quarta-feira, 3 de abril de 2019

Lilinha Fernandes (1891 - 1981)

Rainha da Trova 

A aurora corou de pejo
naquele claro arrebol,
sentindo na face o beijo
da boca rubra do Sol.

A cordilheira hoje à tarde,
de um verde claro e bonito,
era um colar de esmeraldas
no pescoço do infinito.

A definição exata
do remorso, está patente:
fino punhal que não mata
mas tira a vida da gente.

A Inveja dorme na rede
da Injustiça, sua amiga;
do Mal se alimenta, e a sede
mata na fonte da Intriga.

Amei e não fui amada...
Minha alma encheu-se de dor.
E fui tão desventurada
que não morri desse amor.

A modéstia não se ostenta,
se esconde e é pressentida:
a presunção se apresenta
e passa despercebida.

Ao amor fiel, que não minta,
a palavra injuriosa
é como um borrão de tinta
manchando tela famosa.

"A traição é a própria vida."
É a violeta que assim fala,
porque se esconde e é traída
pelo perfume que exala.

A um cego alguém perguntou
vendo-o só: - Que é de teu guia?
E ele sorrindo mostrou
a cruz que ao peito trazia.

Chorei na infância insofrida
para na roda ir cantar.
Hoje, na roda da vida,
eu canto pra não chorar.

Da morta felicidade
guarda a saudade dorida,
pois quem tem uma saudade
tem muita coisa na vida.

Da tua vida a viagem
se é triste o pintor imita,
 que da mais tosca paisagem
faz a tela mais bonita!

Desejei fogo atear
ao mundo por onde trilho,
vendo uma cega indagar
como era o rosto do filho.

Dizem que o amor é feitiço,
é mágoa, alegria e dor.
- Mas se amor não fosse isso,
que graça teria o amor?

Do nosso amor acabado
não pode esquecer a gente,
porque a saudade é o passado
que nunca sai do presente.

Do violão o segredo
de imitar os passarinhos,
é já ter sido arvoredo
e abrigo de muitos ninhos.

É assim a boca do mundo
que vigia nossas portas:
esconde nossos triunfos,
propala nossas derrotas.

És de beleza um portento,
no perfil, nas formas puras.
Mas beleza sem talento
é um palácio às escuras.

Esperança, és bandoleira,
mas és também sol doirado,
de luz a única esteira
na cela de um condenado.

Esses teus olhos rasgados,
muito azuis, muito leais,
são miosótis deitados
em vasos originais.

Eu canto quando a saudade
me fere com seu desdém.
O canto é a modalidade
mais bela que o pranto tem.

Eu comparo o arrependido
que o perdão vê numa cruz,
ao viandante perdido
que avista, ao longe uma luz.

Eu não bebia... te juro!
Beijei-te, então, podes crer:
foi teu beijo, vinho impuro,
que me ensinou a beber.

Feliz nunca fui! Sem crença,
procuro a felicidade,
como o cego de nascença
que quer ver a claridade.

Há muita gente cativa
neste mundo, como eu,
que vive porque está viva,
no entanto, nunca viveu.

Lua e Saudade - rendeiras
da dor que com a ausência vem,
se vós não sois brasileiras,
pátria não tendes também.

Mãe: nem um tálamo nobre
esquecerei, sem mentir,
aquele bercinho pobre
que embalavas pra eu dormir.

Mãe: por mais que um filho aprenda,
sempre esquece que sois vós
a única fonte de renda
que paga imposto por nós.

Manhã. O Sol é um botão
de fina prata dourada,
abotoando o roupão
todo azul da madrugada.

Meus filhos! ...  Minha alegria!
Dentro da minha pobreza,
nunca pensei ter um dia
tão opulenta riqueza!

Minha casa pobre, é rica!
Mesmo no escuro tem brilhos;
porque o amor a santifica,
porque a iluminam meus filhos.

Minha netinha embalando,
da alegria sigo os passos.
Julgo-me o Inverno cantando
com a Primavera nos braços.

Morre o poeta. Em oração
se escutam vozes bizarras.
- É a missa que as cigarras
celebram por seu irmão.

Não me odeias nem me queres...
Meu Deus! Que tortura imensa!
Mais do que o ódio, as mulheres
detestam a indiferença.

Não peço um prazer sequer
à vida que à dor se iguala.
Já faz muito se me der
coragem pra suportá-la.

Na velha igreja te ouço
sino alegre ... Estás dizendo
que há muito coração moço
em peito velho batendo.

No meu viver triste e escuro,
na minha sede de amar,
és aquele que eu procuro
e não me quer encontrar.

No trabalho em que me escudo,
lutando para viver,
tenho tempo para tudo,
menos para te esquecer.

Num beijo fez imortal
o nosso amor sem ressábios:
um romance original
escrito por quatro lábios.

Num voo de pomba mansa,
quisera ir ao céu saber
qual o crime da criança
que é condenada a nascer.

Nunca maldigas teu fado.
Confia em Deus, firmemente.
O arvoredo mais copado
já foi humilde semente.

O amor que brinca com a sorte,
que é sempre chama incendida,
é o que vai além da morte!
- Não há dois em toda a vida!

O mar que geme e palpita
no seu tormento profundo,
é uma lágrima infinita
que Deus chorou sobre o mundo.

O tempo passa voando ...
Mentira, posso jurar.
Se estou meu bem esperando,
como ele custa a passar!

O vento que atro zunia,
queria a noite açoitar;
e a noite, calma, dormia
no regaço do luar.

Para ingratos trabalhando,
de santo prazer me inundo,
pois, perdendo vou ganhando
a maior glória do mundo.

Para rimar com teu nome,
que é do céu a obra-prima,
mãe, não existe um vocábulo!
Nem mesmo Deus achou rima.

Partiste ... Ficou-me n'alma
tua voz suave e pura...
- Ave a cantar sobre a calma
da mais triste sepultura.

Pensei fazer um feitiço
para esquecer-te, mas vi
que de tanto pensar nisso
é que penso mais em ti.

Podem subir os felizes!
Agarro-me ao solo, em festa.
- Se não fossem as raízes,
que seria da floresta?

Pra que eu te esqueça, não tenhas
confiança em teu desdém:
quanto mais de mim desdenhas,
quanto mais te quero bem.

Pra quem é mãe não existe
bem de mais funda raiz,
que o de viver sempre triste,
mas ver seu filho feliz.

Procurar-te, eu? que loucura!
Olha, eu te vou confessar:
de mim mesma ando à procura
e não consigo me achar.

Quando tu passas na estrada,
dentro de casa adivinho:
é teu passo uma toada
musicando teu caminho.

Que bom quando todos deixam
na casa o silencio agir,
e os dedos do sono fecham
meus olhos, para eu dormir.

Que eu tive felicidade,
minha saudade vos diz,
pois só pode ter saudade
quem já foi multo feliz!

Quem é do dever escravo
e não faz coisas a esmo,
pode dizer que é um bravo
e o próprio rei de si mesmo.

"Que levas tu na mochila?"
Diz ao corcunda um peralta.
E o corcunda: - "A alma tranquila
e a educação que te falta."

Quem não tem ouro disperso,
nem prata velha na mão,
paga com o níquel do verso
as contas do coração.

Quem - seja nobre ou plebeu -
no Bem sua vida encerra,
sem estar dentro do céu,
está acima da terra.

Quem vive em casa ou nas ruas,
chagas alheias curando,
nem se apercebe que as suas
foram sozinhas fechando.

Que o mundo acabe, no fundo,
não me causa dissabor,
pois vivo fora do mundo,
no meu mundo de amor.

São meus ouvidos dois ninhos
onde guardo, ao meu sabor,
um bando de passarinhos!
- Tuas mentiras de amor.

Saudade é assim como fado
lembrando quem vive ausente:
é um suspiro do passado
na garganta do presente.

Sem ti, que treva cerrada
pelos caminhos que trilho!
Sou como a Lua apagada
que, sem o Sol, não tem brilho.

Se o bem não podes fazer,
o mal não faças também,
que o bem já faz sem saber,
quem não faz mal a ninguém.

Se ouvisse o homem da terra,
de Deus o conselho amigo,
em vez de campos de guerra
faria campos de trigo.

Se te vais, que dor imensa!
Mas s e vens, meu grande amor,
ante a tua indiferença
cresce mais a minha dor.

Sofres no céu, Mãe querida,
sentindo, ao ver minha sorte,
que me pudeste dar vida
e não me podes dar morte!

Sua cruz que eu sei pesada,
minha mãe leva sozinha.
Mesmo assim, velha e cansada,
me ajuda a levar a minha.

Tua ironia maldosa,
do amor não me, apaga o lume:
Procura esmagar a rosa,
vê se não fica o perfume.

Vejo teu rosto, formosa,
e o corpo - graça profana -
como se visse lima rosa
num jarro de porcelana.

Velho em trajes de rapaz
dá a impressão, diz o povo,
de um livro antigo demais
encadernado de novo.

Ventura, é coisa sabida,
seja muita ou seja escassa,
se não for interrompida
perde a metade da graça.

Vida e morte vão andando
no mesmo campo a lutar.
A primeira semeando,
para a segunda ceifar.

Fonte:
Luiz Otávio e J.G. de Araujo Jorge . 100 Trovas de Lilinha Fernandes. vol. 2.RJ: Ed. Vecchi, 1959. Coleção Trovadores Brasileiros

Fernando Sabino (Como dizia meu pai...)


Já se tornou hábito meu, em meio a uma conversa, preceder algum comentário por uma introdução: 

— Como dizia meu pai... 

Nem sempre me reporto a algo que ele realmente dizia, sendo apenas uma maneira coloquial de dar ênfase a alguma opinião. 

De uns tempos para cá, porém, comecei a perceber que a opinião, sem ser de caso pensado, parece de fato corresponder a alguma coisa que Seu Domingos costumava dizer. Isso significará talvez — Deus queira — insensivelmente vou me tornando com o correr dos anos cada vez mais parecido com ele. Ou, pelo menos, me identificando com a herança espiritual que dele recebi. 

Não raro me surpreendo, antes de agir, tentando descobrir como ele agiria em semelhantes circunstâncias, repetindo uma atitude sua, até mesmo esboçando um gesto seu. Ao formular uma ideia, percebo que estou concebendo, para nortear meu pensamento, um princípio que se não foi enunciado por ele, só pode ter sido inspirado por sua presença dentro de mim. 

— No fim tudo dá certo... 

Ainda ontem eu tranquilizava um de meus filhos com esta frase, sem reparar que repetia literalmente o que ele costumava dizer, sempre concluindo com olhar travesso: 

— Se não deu certo, é porque ainda não chegou no fim. 

Gosto de evocar a figura mansa de Seu Domingos, a quem chamávamos paizinho, a subir pausadamente a escada da varanda de nossa casa, todos os dias, ao cair da tarde, egresso do escritório situado no porão. Ou depois do jantar, sentado com minha mãe no sofá de palhinha da varanda, como namorados, trocando notícias do dia. Os filhos guardavam zelosa distância, até que ela ia aos seus afazeres e ele se punha à disposição de cada um, para ouvir nossos problemas e ajudar a resolvê-los. Finda a última audiência, passava a mão no chapéu e na bengala e saía para uma volta, um encontro eventual com algum amigo. Regressava religiosamente uma hora depois, e tendo descido a pé até o centro, subia sempre de bonde. Se acaso ainda estávamos acordados, podíamos contar com o saquinho de balas que o paizinho nunca deixava de trazer. 

Costumava se distrair realizando pequenos consertos domésticos: uma boia de descarga, a bucha de uma torneira, um fusível queimado. Dispunha para isso da necessária habilidade e de uma preciosa caixa de ferramentas em que ninguém mais podia tocar. Aprendi com ele como é indispensável, para a boa ordem da casa, ter à mão pelo menos um alicate e uma chave de fenda. Durante algum tempo andou às voltas com o velho relógio de parede que fora de seu pai, hoje me pertence e amanhã será de meu filho: estava atrasando. Depois de remexer durante vários dias em suas entranhas, deu por findo o trabalho, embora ao remontá-lo houvesse sobrado umas pecinhas, que alegou não fazerem falta. O relógio passou a funcionar sem atrasos, e as batidas a soar em horas desencontradas. Como, aliás, acontece até hoje. 

Tinha por hábito emitir um pequeno sopro de assovio, que tanto podia ser indício de paz de espírito como do esforço para controlar a perturbação diante de algum aborrecimento. 

— As coisas são como são e não como deviam ser. Ou como gostaríamos que fossem. 

Este pronunciamento se fazia ouvir em geral quando diante de uma fatalidade a que não se poderia fugir. Queria dizer que devemos nos conformar com o fato de nossa vontade não poder prevalecer sobre a vontade de Deus - embora jamais fosse assim eloquente em suas conclusões. Estas quase sempre eram, mesmo, eivadas de certo ceticismo preventivo ante as esperanças vãs: 

— O que não tem solução, solucionado está. 

E tudo que acontece é bom — talvez não chegasse ao cúmulo do otimismo de afirmar isso, como seu filho Gérson, mas não vacilava em sustentar que toda mudança é para melhor: se mudou, é porque não estava dando certo. E se quiser que mude, não podendo fazer nada para isso, espere, que mudará por si. 

Às vezes seus princípios pareciam confundir-se com os da própria sabedoria mineira: esperar pela cor da fumaça, não dar passo maior do que as pernas, dormir no chão para não cair da cama. Os dele eram mais singelos: 

— Mais vale um apertinho agora que um apertão o resto da vida. 

— Negócio demorado acaba não saindo. 

— Dinheiro bom em coisa boa. 

— Antes de entrar, veja por onde vai sair. 

Um dia me disse, ao me surpreender tentando armar um brinquedo qualquer com mãos desajeitadas: 

— Meu filho, tudo que é bem feito se faz com os dedos, não com as mãos. 

Tenho tido ocasião ao longo da vida de observar como é procedente este seu ensinamento. A mão é grossa, pesada, insensível. Se não fossem os dedos de nada serviria, a não ser para dar bofetadas. Os dedos são refinados, sensitivos, e a eles devemos tudo o que é bem feito e acabado: do mais requintado trabalho manual às mais complicadas operações, da mais fina sensação do tacto à mais terna das carícias. 

— Se o cafezinho foi bom, melhor não aceitar o segundo: será sempre pior que o primeiro. 

Como tudo mais nessa vida: uma viagem, uma mulher: não repetir, pois a emoção jamais será a mesma da primeira vez. E não desanimar, pois se nascemos nus e estamos vestidos, já estamos no lucro. Nada neste mundo é cem por cento perfeito. Se contamos com mais de cinquenta por cento, também já estamos no lucro. Quando conseguimos o que é apenas bom, naturalmente devemos continuar aspirando o melhor, se possível - mas perfeição absoluta, só Deus. E creio que Seu Domingos, homem íntegro, reto e temente a Deus, hoje em Sua companhia, não consideraria sacrilégio comentar, naquele seu jeito ladino: 

— E assim mesmo, olhe lá... 

Seus conselhos eram de tamanha simplicidade que tinham a força de provérbios nascidos da voz do povo: nada como um dia depois do outro, um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar, tudo tem seu tempo. Fosse ele influenciado por leituras piedosas, poderíamos mesmo detectar, aqui e ali, vestígios de inspiração bíblica: tempo de semear, tempo de colher... 

— É o que nos acontece. 

Há uma diferença sutil entre admitir que as coisas são como são, não como deviam ser, e reconhecer que é o que nos acontece. Aqui, o comentário não pretendia refletir a impossibilidade de modelar (com os dedos) os fatos de acordo com a nossa vontade, mesmo que esta esteja certa. Exprime antes a humilde aceitação da nossa precária condição humana, como frágeis criaturas de Deus. Procura se solidarizar com a desgraça alheia, como a dizer que também estamos sujeitos a ela, somos todos irmãos na mesma atribulação. É o que nos acontece. 

Portanto, alegremo-nos! Uma amiga minha, que não o conheceu, busca nele se inspirar quando afirma, sempre que se vê diante de algum contratempo: 

— Antes de mais nada, fica estabelecido que ninguém vai tirar o meu bom humor. 

Acabei levando esta disposição de minha amiga às últimas consequências: o mais importante é não perder a capacidade de rir de mim mesmo. Como Cartola e Carlos Cachaça naquele samba, às vezes dou gargalhadas pensando no meu passado.. . E cada vez acredito mais no ensinamento recebido não sei se de meu pai ou diretamente de Confúcio, segundo o qual há várias maneiras de realizar um desejo, sendo uma delas renunciar a ele. Como adverte outro sábio, se desejamos obstinadamente alguma coisa, é melhor tomar cuidado, porque pode nos suceder a infelicidade de consegui-la. 

Tudo isso que de uns tempos para cá vem me vem ocorrendo, às vezes inconscientemente, como legado de meu pai, teve seu coroamento há poucos dias, quando eu ia caminhando distraído pela praia. Revirava na cabeça, não sei a que propósito, uma frase ouvida desde a infância e que fazia parte de sua filosofia: não se deve aumentar a aflição dos aflitos. Esta máxima me conduziu a outra, enunciada por Carlos Drummond de Andrade no filme que fiz sobre ele, a qual certamente Seu Domingos perfilharia: não devemos exigir das pessoas mais do que elas podem dar. De repente fui fulminado por uma verdade tão absoluta que tive de parar, completamente zonzo, fechando os olhos para entender melhor. No entanto era uma verdade evangélica, de clareza cintilante como um raio de sol, cheguei a fazer uma vênia de gratidão a Seu Domingos por me havê-la enviado: 

Só há um meio de resolver qualquer problema nosso: é resolver primeiro o do outro. 

Com o tempo, a cidade foi tomando conhecimento do seu bom senso, da experiência adquirida ao longo de uma vida sem maiores ambições: Seu Domingos, além de representante de umas firmas inglesas, era procurador de partes — solene designação para uma atividade que hoje talvez fosse referida como a de um despachante. A princípio os amigos, conhecidos, e depois até desconhecidos passaram a procurá-lo para ouvir um conselho ou receber dele uma orientação. Era de se ver a romaria no seu escritório todas as manhãs: um funcionário que dera desfalque, uma mulher abandonada pelo marido, um pai agoniado com problemas do filho — era gente assim que vinha buscar com ele alívio para a sua dúvida, o seu medo, a sua aflição. O próprio Governador, que não o conhecia pessoalmente, certa vez o consultou através de um secretário, sobre questão administrativa que o atormentava. Não se falando nos filhos: mesmo depois de ter saído de casa, mais de uma vez tomei trem ou avião e fui colher uma palavra sua que hoje tanta falta me faz. 

Resta apenas evocá-la, como faço agora, para me servir de consolo nas horas más. No momento, ele próprio está aqui a meu lado, com o seu sorriso bom. 

30° Concurso Internacional de Poesias, Contos e Crônicas (Envio dos textos até 20 de Setembro)

Academia Internacional de Artes, Letras e Ciências 'A palavra do século 21' - ALPAS 21


Informações

Formatação do texto: A4, fonte 12, arial ou times.

Tema livre.

Modalidades:
Estudantes (até 24 anos)
Adultos

Solicitamos criteriosa correção gramatical.

Não há necessidade de pseudônimo, os textos receberão números.

Solicitamos breve currículo e fotografia (opcional).

Enviar para: gaya.rasia@hotmail.com

É indispensável o envio do texto juntamente com breve currículo

O autor poderá participar em todas as categorias, não é estipulado número de páginas

Vamos imprimir uma cópia dos textos para o Memorial da Cultura ALPAS com os dados do autor e três cópias para os jurados sem identificação.

Para divulgação dos textos classificados, será editada uma coletânea cooperativada internacional, autora homenageada Ieda Linck que será lançada em Novembro de 2019 em Porto Alegre/RS.

Certificados digitais - sem custos

Impressos R$ 40,00 - entrega presencial

Impresso + frete correio - R$ 45,00

Premiações:

14 de Novembro de 2019 em Porto Alegre/RS
Diploma para os três primeiros lugares e para os destaques literários em todas as categorias.

Idiomas: inglês, italiano, espanhol e francês .

Informações, dúvidas, envio de textos: gaya.rasia@hotmail.com

terça-feira, 2 de abril de 2019

Adelmar Tavares (1888 - 1963)


A imagem de nossas almas
está nas águas profundas,
quanto mais tristes, mais calmas;
quanto mais calmas, mais fundas.

A inveja tem seu castigo,
Deus mesmo é quem retribui;
enquanto o invejado cresce,
o invejoso diminui…

Alguém já disse, e é verdade,
que o sentimento do amor,
ou se faz eternidade,
ou então, não é amor…

A luz desse olhar tristonho
dos olhos teus, faz lembrar
essa luz feita de sonho
que a lua deita no mar.

A morte não é tristeza,
é fim, é destinação.
– Tristeza é ficar vivendo,
depois que os sonhos se vão.

Aos que me foram ingratos,
eu grato lhes hei de ser,
pelo bem que me fizeram
no bem que eu pude fazer.

A saudade é uma andorinha,
que ao morrer do sol a chama,
as asas tristes aninha
no coração de quem ama…

As penas em que hoje estou,
disse-as ao Sol, – fez-se triste.
Disse-as à noite – chorou.
Disse-as a ti, e sorriste…

Coração, fonte da Vida,
da vida a própria razão.
– E tanta gente eu conheço,
vivendo sem coração…

Dizer adeus nada custa,
alguém me mandou dizer.
Mas quem diz que nada custa,
queira bem e vá dizer.

Duvido que alguém no mundo,
olhe sem melancolia,
uma vela no horizonte,
lá longe… no fim do dia…

Encerram certos sorrisos
tristeza tão singular,
que, em se vendo tais sorrisos,
dá vontade de chorar…

É nossa alma uma criança,
que nunca sabe o que faz.
Quer tudo que não alcança,
quando alcança, não quer mais

Eu falei da “flor morena”
e entrou a rir quem me ouviu.
– Quem nunca viu flor morena,
foi porque nunca te viu…

Eu vi o rio chorando,
quando te foste banhar,
por não poder, te banhando,
dar-te um abraço, e parar. . .

Meu coração, pobre tonto,
que eu não entendo sequer,
fazes morrer quem te adora,
morres por quem não te quer!

Na janela do teu quarto,
a luz da manhã transborda.
Bem-te-vis estão gritando:
Preguiçosa, acorda, acorda!

Não quero na minha morte,
nem pompa, nem mausoléu.
Quero uma covinha rasa,
que abra os braços para o céu. . .

Não quero ouvir o teu nome,
nunca mais te quero ver!
– E passo a vida pensando,
a forma de te esquecer.

Neste mundo, a certas vidas,
a morte seria um bem,
mas até a própria morte
se esquece delas também.

Ninguém se queixe da Sorte,
que Deus de ninguém se esquece.
Cristo nasceu para todos,
cada qual, como o merece…

Do mundo quando te fores,
mais que outra glória qualquer,
deixa a sombra de tua alma,
num coração de mulher.

O laço de fita preta
dos teus cabelos, faceira,
parece uma borboleta
pousada numa roseira…

Ó meu amor! Ó saudade!
– E eu não sabia que amor
era uma felicidade
disfarçada numa dor.

Onde anda o corpo, é verdade,
vai a sombra pelo chão…
É assim também a saudade,
a sombra do coração.

O perfume do teu lenço
trago comigo na mão.
Mas o cheiro da tua alma,
dentro do meu coração.

Ora a Vida! … Deixa-a andar,
não queiras da vida ter
o que ela não possa dar,
nem tu possas merecer…

Os búzios guardam das águas
do mar, os fundos gemidos.
– Assim fossem minhas mágoas,
guardadas nos teus ouvidos…

Para definir o Poeta,
só mesmo em verso defino.
– É um homem que fica velho
com o coração de menino

Para esquecer-te, outras amo,
mas vejo, por meu castigo,
que qualquer outra que eu ame,
parece sempre contigo.

Para matar as saudades,
fui ver-te em ânsias, correndo …
– E eu que fui matar saudades,
vim de saudades morrendo.

Por que, pela humanidade,
só o eu, soa e ressoa? …
– É que há um sapo agachado,
dentro de cada pessoa.

Pouco me dá que se diga
meu verso fora da moda,
meu verso é apenas cantiga
de cirandas, e de roda …

Proclamas teu amor-próprio,
se alguém te diz minha dor.
– Essa questão de amor-próprio,
é muito imprópria no amor…

Quando eu morrer, levo à cova
dentro do meu coração,
o suspiro de uma trova,
e o gemer de um violão.

Quando vejo teu sorriso,
tudo se doira e aligeira.
Teu sorriso é na minha alma,
como o sol numa roseira.

Quanto amor me prometeste!
– Nas tuas cartas, que ardor!
Depois … tudo isto esqueceste,
– Coisas de cartas de amor…

Quem dera que minhas trovas
andassem pelos caminhos,
consolando os desgraçados,
dando pão para os ceguinhos…

Quem ri do poeta, não sabe,
o consolo que ele tem.
E o dia em que fosse triste,
faria versos também.

Quem tiver amor, esconda
faça por muito esconder,
que as coisas da alma da gente,
ninguém carece saber…

Que tens tu, que és tão sombrio,
e hoje a rir, alegre, assim? …
– Mal sabem que só me rio,
porque riste para mim .

Saudade – doce transporte
da alma adejante e ferida…
– É viver dentro da morte!
– É morrer dentro da vida!

Se eu pintasse minha infância,
pintava: num sol de estio,
a sombra de uma ingazeira,
debruçada sobre um rio.

Só peço o dia em que eu morra,
faça uma noite de lua,
todo troveiro descante,
todo violão saia à rua!

Sou nesta tarde da vida,
cheio de saudades minhas,
como um telhado de igreja,
todo cheio de andorinhas.

Todo rio na corrente,
busca um lago, um rio, um mar…
Mas o destino da gente,
quem sabe onde vai parar?

Trovas, trovas da minha alma!
Da vida quando eu me for,
sede o humilde travesseiro,
do sono de um sonhador.

Tu censuras de minha alma,
este alvoroço, este ardor…
Quem tem amor e tem calma,
tem calma… não tem amor…

Tu vais passando, orgulhosa!…
Nunca vi soberba assim.
– Ai de ti, por tanto orgulho.
Por tanto amar-te, ai de mim! …

Um cego me disse um dia,
que Poesia, inspiração,
era uma lua nascendo,
de dentro do coração.

Vivo triste, triste, triste,
que mesmo nem sei dizer.
– Desconfio que é saudade,
que é vontade de te ver.

Contos e Lendas do Mundo (Celta: A História da Caveira)


Era uma vez um granjeiro que tinha apenas um filho. Este filho morreu e o pai não quis ir ao enterro porque antes houve uma briga entre eles. Passado um tempo, morreu um vizinho e ele foi ao seu enterro. Depois da cerimônia e ainda estando o granjeiro no cemitério, olhando distraído ao redor viu uma caveira.

Juntou-a e disse, pensativo:

- Gostaria de saber alguma coisa sobre ti...

E a caveira falou:

- Amanhã irei passar a noite contigo, se vieres passar outra noite comigo.

- Assim farei - disse o granjeiro.

No caminho de volta, encontrou um sacerdote e comentou o que tinha ocorrido. O sacerdote lhe disse que deveria ter sonhado, posto que as caveiras não falam. O granjeiro lhe contou que na noite seguinte seria visitado pela caveira, e o sacerdote concordou em ir.

Assim, na noite seguinte, estavam o granjeiro e o sacerdote conversando quando, em seguida, chamaram à porta e apareceu a caveira. Ela subiu à mesa e comeu tudo que nela havia. Depois, saiu e desapareceu.

- Por que não falaste nada? inquiriu o granjeiro ao sacerdote.

- Por que TU não falaste? - respondeu o outro.

Na noite seguinte, como dia combinado com a caveira, o granjeiro foi até o cemitério e, não vendo nada, desceu os três degraus que estavam junto à  Igreja. De pronto se encontrou no meio de um campo, cheio de homens que lutavam entre si. Ao ver o granjeiro, perguntaram-lhe se procurava o crânio. Ao assentir, eles disseram:

- Acaba de ir para o campo ao lado.

No outro campo viu homens e mulheres que lutavam entre si. 

- Estás procurando um crânio? - perguntaram. Pois bem, acaba se ir ao campo do lado.

O granjeiro se foi ao campo do lado e viu uma grande casa. Ao entrar viu que era a habitação de uma dama e uma criada. A dama caminhava de um lado a outro da casa, e cada vez que chegava perto do fogo para se aquecer, a criada a empurrava. Também lhe perguntaram se buscava um crânio e que se era isso, que saíra pela porta esquerda da casa e por ali saiu o granjeiro.

Ao entrar na casa contígua, encontrou a caveira e esta lhe perguntou se queria cear, com o que assentiu o granjeiro. A caveira o conduziu à cozinha onde estavam três mulheres. A caveira pediu a uma delas que servisse a ceia, e esta serviu pão preto e uma jarra d'água, o que ele não conseguiu comer. Em seguida pediu à segunda mulher que fizesse o mesmo, e ela serviu pior ao granjeiro do que a primeira. Por fim a caveira pediu à terceira mulher, e esta serviu uma deliciosa refeição, com uma profusão de pratos e excelentes vinhos.

Depois de comer, perguntou ao crânio o que tinha sido aquilo.

- Os homens que viste no primeiro campo se dedicavam a lutar entre si enquanto estavam vivos, porque tinham terras próximas e se acostumavam a mover as estacas e agora precisam lutar entre si para sempre. Os homens e mulheres que viste eram casais casados que viviam a brigar e agora devem seguir eternamente em brigas. A senhora que viste na casa e que a criada não deixava se aquecer fez o mesmo com a criada, que um dia chegou molhada e com frio, e agora a criada faz o mesmo com ela, até o dia do Juízo Final. As três mulheres na cozinha foram minhas três esposas. Quando pedia à primeira que me preparasse a ceia, me oferecia pão preto e água, a segunda ainda coisa pior mas a terceira me servia o banquete que ceaste.

A caveira então olhou lugubremente o lavrador e disse:

- E quanto a ti? Foste trazido a este lugar por não querer ir ao funeral do teu filho, apesar de teres ido ao de um vizinho. Assim, sugiro que, se queres te salvar, vá onde enterraram teu filho e pede-lhe perdão e, caso o obtenhas, saiba que desde o dia que saíste de casa até chegar aqui se passaram 700 anos.

O lavrador ficou petrificado e, como despertando de um sonho, se viu caminhando pelos campos, por lugares que antes ele havia passado mas que haviam mudado de forma pelo tempo transcorrido. Ao fim chegou ao cemitério e conseguiu localizar a tumba do filho . Ali se ajoelhou e pediu perdão. O perdão a seu filho.

Por fim surgiu uma mão da tumba, que tomou a sua e ambos, pai e filho, subiram juntos ao céu.

Fonte:

Leon Eliachar (O Segredo da Propaganda é a Propaganda do Segredo)


Depois de tantos anos vendo televisão diariamente, chego a uma conclusão definitiva: é muito mais divertido e mais prático ver os anúncios. Enquanto as outras pessoas ficam aflitas tentando decorar os horários das novelas, das paradas de sucesso e dos chamados programas humorísticos, eu não tenho problema: ligo a televisão em qualquer canal e vejo os anúncios sem preocupação de horário.

Vocês talvez achem que é loucura ver os mesmos anúncios diversas vezes, mas posso garantir que os anúncios variam muito mais que as piadas e as músicas que são servidas todos os dias. Pelo menos os anúncios são bem bolados, alguns até inteligentes. A técnica é chatear tanto até ficarem em nosso subconsciente — se é que alguém consegue ter subconsciente assistindo televisão.

Os refrigerantes, por exemplo: quase todos fazem as garrafas dançar na nossa frente e tocam uma musiquinha que chega a dar sede. Aí a gente não resiste: vai à geladeira e bebe um copo de água.

Mas bom mesmo é anúncio de sabonete: aparece cada moça bonita que vou te contar. E com uma grande vantagem, as moças não falam, só aparecem, ligam o chuveiro e ficam noivas dentro da espuma. Por mais que a gente saiba que aquilo é anúncio de sabonete, fica sempre aquela dúvida se um dia eles não vão resolver dar o nome daquele chuveiro ou, quem sabe, o telefone da moça.

Geniais mesmo são as geladeiras que duram toda a vida. Mas muito mais geniais são os textos garantindo que cabe tudinho dentro delas, mas acho que não têm tanta certeza, pois fazem questão de botar uma moça bem bonita pra mostrar a geladeira — e a gente tem é vontade de comprar a moça, mesmo sem o "certificado de garantia".

E as televisões, baratíssimas, cada vez mais vendidas, dentro dos novos planos de venda. Ao invés de bolarem uma televisão mais perfeita, ficam é bolando planos de venda. No dia em que inventarem uma televisão que focalize a cara de um sujeito com menos de três orelhas, não precisam nem fazer anúncio: é só exibir, que esgota no mesmo dia.

Existe anúncio de todo tipo: tecidos que não amarrotam, tecidos que dão prêmios, tecidos que dão desconto, tecidos coloridos que são apresentados em preto-e-branco, tecidos brancos que ficam cada vez mais brancos à medida que vai surgindo um novo sabão em pó. Mas é o que eles pensam: o branco deles, lá em casa, todo mundo tá vendo que é cinza. O mais engraçado são os anúncios de inseticidas que matam todos os insetos, menos as moscas do estúdio.

Anuncia-se também muita banha, muito pneu, muito perfume, muito sapato, muito automóvel, muita calça, muita bebida e muita pílula pra dor de cabeça. Parece até que um anúncio depende do outro — é como se fosse uma novela, com a vantagem de a gente sempre saber qual o final de cada anúncio. E não pensem que sou o único a achar os anúncios mais interessantes que os programas: os donos das emissoras também acham — senão não ocupavam a maior parte do tempo com anúncios. Nos intervalos é que colocam alguns programinhas — por absoluta falta de mais anúncios.

Reparem só: os programas de humor mostram o lado negativo das pessoas, os personagens são quase todos fossilizados, gagos, surdos, cegos, velhos borocochôs ou sem sexo definido. As novelas exploram seres anormais dentro de um mundo de misérias e lágrimas. Já os anúncios apresentam um mundo de otimismo, onde tudo é bom e saudável, não quebra, dura toda a vida e qualquer um pode adquirir quase de graça, pagando como puder, no endereço mais próximo da sua casa. O único detalhe que nos deixa um pouco frustrados é que a moça que dá os endereços fala tão preocupada em não errar que a gente não consegue decorar nenhum endereço. Em compensação, sabe de cor a moça todinha.