quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Maria Nascimento Santos Carvalho (Sonetos Escolhidos)

DESABAFO

No meu semblante há traços de cansaço,
 e, em minha voz, vestígios de tristeza,
 porque jungida às rédeas do fracasso,
 não conservei a luz da glória, acesa.

 E sempre pela vida em descompasso,
 lutando contra o vírus da incerteza,
 faço, da tênue força, força de aço,
 e do ataque, minha arma de defesa.

 Este cansaço que em meu rosto aflora,
 não é moléstia que surgiu agora,
 vem desde os magros tempos de criança.

 E a tristeza que a minha voz embarga,
 foi me tornando, aos poucos, mais amarga,
 e cada dia mais sem esperança.

E-MAIL

Deletei muitas coisas que me disse,
 digitadas em seu computador;
 assim que descobri que era tolice
 guardar frases bonitas, sem amor.

 Temendo que a memória me traísse,
 deixei à vista as que me causam dor
 para que, nunca mais eu me iludisse
 e, em vão, corresse o risco de me expor...

 Deletei muita coisa e, na verdade,
 não pude deletar toda a saudade
 que salvei num arquivo do meu peito...

 Pois quanto mais tentava deletar,
 mais vinha uma mensagem me avisar
 que deletar saudades... não tem jeito…

CARÊNCIA

Pensei fosse te amar sem pedir nada,
 sem te causar qualquer constrangimento,
 mas a cruz deste amor é tão pesada,
 que desestruturou meu pensamento...
 
 Tentei até domar meu sentimento,
 para não me sentir sempre culpada ;
 porém o que excedeu em sofrimento,
 não me deixou te amar sem pedir nada...
 
 Talvez me falte orgulho e até juízo,
 mas, de tudo o que tens e que eu preciso
 para viver feliz, é bem pouquinho :
   
bastará que me fales de saudade,
 que me dês uma prova de amizade,
 e um milésimo só do teu carinho!…

CONTRADIÇÃO
Hoje, mais uma vez, desesperada
 por ser injustamente preterida,
 vejo que já nasci predestinada
 a amar sem nunca ser correspondida...

 Mas o que me dói mais, na despedida,
 é saber que fui sempre desprezada
 porque foste o anjo bom da minha vida
 e eu, da tua, jamais pude ser nada.

 Se me pudesse ver da eternidade,
 chorando de tristeza e de saudade
 pelo amor que no tempo se perdeu,

 Carlos Drummond de Andrade me diria:
 "E agora", como vais viver Maria
 sem o José que achavas que era teu?!

FANTASIA
Meu sonho era fazer versos um dia...
 E, quando, às vezes, triste me encontrava,
 fingia que chorava de alegria,
 quando era de tristeza que eu chorava!

 E percebi que até numa poesia,
 que entre lágrimas tristes me brotava,
 como um divino toque de magia,
 mesmo sofrendo, assim me reanimava!

 Foi tudo em vão, porque, fazendo versos,
 eu nem notei que os meus sonhos dispersos
 transcendiam meu mundo pequenino.

 E, na angústia de quem sempre sofreu,
 então, pergunto a Deus por que me deu
 um sonho bem maior que o meu Destino...

SÚPLICA
Jurei não lhe falar mais de ternura,
 nem dar sinais de angústia nem de dor,
 mas sinto as cicatrizes da censura
 bem menos doloridas que as do amor...

 Assim, movida pela desventura,
 vivendo um sentimento embriagador,
 tento afogar meu sonho na amargura,
 e volto a lhe falar do meu amor.

 Deixe que eu ame intensa e livremente,
 sem censurar o meu comportamento,
 sem ter pena das penas que padeço.

 que eu sofro, por você, conscientemente,
 e, por maior que seja o meu tormento,
 estou sofrendo menos que mereço…

NUNCA MAIS
Não sei de onde é que vem tanta ansiedade
 e essa angústia que me comprime o peito,
 torturando, porque, na realidade,
 nem de pensar em ti, tenho o direito.

 E, como todo o ser mais que imperfeito,
 que não doma os caprichos da vontade,
 eu luto, mas sequer encontro um jeito
 de me livrar das garras da saudade...

 Bem sei que não entrei na tua vida,
 e, mesmo tendo sido preterida,
 meu amor floresceu, criou raiz...

 Mas fui punida com severidade,
 porque deixaste em mim tanta saudade
 que nunca mais eu pude ser feliz!

SEMENTE DA VIDA
 
Tento sondar as leis da Natureza
 e vejo, sob as luzes da razão,
 que os genes da virtude ou da vileza
 são nossos, desde a nossa formação.
   
 Malgrado eu tenha uns gestos de grandeza,
 sou só um ser a mais na multidão;
 grão de areia enfrentando a correnteza:
 - semente do pecado e do perdão ...

  Mas minha formação embrionária
 proporcionou – me a força necessária
 para desafiar o que vier ...
 
 E eu agradeço a Deus, enternecida,
 e à semente do amor que se fez vida
 e trouxe ao mundo mais uma mulher !

LIÇÕES DA VIDA 

Tenho aprendido todas as lições
 que a vida, mestra justa, tem me dado,
 e encontro a cada dia mais razões
 para ver com orgulho o meu passado...

 O que era de melhor foi decorado
 e esquecidos os traumas das paixões ...
 e a cada novo amigo conquistado
 reforço o meu celeiro de emoções.

 Sei medir a extensão dos meus defeitos,
 e não incluo ter nos meus direitos
 amigos que só tenham qualidades...

 Com isto tenho justas recompensas,
 porque sei respeitar as diferenças,
 aceitando as benesses e as maldades.

Fontes:
http://www.sardenbergpoesias.com.br/poesias_amigos.htm
http://www.marianascimento.net/pages/sonetos.htm

Guimaraes Rosa (Darandina)

A manhã era clara. O narrador, já em horário de serviço, estava junto ao portão do prédio de uma instituição destinada a tratar de doenças mentais, onde trabalhava, provavelmente como médico. De repente, alguém gritou e o narrador, embora de relance, percebeu que um senhor distinto que passava por ali furtou a caneta-tinteiro da lapela do paletó de outro transeunte e saiu correndo, perseguido. Apesar de vestido socialmente, não tirou os sapatos para se refugiar no alto de uma palmeira da praça, na qual havia subido com rapidez. Sem demora, formou-se, em volta da árvore, uma pequena multidão de curiosos que faziam comentários ou ameças.

O narrador julgou tratar-se de um camelô importuno que queria vender canetas. Adalgiso, colega de serviço – a dupla estava de plantão – puxou-o pelo braço e lá se foram os dois, passando no meio do ajuntamento formado ao pé da árvore. As pessoas supunham que o tal homem fosse um doido que fugira e, por isso, facilitavam a passagem dos dois plantonistas, identificados assim pelo avental que usavam. Adalgiso comentou baixo que o fugitivo não devia ser um louco, pois tinha aparência de normal. Lá de cima o homem discursava. Afirmava que não era demente, mas percebia que estava quase sendo tomado pela insanidade ao ver a humanidade enlouquecida. Por isso, resolveu internar-se num hospício, no qual estaria protegido quando a humanidade piorasse.

O narrador viu no tal homem a confirmação da teoria do professor Dartanhã: 40% das pessoas são loucos reconhecidos e grande parte das demais poderia receber o mesmo diagnóstico. Adalgiso cochichou que o colega deles, Sandoval, reconheceu o homem da palmeira: era o Secretário das Finanças Públicas. Ia chamar as autoridades para decidirem o que fazer. Enquanto não aparecia ninguém que tomasse providências, o tal falso louco se equilibrava muito bem e falava como um doido de verdade, que ele não era gente, que ele era uma ilusão. Chegou o diretor do hospício, acompanhado de policiais, de médicos, do Sandoval, do capelão, de enfermeiros e padioleiros, trazendo camisa-de-força. O diretor e o professor Dartanhã não se davam. Então, começaram a discutir: o primeiro acreditava na normalidade do homem da palmeira, dizendo que se tratava do Secretário; o outro aplicava-lhe um diagnóstico de paciente mental.

De novo o tal homem bradou e a multidão o ouviu em silêncio: "Viver é impossível." O narrador teve simpatia intelectual por ele. Veio do diretor a idéia de chamar os bombeiros. Enquanto nada se fazia, as vaias dirigidas ao homem da palmeira se fizeram ouvir, quando espalharam sua identidade de pessoa importante. Achavam que não passava de um demagogo. Nesse instante, ele deixou cair um dos sapatos. Dr. Bilôlo exclamou que o homem era um gênio. O povo começou a aplaudi-lo. O outro sapato também foi largado. Mais aplausos. Vieram os bombeiros e começaram a armar uma escada. Lá do alto da palmeira ouviu-se: "O feio está ficando coisa... Nada de cavalo-de-pau! Querem comer-me ainda verde? Pára!... Só morto me arriam, me apeiam! Se vierem, me vou, eu... Eu me vomito daqui!..." Diante do murmúrio das pessoas lá de baixo, replicou: "Cão que ladra, não é mudo...l" Prendeu-se à árvore só pelos joelhos e deu a impressão de que ia cair. A multidão pediu: "Não!" Os bombeiros interromperam as manobras com a escada.

O homem parou de balançar-se. Apareceram o Chefe-de-Polícia e o Chefe-de-Gabinete do Secretário. Este olhou para o alto da palmeira com binóculo e disse que não estava reconhecendo o Secretário. O diretor, ansioso por popularidade, tomou o alto-falante dos bombeiros e tentou resolver a situação. Disse: Excelência... Excelência..." Mas a multidão o vaiou. Então, passou o megafone para o narrador e foi ditando o que ele deveria falar, palavas que convencessem o homem a se entregar, mas ele resistiu, não aceitou. Um impasse estava criado. Parecia não haver solução. Naquele momento, para surpresa geral, apareceu o verdadeiro Secretário das Finanças. De cima do carro dos bombeiros, dirigiu-se ao público e manifestou sua indignação ante o que ele suspeitava ser calúnia, jogo de adversários para destruí-lo. O outro gritou: "Vi a Quimera!" e começou a tirar a roupa. Jogava peça por peça sobre a multidão, até ficar nu, mostrando um corpo muito branco em contraste com a folhagem verde da palmeira, em pleno meio-dia de sol e calor.

Escândalo e algazarra no meio do povo, raiva por parte das autoridades. Os bombeiros foram novamente acionados. O pessoal da imprensa, fotógrafos e filmadores documentavam tudo. Como reação, para não ser capturado, o homem subiu até o ponto mais alto da árvore e gritou: "Minha natureza não pode dar saltos?" Achou-se que iria saltar ou cair. A escada avançava, recuava, ajustava-se ao salvamento. A essa altura, surgiu um grupo de estudantes barulhentos com a intenção de resgatar aquele que eles supunham ser colega deles. No meio da balbúrdia, o Secretário tentou contê-los. Teve relativo sucesso, mas acabou indo para a casa de mansinho, sem ninguém perceber. O professor Dartanhã, reconciliado com o diretor, explicava para os que lhe estavam ao redor que o infeliz era doente mental. Dr. Bilôlo o considerava um primitivo, no nível dos índios.

O diretor resolveu tentar convencer o desastrado fugitivo de perto. Para tanto, acompanhado do narrador, os dois foram subindo pela escada dos bombeiros. O outro os ouvia, mas gritou: "Socorro!" Os espectadores lá de baixo estavam enfurecidos com o pobre coitado. O narrador notou que ele merecia piedade porque, de repente, veio-lhe a lucidez. Saiu do delírio em que estivera, entrou em pânico, tomado pela aerofobia e pelo medo da multidão que queria linchá-lo. Conseguiu alcançar a escada manobrada pelos bombeiros. Então, voltando-se para o povo, exclamou, talvez novamente enlouquecido: "Viva a luta! Viva a liberdade!" As pessoas aglomeradas, em vez de vaiá-lo como vinham fazendo, passavam a aplaudi-lo. Receberam-no festivamente e o carregaram vitorioso. Os médicos e funcionários do hospício comentavam que tinham acabado de assistir a um caso inédito e sem explicação. Só Adalgiso muito sério, nada falou " foi para a cidade comer camarões.”

Fonte:
http://www.sosestudante.com/resumos-d/darandina-guimaraes-rosa.html

Mário de Andrade (Vestida de Preto)

Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade. Minha impressão é que tenho amado sempre. Depois do amor grande por mim que brotou aos três anos e durou até os cinco mais ou menos, logo o meu amor se dirigiu para uma espécie de prima longínqua que freqüentava a nossa casa. Como se vê, jamais sofri do complexo de Édipo, graças a Deus. Toda a minha vida, mamãe e eu fomos muito bons amigos, sem nada de amores perigosos.

Maria foi o meu primeiro amor. Não havia nada entre nós, está claro, ela como eu nos seus cinco anos apenas, mas não sei que divina melancolia nos tomava, se acaso nos achávamos juntos e sozinhos. A voz baixava de tom, e principalmente as palavras é que se tornaram mais raras, muito simples. Uma ternura imensa, firme e reconhecida, não exigindo nenhum gesto. Aquilo aliás durava pouco, porque logo a criançada chegava. Mas tínhamos então uma raiva impensada dos manos e dos primos, sempre exteriorizada em palavras ou modos de irritação. Amor apenas sensível naquele instinto de estarmos sós.

E só mais tarde, já pelos nove ou dez anos, é que lhe dei nosso único beijo, foi maravilhoso. Se a criançada estava toda junta naquela casa sem jardim da Tia Velha, era fatal brincarmos de família, porque assim Tia Velha evitava correrias e estragos. Brinquedo aliás que nos interessava muito, apesar da idade já avançada para ele. Mas é que na casa de Tia Velha tinha muitos quartos, de forma que casávamos rápido, só de boca, sem nenhum daqueles cerimoniais de mentira que dantes nos interessavam tanto, e cada par fugia logo, indo viver no seu quarto. Os melhores interesses infantis do brinquedo, fazer comidinha, amamentar bonecas, pagar visitas, isso nós deixávamos com generosidade apressada para os menores. Íamos para os nossos quartos e ficávamos vivendo lá. O que os outros faziam, não sei. Eu, isto é, eu com Maria, não fazíamos nada. Eu adorava principalmente era ficar assim sozinho com ela, sabendo várias safadezas já mas sem tentar nenhuma. Havia, não havia não, mas sempre como que havia um perigo iminente que ajuntava o seu crime à intimidade daquela solidão. Era suavíssimo e assustador.

Maria fez uns gestos, disse algumas palavras. Era o aniversário de alguém, não lembro mais, o quarto em que estávamos fora convertido em dispensa, cômodas e armários cheios de pratos de doces para o chá que vinha logo. Mas quem se lembrasse de tocar naqueles doces, no geral secos, fáceis de disfarçar qualquer roubo! estávamos longe disso. O que nos deliciava era mesmo a grave solidão.

Nisto os olhos de Maria caíram sobre o travesseiro sem fronha que estava sobre uma cesta de roupa suja a um canto. E a minha esposa teve uma invenção que eu também estava longe de não ter. Desde a entrada no quarto eu concentrara todos os meus instintos na existência daquele travesseiro, o travesseiro cresceu como um danado dentro de mim e virou crime. Crime não, "pecado" que é como se dizia naqueles tempos cristãos... E por causa disso eu conseguira não pensar até ali, no travesseiro.

— Já é tarde, vamos dormir — Maria falou.

Fiquei estarrecido, olhando com uns fabulosos olhos de imploração para o travesseiro quentinho, mas quem disse travesseiro ter piedade de mim. Maria, essa estava simples demais para me olhar e surpreender os efeitos do convite: olhou em torno e afinal, vasculhando na cesta de roupa suja, tirou de lá uma toalha de banho muito quentinha que estendeu sobre o assoalho. Pôs o travesseiro no lugar da cabeceira, cerrou as venezianas da janela sobre a tarde, e depois deitou, arranjando o vestido pra não amassar.

Mas eu é que nunca havia de pôr a cabeça naquele restico de travesseiro que ela deixou pra mim, me dando as costas. Restico sim, apesar do travesseiro ser grande. Mas imaginem numa cabeleira explodindo, os famosos cabelos assustados de Maria, citação obrigatória e orgulho de família. Tia Velha, muito ciumenta por causa duma neta preferida que ela imaginava deusa, era a única a pôr defeito nos cabelos de Maria.

— Você não vem dormir também? — ela perguntou com fragor, interrompendo o meu silêncio trágico.

— Já vou — que eu disse — estou conferindo a conta do armazém.

Fui me aproximando incomparavelmente sem vontade, sentei no chão tomando cuidado em sequer tocar no vestido, puxa! também o vestido dela estava completamente assustado, que dificuldade! Pus a cara no travesseiro sem a menor intenção de.

Mas os cabelos de Maria, assim era pior, tocavam de leve no meu nariz, eu podia espirrar, marido não espirra. Senti, pressenti que espirrar seria muito ridículo, havia de ser um espirrão enorme, os outros escutavam lá da sala-de-visita longínqua, e daí é que o nosso segredo se desvendava todinho.

Fui afundando o rosto naquela cabeleira e veio a noite, senão os cabelos (mas juro que eram cabelos macios) me machucavam os olhos. Depois que não vi nada, ficou fácil continuar enterrando a cara, a cara toda, a alma, a vida, naqueles cabelos, que maravilha! até que o meu nariz tocou num pescocinho roliço. Então fui empurrando os meus lábios, tinha uns bonitos lábios grossos, nem eram lábios, era beiço, minha boca foi ficando encanudada até que encontrou o pescocinho roliço. Será que ela dorme de verdade?... Me ajeitei muito sem-cerimônia, mulherzinha! e então beijei. Quem falou que este mundo é ruim! só recordar... Beijei Maria, rapazes! eu nem sabia beijar, está claro, só beijava mamães, boca fazendo bulha, contato sem nenhum calor sensual.

Maria, só um leve entregar-se, uma levíssima inclinação pra trás me fez sentir que Maria estava comigo em nosso amor. Nada mais houve. Não, nada mais houve. Durasse aquilo uma noite grande, nada mais haveria porque é engraçado como a perfeição fixa a gente. O beijo me deixara completamente puro, sem minhas curiosidades nem desejos de mais nada, adeus pecado e adeus escuridão! Se fizera em meu cérebro uma enorme luz branca, meu ombro bem que doía no chão, mas a luz era violentamente branca, proibindo pensar, imaginar, agir. Beijando.

Tia Velha, nunca eu gostei de Tia Velha, abriu a porta com um espanto barulhento. Percebi muito bem, pelos olhos dela, que o que estávamos fazendo era completamente feio.

— Levantem!... Vou contar pra sua mãe, Juca!

Mas eu, levantando com a lealdade mais cínica deste mundo!

— Tia Velha me dá um doce?

Tia Velha – eu sempre detestei Tia Velha, o tipo da bondade Berlitz, injusta, sem método — pois Tia Velha teve a malvadeza de escorrer por mim todo um olhar que só alguns anos mais tarde pude compreender inteiramente. Naquele instante, eu estava só pensando em disfarçar, fingindo uma inocência que poucos segundos antes era real.

— Vamos! saiam do quarto!

Fomos saindo muito mudos, numa bruta vergonha, acompanhados de Tia Velha e os pratos que ela viera buscar para a mesa de chá.

O estranhíssimo é que principiou, nesse acordar à força provocado por Tia Velha, uma indiferença inexplicável de Maria por mim. Mais que indiferença, frieza viva, quase antipatia. Nesse mesmo chá inda achou jeito de me maltratar diante de todos, fiquei zonzo.

Dez, treze, quatorze anos... Quinze anos. Foi então o insulto que julguei definitivo. Eu estava fazendo um ginásio sem gosto, muito arrastado, cheio de revoltas íntimas, detestava estudar. Só no desenho e nas composições de português tirava as melhores notas. Vivia nisso: dez nestas matérias, um, zero em todas as outras. E todos os anos era aquela já esperada fatalidade: uma, duas bombas (principalmente em matemáticas) que eu tomava apenas o cuidado de apagar nos exames de segunda época.

Gostar, eu continuava gostando muito de Maria, cada vez mais, conscientemente agora. Mas tinha uma quase certeza que ela não podia gostar de mim, quem gostava de mim!... Minha mãe... Sim, mamãe gostava de mim, mas naquele tempo eu chegava a imaginar que era só por obrigação. Papai, esse foi sempre insuportável, incapaz de uma carícia. Como incapaz de uma repreensão também. Nem mesmo comigo, a tara da família, ele jamais ralhou. Mas isto é caso pra outro dia. O certo é que, decidido em minha desesperada revolta contra o mundo que me rodeava, sentindo um orgulho de mim que jamais buscava esclarecer, tão absurdo o pressentia, o certo é que eu já principiava me aceitando por um caso perdido, que não adiantava melhorar.

Esse ano até fora uma bomba só. Eu entrava da aula do professor particular, quando enxerguei a saparia na varanda e Maria entre os demais. Passei bastante encabulado, todos em férias, e os livros que eu trazia na mão me denunciando, lembrando a bomba, me achincalhando em minha imperfeição de caso perdido. Esbocei um gesto falsamente alegre de bom-dia, e fui no escritório pegado, esconder os livros na escrivaninha de meu pai. Ia já voltar para o meio de todos, mas Matilde, a peste, a implicante, a deusa estúpida que Tia Velha perdia com suas preferências:

— Passou seu namorado, Maria.

— Não caso com bombeado — ela respondeu imediato, numa voz tão feia, mas tão feia, que parei estarrecido. Era a decisão final, não tinha dúvida nenhuma. Maria não gostava mais de mim. Bobo de assim parado, sem fazer um gesto, mal podendo respirar.

Aliás um caso recente vinha se ajuntar ao insulto pra decidir de minha sorte. Nós seríamos até pobretões, comparando com a família de Maria, gente que até viajava na Europa. Pois pouco antes, os pais tinham feito um papel bem indecente, se opondo ao casamento duma filha com um rapaz diz-que pobre mas ótimo. Houvera um rompimento de amizade, mal-estar na parentagem toda, o caso virara escândalo mastigado e remastigado nos comentários de hora de jantar. Tudo por causa do dinheiro.

Se eu insistisse em gostar de Maria, casar não casava mesmo, que a família dela não havia de me querer. Me passou pela cabeça comprar um bilhete de loteria. "Não caso com bombeado"... Fui abraçando os livros de mansinho, acariciei-os junto ao rosto, pousei a minha boca numa capa, suja de pó suado, retirei a boca sem desgosto. Naquele instante eu não sabia, hoje sei: era o segundo beijo que eu dava em Maria, último beijo, beijo de despedida, que o cheiro desagradável do papelão confirmou. Estava tudo acabado entre nós dois.

Não tive mais coragem pra voltar à varanda e conversar com... os outros. Estava com uma raiva desprezadora de todos, principalmente de Matilde. Não, me parecia que já não tinha raiva de ninguém, não valia a pena, nem de Matilde, o insulto partira dela, fora por causa dela, mas eu não tinha raiva dela não, só tristeza, só vazio, não sei... creio que uma vontade de ajoelhar. Ajoelhar sem mais nada, ajoelhar ali junto da escrivaninha e ficar assim, ajoelhar. Afinal das contas eu era um perdido mesmo, Maria tinha razão, tinha razão, tinha razão, que tristeza!

Foi o fim? Agora é que vem o mais esquisito de tudo, ajuntando anos pulados. Acho que até não consigo contar bem claro tudo o que sucedeu. Vamos por ordem: Pus tal firmeza em não amar Maria mais, que nem meus pensamentos me traíram. De resto a mocidade raiava e eu tinha tudo a aprender. Foi espantoso o que se passou em mim. Sem abandonar o meu jeito de "perdido", o cultivando mesmo, ginásio acabado, eu principiara gostando de estudar. Me batera, súbito, aquela vontade irritada de saber, me tornara estudiosíssimo. Era mesmo uma impaciência raivosa, que me fazia devorar bibliotecas, sem nenhuma orientação. Mas brilhava, fazia conferências empoladas em sociedadinhas de rapazes, tinha idéias que assustavam todo o mundo. E todos principiavam maldando que eu era muito inteligente mas perigoso.

Maria, por seu lado, parecia uma doida. Namorava com Deus e todo o mundo, aos vinte anos fica noiva de um rapaz bastante rico, noivado que durou três meses e se desfez de repente, pra dias depois ela ficar noiva de outro, um diplomata riquíssimo, casar em duas semanas com alegria desmedida, rindo muito no altar e partir em busca duma embaixada européia com o secretário chique seu marido.

Às vezes meio tonto com estes acontecimentos fortes, acompanhados meio de longe, eu me recordava do passado, mas era só pra sorrir da nossa infantilidade e devorar numa tarde um livro incompreensível de filosofia. De mais a mais, havia Rose pra de-noite, e uma linda namoradinha oficial, a Violeta. Meus amigos me chamavam de "jardineiro", e eu punha na coincidência daqueles duas flores uma força de destinação fatalizada. Tamanha mesmo que topando numa livraria com The Gardener de Tagore, comprei o livro e comecei estudando o inglês com loucura. Mário de Andrade conta num dos seus livros que estudou o alemão por causa dum emboaba tordilha... eu também: meu inglês nasceu duma Violeta e duma Rose.

Não, nasceu de Maria. Foi quando uns cinco anos depois, Maria estava pra voltar pela primeira vez ao Brasil, a mãe dela, queixosa de tamanha ausência, conversando com mamãe na minha frente, arrancou naquele seu jeito de gorda desabrida:

— Pois é, Maria gostou tanto de você, você não quis!... e agora ela vive longe de nós.

Pela terceira vez fiquei estarrecido neste conto. Percebi tudo num tiro de canhão. Percebi ela doidejando, noivando com um, casando com outro, se atordoando com dinheiro e brilho. Percebi que eu fora uma besta, sim agora que principiava sendo alguém, estudando por mim fora dos ginásios, vibrando em versos que muita gente já considerava. E percebi horrorizado, que Rose! nem Violeta, nem nada! era Maria que eu amava como louco! Maria é que amara sempre, como louco: ôh como eu vinha sofrendo a vida inteira, desgraçadíssimo, aprendendo a vencer só de raiva, me impondo ao mundo por despique, me superiorizando em mim só por vingança de desesperado. Como é que eu pudera me imaginar feliz, pior: ser feliz, sofrendo daquele jeito! Eu? eu não! era Maria, era exclusivamente Maria toda aquela superioridade que estava aparecendo em mim... E tudo aquilo era uma desgraça muito cachorra mesma. Pois não andavam falando muito de Maria? Contavam que pintava o sete, ficara célebre com as extravagâncias e aventuras. Estivera pouco antes às portas do divórcio, com um caso escandaloso por demais, com um pintor de nomeada que só pintava efeitos de luz. Maria falada, Maria bêbeda, Maria passada de mão em mão, Maria pintada nua...

Se dera como que uma transposição de destinos... E tive um pensamento que ao menos me salvou no instante: se o que tinha de útil agora em mim era Maria, se ela estava se transformando no Juca imperfeitíssimo que eu fora, se eu era apenas uma projeção dela, como ela agora apenas uma projeção de mim, se nos trocáramos por um estúpido engano de amor: mas ao menos que eu ficasse bem ruim, mas bem ruim mesmo outra vez pra me igualar a ela de novo. Foi a razão da briga com Violeta, impiedosa, e a farra dessa noite – bebedeira tamanha que acabei ficando desacordado, numa série de vertigens, com médico, escândalo, e choro largo de mamãe com minha irmã.

Bom, tinha que visitar Maria, está claro, éramos "gente grande" agora. Quando soube que ela devia ir a um banquete, pensei comigo: "ótimo, vou hoje logo depois de jantar, não encontro ela e deixo o cartão". Mas fui cedo demais. Cheguei na casa dos pais dela, seriam nove horas, todos aqueles requififes de gente ricaça, criado que leva cartão numa salva de prata etc. Os da casa estavam ainda jantando. Me introduziram na saletinha da esquerda, uma espécie de luís-quinze muito sem-vergonha, dourado por inteiro, dando pro hol central. Que fizesse o favor de esperar, já vinham.

Contemplando a gravura cor-de-rosa, senti de supetão que tinha mais alguém na saleta, virei. Maria estava na porta, olhando pra mim, se rindo, toda vestida de preto. Olhem: eu sei que a gente exagera em amor, não insisto. Mas se eu já tive a sensação da vontade de Deus, foi ver Maria assim, toda de preto vestida, fantasticamente mulher. Meu corpo soluçou todinho e tornei a ficar estarrecido.

— Ao menos diga boa-noite, Juca...

"Boa-noite, Maria, eu vou-me embora"... meu desejo era fugir, era ficar e ela ficar mas, sim, sem que nos tocássemos sequer. Eu sei, eu juro que sei que ela estava se entregando a mim, me prometendo tudo, me cedendo tudo quanto eu queria, naquele se deixar olhar, sorrindo leve, mãos unidas caindo na frente do corpo, toda vestida de preto. Um segundo, me passou na visão devorá-la numa hora estilhaçada de quarto de hotel, foi horrível. Porém, não havia dúvida: Maria despertava em mim os instintos da perfeição. Balbuciei afinal um boa-noite muito indiferente, e as vozes amontoadas vinham do hol, dos outros que chegavam.

Foi este o primeiro dos quatro amores eternos que fazem de minha vida uma grave condensação interior. Sou falsamente um solitário. Quatro amores me acompanham, cuidam de mim, vêm conversar comigo. Nunca mais vi Maria, que ficou pelas Europas, divorciada afinal, hoje dizem que vivendo com um austríaco interessado em feiras internacionais. Um aventureiro qualquer. Mas dentro de mim, Maria... bom: acho que vou falar banalidade.

Coelho Neto (Mano) Parte 9

A MEMÓRIA
Dantes não havia homem mais rico do que eu, e o meu tesouro chamava-se – memória.

O que eu tinha ali acumulado o com que ordem! Desde a infância a ajuntar por dia...

E tanto era eu desejar como ser logo atendido.

No dia último dos dez do meu martírio quando me convenci que morrias, não sei que se passou em mim.

Foi como se reduzissem a cinzas todo o meu tesouro.

Falando ou escrevendo esquecem-me as expressões, faltam-me os termos. Só tu ficaste, tu só, tudo mais se esvaiu.

Assenhoreaste-te da casa das relíquias e nela imperas, solitário e dono.

E, agora, se recorro à memória por um nome, é o teu que, de pronto, me responde; se procuro recompor uma imagem, é a tua que se me afigura; se atento a um som remoto, ouço-te voz; se insisto em recordar uma cena, vejo te, e como? Infante, menino, adolescente ou jovem, como te perdi? Brincando, estudando, na arena, no trabalho, à mesa, na alegria da família, forte, feliz em suma? Não! Vejo-te sempre na hora extrema, estendido no leito arfando encarado em mim, com o crucifixo ao peito, entre as mãos gélidas, diluindo o derradeiro olhar em lágrimas.

Que alivio seria para mim perder o que me resta da memória!...

Mas não! Perder esse pouco, que é tudo. seria esquecer-te, nunca mais sentir-te, proceder com a tua lembrança como faz o túmulo com o teu corpo.

Não! Pereça tudo! Esqueça eu tudo, contanto que fiques no fundo da memória, tu, como fica a esperança no coração do mais desventurado.

RECORDANDO
Fica-me em caminho a casa em que nascente. Vejo-a diariamente e, olhando-a, lembro-me da manhã de alvoroço quando dissipaste o silêncio daquele lar com a alegra do teu primeiro choro.

Como me ecoou no coração a tua voz deserta: sons apenas, vazios; espaços em que deviam, com o tempo, desabrochar palavras, flores que não se trazem do céu, por serem efêmeras, próprias da terra.

Lembro-me de ti ao colo de tua mãe, tão pequenino e tão chegado ao seio como se fosses o seu próprio coração.

No breve instante que dura a minha passagem por esse oriente toda a tua vida passa-me pela alma, atravessa-a de golpe, cinde-a com a velocidade da luz.

Quantos sonhos ali entretecemos com idéias felizes, desenrolando infindavelmente o novelo de ouro das nossas esperanças!

Sete irmãozinhos teus já nos haviam deixado sós. Sete vezes, chorando, foram levar os enjeitadinhos da vida à roda lúgubre dos que, expostos na terra, são recolhidos no céu.

Sete vezes havíamos perdido os bens que Deus nos dera.

Temendo que te acontecesse o mesmo redobrávamos, à noite, a vigilância para que a Morte, ladra dos nossos amores, não nos entrasse pelo sono furtando-te também.

Se te aquietavas serenamente desconfiávamos da tranqüilidade; se te agitavas temíamos que fosse de febre. E tanto desvelávamos em volta do teu berço que despertavas assustado aos gritos.

Que alegria quando te ouvíamos chorar!

E tua mãe, sorrindo, dava-te logo o seio e, inclinada sobre ti, mais do que o leite, o que te oferecia era a própria alma. Tais eram as cenas de amor, iluminuras da minha felicidade.

Aconselharam-me a mudar-me para casa mas desafogada, que tivesse jardim onde respirasses ar livre, pudesses gozar o sol, passar as manhãs entre árvores.

Achei perto o que desejava. Casa ampla, terreno vasto, arvoredo e flores. Ali sim! Acordavas com o canto dos passarinhos.

Eras pequenino, de colo, quando me apartei de ti. Durante sete dilatados meses, errando por brenhas, correndo o mar e rios, parando em vilas sertanejas e em cidades, acompanhei o dealbar da tua vida pelas cartas de tua mãe.

Em uma anunciou-me ela os teus primeiros passos; em outra o teu primeiro dente; em outra a tua primeira palavra. E eu via-te no meu pensamento, sentia-te dentro de mim.

Quando regressei contavas um ano e três meses.

Ao entrar em casa, vendo-te formoso, com os cabelos em cachos, os dentinhos alvos à flor do sorriso, como se acabasse de mamar e trouxesse ainda a boca cheia de leite, olhando-me espantadamente, com a inocência a brilhar dentro dos olhos, fui-me direito a ti de braços estendidos.

Refugiste arisco para junto de tua mãe, com um beicinho de choro, que me fez sorrir.

Não me conhecias. Era natural. Pouco a pouco porém, fui conquistando a tua confiança e já na tarde desse venturoso dia éramos amigos íntimos.

E tu, tomando-lhe pela mão, levaste-me a percorrer o teu pequenino paraíso, a chácara em que te criaste, entre árvores, uma das quais a ameixieira, foi a tua ama mais solícita, dando-te os frutos dos seus galhos e agasalhando-te à sua sombra, onde brincavas, e, quanta vez! dormias.

Desde então até o dia triste se nos separamos foi por ausências breves.

Cuidava eu, na minha confiança, que assim seria sempre até que me soasse a hora de sair na viagem infinita.

S foste tu que partiste!

Eu deixei-te pequenino, quando não sentias ainda a minha falta: deixei-te, mas regressei. Tu me deixaste cheio das tuas raízes, já me havias tomado todo o coração... e não voltas, não voltarás nunca mais!

Passo diariamente perto da casa em que nasceste, olhando-a, porém, logo me lembro do túmulo em que jazes. Tu, não: teu corpo criado por nós, a nossa parte humana, que a divina foi por Deus reavida e lá está com Ele, longe de nós, longe da terra, tão longe!

Longe, todavia está o sol e aclara-nos; longe estão os demais astros, e vemo-los. Só tu não nos dás sinal de ti a não ser pela saudade em que te transformaste e que não nos deixa, tão viva em nós que eu, às vezes, tenho medo de que te estejamos a prender conosco, privando-te do Paraíso, encarcerado, como te trazemos, em nossos corações.

Mas se deles saíres que nos ficará neste mundo, perdida a única consolação que nos resta, que é a tua, lembrança?

Vive, vive em nós, no mais íntimo da nossa alma: vive na saudade como antes vivias, em esperança, no mais profundo do nosso amor.

VISITA
A súbitas, sem causa, constringe-se-me o coração. Enche-se-me o peito de ânsia. Trava-se-me a respiração em angústia asfixiante.

Abre-se-me um hiato na existência como se fendem abismos na terra quando a convulsionam cataclismos.

Deve ser assim o morrer, o instante em que a alma, soltos os liames que a retém ao corpo, emerge em surto demandando o espaço para ascender ao céu, liberta.

O que se passa em mim em tais momentos lembra-se essas bolhas de ar que afluem na profundeza dos lagos e, mal chegam à tona, dissolvem-se integrando-se na atmosfera.

Sinto que alguma coisa se desprende do meu ser, como se desprende uma pétala da flor.

Arrasam-se-me os olhos de água e o coração, em sobressalto, precipita as pancadas.

És tu que passas por mim. És tu que me fazes vibrar de comoção. És tu que me atravessas instantaneamente a memória como um pássaro, em vôo de frecha, corta, alígero, o espaço.

Pássaros...! E que são as saudades senão aves de arribação? Ao invés, porém das andorinhas, que, a maneira dos heliantos, andam sempre procurando o sol e, as primeiras brumas, reunidas em caravanas, partem, céus em flora, em busca de climas tropicais, elas emigram no estio e é justamente no inverno que nos chegam.

Coração alegre não lhes serve: gostam de fazer os ninhos à sombra da melancolia e aí vivem e procriam.

No mais rigoroso da tristeza, quando as lágrimas são mais copiosas, levantam-se em revoadas e escurecem e entristecem ainda mais o que, já de si, é lúgubre: o coração magoado.

Se no momento, tais evocações excruciam-me, deixam-me depois a alma aliviada, como certos bálsamos que, no instante em que são aplicados às feridas, exacerbam-lhes as dores para as lenirem depois!

E por que assim se converte a angústia em conforto? Porque, por ela, me convenço da tua sobrevivência.

Se tornas, posto que só em espírito, é porque existes.

O nada não se levanta, não atende, não se manifesta. E tu surges, vens a mim, anuncias-te presente, ainda que invisível.

Caminhando ao longo do silvedo eis que nos chega um aroma. Senti-lo e logo saber que flor o exala é tudo um instante. E a flor ? Onde? Escondida na balsa, oculta nas frontes ou refolhada nos aningais do lago, algures, invisível, mas presente.

É o que se dá quando meu coração se retranse de saudade. Entristeço-me, logo, porém, consolo-me sentindo-te.

Melhor seria que eu te visse, que vivesses conosco. Mas o maior tormento, depois que te partiste, era imaginarmos que te havíamos perdido para o sempre. Não!

Estás longe, mas existes, não desapareceste porque o essencial de ti a parte eterna do que foste, vive.

O que lá está, na terra, é o casulo: a borboleta voa livre, na luz, e, de quando em quando, saudosa, baixa do céu à terra e pousa de leve em nossos corações.
–––––––
continua…

Projeto distribuirá livros gratuitamente no centro do Rio de Janeiro

Amanhã, dia 24 de janeiro, das 13 às 19 horas, quem estiver no Centro do Rio e passar no Centro Cultural da Justiça Federal – Av. Rio Branco, 241 – Cinelândia, vai poder levar para casa um livro.

Serão distribuídos gratuitamente cerca de 600 livros em mais uma ação do projeto social Livro de Rua. Tem para todos os gostos: romances, obras científicas, de auto-ajuda, didáticos, religiosos, para crianças e jovens, entre outros.

Convencido de que Monteiro Lobato estava absolutamente certo quando declarou que “um
país se faz de homens e livros”, o Instituto Ciclos do Brasil atua desde 2008 desenvolvendo ações de fomento à leitura.

Num país onde a leitura é quinta opção da população para uso de seu tempo livre, conforme aponta pesquisa do Instituto Pró-Livro, o Ciclos do Brasil tem desenvolvido, através de programas voltados para ações voluntárias, atividades relacionadas ao incentivo à leitura. O Ciclos do Brasil tem como motivação para seu trabalho esse desafio - o incentivo da busca de conhecimento pelas páginas de um livro.

O Livro de Rua é mantido por voluntários e adeptos da causa da leitura, visando transformar o Rio de Janeiro em uma grande biblioteca pública. O projeto é inspirado no bookcrossing, movimento realizado em mais de 130 países que distribui gratuitamente livros de diversos gêneros pela cidade, com o intuito de que esses sejam “encontrados”, lidos e depois ganhem liberdade novamente. No projeto Livro de Rua os livros podem ser libertos de duas formas:

Libertação em locais públicos (locais com grande movimento de pessoas) e nas Bibliotecas da Liberdade, espaço de leitura onde as pessoas podem retirar e deixar livros livremente (pode ser padaria, igreja, salão de cabeleireiro, etc). Até o momento libertamos cerca de 20 mil livros em diversas comunidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Duque de Caxias.

É de graça e sem burocracia. O único compromisso é passá-lo adiante depois de ler. Basta deixá-lo em algum local público (praça, posto de saúde, padaria, ponto de ônibus, bar), onde seja grande o movimento de pessoas.

Todos os livros distribuídos são arrecadados através de doações.

Mais informações:
http://www.livroderua.com/

Fonte:
http://concursos-literarios.blogspot.com

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Héron Patrício (O Lar)


Montagem de trova e rosto do Héron sobre imagem obtida no facebook da Libreria Fogolla Pisa

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 17


Colombina 
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein
(São Paulo/SP, 26 maio 1882 – São Paulo/SP, 14 março 1963)

" AQUELE QUE PASSOU "

Vinhas ao meu encontro. E nos olhos trazias
como num livro aberto, o meu destino escrito;
e desde então pensar em ti, noites e dias,
foi toda a minha glória e todo o meu delito.

Para te acariciar, com minhas mãos tão frias,
ao sol eu fui pedir o seu calor bendito.
E até para sofrer porque não me querias
quis ter um coração maior que o Infinito.

Vinhas ao meu encontro . . . em teus olhos de lenda
o destino traçara, à guisa de legenda,
a minha história triste, insípida, banal;

sem lances de paixão, sem gritos, sem violências;
apenas o teu nome, algumas reticências...
uma interrogação e este ponto final!

" BACANTE "

Ergue nas mãos a taça transbordante
do vinho capitoso; em desalinho,
desata a cabeleira luxuriante
sobre o seu corpo nu, de rosa e arminho.

Um perfume oriental, sensualizante,
vai-se impregnando no ar, devagarinho . . .
E, lasciva e pagã, dança a bacante
embriagada de música e de vinho!

Torcendo os rins em lânguidos meneios
derrama sobre os pequeninos seios
a sua taça de cristal boêmia.

E há na volúpia estranha dos seus passos
e nas serpentes brancas dos seus braços
a eterna sedução da eterna fêmea!

" EPISÓDIO "

O reflexo do ocaso ensangüentado
dourava ainda aquele fim de dia . . .
De um frasco de cristal, mal arrolhado,
um cálido perfume se esvaía...

Junto ao teu corpo nu, convulsionado,
que de desejo e de volúpia ardia,
o meu corpo, nessa hora de pecado,
uma ânfora de gozo parecia.

Na quietude da tarde agonizante
um beijo prolongado, delirante,
a flama da paixão veio acender...

E toda a minha feminilidade
era uma taça de sensualidade
transbordante de vida e de prazer!

" ESSE AMOR "
                            
Há um abismo entre nós. E apesar dessa falta
de ventura e de paz, nosso amor continua...
Cada dia é maior, é mais forte, e mais alta
e imperiosa a paixão que em nosso sangue estua.

Longe de ti, meu ser emocionado exalta
em rimas de ouro e sol - cada carícia tua!
E em meu verso integral, canta, fulge, ressalta
o infinito de amor que o teu nome insinua . . .

Não me podes amar como eu quisera. É certo.
Mas não existem leis, nem certidões, nem peias
quando os teus olhos beijo e as tuas mãos aperto.

Tardas... Mas, quando vens, eu sinto que me queres,
que pela minha voz, pelo meu beijo anseias,
e sou a mais feliz de todas as mulheres!

" PASSIONAL "
                             
Voltaste. - E a tua voz novamente modula
o ritmo do meu ser pela sua euforia:
a carícia sensual das tuas mãos açula
em flamas o vulcão que dentro em mim ardia.

Beijas a minha boca... E agora, em nós, a gula
despertada parece uma fera bravia
que, liberta afinal do grilhão que a jugula,
seus recalques de fome e de sede sacia...

Em meu sangue palpita e em tuas veias canta
o desejo da carne, e a tudo mais suplanta
o seu hino imortal de beleza e de vida.

Novamente, a paixão nos arrasta e nos cega,
para que sintas teu meu corpo que se entrega
e eu te acredite meu, sendo por ti possuída.
============

Corina Ferreira Rebuá
(Rio de Janeiro/GB, 1900)

" QUE INSÔNIA "

Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,   
soa. Há passos na rua... E a ronda passa . . .

Não consigo dormir. Como demora
esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
chove. Há passos na rua... E a ronda passa . . .

Dormes? Não creio. Eu sei que estás velando,
porque eu pressinto que, de quando em quando,
vem o teu corpo fluídico e me enlaça.

O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas. Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua... E a ronda passa..'.

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963

Marcos Rey (O Rapto do Garoto de Ouro)


            A aventura descrita no livro se passa no bairro Bela Vista ( Bexiga), São Paulo, e narra o rapto de um menino ( Alfredo), que se tornou um recente astro de Rock conhecido como Garoto de Ouro e que iria comemorar seu aniversário de 16 anos em uma cantina, próxima à sua casa, com os amigos e a família.

            Ao estranharem a demora de Alfredo, seus amigos Leo e Ângela, foram até sua casa e perceberam o rapto. Leo encontrou o botão da roupa do Garoto de Ouro e uma agenda verde, que passou a ser a pista para se descobrir o raptor.

            Leo, Gino Ângela e Jaime, formaram uma comissão de investigação para interrogar as pessoas que constavam o nome na agenda. O comandante era Gino, que participava de uma competição de xadrez. Enquanto isso, Alfredo era mantido preso e o raptor fazia exigências através de telefonemas e recados (escritos na mesma máquina) deixados em diversos lugares do bairro: igreja, jornal, casa do empresário e até na casa de Alfredo.

            Com a ajuda de Jaime, Seu Domingos conseguiu o dinheiro do resgate: 2 milhões de cruzeiros de Seu Domingos, 4 milhões de cruzeiros do empresário e 4 milhões de cruzeiros da gravadora ( como adiantamento ).

            Várias pessoas foram entrevistadas e várias reuniões da comissão foram feitas, alguns incidentes ocorreram aos suspeitos durante este período, muitas hipóteses foram levantadas, mas nada era conclusivo.

            Gino resolveu entregar a agenda ao delegado e contar tudo o que descobriram. O delegado reconheceu que deveria haver uma ligação entre o rapto, a agressão ao Enrico e a tentativa de suicídio de Laura Ferrucci.

            Seu Domingos resolveu manter a polícia afastada e pagar o resgate pessoalmente. Enquanto isso, Alfredo, conseguiu fugir do cárcere e foi para casa onde reencontrou sua família. Logo vieram seus amigos.

            Na manhã seguinte, na delegacia, Alfredo descrevia o rapto, os investigadores falavam o que haviam descoberto, algumas suspeitas eram descartadas, mas nada era conclusivo.

            Seu Domingos reconheceu a agenda verde como sua, com o nome de seus fregueses. Todos ficaram frustrados, mas Gino afirmou seguramente que o raptor era Jaime. Todos ficaram espantados, e Seu Domingos não queria acreditar. Ao abrirem o porta-malas do carro de Jaime, viram a mala do dinheiro.

            Jaime foi preso e Alfredo finalmente, fez o show na cantina. Sua alegria voltou, pois descobriu que dinheiro não é tudo. Viver é o mais importante.

Fonte:

Carlos Drummond de Andrade (Depois do jantar)


Também, que idéia a sua: andar a pé, margeando a Lagoa Rodrigo de Freitas, depois do jantar.

O vulto caminhava em sua direção, chegou bem perto, estacou à sua frente. Decerto ia pedir-lhe um auxílio.

— Não tenho trocado. Mas tenho cigarros. Quer um?

— Não fumo, respondeu o outro.

Então ele queria é saber as horas. Levantou o antebraço esquerdo, consultou o relógio:

— 9 e 17... 9 e 20, talvez. Andaram mexendo nele lá em casa.

— Não estou querendo saber quantas horas são. Prefiro o relógio.

— Como?

— Já disse. Vai passando o relógio.

— Mas ...

— Quer que eu mesmo tire? Pode machucar.

— Não. Eu tiro sozinho. Quer dizer... Estou meio sem jeito. Essa fivelinha enguiça quando menos se espera. Por favor, me ajude.

O outro ajudou, a pulseira não era mesmo fácil de desatar. Afinal, o relógio mudou de dono.

— Agora posso continuar?

— Continuar o quê?

— O passeio. Eu estava passeando, não viu?

— Vi, sim. Espera um pouco.

— Esperar o quê?

— Passa a carteira.

— Mas...

— Quer que eu também ajude a tirar? Você não faz nada sozinho, nessa idade?

— Não é isso. Eu pensava que o relógio fosse bastante. Não é um relógio qualquer, veja bem. Coisa fina. Ainda não acabei de pagar...

— E eu com isso? Então vou deixar o serviço pela metade?

— Bom, eu tiro a carteira. Mas vamos fazer um trato.

— Diga.

— Tou com dois mil cruzeiros. Lhe dou mil e fico com mil.

— Engraçadinho, hem? Desde quando o assaltante reparte com o assaltado o produto do assalto?

— Mas você não se identificou como assaltante. Como é que eu podia saber?

— É que eu não gosto de assustar. Sou contra isso de encostar o metal na testa do cara. Sou civilizado, manja?

— Por isso mesmo que é civilizado, você podia rachar comigo o dinheiro. Ele me faz falta, palavra de honra.

— Pera aí. Se você acha que é preciso mostrar revólver, eu mostro.

— Não precisa, não precisa.

— Essa de rachar o legume... Pensa um pouco, amizade. Você está querendo me assaltar, e diz isso com a maior cara-de-pau.

— Eu, assaltar?! Se o dinheiro é meu, então estou assaltando a mim mesmo.

— Calma. Não baralha mais as coisas. Sou eu o assaltante, não sou?

— Claro.

— Você, o assaltado. Certo?

— Confere.

— Então deixa de poesia e passa pra cá os dois mil. Se é que são só dois mil.

— Acha que eu minto? Olha aqui as quatro notas de quinhentos. Veja se tem mais dinheiro na carteira. Se achar uma nota de 10, de cinco cruzeiros, de um, tudo é seu. Quando eu confundi você com um, mendigo (desculpe, não reparei bem) e disse que não tinha trocado, é porque não tinha trocado mesmo.

— Tá bom, não se discute.

— Vamos, procure nos... nos escaninhos.

— Sei lá o que é isso. Também não gosto de mexer nos guardados dos outros. Você me passa a carteira, ela fica sendo minha, aí eu mexo nela à vontade.

— Deixe ao menos tirar os documentos?

— Deixo. Pode até ficar com a carteira. Eu não coleciono. Mas rachar com você, isso de jeito nenhum. É contra as regras.

—  Nem uma de quinhentos? Uma só.

—  Nada. O mais que eu posso fazer é dar dinheiro pro ônibus. Mas nem isso você precisa. Pela pinta se vê que mora perto.

—  Nem eu ia aceitar dinheiro de você.

— Orgulhoso, hem? Fique sabendo que tenho ajudado muita gente neste mundo. Bom, tudo legal. Até outra vez. Mas antes, uma lembrancinha.

Sacou da arma e deu-lhe um tiro no pé.

Fonte:
"Os dias lindos", Livraria José Olympio Editora — Rio de Janeiro, 1977.

Ciranda de Versos (O Poeta Não Morre) Parte I


O POETA
Luiza Porto

 O poeta não morre
 vira estrela, 
 no céu da boca
 de sua musa

 O POETA
Marcial Salaverry

 Se o poeta morre,
 sua alma permanece viva,
 através de sua poesia...

 O POETA
Célia jardim

 A vida do poeta
 não se perde com a morte
 vivendo de forma indireta
 com o que tem de mais forte

 O POETA
Ninha Jacques

 O poeta não morre,
 ele se torna encantado,
 com um verso apaixonado...

 O Poeta
Ilze Soares

 Nos versos de sua poesia
 o poeta será sempre lembrado
 com emoção e nostalgia.

 ELE NÃO MORREU
Sá de Freitas

 O poeta nunca morre
 Apenas se transferi para um cenário mais lindo,
 a fim de enriquecer mais a sua
 inspiração e tornar-se o poeta dos anjos.

 O POETA !
Fernando Reis Costa

 Do Poeta...vai o corpo!
 Fica a sua alma, a sua voz... 
 nos versos que escreveu
 p'ra todos nós !...

 DA PARTIDA DO POETA
Mário Osny Rosa

 Com a partida do poeta
 Sua poesia fica viva.
 Apesar da sua morte
 Disso ninguém duvida.

 PRINCIPIO DA POESIA
Schyrlei Pinheiro

 Poeta não morre,
 segue o principio dos reversos
 e revertem, nos versos,
 a vida sem fim

 DEUS CRIOU O POETA!
Bernardino Matos

 E Deus criou o poeta, o exímio trovador,
 da fragilidade humana, da arte, da perfeição,
 capaz de conviver e de sublimar a solidão, 
 pois ele é a legítima expressão do amor.

O POETA NÃO MORRE
Manuel Jorge Monteiro de Leite

 O poeta não morre, ele preregrina
 no silêncio da rumorosa imaginação.

 ANJOS - ESTRELAS
Socorrinha Castro

 Na Terra , foram anjos poetas 
 que cumpriram com amor sua missão ,
 agora , são anjos - estrelas brilhantes ,
 iluminando a imensidão .

FOI-SE O POETA
Maria Loussa

 Estancaram os versos,
 As palavras já não traduzem 
 seu pensamento,
 Em nosso peito a dor
 Trazida pela erosão do tempo.

Fonte:
http://www.avspe.eti.br/cirandas/poeta/indice.html