domingo, 19 de agosto de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 642)

Uma Trova de Ademar 

Vendo o navio ancorado
e o lindo sol quase posto,
sinto, lembrando o passado,
uns pingos d’água em meu rosto..
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Se caem do céu as águas
com tanta beleza e encanto,
por que desencanto e mágoas
há nas águas do meu pranto?
–Maria Conceição Fagundes/PR–

Uma Trova Potiguar 


Até o coração, se oprime,
ante ao intenso fulgor,
do sentimento sublime,
de uma carícia de amor...
–Fabiano Wanderley/RN–

Uma Trova Premiada 


2000  -  Pouso Alegre/MG
Tema  -  PASSADO  -  1º Lugar


Eu sinto, com desconforto,
que ainda sou teu vassalo:
nosso passado está morto,
mas não consigo enterrá-lo!
–Wanda de Paula Mourthé/MG–

...E Suas Trovas Ficaram 


Quando não vens, na ansiedade
desses momentos perversos,
vem a musa da saudade
pôr mais saudade em meus versos!
–Aloísio Alves da Costa/CE–

Uma  Poesia 


Poeta canta o que pensa
das coisas de um casarão,
onde a sombra do oitão
chega sem pedir licença;
o queijo feito na prensa
riquíssimo de proteína,
a tocha da lamparina
triste no canta da mesa
-Não há quem negue a beleza
da poesia nordestina.
–Pedro Ernesto Filho/CE–

Soneto do Dia 

SONETO DA SEPARAÇÃO.
–Vinicius de Moraes/RJ–


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Sheila Pavanelli (Poemas Escolhidos)

DESPEDAÇOS

foram tantos corações
sete agrados
onze fados
amores endiabrados

onze argolas de prata
nos braços errantes
acenos e despedidas
barcos já distantes

lenços muito brancos
tremulando na janela
vidros soltos e quebrados
onze destinos acabados

recolho os pedaços
os lençóis desarrumados
espero o esquecimento
neste porto abandonado

restou a esperança
alguns traços da paixão
leves despedaços
deste forte coração

FERA

sai... solta
macias patas
agudos olhos
fera de mim

feita em fogo
caminha... cresce
dança com o vento
doma o pensamento

rosna... inquieta
volteia o dorso
crava-me as unhas
rasga meu vestido
torna-me nua

mulher de mim mesma
tremo...
fera liberta
entrego-me ao fogo

OLHA-ME

Olha-me nos olhos

tece o veludo
da tua fala
olhando-me
nos olhos

assim quero conhecer-te

desfia as dobras
da mousseline
e desvela
meus segredos

deixa nossos corpos se entenderem
a alma não
a saciedade do nosso desejo
a alma não entenderia…

OLHOS DE GATO

se eu quiser...

te espio na noite
quando tu dormes,
rondo teu sono
com olhos de gato.

se eu quiser...

persigo em silêncio
todos teus passos
ouço teus suspiros
adivinho teus desejos
na noite...

se eu quiser,
com olhos de gato.

RIMAS E RAIOS

Não me peças versos
nem rimas
hoje não!
talvez amanhã

Tenho a boca em agulhas
os punhos cerrados
o peito em guerra
hoje firo
hoje mato

Tenho os raios
como pena
não queiras minha rima
hoje escrevo
as feridas dos punhais

Das flechas
desta vida
estou arqueira
hoje eu quero
desforrar

Tenho garras
em meus dedos
prendo,rasgo
tudo posso
tudo ataco
estou revolta

Quero o porre
a sorte
a morte
rimar? hoje não

Quero as tabernas
o vinho
as vadias
cafajestes
a ralé toda!

A vida nos porões
paixão detrás dos corpos
quero a vida nua
explodindo
em relâmpagos

rimar?
hoje não
talvez amanhã

SERPENTES

Domo feras e serpentes
numa luta íntima
de encanto
e fados

Meu corpo é coliseu
tua voz macia
incita as feras
à luta...

Bailam as serpentes
no meu corpo
quem vence
é tu…

PEDRAS

Vamos...
atire-me pedras !
me chame inconstante
eu sorrio
o riso distraído
das amantes

Enquanto lapidas pedras sem brilho
sou aquela abandonada
sem ternura
que rola na mão bruto diamante
dos amores perdidos

Aranha eu
teço minha teia
traço meu labirinto
com espinhos
e sobras do amor
porque sou em desatino

Suas pedras são para mim, estrelas
esferas sem lei
o sonho ou  sol
essência do que sou
a angústia com que te afogas

Atire-me pedras, companheiro
pois tem a alma dura
nunca caminhará comigo
porque nesta vida eu prossigo,
...Tu ficas!!!

Fontes:
1 - http://www.blocosonline.com.br/literatura/autor_poesia.php?id_autor=2786&id_categoria=337&flag=nacional&tipo=c
2 - http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=1125

Carmen Cardin (A Escritora em Xeque por Selmo Vasconcellos)

SELMO VASCONCELLOS - Quais as suas outras atividades, além de escrever ?
CARMEN CARDIN - Além de escrever, sou professora e assessora administrativa.

SELMO VASCONCELLOS - Como surgiu seu interesse literário ?

CARMEN CARDIN - Escrevo desde os nove anos de idade. Desde que me entendo por gente, amo poesia! Entretinha-me nas horas vagas, nas tardes ensolaradas, debaixo de uma amendoeira, lendo Fernando Pessoa, Gonçalves Dias, Fagundes Varela e Augusto dos Anjos. Adoçava-me o espírito perceber a beleza incutida na nuvem perfumada dos seus versos. Essa aragem refrescava-me a alma e revigorava-me os sonhos nas tórridas tardes de um subúrbio carioca.

SELMO VASCONCELLOS - Quantos e quais os seus livros publicados ?

CARMEN CARDIN - Em antologias e coletâneas poéticas, além de sites e blogs há diversas publicações ilustrando a poesia de Carmen Cardin, que possui um acervo que ultrapassa os seiscentos poemas. Ultimamente, na XV Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro lancei "Atalho Para O Banquete" - Poesia - 80 páginas - Oficina Editores.

SELMO VASCONCELLOS - Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesias?
CARMEN CARDIN - A aspiração - diuturna - de sonhar e idealizar, o "ser, enquanto poeta" e o "poeta enquanto ser" são a evocação natural que norteia minha existência. As pessoas costumam dizer que isso ou aquilo são a sua segunda natureza... A Poesia é a minha única natureza, portanto, ela é o meu espírito incorporado em palavras, lampejos efetivamente reais do meu ser! Não há uma necessidade de se escrever: há uma naturalidade. Penso, logo versifico!

SELMO VASCONCELLOS - Quais os escritores que você admira ?

CARMEN CARDIN - Além dos poetas acima citados, nutro profunda e absoluta admiração por Victor Hugo que, na minha opinião, é único. Aprecio, asseveradamente, Sthendall, Flaubert, Baudelaire, Schoppenhauer, Gibran Kalil Gibran, Saramago, Neruda, Borges, Shakespeare, Voltaire, Goethe, García Marques.

SELMO VASCONCELLOS - Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas ?

CARMEN CARDIN - Ler, acima e antes de tudo, para tentar entender a si mesmo, isso é pontual. Se pretende obter lucros com a literatura, pode esquecer. Deve ser um ideal e não um objetivo comercial. Mas, eu acredito, se você escrever, efetivamente bem, o sucesso será uma consequência natural desse sacerdócio. Ame primeiro, escreva depois.Mas, não desista jamais!

Fonte:
1a. Antologia Poética Momento Lítero Musical

Carmen Cardin (Poemas Avulsos)

CANTO DO CORAÇÃO

Confesso que adoro um Serafim, O Amado!
Versos serão eficazes ao tentar descrevê-lo?
Suplício do meu ser, arroubo extremado...
Martírio: A Paixão e o seu pesadelo.

Que mescla fanática é esta que fazem
os deuses lascivos às leis da Fantasia
que só desejos aos espíritos trazem
castigando-os com o Amor, covardia!

Revelai-me que fórmula misteriosa e secreta
ingrata, invencível, é esta, oh Imortais!?
Como amortecer, do furor do Amor, a seta?
Como livre viver sem sofrê-lo mais?

O veneno condenou a alma da minh'alma
Que antídoto livrar-me-ia de tal ferida ?
Se é o Amor que me aflige, mas me acalma;
Se é este Amor, o grande amor, da minha vida?

EM PRETO E BRANCO

Eu aposto nas emoções praticadas
Da Ternura, ela atravessa fronteiras!
Amo o sabor das coisas delicadas,
Amo o valor das coisas verdadeiras.

Em cada muito, do pouco que faço,
Em cada tudo, do nada que sinto,
A surpresa do viver trái o meu traço:
Dizendo a verdade, eu minto!

No rubor da minha face me afugento
(Às vezes tem-se o nada e este é tanto!)
O carmim dos meus lábios é sedento
A maquiagem dos meus olhos é o pranto.

Não faço planos, desconheço o que é promessa.
Nada tenho. Nada sou. Nada sei.
Nada peço, tudo quero, tenho pressa!
O artifício do amor é a minha lei!

“ LOUCURA “

Acariciei, suavemente, os teus cabelos
Beijei os teus pés, oh criatura!
Teus gemidos? Passei a tê-los
Iludi-me com a tua jura!

Da tua imagem tão amada
Fiz uma obra, uma escultura.
De ouro, de brilhantes, dourada
A arte heróica da minha bravura.

Para satisfazer os desejos teus
Percorri toda senda escura:
Fui ao céu falar com Deus:
Fui ao inferno, quanta loucura!

Eu te desejei de toda a minh’alma
Eu te amei com a maior ternura!
Teu ser até perturbou-me a calma
Eu que tinha a mente segura!

Mas agora (maldição!) tudo se acabou
Foi tempestade forte, que não dura
A doença do amor que me vitimou
Será, no mundo, minha única cura!

" FRUTO VERDE"

Desejável é o fruto, adorável é o sabor
(Romance esse eu queria ter vivido!)
Mais vale não se manifestar o amor
Que ser ele um desejo proibido.

Como um anelo filosófico, profundo
Tal uma ânsia pungente e vital
Assim é o querer, sentimento oriundo
Do Bem, o fôlego da vida, do mal!

Eu seria a primorosa companheira,
Tu serias a inspiração altaneira,
Se o nosso utópico sonho fosse verdade...

Entretanto, a realidade é diferente:
Ainda em nosso mundo não se fez presente
O esplendoroso alvorecer da Felicidade!

"TESE"

Não ouse pensar que O Poeta
É um bêbado, andarilho sem rumo
Ele é, do vernáculo, o atleta
A fantasia de uso e consumo.

O Poeta tem o compromisso sério
De profetizar em tom etéreo
De filosofar além do erudito.
O Poeta é a chave do cofre. O servo
À mercê da paixão. O indecifrável verbo,
Que encarnou-se e está escrito.

O Cavalheiro que conduz, extraordinário,
As rédeas do Sonho, o lendário,
Adorado e odiado ser trovador.
O Poeta é aquele que, alheio a tudo,
Grita com o coração n'um canto mudo,
Sofre com a emoção do mundo, a dor!

Não ouse pensar que O Poeta
Imagina, pretensioso, ser Deus...
Ele é, apenas, a certeira seta
Que atinge o alvo dos sonhos seus!

INSPIRAÇÃO

Não troco esse momento
Por nada deste mundo,
Um planeta meu e profundo,
O asteróide do sentimento.

Eu me rendo e me faço
Prisioneira desse instante
Alucinada e delirante
Suor, coração e bagaço.

É minha droga, é meu vício,
Essa essência que inspiro,
Entre um e outro suspiro,
Entre o prazer e o suplício!

É minha deusa, a poderosa,
Que me concede e me inventa,
Nos braços do sonho me sustenta,
Sou tua, Inspiração Preciosa!

TRUNFO

Se fervilha o sangue de um escritor,
Se, de um escritor, o sangue fervilha
Este transforma os rochedos da ilha
Em rosas púrpuras de um doce amor.

Se, frenéticos deslizam os seus dedos,
Se os seus dedos, frenéticos deslizam,
Em papéis, letras áureas magnetizam,
Hipnotizando os assombrosos medos.

Mas, até mesmo esse padecer horrível,
É artística invenção, que ser incrível!
Imagina e destrói seus próprios fatos.

O escritor embriaga-se do seu vinho
Mas não faz nada liberto ou sozinho:
A Inspiração ilumina os retratos!

INSTINTO

Poderá o tempo
Apagar a chama
E o desejo sucumbir
Em tão longa espera?
Por que o meu corpo te ama
E o meu espírito te venera!

Não conheço eu
Tão sofrida trama...
A saudade é cruel
A medonha fera.
Por que o meu corpo te ama
E o meu espírito te venera!

À noite não tenho
Sossego na cama...
Meu coração travando
Angustiante guerra
Por que o meu corpo
Faminto... te ama!
E o meu espírito
Sedento... te venera!

TEMPO DO NADA

Recordar, para que, os momentos felizes,
Se momentos são, lembranças e mais nada?
Como falsa tatuagem, pelo tempo apagada,
Deixam rastros somente e não cicatrizes.

Esquecer. Esquecer. Esquecer, isso é tudo!
Sepultar os destroços, dar a volta por cima,
Espantar os fantasmas da saudade, contudo,
A saudade é como a dor: a dor nos ensina!

Curioso como o tempo lança seus espinhos
Farpas do passado que insiste em assombrar
Alma penada, renegada, insepulta e sombria.

Por mais que o tempo passe, certas coisas não modifica
Resta a fantasia do desejo, o sabor do amor também fica
E o gosto do que não se viverá mais, enganosa alegria!

Fontes:
1 - http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com.br/2012/02/carmen-cardin-entrevista-n-387.html
2- http://sociedadedospoetasamigos.blogspot.com.br/2012/02/carmen-cardin-poeta-e-professora.html

Nilton Manoel (Didática da Trova) Parte 8

3.1 AINDA SE FAZEM TROVAS COMO ANTIGAMENTE

Na inauguração das trovas em torno da Fonte Luminosa, estavam presentes o prof.Antônio Palocci, do Departamento de Educação e Cultura de Ribeirão Preto, Nilton da Costa Teixeira da União Brasileira de Trovadores, UBT, Silvio Ricciardi, da Academia Ribeirão-pretana de Letras,o historiador José Pedro Miranda, Nilton Manoel, dezenas de populares e a presença de jornais e rádios. A repórter de O Diário, publicou no dia seguinte, 17/11/1974, interessante matéria sob o titulo: Ainda se fazem trovas como antigamente? A pergunta reflete a mesma indagação nos dias de hoje. A trova literária tem os mesmos três pilares históricos e básicos da trova folclórica:- lirismo, filosofia e humorismo que estas palavras por si revelam-nos seus significados. Sentimos que, os trovadores veteranos, gostam mais  da trova filosófica na temática dos concursos e estas, por motivos óbvios, tem sido menos popularizadas. Nos concursos estudantis, a trova lírica e a trova humorística despertam maior interesse na juventude e revelam bonitas mensagens. Nascem  dos concursos novos poetas que, são divulgados em  livros, revistas e republicadas em outras como na Folhinha do Sagrado Coração e no Almanaque Santo Antônio.    - ASA - organizados pelo Frei Edrian Josué Pasini, OFM, Editora Vozes, anualmente. Em livro antigo, sem data e editora, encontrei Francisco da Silveira Bueno dizendo que o objeto da poesia é “ a expressão da beleza”. Quanto a essência  “ podemos ter  poesia sem métrica, sem rima; não a teremos, porém, se lhe faltar ritmo”.

3.2 COMO FAZER TROVAS E SER TROVADOR

Cada verso da trova é feito de palavras escolhidas para métrica e formação de sons poéticos. Nos dicionários atuais, as palavras são apresentadas em silabas.  Cabe ao poeta, os conhecimentos básicos de versificação. “Trova é um poema completo de quatro versos de sete sons, rimando o primeiro com o terceiro e o segundo com o quarto”  Daí por diante. Depende apenas  de o autor ser poeta ou não”. (ASA,2008, p. 123).

Nos concursos literários, o concorrente, deve consultar o dicionário em busca da significação do tema proposto pelos organizadores. O sonho do trovador está na  confecção de uma trova perfeita. Quem quer ser premiado, escreve, reescreve, até que encontra a mensagem competidora.  O trovador sempre quer na ponta da esferográfica um achado ou seja idéia vantajosa, providencial e feliz. Nos  IV Jogos Florais de Ribeirão Preto (SP), 1978, com o tema  verde, em âmbito municipal, Geraldo de Maia Campos foi um dos premiados com a trova a seguir:

Não pode dar resultado
Sendo tu verde e eu maduro.
Eu tenho apenas passado,
E tu, meu bem, tens futuro!


(Jogos Florais em quatro tempos, UBT,PMRP;1978, p. 38)
      
Os concursos literários buscam o aprimoramento do gosto estético através do exercício da arte-poética, aqui ensejada pela trova, como estímulo à criatividade. Além, despertar o interesse pela literatura em geral e pela poesia em especial. Finalmente, incentivar os sentimentos humanitários para a vida social.

Na Declaração de Princípios da União Brasileira de Trovadores - UBT,acróstico São Francisco, escrito por Luiz Otávio, tem para a primeira letra: Simplicidade: Sendo a trova a expressão mais simples da poesia e, pois, um reflexo da alma do trovador, devemos agir sempre com simplicidade na arte,  nas palavras e nas ações”.

A trova é feita de palavras que devem ser as melhores ao tema proposto.A maioria dos poetas premiados em concursos  escreve, reescreve diversas vezes o texto para depois enviá-lo ao crivo dos julgadores literários. Cremos ser de grande valia, analisar as trovas premiadas no ano anterior. No âmbito nacional temos a têmpera do  produto final da banca e nas premiadas em âmbito local  a predileção  literária  dos trovadores da municipalidade.  Observe que são nas  palavras do texto literário, uma de mãos dadas com as outras, que encontramos infinitas possibilidades de expressão e de interpretação. (SANTOS,2006, p.12 )

Tendo por base o Decálogo de Metrificação de autoria de Luiz Otávio – fundador da União Brasileira de Trovadores, entidade de âmbito nacional - editado com a participação de poetas de todas as regiões do Brasil, ao ler: Ao estudarmos a Arte de Trovar ou a composição da Trova, devemos analisá-la em duas partes: o corpo e a alma ou a forma e o fundo. (OTÁVIO, 1975,pág.2)
Construímos com estas informações os quadros abaixo:

 ....................Rítmo
Forma............Melodia..............gramatical
 ....................Expressão..........poética

QUADRO 1 - FORMA

Na parte correspondente à Forma teríamos o Ritmo  –  resultante da metrificação e das tônicas: a melodia - conseguida pelas rimas e pelo emprego harmonioso das vogais e consoantes; a Expressão gramatical e poética. .(OTÁVIO, pág . 2,1975).


Mensagem
Originalidade (e o achado)
              Fundo        Comunicabilidade
Simplicidade
Harmonia interna

QUADRO 2 - FUNDO

Na parte correspondente ao Fundo, teríamos: a Mensagem poética, a originalidade (e o achado), a comunicabilidade, a simplicidade, a harmonia interna, etc.

 No Decálogo de Metrificação, a UBT, revela o cuidado  com a forma ligada ao ritmo, ou seja com a metrificação. A publicação oferece recursos para que o poeta componha  com segurança uma trova literária; e alerta: “ o idioma e o verso são os instrumentos do poeta”. O Ensaio lembra que é bom recordar noções sobre verso e pontos gramaticais.  Indicamos aqui a Minigramática de CEGALLA. Nesse Decálogo de Metrificação, temos  orientações e  trovas ilustrativas  de Luiz Otávio. Goldstein (1991, p.13)  sobre ritmo assegura: Cada época tem seu rítmo

– As sílabas são contadas até a última tônica do verso. Na aplicação das regras temos  por exemplo:

Poderá a força elétrica
de um sábio computador
ensinar contagem métrica
mas não faz um trovador.


 – As pontuações não impedem as junções de sílabas.

       Pensa em calma! Evita errar
       injusto és se nos reprovas...
       Pois não queremos mudar
       o modo de fazer trovas...


– Não se deve fazer o aumento de uma sílaba métrica os encontros consonantais disjuntos.(ou seja: não   usar o suarabact).  Ex. ignoro e não iguenoro.

Você pode acreditar                     
ter a pura convicção
que a ninguém vou obrigar
a ter a minha opinião...

         Comissão Central de Metrificação, UBT- Nacional, a 29/08/1974, atendeu a consulta da secção de Ribeirão Preto (SP) para sanar a dúvida com relação a palavra substituta usada em uma trova local. Luiz Otávio reforçou a necessidade de sistematizar os julgamentos de concursos de trovas. Hoje todos os trovadores brasileiros e portugueses concorrem em igualdade de condições

– Uma vogal fraca faz  junção com a vogal fraca ou forte inicial da palavra seguinte. §único: Aceitam-se exceções a esta regra no sentido de evitar a formação de sons duros e desagradáveis. Exemplo: “cuja ventura/única consiste”.   

Podes crer que és muito injusto
e estás longe da verdade:
pois na Trova, a todo o custo
defendo a espontaneidade...          
 
                 
– Uma vogal forte pode ou não, fazer junção com vogal fraca da palavra seguinte, no entanto jamais deve faze-la com vogal forte. § único – Nos casos  em que se prefira fazer a junção “forte + fraca”, deve-se ter sempre o cuidado de evitar sons desagradáveis ( “mais que tu/ardo”) ou formar  novas palavras (“via” ao invés de “ vi a..).

É uma história bem correta:
Em tudo o ensino é preciso,
No entanto, só/ o poeta
Quer ser gênio de improviso...


– Pode haver a juncão de três vogais numa sílaba métrica.
§1º - Não deve haver mais de uma vogal forte.

§2º - No caso em que a vogal forte não esteja  colocada entre  as vogais fracas e, sim, em 1º e 2º  lugar, para que seja  correta a junção, as duas vogais fracas devem juntar-  se por crase ou elisão, e não por sinalefa (ditongação). Assim estará certo: “ é a ambição que nos prende e nos maltrata” e  não se pode unir as três de ¨e a /íntima palavra derradeira’

§ 3º- Deve-se ser usada com cuidado a  junção de mais de três vogais, embora haja casos corretos de quatro ou cinco vogais.

Esta é uma trova indiscreta
Convenções, mal amparadas,
Induzem muito poeta
A convicções enraizadas.


– Os ditongos aceitam as prejunções com vogais fracas, (“e eu”). As postjunções são aceitas somente nos ditongos crescentes ( encontro instáveis) (“a distância infinita”) e são repelidas nos ditongos decrescentes. (“ Eu sou/a que no mundo anda perdida”).

§ único – Há casos de uso facultativo de prejunção de vogais fortes aos ditongos  e não e não ferem as tônicas das  palavras. ( aceita-se: “Será auspiciosa” e será inaceitável: “Terá/auto nos pontos”).

Para medir nossos versos
se o ouvido fosse o juiz,
em nossos metros diversos
ninguém poria o nariz...


– Nos encontros vocálicos ascendentes ( formados por vogais ou semi-vogais átonas seguidas de vogais ou semi-vogais tônicas), a sinérese  é de uso facultativo. (“ci-ù-me”  ou “ciume”, etc.).

§ único- Há neste grupo, excepcionalmente, encontros vocálicos que não aceitam sinérese. Geralmente, são formados pela vogal “a”  seguidas das vogais “a” ou “e” ou “o” (como em: Sa/ara, a/éreo,a/orta,etc.) ou, em alguns casos, da mesma vogal “a” seguida das semi-vogais “i” ou “u” tônicas, como em: “para/iso”, “na/u”, etc.

Na trova, soneto ou poema
em toda parte do mundo,
se a Forma é o seu di/adema,
a sua alma é sempre o fundo!


– Nos encontros vocálicos descendentes ( formados por vogais ou semi-vogais tônicas seguidas de vogais ou semi-vogais átonas) não se aceita a sinérese ( “tua”,”lua”, “frio”,”rio”, etc., e sim “tu/a”, “su/a”, “fri/o”, “ri/o”,etc.

§ único – Em algumas regiões do Brasil é usada a sinerese nestes encontros vocálicos, com base na  fonética local. No entanto, não será aceita na metrificação, em benefício da uniformidade, uma vez que na maioria dos Estados e feita a separação dessas vogais.

As dúvidas são pequenas,
 não sejas tão pessimista,
dá-me a tu/a ajuda, apenas,
e será bela a conquista.
                            
– O uso da aférese (“inda”, etc), síncope (pra”, etc), apócope  ( “mui”,etc ), e ectilípses (com a”, “o”, “as”;   “os”) é facultativo. 

 § 1º a junção de “com” mais palavras iniciadas com vogais átonas é correta mas pouco usada. Acompanhando a maioria dos poetas, sempre que possível, deve ser evitada. (com amor”, etc);

§ 2º A junção de “com” mais palavras iniciadas com gogais tônicas não será aceita. (‘com esta”, etc).                               

§ 3º A junção de fonemas anasalados “am”,”em”, “im”, etc.,com vogais átonas não será mais aceita. (“ formaram/idéias”, “cantaram/hinos”,etc).

§ 4º É preciso de cuidado com o uso de aféreses, síncopes e apócopes que, por estarem em desuso ou por formare,, geralmente, sons desagradáveis, irão ferir a sensibilidade e os ouvidos dos leitores e dos ouvintes.

É mui// feio criticar       (apócope)
/inda que seja um direito      (aférese)
-p/ra ser justo, aulas vem dar    (síncope)
com o teu plano sem defeito...     ( ectilipse)

Continua…

Fonte:
Nilton Manoel. A Didática da Trova. Batatais, 2008.

Monteiro Lobato (A Barca de Gleyre)

A Barca de Gleyre, obra em dois volumes, reúne a correspondência ativa de Monteiro Lobato com o escritor mineiro Godofredo Rangel entre 1903 e 1943. Relata seus sonhos, as lutas do cotidiano, as realizações e frustrações de seu trabalho de editor, nas primeiras décadas do século 20.

 A análise desse rico material, organizado pelo próprio Lobato, permite discernir os contornos da auto-imagem que o escritor pretendia construir para a posteridade. As missivas, que se iniciam ainda durante a época em que era estudante na Faculdade de Direito de São Paulo, fornecem dados a respeito de sua formação intelectual, atividades como escritor, editor, empresário e aspectos da vida pessoal. O título da obra constitui-se num importante indício para compreender a amargura do escritor pouco antes de sua morte.

 Entre as múltiplas facetas de Monteiro Lobato, a história da literatura brasileira privilegia, de um lado, o criador da mais importante obra infantil em nosso país, conhecida a partir de 1921. De outro, o regionalista, voltado para o atraso e a decadência do mundo rural. Por ser um nacionalista ferrenho, hostil à importação infrene das idéias européias, em particular das francesas, foi confundido com um intelectual retrógrado e passadista, incapaz, portanto, de compreender a modernidade e rotulado, ainda, de algoz de uma das mais talentosas pintoras do início do século e inimigo número um da Semana de 22. Essa visão é colocada em xeque em A Barca de Gleyre (1944).

 Durante o período que se corresponderam, os dois amigos trocaram impressões sobre a literatura nacional e estrangeira. Em mais de trezentas cartas, destaca-se a presença da literatura francesa de todos os tempos, abrangendo mais de noventa autores citados. Essa dissertação pretende mostrar, a partir das análises das missivas, a relevância da cultura francesa na formação do escritor Monteiro Lobato. Refutamos, num certo sentido, a idéia de autor xenófobo e anti-galicista. Ao contrário, suas cartas revelam um leitor e "crítico" maduro e original, sustentando posições que seriam endossadas por muitos críticos atuais. Entre a plêiade de autores abordados, enfocamos nossa pesquisa em alguns prosadores do século XIX, pois se situam entre os mais apreciados não apenas por Lobato e Rangel, mas por mais de uma geração de escritores brasileiros. Finalmente, detemo-nos na contribuição de Guy de Maupassant na poética do conto lobateano.

Textos escolhidos

Trecho I - São Paulo ... 1903

"Não és capaz, nunca, de adivinhar o que estou comendo. Estou comendo ... Tenho vergonha de dizer.

 Estou comendo um companheiro daquilo que alimentava S. João no deserto: içá torrado! Sabe, Rangel, que o içá torrado é o que no Olimpo grego tinha o nome de ambrosia? Está diante de mim uma latinha de içás torrados que me mandam de Taubaté. Nós, taubateanos, somos comedores de içás. Como é bom, Rangel! Prova mais a existência do Bom Deus do que todos os argumentos do Porfírio Aguiar. Só um ser Onipotente e Onisciente poderia criar semelhante petisco!"

Trecho II - Taubaté, 28.12.1903
Rangel:

"Escrevo ao pingar duma chuva miúda e sem fim que nos alaga há dois dias. As ruas são passagens de lama bem amassadinha pelas rodas dos carros e patas dos animais. Sair é um impossível, e chega a ser rasgo de ousadia pôr o nariz fora da janela. Estamos encarcerados numa prisão de fios de chuva _ coisa mais impressionante que grades de ferro. Leio, leio interminavelmente. Meus olhos já estão cansados."

Trecho III -Taubaté, 4 de "Bruno"de 1904
Rangel:

"Tua carta é um atestado da tua doença: literatura errada. Julgas que para ser um homem de letras vitorioso faz-se mister uma obsessão constante, uma consciente martelação na mesma idéia - e a mim a coisa me parece diferente. Tenho que o bom é que as aquisições sejam conscientes, num processo de sedimentação geológica. Qualquer coisa que cresça por si, como a árvore, apenas arrastada por aquilo que Aristóteles chamava entelequia _ e que em você é o rangelismo e em mim lobatismo. Deixa-te em paz, homem, não tortures assim o teu pobre cérebro." ( ...)

Trecho IV -Taubaté 2.6.1904

"Estou prestes a fechar o meu curso. Entro na "vida prática" em dezembro e creio que realizarei o meu sonho: ser fazendeiro. A minha vida ideal ( isto é, de idéias) está a pingar o ponto final. Vou morrer _ vai morrer este Lobato das cartas. E nascerá um que te fale em milho e porcos, e te dê receita para acabar com o piolho das galinhas.
 Está um frio de fim de vida. Meus dedos enregelam. Vou sair, andar, tomar sol. Adeus." Lobato

Trecho V - S. Paulo, 15.11.1904

 Rangel:

"É cheio do passado que te escrevo. Imagina que fui ao Rink (coisa que não conheces: patinação) e lá encontrei numa roda de quatro a moça mais bela que a Natureza ainda produziu. Bela, fina, elegante...

 Estes adjetivos já não dizem nada por causa dos abusos do Macuco. Sabe lá o que é o belo, Rangel? É o que alcança uma harmonia de formas absolutamente de acordo com nosso desejo. Se um mínimo senão na asa de um nariz rompe de leve essa harmonia, a criatura pode ser linda, bonita, encantadora - mas bela não é. Pois aquela moça era bela, Rangel. Chamava-se nos meus 14 anos, belita, Isabelita - Isabel. Foi o meu primeiro amor, em Taubaté.

 Mas falemos em coisas profanas. Li o teu último artigo... Nunca viste reprodução dum quadro de Gleyre, Ilusões Perdidas? Pois o teu artigo me deu a impressão do quadro de Gleyre posto em palavras. Num cais melancólico barcos saem; e um barco chega, trazendo à proa um velho com um braço pendido largadamente sobre uma lira - uma figura que a gente vê e nunca mais esquece (se há por aí os Ensaios da Crítica e História do Taine, lê o capítulo sobre Gleyre). O teu artigo me evocou a barca do velho. Em que estado voltaremos, Rangel, desta nossa aventura de arte pelos mares da vida em fora? Como o velho Gleyre? Cansados, rotos? As ilusões daquele homem eram as velas da barca - e não ficou nenhuma. Nossos dois barquinhos estão hoje cheios de velas novas e arrogantes, atadas ao mastro da nossa petulância. São as nossas ilusões. Que lhes acontecerá? " (...)

Você me pede um conselho e atrevidamente eu dou o Grande Conselho: seja você mesmo, porque ou somos nós mesmos ou não somos coisa nenhuma. E para ser si mesmo é preciso um trabalho de mouro e uma vigilância incessante na defesa, porque tudo conspira para que sejamos meros números, carneiros de vários rebanhos - os rebanhos políticos, religiosos, estéticos. Há no mundo ódio à exceção - e ser si mesmo é ser exceção.

Trecho VI - Taubaté, 30.12.1904
Rangel:

"Aqui no exílio a madorra é um mal ambiente que derruba até os mais fortes. Exílio, Rangel, pura verdade! Saltar da libérrima vida estudantina de S. Paulo e cair neste convencionalismo de aldeia, com trabalhos forçados... Sinto-me rodeado de conspiradores; todos tramam o meu achatamento. Tudo quanto mais prezávamos _ o nosso individualismo, etc, é crime de lesa-aldeia, de que o vigário, os parentes e as mais "pessoas gradas"nos querem curar. O ideal é fazer de nós mais uma "pessoa grada", mais um "cidadão prestante". É arredondar-nos como um pedregulho, lixar-nos todas as arestas _ as nossas queridas arestas! Um homem aqui só fica bem "grado"quando se confunde com todos os outros e é irmão do Santíssimo Sacramento. (...)

 Logo que cheguei ( que cheguei "formado"!) mimosearam-me com uma manifestação; foguetes (Taubaté não faz nada sem foguetes), a banda de música, molecada atrás e oito discursos, nos quais se falou em "raro brilhantismo", "um dos mais", "as venerandas arcadas"e outras cacuquices que tive de aguentar de pé firme em casa de meu avô. Eu percebia o jogo: a manifestação era mais dirigida a ele do que a mim, porque ele é um grande visconde e eu não passo dum simples "neto de visconde". (...)

 Não imaginas a estranheza da minha emoção quando estourou lá longe o primeiro foguete e alguém ao meu lado disse: "É a manifestação que vem vindo." Um foguete soltado por minha causa..." (...) Do teu desolado Lobato

 Trecho VII - Taubaté, 1907

Rangel:

Estou noivo. Pedi no dia 12 a obtive a 15 a mão de Purezinha, filha do Dr. Natividade que te examinou em Aritmética no Curso Anexo, minha prima longe, professora complementarista, loura, branca como pétala de magnólia, linda. Combinamos casar um dia."

Trecho VIII - São Paulo, 17.1.1920

Rangel:

Tens toda e não tens nenhuma razão. Tens-na no meu caso: não sou literato, não pretendo ser, não aspiro a louros acadêmicos, glórias , bobagens. Faço livros e vendo-os porque há mercado para a mercadoria; exatamente o negócio do que faz vassouras e vende-as, do que faz chouriços e vende-os. E timbro em avisar ao leitor de que não sei a língua. Se por acaso algum dia fizer outro livro, hei-de usar letreiros das fitas: "Contos de Monteiro Lobato, com pronomes por Álvaro Guerra; com a sintaxe visada por José Feliciano e a prosódia garantida no tabelião por Eduardo Carlos Pereira. As vírgulas são do insigne virgulógrafo Nunávares, etc."

 Trecho IX - S. Paulo, 20.2.43

Rangel:

Pois é. Perdi meu segundo filho, o Edgar, um menino de ouro, tal qual o Guilherme. Impossível filhos melhores que os meus, e talvez por isso, foram chamados tão cedo.(...)

 Eu não me desespero com mortes porque tenho a morte como alvará de soltura. Solta-nos deste estúpido estado sólido para o gasoso - dá-nos invisibilidade e expansão, exatamente o que acontece ao bloco de gelo que se passa a vapor. (...)

 E assim vamos também nós morrendo. Morrendo nos filhos, pedaços de nós mesmos que seguem na frente. Morrendo nas tremendas desilusões em que desfecham nossos sonhos."
 
Trecho X - S. Paulo, 27.10.43

Rangel:

Solto agora as minhas cartas a você, e depois você solta as tuas a mim.

 Outra coisa está me parecendo: que na literatura fiquei o que sou por causa dessa correspondência. Se não dispusesse do teu concurso tão aturado, tão paciente e amigo, o provável é que a chamazinha se apagasse. Você me sustentou firme na brecha _ e talvez eu te haja feito o mesmo. Fomos o porretinho um do outro, na longa travessia.

 Trecho XI - S. Paulo, Véspera de S. João, 1948

Rangel:

( ...)
 Tive a 21 de abril um "espasmo vascular", perturbação no cérebro da qual a gente sai sempre seriamente lesado de uma ou outra maneira. Depois de 3 horas de inconsciência voltei a mim, mas lesado. A principal lesão foi na vista que no começo me impedia de ler sequer uma frase. As outras perturbações ando agora eu a percebê-las: lerdeza mental, fraqueza de memória e outras "diminuições". Desci uns pontos.

 Não é impunemente que chegamos aos 66 anos de idade.

 O que eu tive foi uma demonstração convincente que estou próximo do fim - foi um aviso - um preparativo.

 E de agora por diante o que tenho a fazer é arrumar a quitanda para a "grande viagem", coisa que para mim perdeu a importância depois que aceitei a sobrevivência. (...) Estou com uma curiosidade imensa de mergulhar no Além. (...)

 Adeus, Rangel! Nossa viagem a dois está chegando ao fim. Continuaremos no Além? Tenho planos logo que lá chegar, de contratar o Chico Xavier para psicógrafo particular, só meu _ e a primeira comunicação vai ser dirigida justamente a você. Quero remover todas as tuas dúvidas. Do Lobato

Com esta carta, meio irônica, brincalhona, Lobato despedia-se do amigo Godofredo Rangel, escritor como ele. Doze dias depois, morria durante o sono.

 Em seu enterro, os estudantes saíram à rua, agitando faixas sobre a questão do petróleo. E o já consagrado ator Procópio Ferreira, amigo pessoal, fez um discurso onde proclamava:
 "Agora, os sem-vergonhas poderão agir à vontade: morreu Monteiro Lobato!”

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/a_barca_de_gleyre

Evaldo da Veiga/RJ (Cristais Poéticos)


NOSSO AMOR

Nossa bossa não é nova
e nem antiga, é nossa.

Nossa bossa
se faz de pequenas doses de tempo
em um belo momento.
A busca de nossas almas,

Nossa bossa
vai à direção aos nossos desejos.
Desejos puros e sacanas,
cada hora em seu momento.

Ouço com fervor
o som de ouvir e a graça de dizer.
Música são tuas palavras,
puras e sensuais,
Santas e pervertidas.

Ah! Como amo o que me dizes,
misto perfeito do Santo e profano,
do carinho singelo
e do mais puto desejo...

Vem!
Demole a inércia do tempo sem vigor.
Vem!
Faz a vida girar em sentido do amor...
Somente nesse sentido.
Vem!

SONETO DO AMOR MANEIRO

 O amor que idealizei é um paraíso de viver
 Sob a égide da livre expressão e do contato
Em abraço amante e amigo, quero envolver-te
Gozar bem dentro de você e também em torno

Respirar um ar gratuito que vem da tua boca
Gratuito são todos os ares, mas o teu é meu
Quero respirar em você e ir ao fundo do desejo
Se é que se pode chegar ao fundo em si mesmo

Porém se és Santíssima, muito Pura e bem Puta
Nada perco, ao contrário, ganho dos dois lados
Quero-te como és, nada de acrescentar ou sacar

Quero-te assim porque em ti tenho o melhor gozo
Se em ti acrescentassem em explodiria no prazer
Se retirassem, eu perderia grande parte do amor

VOCÊ, VIDA

Minh´alma louva tua existência etérea
e o meu corpo busca o teu corpo, sempre.
 Quão perdido andei em caminhos distantes,
mas o destino generoso fez o encontro.

Agora, ando no teu e você no meu,
nossa vida em um único caminho.
 Descanso em ociosidade inversa,
em cuidando do nosso amor.

Bendito o dia que me acorda
e lindo o dia que se encerra,
ensejando um novo dia.

Nossos caminhos em busca,
estão lá, bem lá, além...
em estando aqui, bem presente.

SONETO DO AMOR QUE FICOU

Hoje e amanhã
Vou te amar
Como amei ontem
Como amei sempre

No meu olhar, em minhas mãos
No tremor do meu espanto
Farei acenos de ternura
Assim como nos versos em branco

Inserido em música o meu silêncio
Ele irá contigo aonde fores
Jamais direi adeus

Amo tua presença
Mas se fores, por derradeiro
Amarei tua ausência, vivo em teu amor

SONETO DO DIA AZUL
Um dia todo azul em sol
Uma lua chegando cedo
Linda delícia tua vinda
Simples  e encantadora

Tua voz dizendo sim
No ritmo do bem querer
No exato tom do fazer
Em meu corpo o amor

Fiel certeza no encontro
Virando o incerto em crença
Convicção que o amor é viver

Lindo amor em dia azul, sim
É a vida que vem cantando
Em alegre encontro com o amor

VOCÊ, DOCE PRESENÇA

Estando em tua presença
O mundo fica terno
E os movimentos que encantam a alma
Dão vida e gozo ao corpo

Um pendão real te entregou a vida
Investida da honraria você buscou o simples
O que existe na mais absoluta gratuidade
SER, TER E FAZER

TER, sem a sensação de egoísmo
FAZER, em torno o amor gravitando
SER, visando somente SER

Se estás nos meus braços
Descanso no prazer consentido
Bondade da vida: amar e viver o teu amor

O AR DA MANHÃ
 
É um ar diferente, não sei dizer se mais frio ou menos
Destemperado de outros paliativos fora do tempo, não sei
Só sinto que não tem a mesma temperatura de outros momentos
Parece-me que nem se trata de temperatura, suave ou amena
É uma questão de sentir o ar no tempo, misturado ao acaso

Se não me desperto por imposição do dever, fico inerte
Curtindo este ar um tanto mágico que se inicia como menino
Talvez esteja no orvalho a grande diferença, umidade virgem
Traz indiferença, sinto falta do misto de pureza com pecado
Nada virgem me atrai, prefiro a experiência da mulher nua
Aquela que nada sabe e fica buscando aprender, sempre...

Vou dormir, ainda sentindo este sono do ar da manhã
Se não me despertas deixarei de lado o meu corpo frio
Umedecido pelo orvalho deste irresistível ar da manhã
O que isso distante soa, é o amor ou o vento apressado?
Por isso é sempre minha opção o ar da manhã com amor
Cores, umidade e todas vestimentas de uma nova aurora

Não me abandone neste caminho onde não sei caminhar
Se fores muito longe ou para o improvável, vou contigo
Não tenho destino definido, melhor buscar o teu carinho
Nada saberás dessa madrugada onde a chuva se aproxima
Pretendendo alterar o inesgotável prazer do ar da manhã

O AMOR E O LIVRO

O que esperamos com desespero em chegada breve
Leva-nos ao cruzamento com rumos frios do suspense
Recorrendo à calma é que buscamos o silêncio no livro
Um silêncio que diz o lindo e fortalece a confiança

Além, os livros transferem para o céu, quando em versos
Suas estrofes de ouro cravejadas de brilhantes eternos
Do nada se faz o verbo e o livro transmite o que Deus diz
Sem dizer ele que é sagrado e que é a palavra do criador

Livros, doces emoções nos conduzindo ao reino do todo
E quase sempre ao reino amor, em alegria e desejo sublime
Falam os Poetas também da dor, da desilusão e do insulto
Tudo em paradoxais que exaltam a pura beleza do bem

Que lamento tão fundo às vezes diz, transtornado
Nada além de alegorias inversas que sublimam o amor
Cada livro deixa e tem si o que muitas vezes não existe
Mas quando buscado com esperança, alegria, amor é fé

Fontes:
1– Poema enviado pelo autor
2 – http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=4817&categoria=Z

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (S. Tomé e Príncipe – 1. Lírica)

1.    LÍRICA

Em capítulo anterior assinalámos que Caetano da Costa Alegre, poeta oitocentista são-tomense, fora o primeiro, em todo o espaço africano de língua portuguesa, a dar ao tópico da cor um tratamento poético, embora numa visão marcadamente alienatória, constituindo-se como produtor de uma expressão de negrismo.

Curiosamente é também são-tomense o poeta que primeiro, em língua portuguesa, chamou a si a expressão da negritude. Trata-se de Francisco José Tenreiro (1921-1966), que irá assumir uma posição inversa à de Costa Alegre. Desalienado, liberto dos mitos da inferioridade social, identifica-se com a dor do homem negro e repõe-no no quadro que lhe cabe da sabedoria universal:

Mãos, mãos negras que em vós estou sentido!
Mãos pretas e sábias que nem inventaram a escrita nem a
[rosa-dos-ventos
mas que da terra, da árvore, da água e da música das nuvens beberam as palavras dos corás, dos quissanges e das timbila
[que é o mesmo dizer palavras telegrafadas e recebidas de coração em
[coração [103].

A sua voz é a voz real do homem africano, uma voz que vem das origens e ressoa no tempo: «cantando: nós não nascemos num dia sem sol!», e aí vamos com essa raça humilhada percorrendo a «estrada da escravatura», mas entretanto iluminada por «um rio» que «vem correndo e cantando/desde St. Louis e Mississipi.» (Obra poética de Francisco José Tenreiro, 1967, p. 100).

Poeta bivalente («Nasci do negro e do branco/e quem olhar para mim/é como que se olhasse/para um tabuleiro de xadrez») [104] na sua vocação para exprimir o mulato, que ele era, e o negro, que ele era, fundindo-se assim no poeta africano que ele foi, guinda-se à categoria de poeta da negritude de expressão portuguesa, e tão lucidamente que o surto da literatura angolana e moçambicana, que se impôs a partir de cinquenta, e muito lhe deve, o não teria ultrapassado na pertinência e na genuinidade dos temas.

Interessante notar que a estrutura externa da poesia de F. J. Tenreiro adquire características diferentes, consoante a substância manipulada: poemas longos de longos versos para a negritude, poemas curtos de curtos versos enquanto poeta mestiço:

Dona Jóia dona dona de lindo nome; tem um piano alemão desafinando de calor [105].

Ou então:

De coração em África com o grito seiva bruta dos poemas
[de Guillén de coração em África com a impetuosidade viril de I too
[am American
de coração em África contigo amigo Joaquim [106] quando
[em versos incendiários
cantaste a África distante do Congo da minha saudade do [Congo de coração em África [107]

Há uma distância solar, como se vê, entre a humilhação da Costa Alegre e a glorificação dos valores culturais africanos por parte de Francisco Tenreiro que obviamente corresponde à amplitude consciencializadora que vai do século XIX ao século XX.

O discurso de Alda do Espírito Santo descreve-se entre o relato quotidiano da ilha, impregnado de alusões simbólicas de esperança, ou do registo de anseios de transparência política: «uma história bela para os homens de todas as terras/ciciando em coro, canções melodiosas/numa toada universal» 108 até ao clamor da revolta de um povo oprimido como em «Onde estão os homens caçados neste vento de loucura»:

Que fizeste do meu povo?...
Que respondeis?...
Onde está o meu povo?...
E eu respondo no silêncio
das vozes erguidas
clamando justiça...
Um a um, todos em fila...
Para vós, carrascos,
o perdão não tem nome [109].

O mesmo clamor da revolta percorre o discurso de Maria Manuela Margarido:

A noite sangra no mato,
ferida por uma lança de cólera [110].

A cólera. A revolta. Duas constantes que, associadas ao movimento dialéctico da vida que tudo destrói e reconstrói, trazem a esperança: «Na beira do mar, nas águas,/estão acesas a esperança/o movimento/a revolta/do homem social, do homem integral», e é ainda o verbo de Maria Manuela Margarido. Daí a certeza inscrita no devir histórico:

No céu perpassa a angústia austera
da revolta
com suas garras suas ânsias suas certezas.

Em meio da denúncia (do «cheiro da morte»), da acusação («eu te pergunto, Europa, eu te pergunto: AGORA?») [112] perpassa a certeza. Ou a esperança. Não mera esperança idealista. A esperança concretizada na dialéctica do real. Tomaz Medeiros:

Amanhã,
Quando as chuvas caírem, As folhas gritarem d'esperança Nos braços das árvores,
Irei
Desafiar os mais trágicos destinos,
à campa de Nhana, ressuscitar o meu amor.
Irei [113].

Poesia vinculada à sedimentação de uma consciência anticolonialista, mais do que a fala de cada poeta ela se consubstancia na voz colectiva do homem são-tomense. Mas não só poesia de signos, de símbolos, de imagística protestatária, aliás de descodificação facilitada. Não só poesia de anunciação e assunção. Não só. Poesia tocada pelo afago lírico das coisas da «Ilha Verde, rubra de sangue». As «palmeiras e cacoeiros», «o aroma dos mamoeiros», o «cajueiro»; as «modinhas da terra», os «murmúrios doces dos silêncios», «as canoas balouçando no mar», o «sòcòpé», os deuses e os mitos, «orações dos ocas», os «cazumbis».

Por derradeiro, Marcelo Veiga. Numa ordem cronológica Marcelo Veiga (1892-1976) deveria ter sido considerado logo após Costa Alegre. Marcelo Veiga, pequeno proprietário da ilha do Príncipe, estudou no liceu em Lisboa, aqui viveu por períodos intermitentes, foi amigo de Almada-Negreiros, Mário Eloy, Mário Domingues, José Monteiro de Castro, Hernâni Cidade. Passou despercebido até ao momento em que Alfredo Margarido o incluiu na antologia por ele organizada e publicada, da Casa dos Estudantes do Império, Poetas de S. Tomé e Prínrípe (1963). Ultimamente obtivemos alguns poemas seus, inéditos, datados a partir de 1920, cedidos pelo poeta, pouco antes de falecer na sua ilha. Ele dá, assim, antes de F. J. Tenreiro, o sinal do «regresso do homem negro», o sinal da negritude não só em S. Tomé e Príncipe como em toda a área africana da língua portuguesa: «África não é terra de ninguém,/De qualquer que sabe de onde vem, [...] A África é nossa!/É nossa! é nossa!» [114].

Eis, nítida e insofismável, a consciência da revolta:

Filhos! a pé! a pé! que éjá manhã!
Esta África em que quem quer dá co'o pé,
Esta negra África escarumba, olé!
Não a q'remos mais sob jugo de alguém,
Ela é nossa mãe! [115]

Irónico,   mordaz,   a   língua   destravada   e   rebelde, associada ao veneno lúcido da desafronta:

«Sou preto — o que ninguém escuta;
O que não tem socorro;
O — olá, tu rapaz!
O — ó meu merda! O cachorro!
O — ó seu filho da puta!
E outros mimos mais...[116]

Ou

O preto é bola, É pim-pam-pum! Vem um:
Zás! na cachola...
Outro — um chut — bum! [117]

A terminar, diríamos que a poesia de S. Tomé e Príncipe constitui uma expressão africana mais uniforme do que a de Moçambique ou mesmo de Angola, ainda considerando a franja de mestiçagem que a percorre. Construída apenas por negros ou mestiços, este punhado de poetas baliza a área temática no centro do universo da(s) sua(s) ilha(s) e organiza um signo cuja polissemia é de uma África violentada, inchada de cólera, a esperança feita revolta.
–––––––––
Notas

103    Francisco José Tenreiro,  Obra poética de Francisco José Tenreiro, 1967, p. 90.

104    Idem, idem, p. 48.

105    Idem, idem, p. 120.

106    Trata-se  de Joaquim  Namorado.  Autor  do  poema «África», publicado n'0 Diabo, n.° 309, 24 de agosto de 1940, a primeira expressão literária duma visão dialéctica de África, enquanto   continente  explorado,  por  parte  de  um  poeta português que nunca viveu no continente africano.

107    Francisco José Tenreiro,  Obra poética de Francisco José Tenreiro, 1967, p. 11.

108    Alda do Espírito Santo, «Em torno da minha baía» in A. Margarido, Poetas de S. Tomé e Príncipe, 1963, p. 64. Tem como referência o massacre de Batepá ocorrido em S. Tomé, em fevereiro   de   1953,   sendo   governador   o   tenente-coronel Gorgulho.

109    Idem, «Onde estão os homens caçados neste vento de loucura», idem, pp. 65-66.

110    Maria Manuela Margarido, «Roça» in A. Margarido, Poetas de S. Tomé e Príncipe, 1963, p. 81.

111    Idem, «Paisagem», idem, p. 81.

112    Tomaz Medeiros, «Meu canto Europa» in A. Margarido, Poetas de S. Tomé e Príncipe, 1963, p. 76.

113    Idem, «Caminhos» in «Cultura» (II), n.°s 9-10. Luanda, dezembro de 1959.

114    Marcelo Veiga, «África é nossa» in M. Ferreira No reino de Caliban, 2.° vol., 1976, pp. 466-467.

115    Idem, idem, p. 466.

116    Idem, «Regresso do homem negro» in A. Margarido, Poetas de S. Tomé e Príncipe, 1964, p. 87.

117    Idem, «A João Santa Rosa», idem, p. 89.


Continua…

Fonte:
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I Biblioteca Breve / Volume 6 – Instituto de Cultura Portuguesa – Secretaria de Estado da Investigação Científica Ministério da Educação e Investigação Científica – 1. edição — Portugal: Livraria Bertrand, Maio de 1977