segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Florbela Espanca (Cavalgada de Poemas) v.1

CHARNECA EM FLOR

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E, já não sou, Amor, Sóror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

VERSOS DE ORGULHO

O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém!

Porque o meu Reino fica para Além!
Porque trago no olhar os vastos céus,
E os oiros e os clarões são todos meus!
Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!

O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?!
O jardim dos meus versos todo em flor,
A seara dos teus beijos, pão bendito,

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
São os teus braços dentro dos meus braços:
Via Láctea fechando o Infinito!...

REALIDADE

Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho.

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho.

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo,
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei, se te perdi...

A UM MORIBUNDO

Não tenhas medo, não! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, à tarde, uma pomba que tem sono...

A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono...

O que há depois? Depois?... O azul dos céus?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?

Que importa? Que te importa, ó moribundo?
- Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!...

PASSEIO AO CAMPO

Meu Amor! Meu Amante! Meu Amigo!
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
Sinto-me alegre e forte! Sou menina!

Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina...
Pele doirada de alabastro antigo...
Frágeis mãos de madona florentina...
- Vamos correr e rir por entre o trigo! –

Há rendas de gramíneas pelos montes...
Papoilas rubras nos trigais maduros...
Água azulada a cintilar nas fontes...

E à volta, Amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras!...

TARDE NO MAR
A tarde é de oiro rútilo: esbraseia
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Poisa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue ao seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia.
Desenha mãos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...

SE TU VIESSES VER-ME...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

MISTÉRIO

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas...

Talvez um dia entenda o teu mistério...
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

O MEU CONDÃO
Quis Deus dar-me o condão de ser sensível
Como o diamante à luz que o alumia,
Dar-me uma alma fantástica, impossível:
- Um bailado de cor e fantasia!

Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixão estranha, ardente, incrível!
Erguer em mim o facho inextinguível,
Como um cinzel vincando uma agonia!

Quis Deus fazer-me tua... para nada!
- Vãos, os meus braços de crucificada,
Inúteis, esses beijos que te dei!

Anda! Caminha! Aonde?... Mas por onde?...
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei...

AS MINHAS MÃOS

As minhas mãos magritas, afiladas,
Tão brancas como a água da nascente,
Lembram pálidas rosas entornadas
Dum regaço de Infanta do Oriente.

Mãos de ninfa, de fada, de vidente,
Pobrezinhas em sedas enroladas,
Virgens mortas em luz amortalhadas
Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente.

Magras e brancas... Foram assim feitas...
Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas...
Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!

Pra que as quero eu - Deus! - Pra que as quero eu?!
Ó minhas mãos, aonde está o céu?
...Aonde estão as linhas do teu rosto?

NOITINHA

A noite sobre nós se debruçou...
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou...

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguém pelas quebradas fora...
Flores do campo, humildes, mesmo agora.
A noite, os olhos brandos, lhes fechou...

Fumo beijando o colmo dos casais...
Serenidade idílica de fontes,
E a voz dos rouxinóis nos salgueirais...

Tranquilidade... calma... anoitecer...
Num êxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater...

LEMBRANÇA
Fui Essa que nas ruas esmolou
E fui a que habitou Paços Reais;
No mármore de curvas ogivais
Fui Essa que as mãos pálidas poisou...

Tanto poeta em versos me cantou!
Fiei o linho à porta dos casais...
Fui descobrir a Índia e nunca mais
Voltei! Fui essa nau que não voltou...

Tenho o perfil moreno, lusitano,
E os olhos verdes, cor do verde Oceano,
Sereia que nasceu de navegantes...

Tudo em cinzentas brumas se dilui...
Ah, quem me dera ser Essas que eu fui,
As que me lembro de ter sido... dantes!...

A NOSSA CASA
A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde está ela, Amor, que não a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
Constrói-a, num instante, o meu desejo!

Onde está ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
Será mais puro e doce que uma asa?

Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos,
Andamos de mãos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jardim,

Num país de ilusão que nunca vi...
E que eu moro - tão bom! - dentro de ti
E tu, ó meu Amor, dentro de mim...

Fonte:
Florbela Espanca. Charneca em Flor.

Renato Antunes Oliveira (Cenoura, Ovo ou Café?)

Uma filha se queixou a seu pai sobre sua vida e de como as coisas estavam tão difíceis para ela. Ela já não sabia mais o que fazer e queria desistir. Estava cansada de lutar e combater. Parecia que assim que um problema estava resolvido um outro surgia.

Seu pai, um "chef", levou-a até a cozinha. Encheu três panelas com água e colocou cada uma delas em fogo alto.

Logo as panelas começaram a ferver.

Em uma ele colocou cenouras, em outra colocou ovos e, na última pó de café.

Deixou que tudo fervesse, sem dizer uma palavra.

A filha deu um suspiro e esperou impacientemente, imaginando o que ele estaria fazendo.

Cerca de vinte minutos depois, ele apagou as bocas de gás. Pescou as cenouras e as colocou em uma tigela. Retirou os ovos e os colocou em uma tigela. Então pegou o café com uma concha e o colocou igualmente em uma tigela.

Virando-se para ela, perguntou "Querida, o que você está vendo?" "Cenouras, ovos e café," ela respondeu.

Ele a trouxe para mais perto e pediu-lhe para experimentar as cenouras. Ela obedeceu e notou que as cenouras estavam macias.

Ele, então, pediu-lhe que pegasse um ovo e o quebrasse. Ela obedeceu e depois de retirar a casca verificou que o ovo endurecera com a fervura.

Finalmente, ele lhe pediu que tomasse um gole do café.

Ela sorriu ao provar seu aroma delicioso.

Ela perguntou humildemente: "O que isto significa, pai?"

Ele explicou que cada um deles havia enfrentado a mesma adversidade, água fervendo, mas que cada um reagira de maneira diferente.

A cenoura entrara forte, firme e inflexível. Mas depois de ter sido submetida à água fervendo, ela amolecera e se tornara frágil.

Os ovos eram frágeis. Sua casca fina havia protegido o líquido interior. Mas depois de terem sido colocados na água fervendo, seu interior se tornou mais rígido.

O pó de café, contudo, era incomparável. Depois que fora colocado na água fervente, ele havia mudado a água. "Qual deles é você?" ele perguntou a sua filha. - "Quando a adversidade bate a sua porta, como você responde? Você é uma cenoura, um ovo ou pó de café?"

E você?

Você é como a cenoura que parece forte, mas com a dor e a adversidade você murcha e se torna frágil e perde sua força?

Será que você é como o ovo, que começa com um coração maleável? Você teria um espírito maleável, mas depois de alguma morte, uma falência, um divórcio ou uma demissão, você se tornou mais difícil e duro? Sua casca parece a mesma, mas você está mais amargo e obstinado, com o coração e o espírito inflexíveis?

Ou será que você é como o pó de café? Ele muda a água fervente, a coisa que está trazendo a dor, para conseguir o máximo de seu sabor, a cem graus centígrados. Quanto mais quente estiver a água, mais gostoso se torna o café. Se você é como o pó de café, quando as coisas se tornam piores, você se torna melhor e faz com que as coisas em torno de você também se tornem melhores.

Como você lida com a adversidade?

Você é uma cenoura, um ovo ou café?

Fonte:
http://www.contandohistorias.com.br/historias/2004452.php

Machado de Assis (Luís Soares)

Trocar o dia pela noite, dizia Luís Soares, é restaurar o império da natureza corrigindo a obra da sociedade. O calor do sol está dizendo aos homens que vão descansar e dormir, ao passo que a frescura relativa da noite é a verdadeira estação em que se deve viver. Livre em todas as minhas ações, não quero sujeitar-me à lei absurda que a sociedade me impõe: velarei de noite, dormirei de dia.

Contrariamente a vários ministérios, Soares cumpria este programa com um escrúpulo digno de uma grande consciência. A aurora para ele era o crepúsculo, o crepúsculo era a aurora. Dormia doze horas consecutivas durante o dia, quer dizer das seis da manhã às seis da tarde. Almoçava às sete e jantava às duas da madrugada. Não ceava. A sua ceia limitava-se a uma xícara de chocolate que o criado lhe dava às cinco horas da manhã quando ele entrava para casa. Soares engolia o chocolate, fumava dois charutos, fazia alguns trocadilhos com o criado, lia uma página de algum romance, e deitava-se.

Não lia jornais. Achava que um jornal era a coisa mais inútil deste mundo, depois da câmara dos deputados, das obras dos poetas e das missas. Não quer isto dizer que Soares fosse ateu em religião, política e poesia. Não. Soares era apenas indiferente. Olhava para todas as grandes coisas com a mesma cara com que via uma mulher feia. Podia vir a ser um grande perverso; até então era apenas uma grande inutilidade.

Graças a uma boa fortuna que lhe deixara o pai, Soares podia gozar a vida que levava, esquivando-se a todo o gênero de trabalho e entregue somente aos instintos da sua natureza e aos caprichos do seu coração. Coração é talvez demais. Era duvidoso que Soares o tivesse. Ele mesmo o dizia. Quando alguma dama lhe pedia que ele a amasse, Soares respondia:

- Minha rica pequena, eu nasci com a grande vantagem de não ter coisa nenhuma dentro do peito nem dentro da cabeça. Isso que chamam juízo e sentimento são para mim verdadeiros mistérios. Não os compreendo porque os não sinto.

Soares acrescentava que a fortuna suplantara a natureza, deitando-lhe no berço em que nasceu uma boa soma de contos de réis. Mas esquecia que a fortuna, apesar de generosa, é exigente, e quer da parte dos seus afilhados algum esforço próprio. A fortuna não é Danaide. Quando vê que um tonel esgota a água que se lhe põe dentro vai levar os seus cântaros a outra parte. Soares não pensava nisto. Cuidava que os seus bens eram renascentes como as cabeças da hidra antiga. Gastava às mãos largas; e os contos de réis, tão dificilmente acumulados por seu pai, escapavam-se-lhe das mãos como pássaros sequiosos por gozarem do ar livre.

Achou-se, portanto, pobre quando menos o esperava. Um dia de manhã, quer dizer às ave-marias, os olhos de Soares viram escritas as palavras fatídicas do festim babilônico. Era uma carta que o criado lhe entregara dizendo que o banqueiro de Soares a havia deixado à meia-noite. O criado falava como o amo vivia: ao meio-dia chamava meia-noite.

- Já te disse, respondeu Soares, que eu só recebo cartas dos meus amigos, ou então...

- De alguma rapariga, bem sei. É por isso que lhe não tenho dado as cartas que o banqueiro tem trazido há um mês. Hoje, porém, o homem disse que era indispensável que lhe eu desse esta.

Soares sentou-se na cama, e perguntou ao criado meio alegre e meio zangado:

- Então tu és criado dele ou meu?

- Meu amo, o banqueiro disse que se trata de um grande perigo.

- Que perigo?

- Não sei.

- Deixa ver a carta.

O criado entregou-lhe a carta.

Soares abriu-a e leu-a duas vezes. Dizia a carta que o rapaz não possuía mais que seis contos de réis. Para Soares seis contos de réis eram menos que seis vinténs.

Pela primeira vez na sua vida Soares sentiu uma grande comoção. A idéia de não ter dinheiro nunca lhe havia acudido ao espírito; não imaginava que um dia se achasse na posição de qualquer outro homem que precisava de trabalhar.

Almoçou sem vontade e saiu. Foi ao Alcazar. Os amigos acharam-no triste; perguntaram-lhe se era alguma mágoa de amor. Soares respondeu que estava doente. As Laís da localidade acharam que era de bom gosto ficarem tristes também. A consternação foi geral.

Um dos seus amigos, José Pires, propôs um passeio a Botafogo para distrair as melancolias de Soares. O rapaz aceitou. Mas o passeio a Botafogo era tão comum que não podia distraí-lo. Lembraram-se de ir ao Corcovado, idéia que foi aceita e executada imediatamente.

Mas que há que possa distrair um rapaz nas condições de Soares? A viagem ao Corcovado apenas lhe produziu uma grande fadiga, aliás útil, porque, na volta, dormiu o rapaz a sono solto.

Quando acordou mandou dizer ao Pires que viesse falar-lhe imediatamente. Daí a uma hora parava um cano à porta: era o Pires que chegava, mas acompanhado de uma rapariga morena que respondia ao nome de Vitória. Entraram os dois pela sala de Soares com a franqueza e o estrépito naturais entre pessoas de família.

- Não está doente? - perguntou Vitória ao dono da casa.

- Não, respondeu este; mas por que veio você?

- É boa! disse José Pires; veio porque é a minha xícara inseparável... Querias falar-me em particular?

- Queria.

- Pois falemos aí em qualquer canto; Vitória fica na sala vendo os álbuns.

- Nada, interrompeu a moça; nesse caso vou-me embora. É melhor; só imponho uma condição: é que ambos hão de ir depois lá para casa; temos ceata.

- Valeu! - disse Pires.

Vitória saiu; os dois rapazes ficaram sós.

Pires era o tipo do bisbilhoteiro e leviano. Em lhe cheirando novidade preparava-se para instruir-se de tudo. Lisonjeava-o a confiança de Soares, e adivinhava que o rapaz ia comunicar-lhe alguma coisa importante. Para isso assumiu um ar condigno com a situação. Sentou-se comodamente em uma cadeira de braços; pôs o castão da bengala na boca e começou o ataque com estas palavras:

- Estamos sós; que me queres?

Soares confiou-lhe tudo; leu-lhe a carta do banqueiro; mostrou-lhe em toda a nudez a sua miséria. Disse-lhe que naquela situação não via solução possível, e confessou ingenuamente que a idéia do suicídio o havia alimentado durante longas horas.

- Um suicídio! - exclamou Pires; estás doido.

- Doido! - respondeu Soares; entretanto não vejo outra saída neste beco. Demais, é apenas meio suicídio, porque a pobreza já é meia morte.

- Convenho que a pobreza não é coisa agradável, e até acho...

Pires interrompeu-se; uma idéia súbita atravessara-lhe o espírito: a idéia de que Soares acabasse a conferência por pedir-lhe dinheiro. Pires tinha um preceito na sua vida: era não emprestar dinheiro aos amigos. Não se empresta sangue, dizia ele.

Soares não reparou na frase cortada do amigo, e disse:

- Viver pobre depois de ter sido rico... é impossível.

- Nesse caso que me queres tu? - perguntou Pires, a quem pareceu que era bom atacar o touro de frente.

- Um conselho.

- Inútil conselho, pois que já tens uma idéia fixa.

- Talvez. Entretanto confesso que não se deixa a vida com facilidade, e má ou boa, sempre custa morrer. Por outro lado, ostentar a minha miséria diante das pessoas que me viram rico é uma humilhação que eu não aceito. Que farias tu no meu lugar?

- Homem, respondeu Pires, há muitos meios...

- Venha um.

- Primeiro meio. Vai para Nova York e procura uma fortuna.

- Não me convém; nesse caso fico no Rio de Janeiro.

- Segundo meio. Arranja um casamento rico.

- É bom de dizer. Onde está esse casamento?

- Procura. Não tens uma prima que gosta de ti?

- Creio que já não gosta; e demais não é rica; tem apenas trinta contos; despesa de um ano.

- É um bom princípio de vida.

- Nada; outro meio.

- Terceiro meio, e o melhor. Vai à casa de teu tio, angaria-lhe a estima, dize que estás arrependido da vida passada, aceita um emprego, enfim vê se te constituis seu herdeiro universal.

Soares não respondeu; a idéia pareceu-lhe boa.

- Aposto que te agrada o terceiro meio? - perguntou Pires rindo.

- Não é mau. Aceito; e bem sei que é difícil e demorado; mas eu não tenho muitos à escolha.

- Ainda bem, disse Pires levantando-se. Agora o que se quer é algum juízo. Há de custar-te o sacrifício, mas lembra-te que é o meio único de teres dentro de pouco tempo uma fortuna. Teu tio é um homem achacado de moléstias; qualquer dia bate a bota. Aproveita o tempo. E agora vamos à ceia da Vitória.

- Não vou, disse Soares; quero acostumar-me desde já a viver vida nova.

- Bem; adeus.

- Olha; confiei-te isto a ti só; guarda-me segredo.

- Sou um túmulo, respondeu Pires descendo a escada.

Mas no dia seguinte já os rapazes e raparigas sabiam que Soares ia fazer-se anacoreta... por não ter dinheiro nenhum. O próprio Soares reconheceu isto no rosto dos amigos. Todos pareciam dizer-lhe: É pena! que pândego vamos nós perder!

Pires nunca mais o visitou.

Fonte:
Machado de Assis. Histórias sem data.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 643)

 Uma Trova de Ademar 
Do meu jeito apaixonado,
envolvente, terno, mudo...
Faço um apelo calado,
onde os olhos dizem tudo!
–Ademar Macedo/RN–

 Uma Trova Nacional 


Meu desejo percorreu
teu corpo como compasso,
circulando o que é tão meu,
na geometria do abraço.
–Lisete Johnson/RS–

 Uma Trova Potiguar 


Desponta sereno o dia,
e o meu sonho, sem demora,
enche o mundo de poesia
ao romper da linda aurora!
–Eva Garcia/RN–

 Uma Trova Premiada 


1995  -  Pouso Alegre/MG
Tema  -  RONDA  -  3º Lugar


Cai a noite, e uma ansiedade
no olhar materno e sombrio
ronda um leito de saudade
que a guerra deixou vazio.
–José Messias Braz/MG–

 ...E Suas Trovas Ficaram 


Socorre sem dar teu nome
aos que sofrem na pobreza...
Quem apaga a luz da fome
acende a luz da nobreza!
–Florestan Japiassú Maia/RJ–

 U m a P o e s i a 


Vivo aqui, muito distante
da minha terra querida,
já vivi da minha vida
a parte mais importante,
porém como sou amante
das coisas do meu rincão,
guardo no meu coração
o que vi na mocidade.
Eu tenho muita saudade
do meu querido sertão.
–Antônio Nunes de Sá/PB–

 Soneto do Dia 

EU E SÃO FRANCISCO.
–Francisco Macedo/RN–


Eu tenho muita fé em São Francisco!
O verdadeiro apóstolo de Assis.
Ele fez tudo aquilo que eu não fiz...
Eu quero ser cordeiro em seu aprisco.

Seu seguidor, dizer, eu não me arrisco,
somente, amá-lo, já me faz feliz.
Sigo, na trova, sua diretriz:
Com trovas lhe erguerei um obelisco.

Neste momento, estou aqui, contrito,
faço chegar com fé, este meu grito,
para pedir a tua proteção.

Eu sou Francisco, simples trovador.
És São Francisco, símbolo do amor,
bem mais que protetor, meu grande irmão!

Hans Christian Andersen (A Sombra)

Além de sua fama no campo da literatura infantil, H. C. Andersen (1805-75) é um dos grandes autores do conto maravilhoso do século XIX, como o comprova esta história construída com sutileza e criatividade extraordinárias. A idéia lhe ocorreu em Nápoles, num dia de sol intenso; a sombra que se destaca do corpo é um dos grandes temas da imaginação fantástica, que aqui se articula a um dos aspectos essenciais da psicologia de Andersen: o amargo pessimismo dedicado a si mesmo.

Foi Adelbert von Chamisso quem deu, com o Peter Schlemihl (1813), a primeira e insuperável história de perda da sombra. Corriam os anos do Fausto goethiano, e a perda da sombra foi interpretada como a perda da alma. Mas o símbolo é mais indefinível e complexo: essência fugidia da pessoa, "duplo" que cada um de nós carrega consigo. E. T. A. Hoffmann, que sempre foi obcecado pela idéia do "duplo", gostou tanto da novela de Chamisso que introduziu Peter Schlemihl em seu "Aventuras de uma noite de São Silvestre" (1817), fazendo-o encontrar-se com um homem que havia perdido o reflexo no espelho.

O reflexo no espelho havia sido deixado pela personagem de Hoffmann ao lado de uma mulher, feiticeira diabólica, para que ele pudesse continuar o seu amor com ela. A sombra de Andersen também se destaca da pessoa como emanação do desejo de estar perto da jovem amada; mas ela continua sua vida independente, acumulando fortunas, freqüentando a alta sociedade e, quando reencontra o homem de quem se separou, o obriga a servi-la e a servir-lhe de sombra.

Portanto, a situação se inverte: a sombra se torna um patrão implacável e inimigo; o reencontro da sombra é uma condenação.

O símbolo da sombra perdida continua presente na literatura do nosso século (Hugo von Hofmannsthal, A mulher sem sombra).

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É nas terras quentes que o sol arde realmente! As pessoas ficam cor de mogno, de tão morenas; inclusive, nas mais quentes delas, ficam negras. Mas foi apenas para as terras quentes — e não para as mais quentes delas — que se dirigiu um sábio vindo das terras frias; ele achava que lá poderia perambular como costumava fazer em seu próprio país, mas em pouco tempo se desiludiu. Ele e todas as pessoas sensatas tinham de ficar dentro de casa, com os batentes das janelas e as portas fechados o dia inteiro; a impressão que se tinha era de que a casa inteira dormia, ou de que não havia ninguém. A rua estreita de casas altas onde ele morava também era construída de forma a ser banhada pela luz solar da manhã até a noite. Impossível sair! O sábio vindo das terras frias — um jovem, um homem inteligente — tinha a sensação de estar sentado sobre um forno repleto de brasas; aquilo o afetou, ele ficou muito magro, até sua sombra murchou, ficou bem menor do que era antes, o sol também a consumira. Só à noite, depois que o sol se punha, os dois recomeçavam a viver.

Era uma verdadeira festa para os olhos; assim que a vela era trazida ao aposento, a sombra se espichava até o alto da parede, chegava ao teto, de tão comprida que ficava, precisava se espreguiçar para recuperar as forças. O sábio saía para o balcão para desenferrujar um pouco, e à medida que as estrelas iam surgindo na deliciosa limpidez do ar, ele tinha a impressão de voltar à vida. Em todos os balcões da rua — e nas terras quentes toda janela tem um balcão - as pessoas saíam, pois não há quem não tenha necessidade de ar, inclusive as pessoas habituadas a ser cor de mogno! Tudo se animava, em cima e embaixo. Sapateiros e alfaiates, todos corriam para a rua, surgiam mesas e cadeiras e velas acesas, sim, milhares de velas acesas, e enquanto um falava, o outro cantava, muita gente passeava, carruagens rodavam, burros andavam — blim-blão! de sineta no pescoço; mortos eram enterrados ao som de salmos, os moleques da rua faziam algazarra e os sinos da igreja bimbalhavam; sim, a rua ficava repleta de vida. Apenas em uma das casas, justamente a que ficava na frente daquela em que morava o sábio estrangeiro, tudo permanecia quieto; e certamente alguém morava naquela casa, pois havia flores no balcão, flores que cresciam tão bem naquele lugar ensolarado, flores que não existiriam se não fossem regadas, e portanto alguém deveria regá-las; alguém morava naquela casa. À noite a porta daquele balcão também se entreabria, mas o interior era escuro, pelo menos o aposento da frente não tinha luz, embora se ouvisse o som de música vindo lá de dentro. O sábio estrangeiro achava que era uma música incomparável, mas talvez fosse imaginação dele, porque para o sábio estrangeiro tudo naquelas terras quentes era incomparável, a única coisa que atrapalhava era o sol. O senhorio do estrangeiro dizia não saber quem havia alugado a casa da frente, nunca se via ninguém por lá, e, quanto à musica, achava-a tremendamente aborrecida. 'Até parece que tem alguém ensaiando uma peça que nunca consegue concluir, toca sempre a mesma peça. 'Eu acabo conseguindo', diz a pessoa, mas nunca consegue, por mais que toque."

Uma noite o estrangeiro acordou, dormia com a porta do balcão aberta, a cortina balançava ao vento, e teve a impressão de que havia uma luminosidade estranha no balcão da casa em frente: todas as flores brilhavam como labaredas nas cores mais fantásticas, e no meio das flores estava uma jovem esguia, belíssima, que dava a impressão de também estar impregnada de luz; a luz feriu os olhos do estrangeiro, mas a verdade é que ele os tinha muito arregalados e que acabara de acordar; levantando-se de um salto, ele se aproximou devagar da cortina, mas a jovem se fora, a luminosidade desaparecera; as flores já não brilhavam, embora tivessem o ótimo aspecto de sempre; a porta estava entreaberta e do âmago da casa vinha uma música tão maravilhosa, tão suave, que o ouvinte era invadido por pensamentos delicados. Parecia um encantamento, mas quem viveria ali? E onde ficaria a porta de entrada? Todo o andar térreo era ocupado por lojas, uma ao lado da outra, não era possível que para entrar para a residência, em cima, fosse necessário passar sempre por alguma delas.

Uma tarde o estrangeiro estava sentado em seu balcão enquanto atrás dele, no interior do quarto, queimava uma vela, de modo que era muito natural que sua sombra fosse parar do outro lado da rua, na parede da casa do vizinho da frente; com efeito, lá estava ela, sentada entre as flores do balcão; e sempre que o estrangeiro se movia, sua sombra também se movia, porque era assim que ela sempre se comportava.

"Acho que minha sombra é o único ser vivo que se avista por lá!", disse o sábio. "Veja com que elegância está sentada no meio das flores, com a porta entreaberta! Agora... A sombra bem que poderia ser mais esperta e entrar na casa para dar uma olhada e depois vir me contar o que viu! Vamos, faça alguma coisa útil", disse ele, brincando. "Faça-me o favor de se introduzir na casa! E então?! Vai entrar ou não vai entrar?", insistiu ele com um aceno, e a sombra acenou também. "Entre de uma vez, mas não vá desaparecer", disse o estrangeiro, levantando-se, e sua sombra no balcão da casa do vizinho da frente se levantou também; o estrangeiro se virou, e sua sombra também se virou; e se houvesse alguém prestando atenção na cena, teria visto claramente a sombra entrar pela porta entreaberta do balcão da casa do vizinho da frente no exato instante em que o estrangeiro entrava em seu quarto e deixava a longa cortina voltar para o lugar.

Na manhã seguinte o sábio saiu para tomar café e ler os jornais. "Mas o que é isso?", exclamou, ao sair para o sol. "Estou sem sombra! Quer dizer que ela entrou mesmo na casa ontem à noite e não saiu mais; que problema eu fui arranjar!"

Aquilo o deixou agastado: não tanto por causa do desaparecimento da sombra, e sim porque conhecia uma história sobre um homem sem sombra muito divulgada nas terras frias de onde vinha, e se por acaso chegasse lá contando a sua, todo mundo iria dizer que estava imitando a outra, coisa que ele não queria de jeito nenhum. Diante disso, resolveu que não tocaria no assunto, e foi uma decisão muito acertada.

À noite o sábio saiu novamente para seu balcão, depois de posicionar a vela corretamente atrás de si, pois sabia que as sombras sempre desejam ter seus senhores como telas, mas não conseguiu atraí-la; fez-se pequeno, fez-se grande, mas nenhuma sombra apareceu! Chegou a falar "Ei! Ei!", mas não adiantou nada.

Era desmoralizante, mas nas terras quentes tudo cresce de maneira desordenada; passados oito dias ele observou, para sua grande satisfação, que uma nova sombra havia começado a crescer de suas pernas sempre que ele saía para o sol. A raiz devia ter ficado enterrada. Passadas três semanas, já adquirira uma sombra bastante adequada, a qual, quando ele rumou novamente para as terras do norte, continuou crescendo sem parar durante a viagem, de tal modo que no fim estava tão comprida e tão grande que com metade dela já seria mais do que suficiente.

E assim o sábio voltou para sua terra e escreveu livros sobre o que era verdade no mundo e sobre o que era bom e sobre o que era belo, e passaram-se dias, e passaram-se anos, e passaram-se muitos anos.

Uma noite ele estava em seu quarto e alguém bateu suavemente à porta.

"Entre!", disse, mas ninguém entrou; quando ele foi abrir a porta, viu diante de si uma pessoa tão extraordinariamente magra que o deixou perturbado. No mais, vestia-se com muita elegância, devia ser um homem distinto.

"Com quem tenho a honra de falar?", perguntou o sábio.

"Bem que eu estava imaginando que o senhor não iria me reconhecer!", disse o homem distinto. "Hoje em dia tenho tanto corpo, cheguei mesmo a adquirir carne e vestimentas. Imagino que jamais lhe tenha passado pela cabeça verme assim tão próspero. Então o senhor não reconhece sua antiga sombra? Sim, vejo que o senhor não acreditava que eu pudesse voltar para casa algum dia. As coisas correram muito bem para mim desde a última vez que estivemos juntos, fui muito bem-sucedido, de todos os pontos de vista! Se for o caso de eu comprar minha liberdade, tenho os meios para tal!" Dizendo isso, sacudiu um punhado de valiosos selos pendurados à corrente de seu relógio e enfiou a mão na grossa corrente de ouro que lhe pendia do pescoço. Todos os seus dedos cintilaram com anéis de diamantes! E todos eles, pedras sem jaça.

"Não consigo me refazer de minha surpresa!", disse o sábio. "O que está acontecendo aqui?!"

"De fato, coisa simples não é!", disse a sombra. "Mas o senhor mesmo tampouco se conta entre os simples e eu, como o senhor sabe muito bem, desde criança sigo suas pegadas. Nem bem o senhor concluiu que eu estava preparado para sair sozinho mundo afora, segui meu próprio rumo; minha situação atual é das mais estupendas, mas fui tomado por uma espécie de nostalgia, um desejo de voltar a vê-lo pelo menos uma vez antes de sua morte, pois mais dia, menos dia o senhor vai morrer! Além disso, eu também queria rever estas terras, pois é fato que sempre nos sentimos ligados à pátria-mãe! Sei que o senhor obteve uma outra sombra. Devo pagar-lhe, ou pagar-lhes, alguma coisa? Faça-me o favor de dizer!"

"Mas então é mesmo você!", disse o sábio. "Que coisa extraordinária! Eu jamais teria acreditado que nossa antiga sombra pudesse reaparecer sob a forma de ser humano!"

"Diga-me quanto lhe devo!", disse a sombra. "Não quero permanecer em débito."

"Como você pode falar desse modo?", exclamou o sábio. "A que dívida se refere? Sinta-se inteiramente livre! Sua felicidade me dá imensa alegria. Sente-se velho amigo, e me conte um pouco como as coisas se passaram e o que você viu na casa do nosso vizinho das terras quentes!"

"Sim, já lhe contarei tudo", disse a sombra, sentando-se, "mas o senhor terá de me prometer que jamais revelará a ninguém aqui na cidade, onde quer que possa encontrar-me, que um dia fui sua sombra! Tenho a intenção de ficar noivo; meus meios me permitem manter até mais de uma família!"

"Pode ficar sossegado!", disse o sábio. "Jamais direi a ninguém quem você realmente é! Aperte a minha mão! Dou-lhe minha palavra de honra."

"Palavra de sombra!", disse a sombra, que não podia dizer outra coisa.

Era notável, aliás, até que ponto aquela sombra era um ser humano; toda vestida de negro, envergando as mais elegantes vestimentas negras que se podiam encontrar, botas de verniz e chapéu dobrável, de modo a virar apenas copa e aba; e isso sem falar no que já sabemos que possuía: selos, corrente de ouro e anéis de diamante; sim, a sombra estava extraordinariamente bem vestida, e era somente esse fato que a transformava num verdadeiro ser humano.

'Agora vou lhe contar minhas aventuras!", disse a sombra, apoiando as pernas munidas das botas de verniz com quanta força pôde sobre o braço da nova sombra do sábio, que estava deitada aos pés dele como um cachorrinho poodle. Talvez tivesse feito isso por arrogância, talvez para imobilizar a outra; e a sombra prostrada se manteve perfeitamente quieta e tranqüila para poder ouvir a história; ela bem que queria saber o que era preciso fazer para soltar-se e igualar-se a seu próprio senhor.

"O senhor sabe quem morava na casa do outro lado da rua?", perguntou a sombra. "Era a figura mais encantadora deste mundo, a Poesia! Passei três semanas lá, e foi como se tivesse vivido três mil anos e lido toda a poesia e todos os textos jamais escritos. É o que lhe digo e atesto. Tudo vi e tudo sei!"

"A Poesia!", gritou o sábio. "Sim! Sim! Acontece muitas vezes de ela ser uma eremita nas cidades grandes! A Poesia! É verdade, eu a avistei por um curto instante, mas o sono obnubilou meus olhos! Ela estava no balcão e brilhava tanto que parecia a Estrela do Norte! Conte-me, conte-me! Você estava no balcão, depois entrou porta adentro e viu...!"

"Entrei, e me vi na antecâmara!", disse a sombra. "E o senhor permaneceu sentado, olhando na direção da antecâmara. Não havia vela alguma, só urna espécie de penumbra, mas em seguida abria-se uma série de portas escancaradas, uma depois da outra, formando uma longa sucessão de aposentos e salões, estes sim profusamente iluminados. Eu teria sido fulminado por toda aquela luz se tivesse me precipitado até a donzela; mas avancei com prudência, dei-me tempo, que é o que devemos fazer!"

"E o que você viu?", perguntou o sábio.

"Vi todas as coisas, e pretendo contar ao senhor o que vi, mas... não se trata de orgulho da minha parte, mas... em minha qualidade de ser livre e com os meios de que disponho, sem falar em minha excelente posição, em minha situação confortável... eu lhe pediria que me desse o tratamento de 'senhor'!"

"Peço-lhe que me perdoe!", disse o sábio. "São os velhos hábitos que se aferram. O senhor tem toda a razão! Não se preocupe, tratarei de lembrar-me! Mas, por favor, agora me conte tudo o que viu!"

"Sim, tudo!", declarou a sombra. "Pois tudo vi, e tudo sei!"

"Qual era o aspecto dos aposentos mais íntimos?", perguntou o sábio. "Tinham o frescor da floresta? Lembravam a santidade da igreja? Essas salas íntimas eram como um claro céu estrelado quando o contemplamos das mais altas montanhas?"

"Tudo isso ao mesmo tempo!", respondeu a sombra. "Na verdade, não entrei até a parte mais interna, fiquei no aposento da frente, na penumbra, mas estava muito bem posicionado e tudo vi, tudo sei! Estive na corte da Poesia, na antecâmara."

"Mas o que o senhor viu? Todos os deuses da Antigüidade andavam pelos vastos salões? Os velhos heróis travavam combate? Crianças gentis brincavam e contavam seus sonhos?"

"Estou lhe dizendo que estive lá, e o senhor pode imaginar que vi todas as coisas que havia para ver! Se o senhor tivesse estado lá, não teria se transformado em homem, mas foi o que aconteceu comigo! E em pouco tempo aprendi a conhecer minha natureza mais íntima, minhas características inatas, meu parentesco com a Poesia. Na época em que eu vivia com o senhor, não pensava nessas coisas, mas, como o senhor bem sabe, toda vez que o sol nascia ou se punha eu ficava fantasticamente grande; com efeito, à luz do luar eu quase ficava mais nítido do que o senhor; naquele tempo eu não compreendia minha natureza; naquela antecâmara é que tudo se desvendou para mim! Eu me transformei em homem! Saí de lá amadurecido, mas o senhor já não se encontrava nas terras quentes; como homem, eu me envergonhava de andar com aquele aspecto. Precisava de botas, de vestimentas, de todo aquele verniz de homem que caracteriza um homem como tal. Saí dali, sim, digo-lhe que saí dali, mas por favor não divulgue o que lhe conto, saí dali diretamente para debaixo da saia da mulher que vendia bolos, me escondi debaixo da saia dela; ela nem desconfiava de que escondia tudo aquilo; eu só saía de lá à noite; corria pelas ruas à luz do luar; encostava-me nas paredes para sentir aquele delicioso roçar em minhas costas! Corria para cá, corria para lá, espiava para dentro das janelas mais altas, para dentro das salas, por sobre os telhados, observava todos os lugares que ninguém mais conseguia ver e via o que ninguém mais via, o que não era para ser visto por ninguém! Basicamente, nosso mundo é um mundo muito baixo! Eu nunca teria querido ser homem, não fosse a crença tão amplamente difundida de que ser homem é uma coisa excelente! Vi as coisas mais impensáveis acontecerem entre as mulheres, entre os homens, entre os pais e entre as doces e admiráveis crianças. Vi", continuou a sombra, "o que homem algum deveria conhecer, mas que todos, invariavelmente, dariam qualquer coisa para saber, ou seja, os pecados do vizinho. Se eu tivesse escrito um jornal, todos gostariam de lê-lo! Mas eu escrevia diretamente para a pessoa envolvida e todas as cidades por onde eu passava eram tomadas pelo pânico. Todos ficaram com tanto medo de mim! E todos tinham uma estima incomensurável por mim! Os professores fizeram de mim um professor, os alfaiates me deram roupas novas. Fiquei muito bem abastecido. Os moedeiros cunharam moedas para mim e as mulheres disseram que eu era lindo! Foi assim que me transformei no homem que sou! E agora preciso me despedir; aqui está meu cartão, moro na calçada do sol e estou sempre em casa quando chove!' E, dizendo isso, a sombra se retirou.

"Que acontecimento extraordinário!", disse o sábio.

Dias e anos se passaram, e a sombra voltou.

"Como vão as coisas?", perguntou ela.

"Nem me pergunte!", respondeu o sábio. "Escrevo sobre a verdade e sobre o bem e sobre o belo, mas ninguém se interessa por esse tipo de coisa. Estou verdadeiramente desesperado, são coisas tão importantes para mim..."

"Pois para mim não!", disse a sombra. "Estou engordando, e é unicamente com isso que deveríamos nos preocupar! É que o senhor não entende as coisas deste mundo, vai acabar mal. Está precisando viajar! No próximo verão, farei uma viagem. O senhor gostaria de viajar comigo? Bem que eu gostaria de ter um companheiro de viagem! Aceitaria viajar comigo como minha sombra? Para mim, será uma grande satisfação tê-lo ao meu lado. Faço questão de pagar suas despesas!"

"Que proposta extraordinária!", disse o sábio.

"Depende do ponto de vista!", disse a sombra. "Viajar vai lhe fazer bem! Se aceitar ser minha sombra, não precisará pagar por coisa nenhuma durante toda a viagem."

"Mas seria muita loucura!", disse o sábio.

"Contudo, assim é o mundo e assim ele continuará sendo!", disse a sombra, e se retirou.

As coisas estavam verdadeiramente complicadas para o sábio; o sofrimento e o desgosto seguiam-no por todo lado e tudo o que ele dissesse sobre a verdade e sobre o bem e sobre o belo não significava mais para a maioria das pessoas do que uma rosa para uma vaca! No fim, ele acabou ficando gravemente enfermo.

"O senhor está parecendo uma sombra!", diziam-lhe todos, e o sábio estremecia, pois era exatamente o que estava pensando.

"Uma temporada numa estação de águas certamente lhe faria muito bem!", disse a sombra, que fora visitá-lo. "Não há coisa melhor! Vou levá-lo em nome de nossa antiga amizade; pago a viagem e o senhor escreve um relato, e assim me distraio um pouco durante o trajeto! Também eu preciso de um tratamento com as águas termais: minha barba não está crescendo tanto quanto deveria e isso é uma forma de doença, pois ter barba é uma necessidade! Faça-me o favor de ser razoável e aceite meu convite! Viajemos como dois bons amigos!"

E assim foi feito; a sombra era o amo e o amo era a sombra; os dois viajaram juntos de carruagem, a cavalo e a pé, lado a lado ou um na frente e o outro atrás, ao sabor da posição do sol; a sombra estava sempre querendo ocupar o lugar do amo; e o sábio não se incomodava nem um pouco com isso; tinha um ótimo coração, era um homem amável e doce, e por isso um dia disse à sombra:

"Já que agora somos companheiros de viagem, como somos, e já que antes disso crescemos juntos desde a mais tenra infância, não lhe parece que seria o caso de fazermos um brinde à nossa amizade e abandonarmos o tratamento formal de 'senhor'? Acho que seria mais íntimo, não lhe parece?"

"Vamos pensar um pouco em sua proposta!", disse a sombra, que agora era o verdadeiro amo. "Sua ponderação é muito franca e bem-intencionada, por isso serei igualmente franco e bem-intencionado. O senhor, como sábio, certamente não ignora a que ponto é surpreendente a natureza humana. Algumas pessoas não conseguem nem encostar a mão em papel pardo que logo se sentem mal, outras ficam com o corpo inteiro abalado quando alguém fricciona alguma coisa aguda em uma vidraça; sou tomado por sensação semelhante ao ouvi-lo tratar-me de 'você', é como se estivesse sendo empurrado de encontro à terra, tal como acontecia em minha primeira permanência ao seu lado. Como o senhor vê, trata-se de uma sensação, e não de orgulho; não posso permitir que me chame de 'você', mas de minha parte terei muito prazer em chamá-lo de 'você', de modo a realizar seu desejo pelo menos em parte!"

E assim a sombra passou a chamar o antigo amo de "você".

"É insensato, isso de eu chamá-lo de 'senhor' e ele a mim de 'você'", pensava o sábio, sem ter como alterar a situação.

E assim os dois chegaram a uma estação de águas onde havia vários estrangeiros, entre eles a linda filha de um rei, que sofria da enfermidade de ver tudo bem demais, o que era, claro, muito preocupante.

Na mesma hora a moça percebeu que aquele que acabara de chegar era uma pessoa totalmente diferente das outras que estavam ali: "Ele está aqui para fazer sua barba crescer, dizem, mas vejo que a razão verdadeira é o fato de que ele não projeta nenhuma sombra".

"Vossa Alteza Real deve estar melhorando!", disse a sombra. "Sei que seu mal é ver bem demais, mas isso acabou, a senhora está curada! A verdade é que tenho uma sombra muito pouco convencional. A senhora não está vendo aquela pessoa que anda sempre ao meu lado? Outras pessoas têm sombras comuns, mas eu não gosto de coisas comuns. Muitas vezes acontece de gastarmos mais com a libré de nossos empregados do que com nossos próprios trajes, e eu permiti que minha sombra se transformasse em homem! É isso mesmo, a senhora pode observar que cheguei ao ponto de dar-lhe uma sombra. É uma coisa muito onerosa, mas faço questão de ter coisas de qualidade!"

"O quê?", pensou a princesa. "Será possível que eu tenha me curado? Esta estação de águas é verdadeiramente de primeira categoria! Nos tempos que correm, a água tem de fato poderes extraordinários. Mas não vou partir ainda; agora é que as coisas estão ficando divertidas. Aquele estrangeiro me agrada sobremaneira. Espero, pelo menos, que a barba dele não cresça, porque se crescer, ele vai embora!'

À noite, no grande salão de bailes, a filha do rei dançou com a sombra. Ela era leve, mas a sombra era ainda mais leve; a jovem jamais dançara com parceiro como aquele. A princesa contou à sombra de que país tinha vindo e a sombra conhecia seu país, já estivera lá, mas num momento em que ela não estava em casa, e espiara pelas janelas mais altas e pelas janelas mais baixas, vira de tudo um pouco, e desse modo teve condições de responder às perguntas da filha do rei e dar-lhe informações que a deixaram boquiaberta; aquela devia ser a pessoa mais bem informada do mundo! A princesa desenvolveu um respeito imenso pelas coisas que a sombra sabia, e quando os dois dançaram juntos novamente a princesa se apaixonou, e a sombra imediatamente percebeu, pois o olhar da princesa parecia atravessá-la. E assim os dois dançaram juntos mais uma vez e a princesa esteve a ponto de declarar-se, mas era muito ponderada, pensava em seu país e em seu reino e nas muitas pessoas sobre as quais haveria de reinar. "Sábio ele é, e isso é bom!", pensou a moça consigo mesma. 'Além disso, é excelente dançarino, o que também é ótimo. Mas será que possui uma base cultural sólida? Isso é igualmente muito importante. Será preciso avaliá-lo com rigor." Com isso, começou a interrogá-lo sobre algumas questões particularmente difíceis, questões para as quais nem ela mesma tinha resposta, e a sombra ficou com uma expressão muito estranha no rosto.

"Para esta questão, o senhor não tem resposta!", disse a filha do rei.

"Mas se são coisas que aprendi quando criança!", disse a sombra. 'Acredito que até minha sombra, que lá está, perto da porta, sabe responder!"

"Sua sombra!?", estranhou a princesa. "Isso seria verdadeiramente extraordinário!"

"Bem, não estou cem por cento certo de que ela saiba!", disse a sombra. "Contudo acredito que sim, pois faz muitos anos que me segue e me escuta... Acredito que sim! Mas permita-me Vossa Alteza Real uma advertência: veja que minha sombra tem tanto orgulho de fazer-se passar por homem que para que apresente boa disposição — e será necessário que seja assim, para que tenha condições de responder adequadamente — será preciso que a trate como se fosse de fato um homem."

"Quanto a isso, não há problema!", disse a filha do rei.

E então ela se dirigiu ao sábio, que estava junto à porta, e conversou com ele sobre o sol e sobre a lua e sobre os homens tanto por fora como por dentro, e ele respondeu muito bem e com muita propriedade.

"Que homem deve ser aquele, para ter uma sombra assim!", pensou ela. "Será uma verdadeira bênção para o meu povo e para o meu reino que eu o escolha para consorte; e é exatamente isso o que vou fazer!"

E em pouco tempo os dois chegaram a um entendimento, a filha do rei e a sombra, só que ninguém deveria saber a respeito enquanto ela não estivesse de volta a seu próprio reino.

"Ninguém saberá, nem mesmo minha sombra!", disse a sombra, que tinha boas razões para dizer isso.

E assim eles chegaram às terras sobre as quais reinava a filha do rei quando não estava viajando.

"Ouça, meu caro amigo!", disse a sombra ao sábio, "agora que sou a mais feliz e poderosa das pessoas, quero fazer alguma coisa especial por você! Você viverá para sempre ao meu lado no castelo, viajará comigo em minha carruagem real e terá centenas de milhares de moedas por ano; em troca, deverá aceitar que todos, sem exceção, o chamem de sombra; jamais deverá revelar que um dia foi um homem, e uma vez por ano, quando eu me sentar ao sol no balcão e permitir que todo o povo me veja, deverá prostrar-se a meus pés como se fosse mesmo uma sombra! Saiba que vou me casar com a filha do rei, e que o casamento terá lugar hoje à noite."

"Não, isso é completamente insano!", disse o sábio. "Não quero, não aceito! Isso seria enganar o país inteiro e a filha do rei também! Revelarei tudo! Direi que sou um homem e que você é uma sombra, direi que você é uma sombra que usa roupas, só isso!"

"Ninguém vai acreditar!", disse a sombra. "Comporte-se, do contrário eu chamo a guarda!"

"Vou imediatamente falar com a filha do rei!", disse o sábio.

"Mas eu vou primeiro!", disse a sombra, "e você vai para a prisão!"

E foi exatamente para onde ele foi, pois as sentinelas obedeceram às ordens do homem com quem sabiam que a princesa ia se casar.

"Você está trêmulo!", disse a princesa, quando a sombra se aproximou dela. 'Aconteceu alguma coisa? Não vá adoecer logo na noite do nosso casamento!”

"Tive a mais terrível das experiências!", disse a sombra. "Imagine só... Claro, o cérebro de uma pobre sombra não agüenta grande coisa! Imagine que minha sombra enlouqueceu! Pensa que é um homem e que eu... Imagine só... Que eu é que sou a sombra!"

"Que horror!", disse a princesa. "Espero que pelo menos ela esteja bem trancafiada!"

"E está mesmo. Temo que jamais recupere a razão."

"Pobre sombra!", disse a princesa. "Tão infeliz! Seria uma verdadeira boa ação libertá-la dessa minúscula vida que tem. Na verdade, agora que penso nisso, acredito que será necessário acabar discretamente com ela."

"É uma solução muito severa! Serviu-me tão fielmente!", disse a sombra, soltando uma espécie de suspiro.

"Quanta nobreza em seu caráter!", disse a filha do rei.

À noite a cidade inteira se iluminou, os canhões fizeram bum! e os soldados apresentaram armas. Foi um casamento e tanto! A filha do rei e a sombra saíram para o balcão para que os súditos pudessem vê-los e os saudassem com um último "Viva!".

O sábio não ouviu nada disso, pois já perdera a vida.

Tradução de Heloísa Jahn

Fonte:
Contos fantásticos do século XIX : o fantástico visionário e o fantástico cotidiano / organização de ítalo Calvino. — São Paulo : Companhia das Letras, 2004.

Guilherme de Almeida (Canção do Expedicionário)

Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do engenho,
Das selvas, dos cafezais,
Da boa terra do coco,
Da choupana onde um é pouco,
Dois é bom, três é demais,
Venho das praias sedosas,
Das montanhas alterosas,
Dos pampas, do seringal,
Das margens crespas dos rios,
Dos verdes mares bravios
Da minha terra natal.

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Eu venho da minha terra,
Da casa branca da serra
E do luar do meu sertão;
Venho da minha Maria
Cujo nome principia
Na palma da minha mão,
Braços mornos de Moema,
Lábios de mel de Iracema
Estendidos para mim.
Ó minha terra querida
Da Senhora Aparecida
E do Senhor do Bonfim!

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Você sabe de onde eu venho?
É de uma Pátria que eu tenho
No bojo do meu violão;
Que de viver em meu peito
Foi até tomando jeito
De um enorme coração.
Deixei lá atrás meu terreiro,
Meu limão, meu limoeiro,
Meu pé de jacarandá,
Minha casa pequenina
Lá no alto da colina,
Onde canta o sabiá.

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Venho do além desse monte
Que ainda azula o horizonte,
Onde o nosso amor nasceu;
Do rancho que tinha ao lado
Um coqueiro que, coitado,
De saudade já morreu.
Venho do verde mais belo,
Do mais dourado amarelo,
Do azul mais cheio de luz,
Cheio de estrelas prateadas
Que se ajoelham deslumbradas,
Fazendo o sinal da cruz!

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Nilton Manoel (Didática da Trova) Parte 9

 Luiz Otávio deixou-nos um estudo moderno de como fazer uma boa trova literária. Na página 3 do Decálogo informa: “buscando um denominador comum ou uniformização  de normas “que propiciaram mais liberdade e segurança para quem concorre ou promova concursos literários no país”. Olavo Bilac no Tratado de Versificação, na II parte trata da Métrica. Castilho, também, preocupado com a arte deixou-nos  orientações sobre  literatura poética.

Quando falamos na forma poética, buscamos provocar, no leitor, o envolvimento necessário para que no momento de inspiração consiga compor  a sua trova que além da métrica (forma) tem ainda a mensagem (fundo) ou seja toda trova tem corpo e alma e as rimas desempenham um rico papel no contexto. No decorrer do tempo, diversas outras leituras chegam-nos à mão e buscando melhorar nossa qualidade de desempenho. Silveira Bueno  editou em 1.958, em 5ª edição, um Manual de Califasia, Califonia, Carritmia e Arte de Dizer, indicando-o “para uso das escolas normais, ginásios oficiais –canto orfeônico e declamação”. A p.190,nos orienta sobre sílabas; Na leitura de versos  é indispensável observar rigorosamente as sílabas dispostas pelo poeta. O guia único e absoluto é o ouvido; na prosa as sílabas são contadas pela maneira de pronunciar; na poesia, pelo modo de ouvir.

O autor de trovas, participando dos concursos , integra-se, rapidamente, ao movimento literário da trova por todo o Brasil e co-irmãos de Portugal. Temos trovadores por todo o mundo e, via internet. Os concursos em língua espanhola tem sido o destaque do momento. Os concursos literários são responsáveis pela integração nacional em torno da Trova . Os trovadores, numa imensa confraria, têm um trabalho cultural, social e turístico através da poesia. Conhecedor do imenso legado que deixaria, Luiz Otávio, reforçava sempre esta mensagem:“ Amor, idealismo, trabalho, disciplina e união eu peço a todos”.

 Nas cantigas de roda, A Barata diz que tem (folclore) ou em músicas populares como a Banda de Chico Buarque sentimos a vida dos sete sons poéticos usados na Trova moderna.
Estava à toa na vida,
o meu amor me chamou,
pra ver a banda passar,
falando coisas de amor 
(Goldstein, 1991,p.8),

Conversando, conversando... é que percebemos pelos  versos falados em sete sons, o poeta que há em cada um de nós.

O que precisamos saber para fazer uma trova? Saber o que é uma trova! Estudar a vida da trova! Sentir que no telúrico nacional. A poesia está presente em tudo. Os bons letristas cantam em versos setissilábicos coisas que tocam fundo a alma e animam nossos sentidos. Ouça  Disparada  na voz de Jair Rodrigues. A letra de Geraldo Vandré, e música de Theo de Barros, explodiu nas paradas de sucesso há quarenta e dois anos depois do festival de MPB. Ouvindo a letra faça a escansão verso por verso e sinta nos heptassílabos, a força poética da forma (rítmo, melodia e expressão -gramatical e poética) e no Fundo (a mensagem, a originalidade e o achado, a comunicabilidade, a simplicidade, a harmonia interna) e podemos vibrar com a importância de cada verso da letra (forma) e a interpretação ( fundo) da produção musical que revela em sua letra importante exemplo da produção poética que tanto bem faz a cultura brasileira. Numa sala de aula, podemos usar o retro-projetor, ou animar em PowerPoint através de um projetor de imagens:
“Pre/pa/re o/ seu/ co/ra/cão/
pras/ coi/sas/ que eu / vou /com/tar/
eu /vê/nho /lá /do /ser/tão/
eu/ vê/nho/ lá/ do/ ser/tão/,
eu /vê/nho/ lá /do /ser/tão/,
e /pos/so/ não/ lhe a/gradar/.

                No www.google.com.br, podemos buscar além do texto a apresentação histórica do festival que ocorreu durante o período militar.

               Diversas outras canções enriquecem o estudo literário, métrico e sonoro das palavras; A Banda de Chico Buarque, Pois é pra quê de Sidney Miller; as cantigas de roda e declamações de Cordel. No site www.professorjuscelino.com.br, o prof. Dr. Juscelino Pernambuco apresenta interessantes análises musicais

                  Discorremos bastante sobre o que é trova e, justamente no nº 1, ano I, 1997, que Trovas & Cantigas nos informa sobre Trova Bonita:

– Evitar duas palavras iguais numa mesma trova, desde que essa repetição, beleza não contribua para reforçar a beleza e originalidade da trova.

– Manter nos três últimos versos o mesmo ritmo do primeiro,evitando assim a quebra do ritmo.

– Evitar sons cacófatos ou  não recomendáveis:

Esperanças sempre dão ( predão, pridão),
Só no amor foi-me ensinado. ( sono),
Toda ilusão que ela tinha. ( latinha)

Observar se os quatro versos da trova guardam, entre si, o sentido completo do tema. Embora a trova esteja bem feita quanto à forma, muitas vezes observa-se  o sentido dos dois últimos versos “ desligados” dos dois primeiros. As trovas comparativas exigem riqueza de imagem e uma boa idéia para serem bem-sucedidas. Ex.:
Minhas netas, sempre rindo,
são meu alegre evangelho.
Musgo verde revestindo,
de esperança, um muro velho.                    
Lilinha Fernandes

As trovas conceituais devem evitar o lugar-comum para não caírem na mera repetição de outros autores. A palavra saudade é a que mais tem sido “vítima” disso.

Também se observa um verso inteiro de outra trova (e de outro autor) sendo costumeiramente repetido por alguém. Não se trata de plágio, mas coincidência ou “traição” do subconsciente. Deve-se  conferir essa situação ao compor uma trova.

É melhor evitar rimas já muito exploradas como amor/dor, vida/querida, lusão/coração, há-de/saudade, alacridade/ saudade, abrolho/olhos, entre outras.

Luiz Otávio deixou, além do Decálogo de Metrificação, um estudo inédito sobre: A Música, O Ouvido e A Metrificação, datado de 2/9/1975, onde destacamos alguns trechos oportunos da trova:Há música em tudo: Música, no sentido dilatado da palavra, é som.

(...) Há música na poesia. Ora, se a Poesia é composta de palavras e se estas possuem sons, naturalmente a Poesia tem música. Bela ou feia,rica ou pobre,agradável ou não, todo verso tem um som. (...) No entanto, se a música de um verso é importante na Poesia, um fator inestimável para seu enriquecimento e valorização; não deve ser tomada como um fim,mas, simplesmente, como um meio. (...) Assim pois, a Música é útil e importante na Poesia, como assessório, como um pormenor da moldura, do quadro e não como a pintura ou a  mensagem poética propriamente dita. É não é só a  música que é um elemento  da moldura poética, que é Forma da Poesia. Na forma teríamos o ritmo conseguido pelas tônicas e pela metrificação, assim como a melodia é conseguida pelas rimas, pelo emprego harmonioso de vogais e consoantes e rejeição de sons duros de cacofonias, de homofonias, etc, E teríamos ainda na forma, na moldura, a música – no sentido de melodia-, da metrificação que é um elemento bem mais peculiar do Ritmo. Embora, em última análise, o ritmo seja um componente da Música. Mas separemos, para melhor entendimento, melodia ( ou linha melódica) e ritmo (dado pelo compasso) ou , no verso, pelas tônicas e pela métrica.Assim, quando me referir à música do verso, estarei falando em melodia, do som, da sonoridade, abstraindo-me, passageiramente, do ritmo (tônicas e métrica)..
               
 Luiz Otávio refere-se ao ouvido e a música; reforça que cada um tem seu gosto musical,

...na Poesia, o ouvido é importantíssimo para a composição de um verso melodioso, para distinguir ou julgar se um poema ou uma trova possuem ou não sonoridade, observando ou ouvindo suas rimas, o emprego harmonioso das vogais e consoantes, a ausência de junções duras, de cacofonias, de homofonias,etc.
         
CONCLUSÃO

Nestes três capítulos desenvolvemos a vida da trova através dos séculos, definindo a diferença que há sobre a trova popular e literária. Trouxemos diversas produções de autores que escreveram a história literária de nosso povo, sabendo que muitos outros poetas aqui não citados têm mensagens que reaparecem como por encanto reforçando a frase: A trova e o trovador são imortais. Sentimos plenamente que está no sistema de educação adotado a reinação literária de nossos autores. Lamentamos aqui que jornais e revistas distanciaram-se da difusão poética e deixamos claro que poesia é arte e que cada artista tem seu estilo, sua percepção de vida. O espírito criativo de nossos trovadores revela-se em todos os gêneros e sentimos que a trova humorística tem um encanto especial. Nela não está presente a maldade, mas a lapidação conveniente ao tema de circunstância.

Nos concursos literários, sob o tema não podemos dizer que são trovas de encomenda, mas endereçadas aos concorrentes, com a finalidade de selecionar as melhores que o momento social oferece. O trovador, como todo artista tem o seu estado de graça, e numa competição literária as melhores trovas saem de acordo com a banca de julgadores. Quanto maior o número de julgadores, melhor a seleção. Não lidamos, mais com a simplicidade das cantigas de roda, mas com a beleza da mensagem que ocupa a forma de 28 sons poéticos tendo na alma a originalidade, comunicabilidade, simplicidade e harmonia. Nas músicas apresentadas, sentimos o cuidado de cada letrista.

Procuremos mais envolvimento com a trova. Busquemos em cada leitura novas fontes mensageiras. Sejamos poetas, sempre! Luiz Otávio, Príncipe dos trovadores Brasileiros deu-nos um movimento literário e turístico. Confraria que promove a interação social dos trovadores com prefeituras, secretarias de educação, cultura, promoção social  e entidades literárias.

Temos que relembrar BELTRÃO (1975,p.21): Nunca existiu no Brasil maior movimentação literária do que a que faz a União Brasileira de Trovadores através dos seus Jogos Florais, iniciados em Nova Friburgo (RG) e seguindo-se-lhe a cidade de Pouso Alegre (MG)

Hoje, dezenas de cidades trabalham em prol da trova, promovendo seus poetas e escrevendo a nova história da literatura brasileira. A grande maioria de escritores com obras registradas na Biblioteca Nacional, ainda, são desconhecidos pelas publicações do MEC

No entanto, anualmente, temos a escolha de livros didáticos e  módulos para-didáticos, sem inovações significativas. BELTRÃO (1975,p.22) reforça:

Daí levarmos  ao conhecimento de todos os professores de português e literatura a existência do Ciclo da Trova, solicitando a inclusão em programas didáticos de um capítulo sobre a Trova, como medida justa e necessária, preenchendo uma lacuna existente nos programas oficiais de português e literatura.

Continua…

Fonte:
Nilton Manoel. A Didática da Trova. Batatais, 2008.

José de Alencar (O Pampa)

Como são melancólicas e solenes, ao pino do sol, as vastas campinas que cingem as margens do Uruguai e seus afluentes! A savana se desfralda a perder de vista, ondulando pelas sangas e coxilhas que figuram as flutuações das vagas nesse verde oceano. Mais profunda parece aqui a solidão, e mais pavorosa, do que na imensidade dos mares.

É o mesmo ermo, porém selado pela imobilidade, e como que estupefato ante a majestade do firmamento.

Raro corta o espaço, cheio de luz, um pássaro erradio, demandando a sombra, longe na restinga de mato que borda as orlas de algum arroio. A trecho passa o poldro bravio, desgarrado do magote; ei-lo que se vai retouçando alegremente babujar a grama do próximo banhado.

No seio das ondas o nauta sente-se isolado; é o átomo envolto numa dobra do infinito. A âmbula imensa tem só duas faces convexas, o mar e o céu. Mas em ambas a cena é vivaz e palpitante. As ondas se agitam em constante flutuação; têm uma voz, murmuram. No firmamento as nuvens cambiam a cada instante ao sopro do vento; há nelas uma fisionomia, um gesto. A tela oceânica, sempre majestosa e esplêndida, ressumbra possante vitalidade. O mesmo pego, insondável abismo, exubera de força criadora; miríades de animais o povoam, que surgem à flor d’água.

O pampa ao contrário é o pasmo, o torpor da natureza. O viandante perdido na imensa planície, fica mais que isolado, fica opresso. Em torno dele faz-se o vácuo: súbita paralisia invade o espaço, que pesa sobre o homem como lívida mortalha. Lavor de jaspe, embutido na lâmina azul do céu, é a nuvem. O chão semelha a vasta lápida musgosa de extenso pavimento. Por toda a parte a imutabilidade. Nem um bafo para que essa natureza palpite; nem um rumor que simule o balbuciar do deserto. Pasmosa inanição da vida no seio de um alúvio de luz!

O pampa é a pátria do tufão. Aí, nas estepes nuas, impera o rei dos ventos. Para a fúria dos elementos inventou o Criador as rijezas cadavéricas da natureza. Diante da vaga impetuosa colocou o rochedo; como leito de furacão estendeu pela terra as infindas savanas da América e os ardentes areais da África.

Arroja-se o furacão pelas vastas planícies; espoja-se nelas como o potro indômito; convole a terra e o céu em espesso turbilhão. Afinal a natureza entra em repouso; serena a tempestade; queda-se o deserto, como dantes plácido e inalterável. É a mesma face impassível; não há ali sorriso, nem ruga. Passou a borrasca, mas não ficaram vestígios. A savana permanece como foi ontem, como há de ser amanhã, até o dia em que o verme homem corroer essa crosta secular do deserto.

Ao pôr do sol perde o pampa os toques ardentes da luz meridional. As grandes sombras, que não interceptam montes nem selvas, desdobram-se lentamente pelo campo fora. É então que assenta perfeitamente na imensa planície o nome castelhano. A savana figura realmente em vasto lençol desfraldado por sobre a terra, e velando a virgem natureza americana.

Essa fisionomia crepuscular do deserto é suave nos primeiros momentos; mas logo após ressumbra tão funda tristeza que estringe a alma. Parece que o vasto e imenso orbe cerra-se e vai minguando a ponto de espremer o coração.

Cada região da terra tem uma alma sua, raio criador que lhe imprime o cunho da originalidade. A natureza infiltra em todos os seres que ela gera e nutre aquela seiva própria; e forma assim uma família na grande sociedade universal.

Quantos seres habitam as estepes americanas, sejam homem, animal ou planta, inspiram nelas uma alma pampa. Tem grandes virtudes essa alma. A coragem, a sobriedade, a rapidez são indígenas da savana.

No seio dessa profunda solidão, onde não há guarida para defesa, nem sombra para abrigo, é preciso afrontar o deserto com intrepidez, sofrer as privações com paciência, e suprimir as distâncias pela velocidade.

Até a árvore solitária que se ergue no meio dos pampas é tipo dessas virtudes. Seu aspecto tem o que quer que seja de arrojado e destemido; naquele tronco derreado, naqueles galhos convulsos, na folhagem desgrenhada, há uma atitude atlética. Logo se conhece que a árvore já lutou à sua nutrição. A árvore é sóbria e feita às inclemências do sol abrasador. Veio de longe a semente; trouxe-a o tufão nas asas e atirou-a ali, onde medrou. É uma planta emigrante.

Como a árvore, são a ema, o touro, o corcel, todos os filhos bravios da savana. Nenhum ente, porém, inspira mais energicamente a alma pampa do que o homem, o gaúcho. De cada ser que povoa o deserto, toma ele o melhor; tem a velocidade da ema ou da corça; os brios do corcel e a veemência do touro. O coração, fê-lo a natureza franco e descortinado como a vasta coxilha; a paixão que o agita lembra os ímpetos do furacão; o mesmo bramido, a mesma pujança. A esse turbilhão do sentimento era indispensável uma amplitude de coração, imensa como a savana.

Tal é o pampa.

Esta palavra originária da língua quíchua significa simplesmente o plaino; mas sob a fria expressão do vocábulo está viva e palpitante a idéia. Pronunciai o nome, com o povo que o inventou. Não vedes no som cheio da voz, que reboa e se vai propagando expirar no vago, a imagem fiel da savana a dilatar-se por horizontes infindos? Não ouvis nessa majestosa onomatopéia repercutir a surdina profunda e merencória da vasta solidão?

Nas margens do Uruguai, onde a civilização já babujou a virgindade primitiva dessas regiões, perdeu o pampa seu belo nome americano. O gaúcho, habitante da savana, dá-lhe o nome de campanha.

Fonte:
Texto extraído de "O Gaucho".

domingo, 19 de agosto de 2012

Hermoclydes S. Franco (Album de Recordações) n. 6


Olivaldo Junior (De Costas Para o Sol)

Pois é, de costas para o sol,
só vejo a lua,
ilustro a rua
com distintas cores,
somos eu, mais meus amores.

Pois é, de costas para o sol,
só vejo estrelas,
anseio vê-las
por diversas horas,
somos eu e tais auroras.

Pois é, de costas para o sol,
só vejo a noiva,
inundo a noite
com distantes órbitas,
somos eu, mais minhas mortes.

Fonte:
O Autor

Pam Orbacam (1970)

Pseudônimo de Paula Miasato, que nasceu em Santo André, São Paulo, em 1970.

Formada em Pedagogia, trabalha, atualmente, como assessora de coordenação e mediadora em oficinas culturais e artísticas de um projeto da Secretaria de Educação e Formação Profissional da Prefeitura de Santo André.

É escritora e artista plástica.

Teve artigos publicados em sites literários e da Prefeitura de Santo André: Teve a publicação de um poema na “Agenda Cultural de Santo André”.

É prêmio prata no concurso internacional de poesias José Lins do Rego 2007.

Foi expositora individual de artes plásticas na 1ª Jornada de Ações Sociais ABCD Maior.

Foi brevemente convidada a participar de três antologias com poemas e mini-contos pelas editora Andross e Câmara Brasileira de Jovens Escritores.

'Participação no CD 'Todos por Um' com as obras "Minha Morte" e "Alguma Coisa Assim", produzido pela ARCA - Associação Ribeirãopirense de Cidadãos Artistas.

Fonte:
Saciedade dos Poetas Vivos n.6

Pam Orbacam (A Poetisa em Xeque, por Carmo Vasconcellos)

SELMO VASCONCELLOS - Quais as suas outras atividades, além de escrever ?

PAM ORBACAM - Sou educadora não por opção, por mero acaso, por questão de sobrevivência mesmo. Escrevo para viver, não para sobreviver. Amo arte, sou artista plástica autodidata, poeta e contista.

SELMO VASCONCELLOS - Como surgiu seu interesse literário ?

PAM ORBACAM - Meu pai tinha uma estante cheia de livros dentro de casa. Ele tinha muito orgulho deles. Eu adorava fuçar na estante. Ainda não sabia ler, mas fazia de conta que lia. Quando aprendi a ler percebi que meu mundo poderia ser de papel. Meu mundo não foi, mas minha vida é.

SELMO VASCONCELLOS - Quantos e quais os seus livros publicados dentro e fora do País ?

PAM ORBACAM - Pode parecer descaso, mas não é. Simplesmente não tenho idéia de quantos livros participei. Guardo na memória ?"Vide Verso" e "Saciedade dos Poetas Vivos". Números e nomes não têm importância para mim. Gosto mesmo é de escrever no meu blog. La estou em casa.

SELMO VASCONCELLOS - Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesia ?

PAM ORBACAM - Noite, Silêncio, definitivamente. A felicidade não provoca em mim inspiração. A dor e o cotidiano sim.

SELMO VASCONCELLOS - Quais os escritores que você admira ?

PAM ORBACAM - Clarah Averbuck, Pearl S. Buck, Nilo Oliveira, Rubem Fonseca. Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa.

SELMO VASCONCELLOS - Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas ?

PAM ORBACAM - Escrever é um exercício de prazer, de descoberta, de aprimoramento. Escreva, escreva, escreva. Leia, leia, leia. Releia. Escreva. Um dia uma aluna minha de nove anos me perguntou: Como faço para escrever uma poesia? Eu disse: Pense em coisas que vocÊ gosta, em coisas que você odeia. Escreva sobre elas. Ela escreve coisas belas, leves, pesadas, como é a vida. Adoro "Lê-la". Poesia é leveza e intensidade, desmedidamente na medida certa.

Fonte:
http://4.bp.blogspot.com/_LeZahUxRZc4/TBzjX9nSGDI/AAAAAAAABrQ/MLGvzCDM3oc/s1600/PAM3.jpg