segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Eça de Queiroz (A Filha do Carcereiro)

A pobre rapariga tinha seis anos: era filha do carcereiro. Era loura, com grandes olhos lúcidos. Desde a madrugada ia pelos pátios, pelas enxovias ( cárcere térreo ou subterrâneo, com pouca luz e insalubre), pelas gradarias, leve como uma seda e sã como um sol.

Levava braçadas de ervas aos presos e clematites (planta).

Na cadeia chamavam-lhe a Cotovia. Tinha pombas. Tinha um riso transparente e bom, e quando os miseráveis sujos e chorosos iam para os degredos – ela cantarolava entre eles, serena e gloriosa. Cresceu. A mãe era lavadeira e morreu no rio, entre os musgos e os canaviais. O pai teve um mal e ficou entrevado.

Vieram os Invernos. Ela lidava. Cuidava dos irmãos pequenos. Lavava ao sol… Costurava à lareira sonolenta. De madrugada ia atirar grãos e migalhas às pombas: depois vinha dar ao pai engelhado, triste, doloroso, as sopas e o caldo.

Um dia entrou na cadeia um bêbado, um covarde, um assassino, que tinha espancado o pai. Era um lindo rapaz, branco com um corpo delgado. A rapariga viu-o, e fugiu com ele de noite embrulhada num cobertor.

Todo o dia seguinte, as crianças não comeram. O pai gritou, chorou e arrastou-se até à lareira. Ninguém. As pombas voavam à tarde inquietas, fugitivas e medrosas. O pai ficou toda a noite ao pé da lareira a roer um bocado de pão duro. No outro dia ainda as crianças ficaram sem comer. Todas as pombas fugiram. O pai arrastou-se até o casebre; e esfomeado, batia de encontro à porta. Por fim vieram. Passados dias. Havia pela vizinhança um cheiro de podridão. As crianças tinham morrido; o pai tinha morrido. Tinha sido a fome, a míngua, a sede, o frio.

A que fugiu é hoje velha. Embebeda-se com aguardente: e quando na taberna as esfarrapadas e os miseráveis lhe falam nesta história, ela diz com voz rouca:
– Ai que noite aquela, filhas! Ele tinha um modo de dar beijos!

Fonte:
Eça de Queiroz. Prosas bárbaras.

Academia Brasileira de Letras (Conferências de Março)

 
 

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Paulo Roberto de Oliveira Caruso (Buquê de Trovas)

1
A chave ao meu coração
só tu tens; não tenho medo.
Temos tão rica união
que eu nunca mudo o segredo!
2
As partidas de xadrez
têm decerto a sua essência.
Jogador tem sua vez;
é preciso paciência!
3
Certa vez ouvi um papo.
Um machista disse: “Eureca!
Homem não engole sapo...
Ele come perereca!”
4
Dando-se as mãos a cidade
com zeladora vigília
mostra solidariedade
virando grande família.
5
Deus construiu este mundo
com suor do seu trabalho.
Seu esforço foi profundo.
Assim nos nasceu o orvalho!
6
Fogueira em festa junina...
Eu me queimei um bocado!
Na quadrilha eu vi menina
e saí de lá casado!
7
Foto de bonita dama
atraiu Seu Juvenal.
Viu ser dum homem a trama
no tal mundo virtual!
8
Horas por dia eu passei
no tal mundo virtual,
até que um dia paguei
uma conta bem real!
9
João golpes praticou
no tal mundo virtual,
até que um dia encarou
um xilindró bem real!
10
Lendo sobre camisinha,
Joaquim logo gargalhou.
Em peça pequenininha
de agasalho ele pensou!
11
Menina virou rapaz
e rapaz virou menina...
Hoje muito isso se faz
não só em festa junina...
12
Meu coração suburbano
tu conheces muito bem!
Tem muito do amor humano
que preenche o teu também!
13
No ano de mil e quinhentos,
dia vinte e dois de abril,
Portugal, com ricos ventos,
arrecadou o Brasil.
14
Nosso amor é o sagrado.
O que revela união.
Ele sabe ser gerado
com paixão e compaixão.
15
O poeta Zé Mitôca
é mesmo "o cara" de Ocara!
Versos mil de sua boca
tornaram-se joia rara!
16
O político safado
faz o povo de capacho.
Da panela do coitado
raspa até o fim do tacho!
17
O silêncio é uma virtude,
disso todo mundo sabe.
Cala-te, não sendo rude,
quando falar não te cabe.
18
Para ser lugar perfeito
nossa querida cidade,
requer sempre um bom prefeito
praticando a honestidade.
19
Perguntou Seu Dorival
“o que é que a baiana tem?”
Não somente em carnaval,
rebola como ninguém!
20
Que dolorosa ironia:
a terra muito pisamos,
mas a morte chega um dia...
E sob a terra ficamos!
21
Quem diria? A sementinha
pela mamãe recebida
gera uma pessoazinha
regada a leite e querida!
22
Se mantemos o decoro,
o “eu” se doa pelo “nós”,
assim nasce o melhor coro,
parecendo uma só voz.
23
Se pregarmos a bondade,
o sagrado nós veremos:
em vez de fria cidade,
grande família teremos!




24
Teus olhos da cor da terra
são meu solo, são meu chão.
É neles dois que se encerra
minha antiga solidão!
25
Toda saudade, de fato,
traz o início dum sofrer.
Sabemos que ela num ato
vem do fim de um conviver.
26
Um enfermeiro embriagado
susto deu-me a injeção.
Meu braço foi preparado
com bafo, sem algodão.
27
Um soneto ia eu tentar,
mas a preguiça chegou.
Antes de os olhos pregar,
esta trova me sobrou.

Paulo R. O. Caruso (1975)



   Paulo Roberto de Oliveira Caruso nasceu no Rio de Janeiro/RJ, em 1975. Servidor público no estado do Rio de Janeiro, administrador, advogado (especialista em direito do trabalho e processo do trabalho) e estudante de Letras, sendo todos os três cursos na Universidade Federal Fluminense. Revisor de livros. Palestrante sobre o mal-do-século e outros temas.
     Sonetista; trovador; haikaísta (ao estilo oriental, ou seja, sempre com rimas); indrisista; acrosticista; aldravianista; glosador; lirista; poeta de versos livres; prosador poético; cordelista; contista; cronista e redator.
     É o atual Presidente da Academia Brasileira de Trova (2016 a 2019) e membro de outras academias de letras e artes no Brasil e no Exterior, como:
- Presidente da Academia Brasileira de Trova;
- Vice-Presidente da Academia Evangélica de Ciências, Artes e Letras Do Brasil;
- Vice-Presidente da Academia Estratégica Militar de Letras do Brasil;
- Secretário de Diplomacia e Comunicação Da Academia De Letras Do Brasil;
- Embaixador da Academia de Letras do Brasil – Seccional Minas Gerais no Rio De Janeiro;

Acadêmico Correspondente de:
Academia de Letras y Artes de Valparaiso (Chile), Academia de Letras e Artes de Cabo Frio (RJ), Academia de Belas Artes, Ciências e Letras de Niterói (RJ), Academia de Letras de Teófilo Otoni (MG), Academia de Letras e Artes de Fortaleza (CE), Academia de Letras de Goiás (GO), Academia  de Ciências, Letras e Artes de Vitória (ES), International Writers Association (Ohio-EUA), Academia de Letras do Brasil (seccional Suíça), Núcleo de Letras y Artes de Buenos Aires (Buenos Aires, ARG), Núcleo Académico de Lisboa (Lisboa-PORT), Academia de Letras do Brasil (seccional Araraquara-SP), Academia de Letras do Brasil (seccional Salvador-BA).

Honrarias:
- Doutor Honoris Causa pela Academia de Letras do Brasil/Seccional Minas Gerais;
- Catedrático de Honra em Direito da Academia de Letras do Brasil;
- Grão Colar da Academia de Letras Do Brasil/Seccional Minas Gerais;
- Mérito Literário do Centro de Expressões Culturais Museu Militar Conde de Linhares;
– Mérito Cultural da APALA – Academia Pan-Americana de Letras e Artes)

- Autor de 27 títulos de livretos artesanais;
- Participante de 69 antologias impressas e de 92 antologias virtuais alheias, além de concursos literários;
- Organizador de 44 concursos literários, 2 antologias impressas e 10 antologias virtuais;
– Recebeu 146 prêmios literários (troféus, medalhas, certificados, orelhas e apresentações de livros);
- Membro de júris literários de academias e júris literários de concursos próprios.
     Possui o site www.reinodosconcursos.com.br , com dezenas de concursos literários e seus resultados, entrevistas com diversos literatos.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Jardim de Trovas n. 3

O comilão, na cozinha,
cai de boca na penosa...
- Quem manda ela ser galinha
e, além de tudo, gostosa?
A. A. de Assis
Maringá/PR

A minha sogra assanhada,
no barracão da Mangueira,
foi muito mais apalpada
do que laranja na feira!...
Ademar Macedo
Natal/RN

Exibe a mercadoria,
e enquanto o fiscal faz pausa,
rabisca na nota fria:
trambiqueiro em justa causa...
Alba Christina Campos Netto
São Paulo/SP

Preguiçoso, o "Zé Pijama",
tanta preguiça agasalha,
que a mulher só não reclama
porque o vizinho trabalha.
Aloisio Alves da Costa
Orós/CE

É tão roxa por novela
a mulher do Serafim,
que, se alguém chama por ela,
ela responde: Plim-Plim!
Ana Maria Motta
Nova Friburgo/RJ

Quando o peixeiro passava
com sua noiva faceira,
a vizinha comentava:
– Vai ter piranha na feira...
Antonio Juraci Siqueira
Belém/PA

É sovina a minha amiga:
se vai à feira gastar
não compra nem uma briga
sem primeiro pechinchar!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG

Minha sogra sempre anota
meus atrasos num caderno:
- Se esta "coroa" empacota,
vai ser porteira do inferno!
Carlos Guimarães
Rio de Janeiro/RJ

Ouvindo a banda na praça
quis saber o Seu Manuel :
- De quem Maria da Graça
é o Bolero de Ravel ?
Célia Guimarães Santana
Sete Lagoas/MG

Santo Antonio, Santo Antonio,
às vezes você nos logra:
pedimos só matrimônio,
e lá vem... mulher e sogra!
Célio  Belmiro Grünewald
Juiz de Fora/MG

O Anedotário horroroso
que ele repete em torrente,
é do tempo em que o famoso
Mar Morto estava doente!
César Torraca
Rio de Janeiro/RJ

Na bolsa as vê, mas sequer
o esposo otário adivinha:
“Se eu nem uso isso, mulher,
pra que tanta camisinha?!”
Cleber Roberto de Oliveira
São João de Meriti/RJ

“Nossa! Que enorme chifrada!...
Conta, guri, como foi!” “
A minha até não foi nada;
da sua... pergunte ao boi...”
Dorothy Jansson Moretti
Sorocaba/SP

Foi um choque e muita mágoa
para quem te acreditou:
a tua barriga d'água
com nove meses chorou!
Edmar Japiassú Maia
Rio de Janeiro/RJ

- Esta pimenta é de cheiro?
Pergunta com azedume,
e o garçom fala ligeiro:
- Se não é... boto perfume!!!
Élbea Priscila de Souza e Silva
Caçapava/SP

Dizem que todo "baixinho"
tem mania de grandeza...
por isso, é que meu vizinho
só chama a mulher de... "Alteza"!
Hermoclydes S. Franco
Rio de Janeiro/RJ

A mulher do meu vizinho
faz a feira o mês inteiro,
sem sacola, sem carrinho,
sem vergonha e sem dinheiro...
Izo Goldman
São Paulo/SP

Vendo o marido a roncar,
grita, insistente, a Nair:
- Acorde, João, pra tomar
seu remédio pra dormir!
José Antonio de Freitas
Pitangui/MG

De susto, quase morreu:
- É fantasma - e não ladrão!
E quando a luz acendeu,
era a sogra num roupão!
José Reginaldo Portugal
Bandeirantes/PR

"Só pensa em sexo o Odilon,
diz ao juiz a esposa tensa.
- Minha senhora, isto é bom!
- Mas... seu juiz... ele só pensa...
Joubert de Araújo Silva
Rio de Janeiro/RJ

Clara disse: - Não te quero.
Mas disse tão docemente,
que eu notei: neste entrevero,
Clara mente, claramente!
Licínio Costa
Nova Iguaçu/RJ

O terapeuta sugere:
- “Apimente” a relação!
Mas a mulher interfere:
- “Tô fora! Pimenta não!
Lucília A. T. Decarli
Bandeirantes/PR

E se em tupi é “kiri”
e lá na Itália “bambino”,
no sul só falam “guri”:
diabruras de “menino’!
Luiz Carlos Abritta
Belo Horizonte/MG

Do Cornélio, aqui ao lado,
o viver é bem inglório:
até no nome o coitado
deixa ver o que é notório!...
Luiz Carvalho Rabelo
Natal/RN

Doces, massa, a todo instante,
tão redondo é o comilão,
que nem escada rolante
consegue sair do chão!
Maria Helena Calazans Duarte
São Paulo/SP

O cinquentão não se aguenta:
é calculista bebum,
e tão logo fez cinquenta,
já quer ter “ Cinquenta e Um” !!!
Marisa Rodrigues Fontalva
São Paulo/SP

- Três frangos, polenta e vinho
– pede um gordo comilão.
- Comes tudo isso sozinho?!?!
- Não, garçom, como com pão!
Marina Bruna
São Paulo/SP

Faxina pra lá de boa
ela faz por cinquentão:
limpa a casa da patroa
e a carteira do patrão.
Maurício Cavalheiro
Pindamonhangaba/SP

O sargentão linha dura
se deu mal nessa "parada":
pois perdeu a dentadura
no decote da cunhada!
Nádia S. Huguenin
Nova Friburgo/RJ

Com mania de grandeza,
a madame refinada
faz despacho, com destreza...
- mas com galinha importada!
Neuci da Cunha Gonçalves
São Bernardo do Campo/SP

Na preguiça é contumaz,
mora no morro, e só vendo:
na subida, anda pra trás,
e finge que está descendo!
Newton M. Azevedo
Pouso Alegre/MG

Zé preguiça pra informar
o banheiro pro Novais,
quando acabou de falar
já era tarde demais.
Pedro Viana Filho
Volta Redonda/RJ

Tem mania de sucesso
e afirma que tem talento,
pois seu diretor , possesso,
só diz: " Tá lento, tá lento!
Renata Paccola
São Paulo/SP

Muito egoísta e exigente,
de tudo tira partido...
- e sempre exige um presente,
nas ausências do marido!
Rodolpho Abbud
Nova Friburgo/RJ

Enquanto a banda tocava
numa praia de nudista,
a galera apreciava
o “perfil” de cada artista...
Ruth Farah N. Lutterback
Cantagalo/RJ

Se é verdadeiro que é o cão
maior amigo da gente,
amigo de comilão
deve ser “cachorro quente”!
Selma Patti Spinelli
São Paulo/SP

Vovó se afoga ... e, no cais,
com vovô tentando a cura,
o boca a boca foi mais
dentadura a dentadura.
Sérgio Bernardo
Nova Friburgo/RJ

Trambicando a todo instante
Jacó, na esmola, revolta:
pois, usando de um barbante,
puxa a moeda de volta!
Sérgio Ferreira da Silva
São Paulo/SP

Um cozinheiro ciumento
tacou pimenta na empada,
transformando o casamento
numa festa... só privada.
Walter Leme
Pindamonhangaba/SP

Tentando aparentar trinta,
o cinquentão se “ferrou”.
Comprou um estoque de tinta,
mas... o cabelo acabou.
Wandira Fagundes Queiroz
Curitiba/PR