domingo, 10 de setembro de 2017

Virgínia Woolf (Objetos Sólidos)

A única coisa a se mover no vasto semicírculo da praia era um pontinho preto. Quando ele chegou mais perto das vértebras e espinha do barco de sardinhas na areia, tornou-se visível, por certa tenuidade em seu pretume, que o ponto tinha quatro pernas; e tornou-se mais claro, de momento a momento, que era composto pelas pessoas de dois jovens. Mesmo assim, em contorno contra a areia, havia neles uma vitalidade inconfundível; um vigor indescritível na aproximação e no retraimento dos corpos a indicar, malgrado sua insuficiência, alguma discussão violenta que saía das bocas diminutas das cabecinhas redondas. O que era confirmado, a uma inspeção mais atenta, pelas repetidas estocadas que uma bengala vinha dando pelo lado direito. “Você então quer me dizer… Você de fato acredita…”, assim, do lado direito, perto das ondas, parecia sustentar a bengala, enquanto cortava pela areia tiras retas e longas.

“Que se dane a política!”, adveio claramente do corpo à esquerda e, ao serem pronunciadas tais palavras, as bocas, narizes, queixos, bigodinhos, gorros de lã, botas grosseiras, capotes de caça e meias axadrezadas dos dois falantes tornaram-se cada vez mais distintos; a fumaça dos seus cachimbos subia pelo ar; nada era tão sólido, tão vivo, tão rijo, rubro, viril e hirsuto quanto esses corpos por quilômetros e mais quilômetros de mar e dunas de areia. Lançaram-se os dois ao fundo das seis vértebras e espinha dorsal do barco negro de sardinhas. Sabe-se como o corpo parece sacudir-se para livrar-se de uma discussão e desculpar-se por uma exaltação de ânimo; lançando-se ao fundo e exprimindo em seu afrouxamento de atitude a presteza para se ocupar de algo novo — seja o que for que a seguir venha à mão. Assim Charles, cuja bengala estivera, por quase um quilômetro, a retalhar a praia, começou a atirar pedaços planos de lousa para ricochetear sobre a água; e John, que havia exclamado

“Que se dane a política!”, começou a meter seus dedos na areia, cada vez mais fundo. Quanto mais ele enfiava a mão, que ao chegar além do pulso forçou-o a puxar a manga um pouco mais para cima, mais seus olhos perdiam em intensidade, ou melhor, o substrato de pensamento e experiência que dá profundidade inescrutável aos olhos das pessoas adultas desaparecia, para deixar apenas a clara superfície transparente, nada expressando além do espanto que os olhos das crianças demonstram. Sem dúvida o ato de cavar na areia tinha alguma coisa a ver com isso. Lembrava-se ele como, depois de cavar um pouco, a água escorre pelas pontas dos dedos; o buraco então se torna um fosso; um poço; uma nascente; um canal secreto para o mar. Enquanto ele decidia qual dessas coisas fazer, seus dedos, ainda se movendo na água, enroscaram-se em torno de algo duro — toda uma gota de matéria sólida — para desentocar pouco a pouco, trazendo-o à superfície, um grande e irregular fragmento. Ao ser lavada a areia que o cobria, surgiu um verde desmaiado. Era um caco de vidro, tão grosso a ponto de se tornar opaco; tudo o que fosse forma ou gume já se gastara por completo com o alisamento do mar, sendo impossível dizer assim se havia sido de garrafa, vidraça ou copo; não era nada, a não ser vidro; era quase uma pedra preciosa. Bastaria circundá-lo de uma borda de ouro, ou perfurá-lo com um arame, para que se tornasse uma joia; parte de um colar, ou uma luz verde e fosca sobre um dedo. Afinal, talvez fosse realmente uma gema; alguma coisa usada por uma princesa negra que, sentada na popa da embarcação, ia arrastando o dedo pela água enquanto ouvia os escravos que cantavam ao conduzi-la a remo através da baía. Ou então as tábuas de carvalho de uma arca do tesouro elizabetana é que se haviam despregado, tendo suas esmeraldas, ao sabor das ondas, para cá e para lá, finalmente chegado à praia. John se pôs a revirá-lo nas mãos; e o ergueu na luz; ergueu-o de tal modo que sua massa irregular eclipsou o corpo e o braço direito esticado de seu amigo. O verde se atenuava e turvava ligeiramente ao ser mantido contra o céu ou o corpo.

Causava-lhe prazer; intrigava-o; comparado ao vago mar e à costa tão imersa em brumas, era um objeto bem duro, bem concentrado, bem definido. Uma visão o perturbava agora — decisiva e profunda, tornando-o consciente de que seu amigo Charles havia jogado todas as pedras planas ao alcance da mão, ou chegado à conclusão de que não valia a pena fazê-lo. Lado a lado eles comeram seus sanduíches. Tendo-o feito, já se punham de pé e sacudiam-se quando John pegou o caco de vidro para o olhar em silêncio.

Charles olhou também. Mas imediatamente viu que ele não era achatado e, enchendo seu cachimbo, disse com a energia que rejeita um descabido esforço de pensamento: “Para voltar ao que eu estava falando…”.

Ele não tinha visto ou, se visse, mal teria notado que John, após examinar por um momento o vidro, como que em hesitação, o enfiara no bolso. Tal impulso poderia também ter sido o impulso que leva uma criança a apanhar uma pedrinha num caminho no qual elas se esparramam, prometendo-lhe uma vida em segurança e quentura sobre a lareira do quarto, deleitando-se com a sensação de poder e benignidade que uma ação como essa propicia e acreditando que o coração da pedra pula de alegria quando se vê escolhido, dentre um milhão de iguais, para gozar de tal felicidade, não de uma vida de umidade e frio na estrada. “Bem que poderia ter sido qualquer outra dos milhões de pedras, mas fui eu, eu, eu!”

Estivesse ou não essa ideia na cabeça de John, o fato é que o pedaço de vidro encontrou seu lugar em cima da lareira, onde solidamente se plantou sobre uma pequena pilha de cartas e contas, servindo não só como excelente peso de papéis, mas também como ponto natural de parada para o olhar do rapaz, quando ele se desviava do livro. Visto repetidas vezes e de modo semiconsciente por uma cabeça que pensa noutra coisa, qualquer objeto se mescla tão profundamente à substância do pensar que perde sua forma verdadeira e se recompõe com alguma diferença numa feição ideal que obseca o cérebro, quando menos se espera. John se via assim atraído, quando saía para andar, pelas vitrines das lojas de raridades, simplesmente por ter visto alguma coisa que o lembrava daquele caco de vidro. Qualquer coisa, desde que fosse algum tipo de objeto, mais ou menos redondo, talvez com uma chama agonizante imersa a fundo em sua massa, qualquer coisa — porcelana, vidro, âmbar, rocha, mármore — até mesmo o ovo liso e oval de uma ave pré-histórica serviria.

Habituou-se ele também a andar de olhos no chão, especialmente nas adjacências dos terrenos baldios onde são jogados fora os refugos das casas. Tais objetos ocorriam lá com frequência — jogados fora, de nenhuma utilidade para ninguém, disformes, descartados. Em poucos meses ele fez uma coleção de quatro ou cinco espécimes que foram para o mesmo lugar, parando em cima da lareira. Eram úteis também, pois um homem que concorre ao parlamento, no limiar de uma brilhante carreira, tem uma boa quantidade de papéis para manter em ordem — comunicados a eleitores, plataformas políticas, apelos a subscrições, convites para jantares e assim por diante.

Um dia, saindo de seus aposentos no Temple para pegar um trem, a fim de falar aos eleitores, seus olhos bateram num objeto extraordinário que jazia semioculto numa dessas bordaduras de grama que orlam as bases dos grandes prédios forenses. Não podendo senão tocá-lo, através da cerca, com a ponta da bengala, ele podia ver no entanto que era um caco de porcelana de forma bem singular, quase tão parecido com uma estrela-do-mar como qualquer coisa formada — ou acidentalmente quebrada — em cinco pontas irregulares, não obstante inconfundíveis. Se em sua coloração predominava o azul, ao azul se sobrepunham faixas ou manchas verdes de algum tipo, enquanto linhas carmesins davam-lhe uma riqueza e um brilho da mais atraente espécie. John estava decidido a possuí-lo; quanto mais perseverava nisso, mais no entanto ele retrocedia.

John, por fim, se viu forçado a voltar a seus aposentos para improvisar uma argola de arame presa na ponta de uma vara, com a qual, à força de grande habilidade e com muito cuidado, finalmente trouxe o pedaço de porcelana ao alcance das mãos. Ao apanhá-lo, soltou uma exclamação de triunfo. E o relógio bateu nesse momento. Já não lhe era mais possível cumprir seu compromisso. A reunião foi realizada sem ele. Mas como o caco de porcelana se partira daquele modo notável? Um exame cuidadoso deixou fora de dúvidas que a forma de estrela era acidental, o que tornava tudo ainda mais estranho, e parecia improvável que pudesse existir outro assim. Posto sobre a lareira, no lado contrário ao do caco de vidro que havia sido retirado da areia, dava ele a impressão de ser uma criatura de outro mundo — fantástica e extravagante como um arlequim. Parecia estar fazendo piruetas no espaço, tremeluzindo como uma estrela que pisca. Fascinado pelo contraste entre a porcelana, tão vívida e alerta, e o vidro, tão contemplativo e calado, ele se perguntou, pasmo e perplexo, como os dois tinham vindo a existir no mesmo mundo, para plantar-se, além do mais, no mesmo cômodo, na mesma estreita faixa de mármore. Mas a pergunta permaneceu sem resposta.

Ele então passou a frequentar os lugares em que os cacos de porcelana mais proliferam, como as nesgas de chão que sobram entre as linhas de trem, os terrenos de casas demolidas e as áreas públicas dos arredores de Londres. É porém muito raro, é um dos mais raros dentre os atos humanos, que se jogue porcelana de uma grande altura. É preciso achar em conjunção uma casa bem alta e uma mulher tão impulsiva e de prevenções tão coléricas que é capaz de atirar pela janela seu jarro ou pote, sem pensar em quem está embaixo.

Encontravam-se em abundância cacos de porcelana, porém quebrados na trivialidade de um acidente doméstico, não de propósito, e sem caráter. Não obstante ele se admirava com frequência, quando veio a entrar mais a fundo na questão, da imensa variedade de formas a encontrar-se apenas em Londres, havendo ainda mais motivos para especulação e espanto nas diferenças de padrões e qualidade. Os melhores espécimes ele levaria para casa e colocaria em cima da lareira, onde a função que lhes cabia era porém cada vez mais de natureza ornamental, já que os papéis que necessitavam de um peso para os manter sem voar tornavam-se progressivamente mais raros.

Descuidou-se de suas obrigações, talvez, ou as cumpria de um modo por demais desatento, ou então seus eleitores, quando o visitavam, viam-se desfavoravelmente impressionados pelo aspecto de sua lareira. Fosse como fosse, não foi eleito para os representar no parlamento, e seu amigo Charles, sentindo muito e se apressando a manifestar seu pesar, achou-o tão pouco abalado com a derrota que não pôde senão supor que a questão era grave demais para ele a entender de imediato.

Na verdade, John havia estado nesse dia nas áreas públicas de Barnes, onde achara, sob uma moita de tojo, um pedaço de ferro bem pouco comum. Era, na conformação, quase idêntico ao vidro, maciço e globuloso, mas tão frio e pesado, tão metálico e negro, que evidentemente era estranho à Terra, tendo sua origem numa das estrelas mortas, se não fosse em si mesmo escória de uma lua. Em seu bolso, pesava muito; e pesou muito em cima da lareira, irradiando frio. No entanto, o meteorito ficou na mesma prateleira com o caco de vidro e a porcelana em forma de estrela.

Quando seus olhos passavam de um para o outro, a determinação de possuir objetos que chegassem a ultrapassar aqueles atormentava o rapaz. Resolutamente ele se consagrou cada vez mais à procura. Se não ardesse de ambição, se não estivesse convencido de ser recompensado algum dia por um monte de lixo recentemente descoberto, as decepções que sofreu, sem falar do cansaço e do ridículo, teriam-no feito desistir da empreitada. Munido de uma bolsa e de uma vara comprida na qual se adaptava um gancho, revolveu todos os monturos de terra; escarafunchou sob densos emaranhamentos de mato; buscou por todas as vielas e espaços entre paredes onde se habituara a esperar descobrir objetos desse tipo jogados fora. Tornando-se seus critérios mais rígidos e seu gosto mais exigente, as decepções eram inumeráveis, mas sempre um brilho de esperança, um caco de porcelana ou de vidro com alguma marca curiosa ou curiosamente quebrado, o enganava. Passou-se um dia após o outro. E ele já não era mais jovem. Sua carreira — isto é, sua carreira política — tornou-se coisa do passado. As pessoas deixaram de visitá-lo. Ele era muito calado para que valesse a pena convidá-lo para jantar. Nunca falava com ninguém sobre as ambições tão sérias que tinha; a falta de compreensão dos outros transparecia no seu comportamento.

Recostado em sua cadeira, ele agora observava Charles, que repetidas vezes erguia as pedras em cima da lareira e enfaticamente as repunha em seu lugar para marcar o que ele estava dizendo sobre a orientação do governo, sem nem sequer notar a existência delas.

“Qual é a verdade, John?”, perguntou Charles de repente, virando-se para encará-lo. “O que o levou a desistir de tudo assim sem mais nem menos?”

“Eu não desisti”, respondeu John.

“Mas agora você não tem mais chance nenhuma”, disse Charles com aspereza.

“Nisso eu discordo de você”, disse John convictamente. Charles, olhando-o, sentiu-se profundamente incomodado; foi possuído pelas dúvidas mais extraordinárias; teve uma impressão esquisita de que os dois estavam falando de coisas diferentes. Olhou em torno, a fim de encontrar algum alívio para sua horrorosa depressão, mas a aparência desordenada do quarto o deprimiu ainda mais. O que eram aquela vara e a velha bolsa de tapeçaria pendurada na parede? E aquelas pedras? Ao olhar para John, algo fixo e distante em sua expressão o alarmou. Ele sabia muito bem que a presença do amigo num palanque já estava fora de questão.

“Bonitas pedras”, disse tão jovialmente quanto pôde; e foi dizendo que tinha um compromisso a cumprir que ele se despediu de John — para sempre.

Fonte:
Virginia Woolf. A Marca na Parede e Outros Contos

sábado, 9 de setembro de 2017

Solano Trindade (Poemas Escolhidos)

BALADA DO AMOR

É preciso fugir
De todo o amor que faz sofrer
É preciso fugir do amor...
Talvez a chuva lá fora faça bem
Talvez o frio da noite
Seja como alguém...

MEU CANTO DE GUERRA

Eu canto na guerra,
Como cantei na paz,
Pois meu poema
É universal.
É o homem que sofre,
O homem que geme,
É o lamento
Do povo oprimido,
Da gente sem pão...
É o gemido
De todas as raças,
De todos os homens.
É o poema
Da multidão!

O CANTO DA LIBERDADE

Ouço um novo canto,
Que sai da boca,
de todas as raças,
Com infinidade de ritmos...
Canto que faz dançar,
Todos os corpos,
De formas,
E coloridos diferentes...
Canto que faz vibrar,
Todas as almas,
De crenças,
E idealismos desiguais...
É o canto da liberdade,
Que está penetrando,
Em todos os ouvidos...

ORGULHO NEGRO

Eu tenho orgulho de ser filho de escravo...
Tronco, senzala, chicote,
Gritos, choros, gemidos,
Oh! que ritmos suaves,
Oh! como essas cousas soam bem
Nos meus ouvidos...
Eu tenho orgulho em ser filho de escravos...

POEMA DO HOMEM

Desci à praia
Para ver o homem do mar,
E vi que o homem
É maior que o mar

Subi ao monte
Pra ver o homem da terra,
E vi que o homem
É maior que a terra

Olhei para cima
Para ver o homem do céu,
E vi que o homem
É maior que o céu.

QUEM TÁ GEMENDO?

Quem tá gemendo,
Negro ou carro de boi?
Carro de boi geme quando quer,
Negro, não,
Negro geme porque apanha,
Apanha pra não gemer...

Gemido de negro é cantiga,
Gemido de negro é poema...

Gemem na minh'alma,
A alma do Congo,
Da Niger, da Guiné,
De toda África enfim...
A alma da América...
A alma Universal...

Quem tá gemendo,
negro ou carro de boi?

TEM GENTE COM FOME

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Piiiiii

Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu

VOU PRA TERRA DE IRACEMA

Vou pra terra de Iracema,
Amanhã - se Deus quiser,
Dizem que a terra é bonita,
Como olhar de mulher...

Vou pra terra de Iracema
Vou m'imbora prô Ceará
Meu coração quer queu siga
A minh'alma quer qu'eu vá...
 
POEMA AUTOBIOGRÁFICO

Quando eu nasci,
Meu pai batia sola,
Minha mana pisava milho no pilão,
Para o angu das manhãs...
Portanto eu venho da massa,
Eu sou um trabalhador...

Ouvi o ritmo das máquinas,
E o borbulhar das caldeiras...
Obedeci ao chamado das sirenes...
Morei num mucambo do "Bode",
E hoje moro num barraco na Saúde...

Não mudei nada...

NEGRA BONITA

Negra bonita de vestido azul e branco
Sentada num banco de segunda de trem
Negra bonita o que é que você tem?
Com a cara tão triste não sorri pra ninguém?

Negra bonita
É seu amor que não veio
Quem sabe se ainda vem
Quem sabe perdeu o trem
Negra bonita não fique triste não
Se seu amor não vier
Quem sabe se outro vem
Quando se perde um amor
Logo se encontra cem
Você uma negra bonita
Logo encontra outro bem.

Quem sabe se eu sirvo
Para ser o seu amor
Salvo se você não gosta
De gente da sua cor
Mas se gosta eu sou o tal
Que não perde pra ninguém
Sou o tipo ideal
Pra quem ficou sem o bem...

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Trovas sobre o Tempo I

Os segundos são garotos
brincando de ter auroras:
deitam minutos marotos,
no leito fofo das horas!...
Adelir Machado
(Niterói/RJ)

As horas em nossos mundos
são tão poucas e tão belas,
que o ponteiro dos segundos
vive correndo atrás delas.
Alba Christina Campos Netto
(São Paulo/SP)

Nos vimos tão de repente,
numa informal despedida...
Foi um segundo, somente,
mas valeu por toda a vida!
Albertina Moreira Pedro
(Rio de Janeiro/RJ)

No relógio da esperança,
desilusões se sucedem:
enquanto um segundo avança,
os minutos retrocedem.
Alcy Ribeiro Souto Maior
(Rio de Janeiro/RJ)

Cada segundo eu contei...
Mas hoje o espelho mostrou
que o tempo que te esperei
a vida não me esperou!
Almerinda F. Liporage
(Rio de Janeiro/RJ)

Esperei-te horas a fio
e a vida toda, depois.
E aquele quarto vazio
ainda espera por nós dois...
Almira Guaracy Rebelo
(Belo Horizonte/MG)

No meu relógio de areia
vejo, no fim dos meus dias,
que a parte baixa está cheia
das minhas horas vazias!...
Aloísio Alves da Costa
(Fortaleza/CE)

Lembro as horas que eu perdia
te esperando e me comovo...
Agora, o que eu não daria
para perdê-las de novo!...
Arlindo Tadeu Hagen
(Juiz de Fora/MG)

Sempre em circuitos fechados,
incansáveis, os ponteiros
fazem das horas soldados
e de nós seus prisioneiros.
Conchita Moutinho de Almeida
(Londrina/PR)

Mais triste do que  esperar
aquele amor que não vem,
é ver a hora passar,
sem esperar por ninguém!
Deires Hofmann
(São Paulo/SP)

Relógio, roubas-me a paz
com tuas doces mentiras,
pois as horas que me dás
são aquelas que me tiras.
Dimas Lopes de Almeida
(Carvalhos/Portugal)

Destino, relógio antigo,
cujos ponteiros, tiranos,
marcaram hora comigo
no encontro dos desenganos...
Divenei Boseli
(São Paulo/SP)

Reconheço a nosso fibra...
mas os tormentos são tais
que o nosso amor já não vibra
nem nos segundos finais!
Edmar Japiassú Maia
(Rio de Janeiro/RJ)

Meu coração te confessa:
viver sem ti, nunca mais!
Minha saudade começa
no segundo em que te vais...
Fábio Henrique Oliveira Cabral
(Barra do Piraí/RJ)

O carrilhão que badala
e as horas marca, veemente,
parece o tempo que fala
e vai zombando da gente.
Francisco Marcellini
(Amparo/SP)

Quando te espero, querida,
se por acaso demoras,
cada segundo é uma vida,
no tique-taque das horas.
Gilberto Guerreiro Barbalho
(Rio de Janeiro/RJ)

Eu te esperei sem cessar,
ao léu das horas, sonhando...
- Mas vendo o tempo passar,
só minha dor foi ficando...
Helvécio Barros
(Bauru/SP)

Em certas horas fatais
o que nos torna pequenos
é ver que um minuto a mais
é sempre um minuto a menos!
João Elias dos Santos
(São Paulo/SP)

Cada segundo – um tormento...
Tua ausência – eternidade...
Amor, como o tempo é lento
quando o relógio é a saudade!...
João Freire Filho
(Rio de Janeiro/RJ)

Muita gente nesta vida,
como o corredor de fundo,
às vezes perde a corrida,
apenas por um segundo...
Jorge Murad
(Rio de Janeiro/RJ)

Sempre só e abandonado,
nos teus momentos de ausência,
eu sou segundo parado
no mostrador da existência...
Lavínio Gomes de Almeida
(Barra do Piraí/RJ)

Altas horas!... e um lamento
no ranchinho sem tramela,
faz supor que o próprio vento
chora triste a ausência dela.
Lila Ricciardi Fontes
(São Paulo/SP)

No vasto circo do mundo,
levo   tudo de vencida,
tentando um feliz segundo
na corda bamba da vida!
Lucimar da Silva Pacheco
(Barra do Piraí/RJ)

Ouço as batidas sonoras,
batendo o dia inteirinho,
da eterna dança das horas
que eu sempre danço sozinho!
Marcelo Zanconato Pinto
(Juiz de Fora/MG)

Ao te ver adormecido,
penso em cobrar com ardor,
cada segundo perdido
das nossas horas de amor!
Marisol
(Teresópolis/RJ)

Apesar dos solavancos
em minha vida sem cor,
adornei, com lírios brancos,
nossos segundos de amor...
Milton Nunes Loureiro
(Niterói/RJ)

Joguei tanto tempo fora
com quem me fez infeliz,
e imploro um segundo, agora,
de quem me quis e eu não quis...
Ney Damasceno
(Rio de Janeiro/RJ)

Ela não volta! Em verdade,
quanto mais o Tempo avança,
conto as horas de saudade
e os segundos de esperança!
P. de Petrus
(Rio de Janeiro/RJ)

Marcaste a hora e eu fiquei
numa espera, distraída,
e sem perceber passei
a te esperar... toda a vida...
Sara Mariany Kanter
(São Paulo/SP)

Na angústia que desespera,
por tuas longas demoras,
carpindo o tempo da espera
perdi a conta das horas.
Vasques Filho
(Fortaleza/CE)

O golpe da despedida
foi tão rápido e tão fundo,
que fracionou minha vida
numa fração de segundo...
Waldir Neves
(Rio de Janeiro/RJ)

Foi de horas mortas, furtivas,
este amor que agora cortas:
mas, em mim, como estão vivas
essas nossas horas mortas!
Zaé Junior 
(São Paulo/SP)

Conto da Sibéria (A Princesa Marya e Blênio)

Certa vez, numa terra muito distante, vivia uma princesa tão bela que muitos príncipes vieram pedir sua mão em casamento. Mas seu pai, o czar, recusou-os todos, achando que nenhum era bom o bastante para ela. Um dia, um velho perguntou ao czar, se seu filho poderia casar-se com a princesa.

– Quem é seu filho? -perguntou o czar.

– Majestade - respondeu o velho - “meu filho é um blênio”.

– Mas esse é um peixe que vive no fundo do rio! - o czar exclamou - O que você está dizendo é ridículo!

- Sim, de fato - persistiu o velho - Durante muitos anos minha mulher e eu sofremos porque não tínhamos filhos. Então, certo dia, enquanto eu pescava, encontrei Blênio na ribanceira do rio. O peixe pediu-me que lhe poupasse a vida e prometeu que seria um filho para mim e minha esposa, e então o levei para casa. Agora, como ele cresceu, pediu-me que lhe arranjasse o casamento com sua filha.

– Por que eu deixaria que a princesa se casasse com ele? - perguntou o czar.

Naquele momento, detrás de uma cortina, a filha se manifestou.

– Pai, por que você não dá uma tarefa ao Blênio? Se ele obtiver êxito, casar-me-ei com ele, mas se ele fracassar, será morto. É assim que os russos fazem, disse ela.

O czar pensou por um instante.

– Bom, meu velho, o seu filho pode se casar com minha filha se ele construir um novo palácio para ela, melhor que o meu. E deve fazer isso até amanhã de manhã, do contrário cortar-lhe-ei a cabeça e a sua também, para que sirva de lição!

O velho quase morreu de terror, mas ao voltar para casa e contar ao filho qual era a exigência do czar, Blênio disse: – Não tema, pai. Vá dormir, e “amanhã veremos o que tivermos de ver”.

Naquela noite, Blênio deslizou até a porta da casa, saltou o muro, e transformou-se num lindo rapaz. Ergueu um bastão de ferro e fincou sua ponta no chão. Instantaneamente, surgiram trinta homens armados que lhe perguntaram: – Qual é o seu desejo?

– Construam-me um palácio vizinho ao do czar, ainda mais belo que o dele.

Os homens responderam que fariam o serviço e ele voltou para casa como peixe. Na manhã seguinte, ele acordou o pai e disse: – Pegue um machado, vá ao palácio do czar, depois volte e diga-me o que viu.

O velho fez o que o filho pediu e não conseguiu acreditar no que seus olhos viam. O palácio era mais lindo do que o do czar e o velho pegou o machado e atingiu suas paredes, mas nem uma só lasca saiu das paredes. Voltou para casa e disse o que vira ao filho.

– Agora - disse o filho - vá até o czar e peça a mão de sua filha, novamente.

Nesse ínterim, o czar tinha visto o novo palácio e ficou intrigado. Pensou: - “O filho deste velho não é um homem comum!” Entretanto, odiava a ideia de sua filha casar-se com um peixe. Quando o velho chegou, o czar disse: - Tenho outra tarefa para seu filho. Ele deve construir uma igreja , tão linda como a catedral. E tem que construir três pontes : uma que vá da velha catedral até a nova, outra da nova igreja até o palácio e a terceira da minha casa até o palácio dele. Se ele não construir até amanhã vocês morrerão.

O velho tremeu e pensou: - Eu devia ter matado Blênio no rio! – Mas quando contou ao filho a nova tarefa, ele sorriu e disse: –  Não tema, pai. Vá dormir e “amanhã veremos o que tivermos de ver.”

Naquela noite, depois do velho ir dormir, ele novamente saiu de casa e virou um rapaz e quando seus homens apareceram ele mandou que construissem a catedral e as três pontes. Ele voltou para casa e foi dormir.

No dia seguinte ele acordou o pai e disse novamente para ele pegar o machado e ir até o palácio do czar. O velho foi, e quando chegou perto viu a linda catedral que fora erguida e as três pontes. O velho tentou atingir a Igreja com o machado, mas nem uma só lasca saiu. Voltou para casa contando tudo para o filho.

– Meu pai, vá até o palácio e veja o que o czar dirá desta vez. Quando chegou, o velho viu o czar admirando assombrado a catedral e as três pontes. Mas ele disse ao velho que tinha uma última tarefa para seu filho.

– Diga a ele que quero que me traga um trenó e três cavalos melhores do que todos os que possuo. Se ele conseguir casar-se-a com a princesa, mas se fracassar terão as cabeças cortadas.

Mas quando o velho voltou para casa e contou ao filho este sorriu e mandou o pai dormir: - “Amanhã veremos o que tivermos de ver.”

Mais tarde, saiu de casa e ordenou aos seus homens que achassem um trenó com três cavalos mais maravilhosos do que os do czar.

No dia seguinte, ele novamente acordou o pai e mandou que ele fosse até o palácio e depois voltasse para contar o que vira. O velho quando chegou perto, viu assombrado o trenó com os três lindos cavalos. Ele voltou para casa e contou ao filho, que mandou que ele voltasse e pedisse a mão da princesa. O czar que já tinha visto o trenó, declarou que: – Como seu filho cumpriu as tarefas, eu manterei minha promessa. Traga-o até aqui e a princesa se casará com ele, hoje mesmo, não importando o que o povo diga.

O velho correu para casa e contou as novidades ao filho, e este lhe disse: - Coloque-me num saco e leve-me até o palácio para a festa de casamento. 

Todos riam porque a princesa ia se casar com um peixe.

O velho chegou ao palácio e colocou Blênio numa banqueta, aí começou a comemoração das bodas. Por fim, foram todos para a Igreja onde os dois se casaram. Depois das festas o casal recolheu-se à sua nova casa.

Eles viveram juntos por três anos, mas toda noite Blênio transformava-se num rapaz. A cada manhã ele voltava a ser peixe, só a princesa sabia da verdade.

Certa manhã a princesa acordou mais cedo e sentiu-se sozinha e triste, pois todos riam dela por ter se casado com um peixe. Ela teve uma ideia. Resolveu queimar a pele de peixe do marido antes que ele acordasse, assim ele ficaria homem para sempre. Ela queimou o traje e quando entrou no quarto, seu marido havia sumido. Naquele mesmo instante, um pequeno pássaro entrou voando pela janela.

– Que pena, princesa Marya, disse a ave. Se você tivesse esperado mais três dias, seu marido teria ficado livre de um feitiço. Teria ficado humano para sempre, mas agora você o perdeu. – Falou e saiu voando pela janela.

Ela ficou desesperada pensando porque tinha feito aquilo. Durante uma semana ela sofreu, mas depois levantou-se e jurou que iria em busca do marido e o salvaria. Naquele mesmo dia saiu do palácio, partindo sem saber para onde. Sua única pista era a avezinha. Quando chegou nos limites da cidade ela encontrou uma velha debruçada numa janela de uma pequena cabana.

– Por que esse ar tão triste, princesa Marya?, perguntou a velha.

– Estou procurando por meu marido. Queimei a pele dele e o perdi para um feitiço.

– Você jamais irá encontrá-lo viajando do modo como está. Volte para casa e peça ao ferreiro que lhe prepare três pares de botas de ferro, três chapéus de ferro e três pães de ferro. Então volte aqui e eu lhe direi onde ir em busca do seu marido.

A princesa agradeceu pelos conselhos da velha e voltou para casa. Pediu aos ferreiros que fizessem tudo que a velha mandara. Depois ela foi encontrar-se com a velha.

– Hoje está muito tarde para você seguir viagem, disse a velha. Jante comigo e descanse. Amanhã poderá partir.

No dia seguinte, ao amanhecer, a velha ofereceu-lhe alguns conselhos.

– Depois de sair daqui, procure um grande buraco na terra , disse a velha. Quando chegar ao abismo, coloque um dos pares de botas, um dos chapéus e coma um pão. Então desça. Você encontrará lá muitas pessoas gritando, cantando e chorando, e elas lhe pedirão que fique com elas, entretanto você deve seguir em frente sem demora. Se parar, jamais sairá desta caverna. Quando tiver gasto os três pares de botas, os três chapéus e comido os três pães de ferro, chegará ao fim da passagem. Do outro lado vive minha irmã, e ela lhe dirá o que fazer a seguir.

A princesa ficou horrorizada por tudo que teria que passar, mas agradeceu e partiu. Depois de muito andar, seu caminho terminou repentinamente na beira de um abismo. Ela espiou lá embaixo e não viu o fim. Destemida ela colocou o par de botas, o chapéu e comeu um pão de ferro. Depois começou a descer no vazio. Desceu, desceu, desceu, até que chegou num túnel sombrio. Lá ouviu pessoas que gritavam, cantavam e choravam, as quais lhe pediam que ficasse com elas. Mas ela os ignorou e foi em frente. A cada passo ela sangrava , pois o chão tinha lâminas de ferro e penduradas no teto também havia lanças de ferro, e sua cabeça as tocava e fios de sangue corriam em seu rosto.

Conforme ela afundava, mais e mais na escuridão, mais estridentes eram os gritos à sua volta. Ela lutou muito e, quando comeu seu derradeiro pão, usou o último par de botas e o último chapéu, viu um lampejo de luz ao longe. Chegou no final da caverna e arrastou-se até a luz do sol e despencou numa encosta gramada. Por uma semana ficou imóvel, fraca demais para se movimentar.Levantou-se ainda enfraquecida e andou aos tropeções, chegando numa casa que bateu na porta. BabaYaga, a grande bruxa apareceu para recebê-la.

– Princesa Marya! Aonde vai nesse estado? Minha irmã deve tê-la mandado aqui!

Marya contou o que acontecera com seu marido por sua culpa, mas que por amá-lo muito estava a sua procura.

BabaYaga suspirou, e disse: – Já se passaram dez anos desde que seu marido passou por minha casa. Agora ele é humano, mas nesse intervalo, casou-se com a filha do Rei de Fogo e agora vive com ela em seu palácio. Eu lhe direi como encontrá-lo e conquistá-lo de novo, mas antes descanse e coma.

Por uma semana a princesa ficou com BabaYaga, recuperando as forças. Então a bruxa lhe disse: – Chegou a hora de você ir ver seu marido. Eis o que você deve fazer. No jardim em torno do palácio em que ele vive, há uma pequena encosta. Sente-se no chão gramado desse morro e penteie-se com este pente de ouro. A filha do rei sairá do palácio ao vê-la e pedirá para comprar o pente de ouro. Ela estará acompanhada de duas mulheres, e elas têm exatamente a mesma aparência. Por isso, você deve cuidar para escolher a mulher certa, que será a do meio. Diga-lhe que você troca o pente por uma noite a sós com Blênio, mas não lhe dê o pente antes de estar com seu marido.

A princesa Marya agradeceu a BabaYaga pela sua ajuda e saiu da casa dela.

Chegou a um grande palácio, parou à entrada do jardim e sentou-se na encosta gramada. Começou a pentear os cabelos e logo as três mulheres acercaram-se dela. A do meio exclamou: – Nunca vi pente tão lindo. Você o venderia para mim? Posso pagar do jeito que você quiser.

– Não o vendo por dinheiro, mas posso trocá-lo por outra coisa.

– O que você deseja? , perguntou a outra . Ela disse: Apenas passar uma noite sozinha com seu marido.

– Ora , isso não é nada, disse a filha do rei. Você pode fazê-lo hoje mesmo. Agora dê-me o pente.

– Não disse Marya, ele será seu somente quando eu pisar dentro do quarto do seu marido.

– Muito bem, disse a outra. Vamos, venha comigo.

Chegando à porta do palácio ela entrou, e deixou Marya esperando, mas logo depois reapareceu. Você pode vir comigo agora e guiou a moça para o quarto. Pegou o pente de ouro das mãos de Marya e deixou-a sozinha com Blênio. Marya correu até o marido e chamou-o pelo nome, mas ele estava dormindo e não se moveu. Ela chorou e contou-lhe, mesmo assim, da longa viagem que vinha fazendo para encontrá-lo, mas nem assim ele se mexeu. Quando amanheceu a mulher expulsou a moça do quarto.

Marya voltou até BabaYaga, com o coração partido e desencorajada, e por uma semana ela chorou. Então, BabaYaga deu-lhe um lindo anel de ouro: - Use esse anel e vá novamente ao palácio e sente-se no jardim. As três mulheres virão novamente até você e a do meio vai querer comprar o anel. Faça igual da outra vez, mas só entregue o anel quando estiver dentro do quarto.

Assim ela fez e a mulher levou-a até seu marido. Ela novamente chamou-o pelo nome, mas ele dormia e não se mexeu. Mais uma vez a mulher colocou-a para fora do quarto e do palácio.

Ela voltou até BabaYaga dizendo que fracassara mais uma vez. A bruxa disse que a outra dera uma poção para que ele dormisse porque era esperta. Mas a bruxa não deixou que ela desistisse e tirou do armário um lenço muito bonito. Disse que essa seria a última chance dela recuperar o marido: –  Use este lenço e faça tudo como das outras vezes, mas se você não conseguir acordá-lo nada mais posso fazer por você. Esta é a última vez que a ajudo.

Marya agradeceu e seguiu seu rumo. Como antes, tudo aconteceu igual, mas Marya disse que só daria o lenço quando estivesse do lado do rapaz. Mais uma vez ele dormia e ela não conseguia acordá-lo. Quando amanheceu ela estava desesperada e chorou muito, mas naquele momento que a outra já a expulsava do quarto, uma lágrima dela caiu no rosto de Blênio que acordou sobressaltado.

A mulher gritava para que Marya saísse do quarto, mas quando ele a viu em pé ao seu lado logo a reconheceu e disse: – Finalmente você chegou!

A mulher gritava para tirar Marya do quarto, mas ele disse que a deixasse ficar.

– Ela é Marya minha primeira e verdadeira esposa.

Ele abraçou-a e ela lhe contou por tudo que passara desde que ele desaparecera.

Blênio reuniu todos os anciãos do reino, ofereceu um festa e perguntou-lhes: – Qual destas mulheres é minha verdadeira esposa? A que arriscou a vida para me encontrar, usando botas, chapéus e comendo pães de ferro, ou a que me trocou por um pente, um anel e um lenço?

Os anciãos responderam que sua verdadeira esposa era Marya, e é com ela que você deve viver.

Blênio concordou e voltando-se para Marya chamou-a para voltarem para casa. Ele pegou uma pequena caixa enferrujada e disse: – Marya feche os olhos.

Assim ela o fez, e no mesmo instante sentiu um vento soprando em seu rosto, ele aí sussurrou: – Agora pode abrir os olhos.

Quando ela olhou em volta, ficou atônita. Eles estavam num campo ao ar livre, e diante deles uma cidade fervilhava.

– Você reconhece esse lugar? ,disse ele.

– Sim, penso que sim.

– É o reino do seu pai disse ele, enquanto abria de novo a caixa.

Marya desfaleceu e acordou no palácio que fora construído por Blênio para conquistá-la. Ao seu lado estava seu marido dormindo. Alguns instantes depois ele acordou e disse: – Você me deu três tarefas antes de casarmos, essa é a razão de você ter sofrido tanto. Porém, agora estamos juntos mais uma vez.

Enquanto os dois se abraçavam, os pais de Blênio entraram, seguidos pelos pais de Marya. Todos comemoraram juntos o reencontro dos dois, com uma grande festa.

Fonte:
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