo, é cego...
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tão cego vou por entre abrolhos.

Mas se queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco
Fala e vista, com a vida dos teus olhos...

GLORIOSA

A Araújo Figueredo

Pomba! dos céus me dizes que vieste,
Toda c’roada de astros e de rosas,
Mas há regiões mais que essas luminosas.
Não, tu não vens da região celeste

Há um outro esplendor em tua veste,
Uma outra luz nas tranças primorosas,
Outra harmonia em teu olhar -- maviosas
Cousas em ti que tu nunca tiveste.

Não, tu não vens das célicas planuras,
Do Éden que ri e canta nas alturas
Como essa voz que dos teus lábios tomba.

Vens de mais longe, vens doutras paragens,
Vens doutros céus de místicas celagens,
Sim, vens de sóis e das auroras, pomba.

O CHALÉ

É um chalé luzido e aristocrático,
De fulgurantes, ricos arabescos,
Janelas livres para os ares frescos,
Galante, raro, encantador, simpático.

O sol que vibra em rubro tom prismático,
No resplendor dos luxos principescos,
Dá-lhe uns alegres tiques romanescos,
Um colorido ideal silforimático.

Há um jardim de rosas singulares,
Lírios joviais e rosas não vulgares,
Brancas e azuis e roxas purpúreas.

E a luz do luar caindo em brilhos vagos,
Na placidez de adormecidos lagos
Abre esquisitas radiações sulfúreas.

DELÍRIO DO SOM

O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebúrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.

Me parecia a música do arminho,
O perfume do lírio que cantava,
A estrela-d’alva que nos céus entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.

Incomparável, teu piano -- e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;

Como as visões olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.

ILUSÕES MORTAS

A Virgílio Várzea

Os meus amores vão-se mar em fora,
E vão-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.

E os meus amores não virão agora,
Não baterão as asas multicores,
Como as aves mansas -- dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.

Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, -- tudo em revoada franca
Partiu -- deixando um bem-estar saudoso

No fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.

O SONHO DO ASTRÓLOGO

As fulgurosas, rútilas estrelas
Como mundos de mundos seculares,
Formando uns arquipélagos, uns mares
De luz -- como eu deslumbro o olhar ao vê-las.

Ah! se como eu sei compreendê-las,
Sentir-lhes os seus filtros salutares,
Pudesse, da amplidão fria dos ares
Arrancá-las, na mão sempre trazê-las;

Que vagalhões de assombros palpitantes
Não me viriam perpassar, faiscantes,
Dentro do ser, nuns doutros murúrios.

Eu saberia muito mais a causa
Da evolução que nunca teve pausa,
Que é uma audácia transbordando em rios.

CRISTO

Cristo morreu, ó tristes criaturas,
Era matéria como vós, morreu;
E quando a noite sepulcral desceu
Gelou com ele o oceano das ternuras.

Nunca outro sol de irradiações mais puras
Subiu tão alto e tanto resplendeu,
Nunca ninguém tão firme combateu
Da humanidade todas as torturas.

Morreu, que se ele, o Deus, ressuscitasse,
Limpa de sangue e lágrimas a face,
Os seus olhos tranqüilos, virginais,

Dons inefáveis, corações piedosos,
Tinham de abrir-se muito dolorosos,
Também chorando quando vós chorais!

FRUTAS DE MAIO

Maio chegou -- alegre e transparente
Cheio de brilho e música nos ares,
De cristalinos risos salutares,
Frio, porém, ó gota alvinitente.

Corre um fluido suave e odorescente
Das laranjeiras, como dos altares
O incenso -- e, como a gaze azul dos mares,
Leve -- há por tudo um beijo, docemente.

Isto bem cedo, de manhã -- adiante
Pela tarde um sol calmo, agonizante,
Põe no horizonte resplendentes franjas.

Há carinhos, da luz em cada raio,
Filha -- e eu que adoro este frescor de maio
Muito, mas muito -- trago-te laranjas.

ETERNO SONHO

Quelle est donc cette femme?
Je ne comprendrai pas.
Félix Arvers

Talvez alguém estes meus versos lendo
Não entenda que amor neles palpita,
Nem que saudade trágica, infinita
Por dentro dele sempre está vivendo.

Talvez que ela não fique percebendo
A paixão que me enleva e que me agita,
Como de uma alma dolorosa, aflita
Que um sentimento vai desfalecendo.

E talvez que ela ao ler-me, com piedade,
Diga, a sorrir, num pouco de amizade,
Boa, gentil e carinhosa e franca:

-- Ah! bem conheço o teu afeto triste...
E se em minha alma o mesmo não existe,
É que tens essa cor e é que eu sou branca!

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cap. IV

IV
O bobinho

O passeio que Narizinho deu com o príncipe foi o mais belo de toda a sua vida. O coche de gala corria por sobre a areia alvíssima do fundo do mar conduzido por mestre Camarão e tirado por seis parelhas de hipocampos, uns bichinhos com cabeça de cavalo e cauda de peixe. Em vez de pingalim, o cocheiro usava os fios de sua própria barba para chicoteá-los.

— lept! lept!...

Que lindos lugares ela viu! Florestas de coral, bosques de esponjas vivas, campos de algas das formas mais estranhas. Conchas de todos os jeitos e cores. Polvos, enguias, ouriços — milhares de criaturas marinhas tão estranhas que até pareciam mentiras do barão de Munchausen.

Em certo ponto Narizinho encontrou uma baleia dando de mamar a várias baleinhas novas. Teve a idéia de levar para o sítio uma garrafa de leite de baleia, só para ver a cara de espanto que dona Benta e tia Nastácia fariam. Mas logo desistiu, pensando: “Não vale a pena. Elas não acreditam mesmo...”

Nisto apareceu ao longe um formidável espadarte. Vinha com o seu comprido esporão de pontaria feita para o cetáceo, que é como os sábios chamam a baleia. O príncipe assustou-se.

— Lá vem o malvado! — disse ele. — Esses monstros divertem-se em espetar as pobres baleias como se elas fossem almofadinhas de alfinetes. Vamo-nos embora, que a luta vai ser medonha.

Recebendo ordem de voltar, o Camarão estalou as barbas e pôs os “cabecinhas de cavalo” no galope.

De volta ao palácio o príncipe deixou a menina e a boneca na gruta dos seus tesouros, indo cuidar dos preparativos da festa.

Narizinho pôs-se a mexer em tudo... Quantas maravilhas! Pérolas enormes aos montes. Muitas, ainda na concha, punham as cabecinhas de fora, espiavam a menina e escondiam-se outra vez. De medo da Emília. Caramujos, então, era um nunca se acabar. de todos os jeitos possíveis e imagináveis. E conchas! Quantas, Deus do céu!

Narizinho teria ficado ali a vida inteira, examinando uma por uma todas aquelas jóias, se um peixinho de rabo vermelho não viesse da parte do príncipe dizer que o jantar estava na mesa.

Foi correndo e achou a sala de jantar ainda mais bonita que a sala do trono. Sentou-se ao lado do príncipe e gabou muito a arrumação da mesa.

— Artes das senhoras sardinhas — disse ele. — São as melhores arrumadeiras do reino.

A menina pensou consigo: “Não é à toa que sabem arrumar-se tão direitinhas dentro das latas...”

Vieram os primeiros pratos — costeletas de camarão, filés de marisco, omeletes de ovos de beija-flor, lingüiça de minhoca – um petisco de que o príncipe gostava muito.

Enquanto comiam, uma excelente orquestra de cigarras e pernilongos tocava a música do fium, regida pelo maestro Tangará, de batuta no bico. Nos intervalos três vaga-lumes de circo fizeram mágicas lindas, entre as quais foi muito apreciada a de comer fogo.

Para lidar com fogo não há como eles.

Encantada com tudo aquilo, Narizinho batia palmas e dava gritos de alegria. Em certo momento o mordomo do palácio entrou e disse umas palavras ao ouvido do príncipe.

— Pois mande-o entrar — respondeu este.

— Quem é? — quis saber a menina.

— Um anãozinho que nos apareceu aqui ontem para contratar-se como bobo da corte. Estamos sem bobo desde que o nosso querido Carlito Pirulito foi devorado pelo peixe-espada.

O candidato ao cargo de bobo da corte entrou conduzido pelo mordomo, e logo saltou para cima da mesa, pondo-se a fazer graças.

Narizinho percebeu incontinenti que o bobinho não passava do Pequeno Polegar, vestido com o clássico saiote de guizos e uma carapuça também de guizos na cabeça. Percebeu mas fingiu não ter desconfiado de nada.

— Como é o seu nome? — perguntou-lhe o príncipe.

— Sou o gigante Fura-Bolos! — respondeu o bobinho sacudindo os guizos.

Polegar não tinha o menor jeito para aquilo. Não sabia fazer caretas engraçadas, nem dizer coisas que fizessem rir. Narizinho teve um grande dó dele e disse-lhe baixinho:

— Apareça lá no sítio de vovó, senhor Fura-Bolos. Tia Nastácia faz bolinhos muitos bons para serem furados. Vá morar comigo, em ar essa vida idiota de bobo da corte. Você não dá para isso.

Nesse momento reapareceu na sala a baratinha de mantilha, de nariz erguido para o ar como quem fareja alguma coisa.

— Achou o fugido? — perguntou-lhe o príncipe.

— Ainda não — respondeu ela — mas aposto que anda por aqui. Estou sentindo o cheirinho dele.

E farejou outra vez o ar com o seu nariz de papagaio seco.

Apesar de ser muito burrinho, o príncipe desconfiou que o tal Fura-Bolos fosse o mesmo Polegar.

— Talvez esteja — disse ele. — Talvez Polegar seja o bobinho que veio oferecer-se para substituir o Carlito Pirulito. Para onde foi? — indagou correndo os olhos em redor. — Estava aqui ainda agora, não faz meio minuto...

Procuraram o bobinho por toda a parte, inutilmente. É que a menina, mal viu entrar na sala a diaba da velha, disfarçadamente o tinha agarrado e enfiado na manga do vestido.

Dona Carochinha remexia por todos os cantos, até dentro das terrinas, sempre resmungona.

— Está aqui, sim. Estou sentindo o cheirinho dele cada vez mais perto. Desta feita não me escapa.

Vendo-a aproximar-se mais e mais, Narizinho perturbou-se. E para disfarçar gritou:

— Dona Carochinha está caducando. Polegar usa as botas de sete léguas e, se esteve aqui, já deve estar na Europa.

A velha deu uma risada gostosa.

— Não vê que não sou boba? Assim que desconfiei que ele andava querendo fugir, fui logo tratando de trancar suas botas na minha gaveta. Polegar fugiu descalço e não me escapa.

— Há de escapar, sim! — gritou Narizinho em tom de desafio.

— Não escapa, não! — retrucou a velha — e não me escapa porque já sei onde está. Está escondido aí na sua manga, ouviu? – e avançou para ela.

Foi um rebuliço na sala. A velha atracou-se com a menina, e certamente que a subjugaria, se a boneca, que estava na mesa ao lado de sua dona, não tivesse tido a bela idéia de arrancar-lhe os óculos e sair correndo com eles.

Dona Carochinha não enxergava nada sem óculos, de modo que ficou a pererecar no meio da sala como cega, enquanto a menina corria a esconder Polegar na gruta dos tesouros, bem lá no fundo de uma concha.

— Fique aqui bem quietinho até que eu volte, recomendou-lhe.

E regressou à sala, muito lampeira da sua façanha.
–––––––
continua…

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

57a. Feira do Livro de Porto Alegre (Programação de 30 de outubro, domingo)


Programa Clube de Jovens da Secretaria de Inclusão Escolar de Buenos Aires
- 09:00

Missa em trovas
- 10:00

As aventuras de Joãozinho
- 11:00

Teatro Infantil com a Cia Crakety
Cuidar quem cuida: arteterapia, espiritualidade e reabilitação
- 14:00
Evento voltado para os cuidadores

Premiação do 1º Concurso Literário de Contos Assombros Juvenis
- 14:00

Sessão de Autógrafos da Escola São Marcos - Alvorada
- 14:00

Projeto Conte Mais
- 14:00
Contação de histórias com as contadoras Gladis Pedersen e Rosiliane Goulart

CAOSótica
- 14:00

Décima Ilha Açoriana
- 14:00

O que é e o que não é a física quântica
- 14:30
Um esquema de perguntas e respostas, traçando um paralelo entre as descobertas da ciência, sua aplicação em nossa vida e em nossa evolução

Tenda.doc: Sessão Fantaspoa - True Nature
- 14:30
True Nature conta a história de uma família que se reúne quando sua filha mais jovem é encontrada um ano após o seu desaparecimento

Caminhos Interligados//As Divagações Continuam//Sissi e Sua Turma no Futuro
- 14:30

Crianças Cristal
- 15:00
As novas gerações Índigo, Y e Cristal e seu propósito de vida, suas características principais e a necessidade de um novo olhar na educação

Caravana da Fantasia conta o Patinho Feio
- 15:00

Teatro Infantil

Corre, Pedro, corre!
- 15:00

Memória e Literatura
- 15:30
A relação entre literatura e memória como meio de elaboração da identidade pessoal, cultural e social

"Vi um bicho genial lá no fundo do quintal"
- 15:30
Bate-papo seguido de sessão de autógrafos

Tchezito e as lendas Gaúchas
- 15:30

Contação de Histórias com Paulo Roberto Ferrari e Wilson Tubino

Planejando o Futuro
- 15:30

Vi um bicho genial lá no fundo do quintal
- 15:30

Imagens Faladas - Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo
- 16:00
Uma reportagem fotográfica sobre a memória do Bairro Cristal

Contos de Jack London
- 16:00

Contos de Suspense

É Fogo//O nome da fera
- 16:00

Tchezito e as lendas gaúchas
- 16:00

Diário de um correspondente internacional
- 16:30
Rodrigo Lopes, repórter internacional, relata os bastidores de momentos que marcaram a história da primeira década do século 21

Tenente, onde fica o Alegrete?
- 16:30

Alaba Textory
- 16:30

ABC da Quântica
- 16:30

Crianças Cristal
- 16:30

O Seu Floresta
- 16:30

O que é web arte? Conhecendo arte on-line e sites de arte
- 17:00
Como estão sendo desenvolvidas as produções artísticas nos meios digitais e quais são suas repercussões no sistema da arte?

O Fantástico Mistério de Feiurinha, de Pedro Bandeira
- 17:00

Contação de história com Valquíria Cardoso

Os guardiões da árvore
- 17:00

Teatro Infantil

Museu desmiolado
- 17:00

Crime e mistério no século 21: novos caminhos para a literatura de gênero
- 17:30
A discussão dos caminhos da literatura policial de ontem e de hoje, a popularidade das histórias de crime e a influência de Sherlock Holmes para o gênero

Vozes do criador no mundo e nos caminhos de Santo Antônio: poema de três cenários
- 17:30

O Hino de Galeno - 1º volume - ensaios sobre ciência e religião
- 17:30

Alegria de Servir
- 17:30

Torres em Transe
- 17:30

Predarias
- 17:30

Solenidade de inalguração da Biblioteca Moacyr Scliar
- 18:00

Contos Cantados com Valquíria Cardoso
- 18:00

A Arte Levada a Sério
- 18:00

Saraú com café do município de Taquara
Biombo Negro
- 18:00

Oficina aberta com Felipe Ehrenberg
Arte às 18:30
- 18:30

Apresentação do Coral dos Correios
Mini contar-te
- 18:30

Sociedades Limitadas
- 18:30

Tempo de Escola - Memórias
- 18:30

Web Arte e Poéticas do Território
- 18:30

Guerras e Tormentas
- 18:30

Cultura Quilombola
- 18:30

Literatura policial
- 19:00

Os segredos da construção de novelas policiais

Baile Flamenco - Identidade Gaúcha
- 19:00

Gestos, sapateados e castanholas em harmonia com os floreios da guitarra flamenca. Ritmos em espetáculo e também em livro
Cine Santander Cultural
- 19:00

Sessão Comentada

2º Seminário Reinações - O fantástico e a literatura infantojuvenil
- 19:00
Clássicos do fantástico, suas adaptações e a atração para o público infantojuvenil

Terra: um novo mundo//A Berinjela e o Gerimum
- 19:30

Rei dos Bruxos
- 19:30

Vidas Desabitadas - A sociedade
- 19:30

O silêncio e a escuridão
- 19:30

Ficção de Polpa: Crime!
- 19:30

Baile Flamenco - Identidade Gaúcha
- 19:30

Cordão da Saideira: Sarau Literário Zona Sul - o suspense na poesia
- 20:00
Sarau espetáculo mostrando diversas abordagens do elemento suspense na poesia de autores nacionais e estrangeiros

Escrevendo no Escuro
- 20:30

Fonte
http://www.feiradolivro-poa.com.br/programacao/data/2011-10-30/pag/7

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Nemésio Prata Crisóstomo (Trova Ecológica 37)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 378)


Uma Trova Nacional

A folha seca do galho
promove a sabedoria,
tece a colcha de retalho
no vagar do dia a dia.
–DÁGUIMA VERÔNICA/MG–

Uma Trova Potiguar

Este poeta deduz,
e a nossa fé corrobora:
disse Deus: “Faça-se a luz”!
e eis nossa primeira aurora.
–FRANCISCO MACÊDO/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - CTS-Caicó/RN
Tema: OCASO - 9º Lugar

Desculpe, Amor, se me atraso
na volta ao lar... – Acontece
que eu me perco, olhando o ocaso,
enquanto o sol adormece!!!
–MARIA MADALENA FERREIRA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Meu “currículo” é comum,
digo com toda alegria...
Não tenho curso nenhum
mas sou formado em poesia!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Estes teus olhos brejeiros!
- ah! se eu pudesse, meu Deus!
por noites, dias inteiros,
ver os meus olhos nos teus!
–ANIS MURAD/RJ–

Simplesmente Poesia

Casa
–LUIZ OTÁVIO OLIANI/RJ–

faço do silêncio
a morada do ser

não lhe digo
palavras duras
nem amorteço quedas

apenas guardo
a concha
em que abrigo
a solidão dos homens.

Estrofe do Dia

Assim como tem alguém
Que quando perde alguém chora,
Também tem alguém que age
Quando um amor vai embora
Com a mesma simplicidade
Que um pingo d‘água se tora.
–MANOEL FILÓ/PE–

Soneto do Dia

Serenidade
–ADELMAR TAVARES/PE–

Nunca de mim se ouviu um só protesto
de maldição, de cólera aturdida,
sequer uma palavra, ou mesmo um gesto
de malquerer a quem mais quis na vida.

Arrasto como a um fardo, a alma ferida,
e a dor que me crucia, manifesto,
sem jamais inculpar de fementida,
aquela que em meu sonho amo, e requesto.

Em perdendo-a, perdi toda a alegria
do coração que em mágoas apunhalo.
Perdi a luz!... Fechou-se o sol que eu via!...

Tudo abateu com a queda desse amor,
tão forte, que ainda sinto o seu abalo,
tão grande, que ainda escuto o seu fragor.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Júlia Lopes de Almeida (Amuletos)


Foi numa das sextas-feiras da Matilde Abranches, que o seu médico, rapaz aliás simpático, afirmou que os homens são maus por culpa das mulheres...

Os dedos de Cecília desfolhavam as notas levíssimas de Ma barque légère e a meu lado Lídia sorvia o aroma de um botão de rosa. Bem comparado, fez-me lembrar um quadro ideal de Diana Cid; Lídia também estava de azul, como a formosa do "Perfume".

— Por culpa das mulheres?! Perguntou a voz empapada de uma mãe de família, que tem por hábito tomar a sério todas as conversas.

— Como desde o princípio do mundo. Agora então a influência da mulher é nefasta. A nossa sociedade cai rapidamente da sua modesta franqueza, que a fazia encantadora, para um esnobismo que a torna ridícula. A preocupação do chic estraga tudo. As portas já se não abrem como antigamente, e procuramos termos para as conversas mais simples!

Não há naturalidade nem há simplicidade. A virtude das mulheres, que era para as nossas culpas, como um tronco profundamente enraizado é para as lianas frágeis — um sustentáculo que as eleva e ampara, sente-se abalada e já não nos inspira a confiança de outrora.

Como para Bruto, para mim a Virtude não é mais que uma palavra. Bebemos todos do veneno. Agora só o dilúvio.

— Que mal lhe teriam feito as mulheres, sempre gostaria de saber...

— Estragam tudo com a sua imprudência, a sua coquetterie e o seu fanatismo. Basta olhar para uma mulherzinha moderna para a gente perceber que se preocupa com feitiços e é supersticiosa. A quantidade de figas e de amuletos que
traz ao pescoço, bem o prova. Em vez de nos ensinarem a sermos simples e cordatos, tornam a vida cada vez mais complexa e difícil.

— Exemplo?

— Nas mínimas coisas ele aparece. Vá o exemplo: convidam-nos para um jantar familiar e dão-nos um banquete em que vagueiam perfumes de flores caras e cheiros de molhos complicados. Aquilo não é o trivial: logo, aquele não é o jantar familiar. Quem ordenou e determinou o menu, não foi certamente o dono, mas a dona da casa. Portanto a atmosfera de falsidade que se respira naquela casa amiga, foi criada pela mulher.

— Ora aí está! São os nossos maridos que trazem dos hotéis e das festas a que assistem a exigência desses molhos complicados, dessas floreiras odoríferas do champagne ruinoso e dos cristais variegados das mesas ricas. São eles que nos sugerem novidades de serviço; e vêm os senhores depois pôr a ridículo a nossa pretensão! Geralmente não somos nós que compramos a prataria e as porcelanas.

Que sabemos nós, as mulheres?

— O que adivinham. Oh! E o que as mulheres adivinham! Conheço uma que, sem ter ouvido uma única confidência, sabe que uma certa pessoa evita encontrá-la, porque é vê-la e logo nessa noite perder ao jogo!

— Esse alguém é o senhor. Vê? São os homens que jogam, que ficam amáveis se ganham ou mal humorados se perdem, que tem estragado a nossa alegria. Mas sempre quero agora que me explique: o senhor, que se ri das quatro folhas de trevo e dos corcundinhas de coral que trazemos ao peito, porque foge de cumprimentar uma senhora amiga só pelo receio de que esse encontro fortuito e rápido lhe traga o azar da fortuna?

— Males de raça, minha senhora, coisas que ficam da infância. De algum modo precisamos mostrar que já fomos crianças. Creia que eu até adoro essa senhora!

— Adora-a e evita-a!

— Mas se ela tem jetattura!

— Use então de um expediente: Quando a vir, pegue em qualquer objeto de ferro. Uma chave, por exemplo. Não traz uma chave consigo?

— É bom?

— É magnífico!

— Não sabia!

A conversa embarafustava por um terreno amável.

D. Matilde confessou que deixara de se vestir de azul, porque essa cor lhe trazia infelicidade. D. Joana citou uma amiga que usava uma liga de cada cor, como portebonheur. Quase todos os presentes tinham a sua mania... Voltou-se então alguém para o velho e sério dr. Braga e perguntou com um rasinho de dúvida:

— O senhor também usa dessas coisas?

Ele tirou do bolso um caquinho de vidro azulado e disse com seriedade:

— Isto. Podem examinar.

O pedacinho de vidro andou de mão em mão; olharam todos por ele para a luz e concordaram em que não seria fácil encontrar outro tão ordinário!

Dr. Braga explicou:

— Pois, minhas senhoras e senhores, isto não é um simples amuleto, mas um talismã.

— Ainda há disso?!

— Há. Este chama-se o olho da tolerância. Infelizmente, para se ver bem por ele é preciso ter-se passado dos quarenta anos, ter-se gasto o bestunto em muitas observações e curvado a cabeça a duras exigências da sorte... O olho da tolerância, antes de censurar ou de punir a culpa, penetra-lhe a causa, mais disposto a absolve-la que a castigá-la... Tem a consciência da fragilidade da alma. Antigamente eu sentia como um romancista filósofo que disse: "plus j'aime l'humanité, plus je déteste l'individu." Hoje não; o indivíduo delinqüente é para mim um irmão fraco que devo amar de preferência, porque todas as suas impurezas são conseqüentes de males, de cuja origem não é só ele o responsável. O olho da tolerância acalma o sistema nervoso e exercita o coração na prática do bem. Quando me sinto arrastar pela indignação ou a cólera contra alguém, respiro com força, saco deste caquinho, domino-me, e, para abater o ímpeto, olho através do vidro, reflito, e uma grande piedade vem substituir o meu primeiro movimento de fúria. Ah! Minhas senhoras, é que não há nada como a tolerância para dar repouso à inquietação das almas!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Neiva Fernandes (Primavera Colorida)


Primavera vem chegando,
com ela novos amores;
as rosas desabrochando
no jardim cheio de flores.

Quando chega a primavera,
o jardim fica florido;
encanto de uma quimera
deixa tudo colorido.

Primavera é estação
de temperatura amena;
enriquece o coração
com inspiração serena.

Primavera dos amores,
das poesias e do canto;
recanto dos trovadores
que fazem da vida o encanto.

Primavera sempre amiga
antes do verão chegar;
com ternura e com cantiga,
nos convida a passear.

Fonte:
Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poesias em Quatro Estações III)
http://www.sardenbergpoesias.com.br/aniversario_2008/primavera/primavera.htm