segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Daniel Maurício (Poemininos) – 2

Hoje,
A lua
Estava
Naqueles dias...
Vermelha,
Aproveitou
O escurinho da noite
E desceu
Pra tomar
Banho
De mar.
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Na tarde
De outono
Os galhos
De nuvens
Desfolham
No espelho d'água
Feito flocos
De algodão.
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Com
Elegância
No Carnaval
Fora de época
O galo de Apucarana
Foi
Pra esquina
Fazer
Sua festa.
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Luz...
Com capa
De nuvem
O sol
Mostra a cara
meus olhos
Se iludem
Com Imagem
Tão rara.
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Ao
Sol
Dos
Teus
Olhos
Em qualquer estação
Minha
Pele
Enrubesce.
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Coleção...

Com graça
E ternura
As elegantes
Joaninhas
Desfilam
Com trajes
De alta-costura.
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Confiança...
De tão leve o voo
Elegantemente
A ave leva
O reflexo
De si mesma.
Porque
Quando a ação
É perfeita,
Não se teme
O resultado.
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Flor para
A joaninha
Guarda sol
Pro caracol
E assim
O cogumelo
Vai enfeitando
O meu quintal.
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Tempos
Difíceis
Tem príncipe
Virando sapo,
Só pra testar
Se o amor
Existe.
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Vestida
De azul
A borboleta
Quis ser céu
Pra abrigar
A meiga flor
Que estava
Envolta no escuro.
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A janela saudosa
Acenou
Pro passado.
Mas a alma inquieta
Sedenta
Por vida,
Não se contenta
Em ver a vida
Pelo
Retrovisor.
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Esculpida
Pelo
Tempo
A bela
Figueira
Tornou-se
Um
Monumento.
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A
Borboleta
Travessa
Para
A flor
Cochicha
Os seus
Segredos.
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Saudosa
A chuva chora
Na vidraça
Embaçada.
Inconscientemente,
Escrevo
Teu nome
Ao rabiscar.
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Encantamento...

Nuvens
De pétalas
Do chão
Perfumam
O
Esperado
Encontro.
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No tapete verde
Coreografando
Com amor,
As joaninhas
Pequeninas
São pétalas
De flor.
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No
Centro
Da
Flor
Um anjo bailarino,
Louva ao criador.
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Na
Mureta
Sisuda
Quase sem graça,
A cachoeira
De flores
Sorri
A quem passa.
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Namoro...

Entre
As flores
Do jardim
Paciente,
O gato
Espera
Pelo sim.
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Ballet matinal...

Tingidas
De azul
As
Borboletas
Sonham
Que
São pétalas
Que voam.

Fonte: Daniel Maurício. Poemininos. Curitiba/PR: Ed. do Autor, 2021. Enviado pelo poeta.

Antonio Brás Constante (Rota e Juli-Meu: Uma nova tragédia antiga)

Era uma vez um escritor que sentou seu vasto traseiro em uma singela e resistente cadeira e começou a escrever algo do tipo: “era uma vez...” (bateu uma vontade de escrever isso e por impulso escrevi, mesmo correndo o risco de alguém sentir uma vontade impulsiva de me xingar, ou sei lá, mil coisas...).

A história começa falando de um cara que os amigos chamavam de “Rota”. Ele era um descrente total. Ateu de carteirinha e acreditava piamente que não acreditava em nada. Ela, a mocinha desta história, era uma jovem extremamente religiosa, catequista voluntária, seguidora dos preceitos de suas crenças, criada em uma família conservadora e fervorosamente religiosa. Mas mesmo assim era uma jovem descolada e moderna, que acessava a internet e usava sempre o mesmo Nick: “Juli-MEU” (ninguém sabia ao certo se o “MEU” em seu nick eram as inicias do sobrenome dela ou se era algum tipo de referência ao “meu Deus” do qual ela tanto simpatizava).

Em um belo dia virtual de sol brilhante (feito com a mais moderna computação gráfica) eles se encontraram por acaso em um chat, tornaram-se amigos, trocaram MSNs e começaram a se corresponder por e-mail. Eram jovens, plugados e sintonizados na mais pura geração Z ou qualquer letra que represente e catalogue aquela nova e temporária juventude.

Aos poucos foram se apaixonando. Trocando senhas e juras de amor eterno. Ele passou a fazer parte do Orkut da jovem. Frequentava seu Facebook e se comunicavam diariamente pelo Skype.

Até que um dia o pior aconteceu, os pais de Juli descobriram através da estante virtual do rapaz exposta no SKOOB que ele era ateu. Chegaram a essa conclusão ao verem os livros por ele lidos e suas resenhas sobre o assunto. O pai de Juli ficou irascível com este fato, a mãe ainda tentou contemporizar dizendo que talvez ele fosse apenas agnóstico (sem necessariamente saber ao certo o que de fato era um agnóstico). Mas o livro maldito e sacrílego intitulado: “Deus um delírio”, colocado como favorito na estante do rapaz não deixava dúvidas. Ele era mesmo um miserável de um descrente. Totalmente indigno do amor de Juli-MEU.

Os pais de Juli, que sabiam todas as suas senhas e comunidades, bloquearam o rapaz de sua vida. Excluíram suas mensagens e apagaram os rastros de sua profana existência. Mas o amor dos dois era mais forte que as rígidas regras, dogmas e incontestáveis verdades (sem, muitas vezes, demonstrar qualquer lastro aceitável de veracidade) que permeavam as crenças dos pais da menina.

Os tios de Rota, que não morriam de amores por nenhum tipo de igreja ou culto, acharam tudo aquilo mais um clássico exemplo de intolerância religiosa e tentaram dissuadi-lo a desistir da menina.

Apesar das brigas de ambas as famílias sobre o crer e o não crer, Rota e Juli continuaram sentindo um pelo outro um irresistível bem querer. Passaram a se encontrar furtivamente através de perfis falsos, mas com um amor cada vez mais verdadeiro. A paixão que lhes consumia era mil vezes intensificada pelas proibições as quais padeciam. Caso suas vidas seguissem sem essas agressões talvez seu romance já tivesse um fim, naturalmente, como tantos outros namoros adolescentes. Mas a chama da rebeldia começou a falar mais forte em seus corações.

O sentimento de amor rechaçado pelo ódio irracional somente aumentava a ânsia de se encontrarem, de se amarem. Até que o pior aconteceu, os pais da menina em um gesto extremo retiraram o seu celular e confiscaram seu notebook. Cercaram seus passos. Mutilaram sua liberdade. Mas quanto mais aprisionavam seu corpo real e virtual, mais sua alma voava e sua mente enlouquecia pela saudade.

A situação de Rota não era muito diferente, brigas constantes queriam obrigá-lo a deixar de amar Juli, como se fosse possível aplacar aquele músculo pulsante que em seu peito batia descompassadamente, clamando por ela.

Em uma das poucas saídas de Juli para ir à padaria, conseguiu entrar furtivamente em uma lan house. Lá fizeram contato, e decidiram fugir para se casar. Combinaram dia e hora para isso acontecer, e a notícia se espalhou como tinha de ser. Muitos queriam ajudar, outros apenas se meter. Na escola um notebook em seu armário ela encontrou e escondeu-o em sua pasta longe das vistas de qualquer professor.

No rastro da notícia os pais da menina descobriram a armação, e arranjaram para ela um casamento com um rapaz cristão. Porém, de posse de seu notebook escondido, ela entrou em sites Deep Web (coisa muito barra pesada), e encomendou uma estranha poção, deixando um aviso para Rota lhe explicando a sua intenção.

Mas o destino parecia conspirar contra os dois e numa falha de provedor a mensagem se extraviou, reaparecendo muitas semanas depois. De posse da poção fria ela se plugou na webcam e todo frasco bebeu, caindo como morta para espanto de milhões de internautas que através de sua conexão on line a tudo assistiam.

Quando Rota se plugou e tal feito presenciou não aguentou a pressão, twitando para os seguidores de sua rede que era o fim para ele também. Vasculhou no Google e em poucos segundos já sabia o que fazer, tirando a própria vida para quem quisesse ver.

Era noite de dezembro e milhões de internautas fissurados nos acontecimentos iam retwitando alucinados a cada momento deste sinistro evento. As mensagens iam se replicando e a cada segundo mais povo na internet ia se conectando. Foi quando o improvável aconteceu, a menina acordou, foi tudo falcatrua, ela encenou a morte para sensibilizar os pais a voltarem atrás, mas agora era tarde demais. Seu amado caído ao chão diante de sua tela de LCD era a gota d’água, a menina não queria mais viver. Foi até a cozinha e voltou com uma faca afiada, de frente para CAM deu fim a sua jornada. O sangue espirrou na lente, descendo lentamente como um papel de parede decadente.

Os pais da menina e do rapaz receberam torpedos avisando da tragédia, mas já era tarde demais. Os funerais foram na mesma capela, um com missa e o outro apenas com velas. A dor e a desgraça uniram as famílias no mesmo sentimento, algo que talvez lhes servisse de semente para superar barreiras de crenças ou descrenças que somente servem para nublar suas mentes, passando enfim a pensar e agir livremente. Mas somente o tempo poderá dizer se algo frutificou ou mudou nas cabeças tocadas por estes acontecimentos. Essa é mais uma nova história antiga, de um amor cheio de esperanças que como tantos outros se transformou em dor por ter nascido em um berço de ignorância.

Dicas de Escrita (Como Escrever um Roteiro) – 3

FORMATANDO O ROTEIRO

1
Faça uma capa para o seu roteiro. 

Insira o título em caixa alta bem no centro da página e pule uma linha. Em seguida, escreva “um roteiro de”. Pule mais uma linha e escreva o seu nome. Insira as suas informações de contato, como o seu e-mail e o seu telefone, na margem inferior esquerda.

Caso o roteiro seja baseado em outro filme ou em alguma outra história, inclua “Baseado na história de” e o nome dos autores originais na capa.

DICA DA ESPECIALISTA
Tente usar um programa de escrita de roteiros para facilitar a formatação do seu texto. Melessa Sargent, Presidente da Screenwriters Network, diz: "Um software de escrita ajuda muito, especialmente se você nunca trabalhou com esse gênero antes. Recomendamos o Final Draft porque é um programa sempre atualizado e com ótimo atendimento ao usuário. A equipe responsável pelo Final Draft também é muito respeitada na indústria. "

2
Escreva o roteiro em Courier 12. 

As fontes padrão para roteiros são as variações da família Courier, que deixam o texto bem mais fácil de ler. Coloque a fonte em 12 pontos. O tamanho é considerado padrão pela indústria cinematográfica e é o mais usado por outros roteiristas.

Vá com calma na hora de usar elementos como negrito ou sublinhado para não distrair o leitor.

Dica: os softwares de edição de roteiros, como o Celtx, o Final Draft e o WriterDuet, formatam o texto automaticamente, de forma que você não precisa se preocupar em mudar nada.

3
Insira um cabeçalho sempre que mudar de cenário. 

Os cabeçalhos devem ficar alinhados à esquerda, a 4 cm da margem. O texto deve ser escrito em caixa alta para ficar bem visível. Escreva INT. ou EXT. para que o leitor saiba se a cena se passa em um espaço interno ou externo. Em seguida, insira o nome do local e a hora do dia em que a cena está se desenrolando.

Um cabeçalho deve ficar mais ou menos assim: INT. SALA DE AULA - DIA.

Os cabeçalhos devem ocupar apenas uma linha.

Caso queira especificar um cômodo dentro de uma locação, escreva o cabeçalho da seguinte forma: INT. CASA DE JOÃO - COZINHA - DIA.

4
Escreva blocos de texto descrevendo o cenário e as ações dos personagens. 

Os blocos de texto devem ficar alinhados à esquerda e ser redigidos em frases simples que descrevam as ações dos personagens e deem uma boa ideia do que está acontecendo. Mantenha o texto curto e direto para não assustar o leitor.

Evite dizer o que os personagens estão pensando. No geral, o roteirista não deve incluir no texto nada que não possa ser mostrado na tela. Logo, em vez de dizer: “João pensa em puxar a alavanca, mas não tem certeza de que deveria”, escreva algo como: “A mão de João treme perto da alavanca. Ele range os dentes e franze o cenho. ”

Ao apresentar um personagem pela primeira vez, escreva o nome dele em caixa alta. Das próximas vezes que mencioná-lo, escreva normalmente.

5
Centralize os nomes e as falas dos personagens. 

Quando um personagem for começar a falar, ajuste a margem para 10 cm com relação ao lado esquerdo da página. Insira o nome do personagem em caixa alta para que o leitor e o ator consigam identificar facilmente a fala. Ao escrever o diálogo, centralize-o a 7 cm da margem esquerda.

Para explicitar como um personagem está se sentindo, insira uma rubrica entre parênteses logo após o nome do personagem. Diga, por exemplo, que ele está (animado) ou (tenso). A rubrica deve ficar a 8 cm da margem esquerda da página.
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continua…

Fonte: https://pt.wikihow.com/Escrever-um-Roteiro

Aparecido Raimundo de Souza (Vidas líquidas)

Nota do Blog: as palavras com asteriscos, o significado se encontra no vocabulário ao final do texto.
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NA SALA, uma tela de Tarsila do Amaral e Anita Malfatti vestiam com um colorido inimaginável a parede central do ambiente. O resto, se agrupava de mobiliários comuns. Num desvão afastado, um aparelho de televisão e DVD. No vídeo o pequeno Eros assistia “Percy Jacson e o ladrão de raios”, com Sean Bean no papel de Zeus, o deus mais poderoso de toda a mitologia grega. Ao lado de Eros, Sofia, a pequena cunhã (*), com um copo de refrigerante na mão e, entre os dois, uma bacia de pipocas recém-saída do micro-ondas. 

No ar parado, uma bulha (*) vinda de fora, de longe, do distante imensurável, entrava pelas janelas. Atrapalhava o silêncio juntamente com um pitium (*) produzido pela fumaça dos cigarros tragados pelos pais das crianças que conversavam aconchegados num canapé azul claro. Maria Gorda, a velha preta cheia de “atarefas” na cozinha, parecia ter saído de uma sapituca (*) recente, tamanha a pachorra que lhe corroía a carcaça estropiada. 

Se pudesse, ah, se pudesse, a gosto de escolher, sem embaraços e estorvos, fugiria para sua camarinha (*) nos fundos da casa e deixaria que a alma despenhasse (*) à fortuna de uma vereda intransponível, onde a vida se acalmaria junto com o seu destino fatigado e hostil. Mas o jantar dos patrões seria servido dentro em pouco e ela não poderia imprimir delongas às panelas que fumegavam nas seis bocas do fogão último tipo. 

De frente para a tevê, as crianças seguiam às voltas com o filme, a trama cataléptica (*) no seu enredo. Na varanda, marido e mulher absorviam, à relho (*) solto, um papo sem fundamento, desfraldado de qualquer tipo de emoção maior, tanto que as palavras, soltas ao acaso, davam loopings fantásticos em meio às fumaças que subiam como fantasmas assustados se mutilando em direção aos espaços de um teto carecente de uma limpeza mais aprofundada.

Em meio destas massas tóxicas, olhares inócuos se misturavam enraizados num brilhar sem cor, enquanto o tempo vagabundeava à mercê do acaso, sem o azorrague (*) de qualquer coisa sólida que pudesse ser absolvido como normal. E o tempo passava invariável. O filme das crianças corria pouco passos de alcançar o final. Na varanda mais uma rodada de cigarros era acesa. Maria Gorda acabara de preparar a mesa e, agora, só faltava convocar o povo para que tomasse “acento” nela, cada um na sua respectiva cadeira.  

Meia hora à frente, todos acomodados ao móvel vestido em rigor apessoado para a derradeira refeição do dia, congregavam num encontro que não transmitia emoção, ao contrário, pesava. Os pirralhos não entravam numa avença (*) conciliatória. Eros não gostara nem um pouco da história, sendo contraditado veementemente por Sofia, que amava de paixão a velha mitologia. Seu Machado, cabeça do casal, pedira silêncio observando que na hora da modulação dos talheres não se devia discutir picuinhas. 

Maria Gorda num canto, afastada, solitária na sua dissimilitude (*) seguia atenta. Qualquer chamado se faria presente antes que dona Giselda piscasse os olhos debaixo das lentes fundo de garrafa. A doméstica não homologava dar de bandeja seus direitos, nem ser chamada a atenção. Tantos anos naquela residência e a sua vidinha medíocre e inócua continuava aborrecida, sem graça, sem açúcar, sem sal, literalmente insossa. 

De igual modo, sem os festejos das cores, sem o cheiro saboroso de possíveis melhoras. Mesmo norte, sem perspectivas de um amanhã de felicidade. Para ela, o tempo parara numa determinada intermitência. E não seguira em frente, apesar das promessas que fazia com assiduidade a ponto de latejar os joelhos nas missas dominicais, à Nossa Senhora e das velas que acendia para seu anjo de guarda. Entrelaçados num amplexo sem calor, sem energia, sem efervescência, seguiam Eros, Sofia, dona Giselda e seu Machado. 

O tempo, inexorável, em caminho idêntico, seguia estagnado. Acorrentado, vegetava sem amanhã, se amofinava, sem agora, se esfacelava querendo se perder de vista. Se destravar do hoje. O tempo pleiteava voar para outros horizontes. Volutear aproveitando a magia inebriante da cálida noite que se agigantava, que se avolumava além das portas de acesso à rica mansão. Um peso morto, de braços dados à uma desesperança infortunosa estancava tudo. 

Talvez, também, seguramente por conta disto, o amor na sua melhor força de expressão não se fizesse bonançoso, impedindo que tudo e mais um pouco, naquela dinastia, se moldasse feliz, bonito, irrefragável (*) e indubitavelmente real. Talvez, por estas escarpaduras (*), mesmo sentido e direção, aquela pobre família rica não se via, nem se sentia, nem se coadunava imensamente realizada dentro da própria realidade em que viviam. Ou melhor dito: em que VEGETAVAM.
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* VOCABULÁRIO:
- Avença. Acordo, pacto, convenção realizada num negócio 
- Azorrague. Cipó para punição ou flagelo.
- Bulha. Ruído ou gritaria, alarido ou confusão.
- Camarinha. O quarto de dormir. 
- Cataléptica. Aquele que sofre de catalepsia, ou que vive em estado mórbido.
- Cunhã. Mulher jovem, menina ou moça na flor da idade.
- Despenhasse. Pessoa que se precipitou ou caiu de grande altura.
- Dissimilitude. Desigualdade ou diferença. 
- Escarpaduras. Corte ou inclinação de um terreno. 
- Irrefragável. Tudo aquilo que não pode ser contestado.
- Pitium. Parasita de plantas aquáticas. Sinaliza também qualquer coisa que produza odores desagradáveis.
- Relho. Chicote para açoite ou instrumento com a finalidade de castigar alguém.
- Sapituca. Pessoa ligeiramente embriagada, tonta ou desfalecida.

Fonte:
Texto e vocabulário enviados pelo autor.

domingo, 22 de outubro de 2023

Paulo Leminski em versos inversos – 003

 

Mensagem na garrafa – 16 -

Saúl Dias
Vila do Conde/Portugal (1902 - 1983)

A MINHA HORA

Que horas são? O meu relógio está parado,
Há quanto tempo!...
Que pena o meu relógio estar parado
E eu não poder marcar esta hora extraordinária!

Hora em que o sonho ascende, lento, muito lento,
Hora som de violino a expirar... 
Hora vária,
Hora sombra alongada de convento…

Hora feita de nostalgia
Dos degredados...
Hora dos abandonados
E dos que o tédio abate sem cessar...
Hora dos que nunca tiveram alegria,
Hora dos que cismam noite e dia,
Hora dos que morrem sem amar…

Hora em que os doentes de corpo e alma,
Pedem ao Senhor para os sarar...
Hora de febre e de calma,
Hora em que morre o sol e nasce o luar...
Hora em que os pinheiros pela encosta acima,
São monges a rezar…

Hora irmã da caridade
Que dá remédio aos que o não têm...
Hora saudade...
Hora dos Pedro Sem...
Hora dos que choram por não ter vivido,
Hora dos que vivem a chorar alguém…

Hora dos que têm um sonho águia mas... ai!
Águia sem asas para voar...
Hora dos que não têm mãe nem pai
E dos que não têm um berço pra embalar...
Hora dos que passam por este mundo,
De olhos fechados, a sonhar…

Hora de sonhos... A minha hora
- Estertores de sol, vagidos de luar -
Mas... ai! A lua lá vem agora...
- Senhora lua, minha senhora,
Mais um minuto para a minha hora,
Mais um minuto para sonhar…

Contos do Paraná ("´Seu` Andrézinho", por Thiago Brandão Neto)


A pedido de um amigo que estava com um pé no altar, o genial D. Francisco Manuel de Mello, escritor português do século XVII, escreveu a saborosa "Carta de Guia de Casados", contendo ensinamentos ainda hoje bastante úteis para casados, noivos, viúvos e quetais.

Um exemplo: Dom Francisco chama de "casamento da morte" a união de uma moça com um velho. E explica: "os velhos casados com moças apressam a morte, ora pelas desconfianças, ora pelas demasias".

Pois não era outra coisa o que se dizia do "seu" Andrézinho às vésperas do casamento com Maria, lá em Várzea, lugarejo perdido no interior do Município de Bocaiúva do Sul, a meio caminho de Campinhos e da antiga Colônia Marques de Abrantes. Moça bonita, de cabelo preto e pele rosada, Maria sequer completara 18 anos. Já o "seu" Andrézinho... remanescente dos primeiros poloneses assentados na Colônia, viúvo, estava a caminho dos 83 anos. Homem miúdo de corpo, até que estava razoavelmente conservado para a idade, mas 83 anos são 83 anos. Já ia para uns 30 anos que enviuvara, mas o homem só embestou de casar de novo fazia alguns meses, logo depois da morte do filho único, solteirão. 

"Preciso alguém para me cuidar na velhice", dizia. Daí... Por que com uma moça tão jovem, em vez de alguma das viúvas das redondezas, era a pergunta que ninguém ousou perguntar e ele jamais precisou responder. Mas não tinha casa na comunidade em que não se cochichasse a mesma coisa: "esse não tá casando, tá, sim, é comprando uma petíça nova".

Sucede que "seu" Andrézinho tinha uma chácara de oito alqueires bem montadinha, carroção, parelha de mula, três cavalos, algumas vacas, criação de porco e galinha, plantava dois quartos de milho, um de feijão...

Naquelas bandas, até que era um bom patrimônio. Já a moça Maria, de riqueza só tinha a família: pai, mãe e uma penca de irmãos. Quando "seu" Andrézinho fez o pedido, a mãe da Maria chorou pelos cantos uns três dias; já o pai, esse - como se diz hoje em dia: deu o maior apoio. Parece que até a Maria se encantou com a ideia do casamento.

De cara, ganhou enxoval e sapato de sola de couro - coisa que ela nunca calçaria na vida. E de mais a mais, o velho não haveria de durar por muito tempo... Só o padre Antonio, que visitava o patrimônio duas ou três vezes por ano, se recusava a realizar o casamento. - "Isso é absurdo, é pecado!!" - vociferou quando foi procurado pelo Andrézinho. 

Acabou convencido pelo próprio noivo: - "Se o senhor não casar, a gente se ajunta do mesmo jeito, o que é pecado maior".

A igrejinha de madeira de Ouro Fino nunca vira tanta gente como no dia do casamento. Parecia que estava todo mundo ali para tirar a teima, ou para o churrasco de gordo que viria depois. "Seu” Andrézinho fez questão de esperar a noiva no altar - coisa que não se usava por aquelas bandas — e instruiu Maria para entrar na igreja andando devagarinho, mesmo que música não tivesse. Quando Maria assomou na porta da Igreja, o rosto do velho polonês ficou mais vermelho que de costume. Então ele se curvou pouco para a frente, levou as mãos no peito, curvou mais ainda e, se esborrachou no chão.

"Seu" Andrézinho estava morto! Ataque cardíaco fulminante. Nem desconfiança nem demasia. O pobre homem morreu de ansiedade, sequer pôde desfrutar da noiva.

Pior, é que casamento não houve. E sem casamento, a Maria que não pôde desfrutar o património do Andrézinho. Sem herdeiros aqui, e sem que ninguém conseguisse localizar um parente dele no Polônia, a chácara do Andrézinho acabou passando tempo depois, para as mãos do governo.

Fonte: 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

Auta de Souza (Poemas Escolhidos) – 8

 

ADEUS!

“Espera, eu voltarei.” Ele dizia
(Quanto era triste o seu olhar tão doce!)
Chorosa e terna a fala lhe tremia
Como se a corda de algum’harpa fosse.

E ela, a pálida noiva estremecida,
Fitou no amado os grandes olhos seus,
E murmurou, baixinho e comovida,
Quase a chorar e muito a medo: Adeus!
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À MEMÓRIA DE UMA AVE

Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança.
Foi para o céu direitinho.

Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.

Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avezinha querida
Se extingue como um clarão.

Ponho-me a rir, pois, divina!
Ouço cantar, em surdina,
Tu’alma em meu coração.
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AO MEU BOM ANJO

Dizem que a vida não é mais que um sonho,
Meu Deus, quero sonhar!
Empresta-me, anjo bom, as tuas asas,
Guarda no seio a minha fronte em brasas,
Ensina-me a rezar!

Vamos, vamos, além... foge comigo!
Procuremos bem longe um doce abrigo,
Na pátria dos arcanjos...
A vida é sonho e como um sonho passa...
Pois bem! vamos viver no céu da graça,
Meu Deus, como dois anjos!

Quero fugir do mundo tenebroso,
Labirinto de dores...
Mensageiro divino, vem comigo,
Quero sonhar, viver, sorrir contigo,
No Éden há só flores!

Minh’alma, casta rola abandonada,
Desfalece sozinha pela estrada,
Não pode mais voar...
Empresta-lhe, anjo bom, as tuas asas:
Sinto estalar-me o coração em brasas,
Cansado de chorar.

Assim voando pelo espaço em fora
E vendo-te a meu lado a toda hora,
Quero — fugindo deste mundo agreste,
Unida ao seio teu,
Embalada por ti, anjo celeste!
Buscar meu ninho pelo azul do céu!
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CHORANDO

Fazia noite... A tristeza
Tudo envolvia em seu véu;
Soluçava a Natureza,
Caía orvalho do céu.

E naquela noite assim,
Tão tenebrosa e tão fria!
A minha mãe se partia
Para o céu azul sem fim.

Falou-me a chorar: filhinha,
O vício do mundo aterra...
Tu’alma reúne à minha,
Fujamos ambas da terra.

Beijou-me... e, qual sonho doce,
Sua vida evaporou-se.
............................

Ó mãe! por que me deixaste
No mundo sem teu amor?
Sou como o lírio sem haste
Murchando triste inda em flor.

Podias ter-me levado
Ao céu contigo, divina...
Iria em teu seio amado:
Eu era tão pequenina!

Fiquei sozinha e perdida,
Ó mãe! no mundo de abrolhos...
Na noite de minha vida
Derrama a luz de teus olhos!

Quanta tristeza se encerra
Do mundo no escuro véu!
Não quero morar na terra;
Contigo leva-me ao céu!
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CONTRASTES

Existe tanta dor desconhecida
Ferindo as almas pelo mundo em fora,
Tanto amargor de espírito que chora
Em cansaços nas lutas pela vida;

E há também os reflexos da aurora
De ventura, que torna a alma florida,
A alegria fulgente e estremecida,
Aureolada de luz confortadora.

Há, porém, tanta dor em demasia,
Sobrepujando instantes de alegria,
Tal desalento e tantas desventuras,

Que o coração dormente, a pleno gozo,
Deve fugir das horas de repouso,
Minorando as alheias amarguras.
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CORES

Enquanto a gente é criança
Tem no seio um doce ninho
Onde vive um passarinho
Formoso como a Esperança.

E ele canta noite e dia
Porque se chama: Alegria.

Depois... vai-se a Primavera...
É o tempo em que a gente cresce...
O riso se muda em prece,
A alma não canta: espera!

E ao ninho do Coração
Desce outra ave: a Ilusão.

Mas esta, como a Alegria,
Nos foge... E fica deserto
O coração, na agonia
Do inverno que já vem perto.

Nas ruínas da Mocidade
É quando pousa a saudade…
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DE LONGE

Para os teus anos, formosa,
Onde não vão meus desejos?
Mas, longe de ti, saudosa,
Só posso enviar-te beijos.

Seria, porém, com pressa,
Cheia de muito receio,
Que eu faria esta remessa
De beijos pelo correio.

E, então, pelo espaço alado
Eu vou soltá-los em bando,
Como um batalhão dourado
De passarinhos voando.

Podem, assim, os amores
Levar-te n’asa dispersos:
Minh’alma desfeita em flores
E o meu coração em versos.

Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932. Disponível em Domínio Público.

Humberto de Campos (Bebida para viúvo)

Se foi esse o desgosto que matou Dona Benvinda, ninguém sabe: o que é fato, é que o sr. Atanásio tinha uma predileção especial pelas bebidas, a ponto de passar semanas inteiras emendando as carraspanas.

O que, entretanto, ninguém pode contestar, é que ele adorava a mulher. É verdade que não a obedecia, quando ela lhe suplicava, agarrando-lhe as mãos:

— Não bebas mais, Atanásio! Tem piedade de mim! Isto me matará de vergonha!

As pessoas que ouviam isto asseguravam que Dona Benvinda morreu, mesmo, de vergonha; outras acham, porém, que foi de umas pauladas que o marido lhe aplicou, ao regressar, alta madrugada, mais bêbado do que nunca.

O sentimento de viúvo foi, entretanto, profundíssimo. Um fato o demonstra. 

Certa noite, entrou ele, com um antigo companheiro, em uma das cervejarias da Brahma, e sentou-se:

— Que tomas? - perguntou o outro.

— Nada.

— Nada? Tu não tomas nada?

— Não posso, filho! - obtemperou o Atanásio. - Eu não posso beber; tu não vês que eu estou de luto?

— Mas, isso é o de menos! - tornou o outro. Há bebidas, aqui, para pessoas de luto.

E batendo na mesa, com força:

— Cerveja preta, para um!...

Fonte: Humberto de Campos. Grãos de mostarda. Publicado originalmente em 1926. Disponível em Domínio Público. 

Antonio de Trueba (A necessidade)


I
Ainda hoje existe, junto à confluência de dois rios, um formoso castanheiro, sob cuja sombra eu me sento, sempre que por ali passo, haja ou não haja calor, e isto pela razão muito natural de que, sendo eu criança, costumávamos sentar-nos, minha mãe e eu, à sombra daquela mesma árvore, quando íamos a uma aldeiazinha, que ficava perto da nossa. À pequena distância do castanheiro veem-se ainda as ruínas de um moinho, tais quais eram nos tempos saudosos da minha infância, e a lembrança de minha mãe, do castanheiro e das ruínas, faz-me recordar de um conto que ela me contou, em uma tarde de verão, ao pé da árvore frondosa, sob cuja sombra, graças a Deus, ainda posso sentar-me.

O último moleiro, que habitou o moinho, era conhecido naquelas redondezas pelo apelido de Sêneca; e vejam lá, não vão mudar para o primeiro o acento que pus sobre o segundo “e” deste apelido, pois que o moleiro de quem estou falando, e que minha mãe conheceu e tratou, era tão modesto, que ainda hoje no céu se veria muito aflito e contrariado, se o confundissem com o filósofo cordovez.

Não tinha Sêneca pretensões a filósofo, mas era-o até sem querer, e a isto devia ele indubitavelmente o seu apelido, o qual cuja aplicação não podemos deixar de reconhecer uma filosofia muito profunda; se não, reparem os leitores, e digam-me se não é bem admirável a do povo, que, com a mudança de um simples acento, marca o abismo, que separa o filósofo da natureza do filósofo do estudo! Tinha eu que fazer, se quisesse referir os muitos rasgos de engenho e sã filosofia com que Sêneca ilustrou a sua trabalhosa e modesta vida, e portanto limitar-me-ei a referir um dos que mais cativaram minha pobre mãe, de quem herdei o gosto que tenho pelas recordações da infância.

II
Sêneca não tinha outra família senão um filho de dez anos, nem outras cavalos, senão um burro de vinte. Morreu-lhe a mulher, que era quem ficava no moinho, curando das moagens, enquanto ele andava com o burro, levando e trazendo foles por aldeias e casais, e o pobre Sêneca viu-se então em graves embaraços, porque os seus ganhos lhe não permitiam tomar uma criada, que substituísse sua mulher no moinho, nem um criado, que o substituísse a ele no transporte dos foles.

— E como te hás de tu arranjar agora? – lhe perguntavam os vizinhos, quando o viram viúvo, e sem outro auxílio mais que o do pequeno.

— Não me dá isso cuidado, – respondia Sêneca - não faltará quem me ajude.

— Isso é bom de dizer, mas quem te há de ajudar?

— Quem?... A Necessidade.

Os vizinhos punham-se a rir do bom humor de Sêneca, porém sem compreender o que ele queria dizer na sua necessidade.

Uma certa manhã aparelhou Sêneca o burrico, pôs em cima dele um saco que continha quatro alqueires de farinha, e chamando o pequeno, disse-lhe:

— Rapaz, toma o burro pela arreata, e leva-me esta carga à padaria de Somorrostro.

O pequeno desatou a chorar.

— Que é lá isso, homem? – perguntou-lhe o pai.

— Que há de ser de mim pelo caminho, se o burro cair, ou se espojar (arriar) no chão! – exclamou o rapazinho, sem cessar de chorar.

— Não te dê isso cuidado, disse Sêneca; se tal acontecer, não faltará quem te ajude a levantar o burro.

— E quem é que me há de ajudar nessas pastagens tão solitárias, que não se encontra por elas viva alma?!

— Quem? A Necessidade. Se o burro cair, ou se deitar no chão e se não puder erguer, chama pela Necessidade, e verás como logo acode em teu auxílio.

— Está bem. - disse o pequeno, limpando as lágrimas com a manga da jaqueta, e pegando na corda do burro, tomou pela margem do rio, caminho de Somorrostro, que distava uma légua do moinho.

— Ora, ora, ora! Sempre este Sêneca tem coisas!... – diziam os vizinhos, ao verem o rapazinho com o burro atrás de si. Com que então a Necessidade, com cujo auxílio contava Sêneca, para levar e trazer os foles, era essa pobre criança?!... E o pequeno, quem é que o há de ajudar?

III
Seguia o filho de Sêneca com o seu burro no cabresto ao longo dos carvalhais, que sombreiam as margens do rio que corre pelo vale profundo, que separa Somorrostro de Galdámez e Sopuerta quando, ao chegar a um pequeno areal muito suave, fez o burro esta reflexão:

— Ai! que bela cama para eu descansar um pouco!... e então, se eu pudesse soltar esta maldita carga, que me vai amolando as costelas!

E de repente, antes que o pequeno olhasse para trás, estirou-se ao comprido no meio do chão.

— Ai! minha mãe!... – exclamou o rapazinho aterrado; porque convém saber que na Espanha, e com especialidade na Biscaia, não só aos pequenos como também aos grandes, o primeiro auxílio que lhes ocorre invocar nas maiores aflições, é sempre o de sua mãe, ainda mesmo que já a tenham no céu.

E pegando numa vergasta começou a açoitar o burro sem dor nem piedade, porém o animal, por mais esforços que fazia para se levantar, não o podia conseguir.

Estava já o pequeno quase a chorar, quando se lembrou do conselho, que o pai lhe havia dado e, em vez de dar largas ao pranto, começou a gritar:

— Necessidade! Necessidade! Faz-me o favor de vir aqui ajudar-me a erguer este burro?!

O pequeno olhava para todos os lados, a ver se aparecia a Necessidade, mas não via ninguém. Já cansado de chamar e de esperar pela Necessidade, desatou o arrocho*, que prendia o saco ao aparelho do burro, e aliviou-o da carga. Em seguida deu-lhe uma vergastada e o animal ergueu-se de um salto.

Então o pequeno tomou o burro pelo cabresto, levou-o para junto de uma ribanceira, e rolando o saco até lá, pôde, a muito custo, colocá-lo em cima do animal; apertou-o bem com o arrocho, montou sobre a carga, atirou uma pancada ao burro, e prosseguiu no seu caminho, mais alegre que umas páscoas.

Passada uma hora chegava o rapaz ao moinho, cantando e fazendo trotar o seu ginete.

— Olá, pequeno, - disse-lhe o pai, apenas o avistou - como foi a tua viagem?

— Muito mal, meu pai.

— Então o que te aconteceu, homem?

— Deitou-se o burro no caminho, e, por mais pancadas que lhe dei, não foi capaz de se levantar.

— E então o que fizeste?

— Desprendi a carga, levei o burro para o pé de uma ribanceira, fui rolando o saco até lá...

— Bem, bem, já percebo. Quer isso dizer que chamaste pela Necessidade, não é assim?

— Chamei, chamei. Fartei-me até de chamar, mas não apareceu...

— Rapaz, disse Sêneca, vê como tu te enganas. Quem te levantou e carregou o burro não foi senão a Necessidade.

Tinha razão Sêneca, e também eu a tenho para dizer aqui que a necessidade presta tanto auxílio e tamanhos benefícios ao homem, que não sei como ainda lhe não deram a cruz de beneficência.
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* VOCABULÁRIO
Arrocho = pedaço de pau curto e torto com que se apertam e torcem as cordas para amarrar fardos, cargas etc.

Fonte:
Antonio de Trueba. Contos escolhidos. Publicados postumamente originalmente em 1927. Disponível em Domínio Público.  

Dicas de Escrita (Como Escrever um Roteiro) – 2

FAZENDO UM ESBOÇO

1
Anote as suas ideias em cartõezinhos. 

Escreva todos os acontecimentos a história em cartões individuais. Assim, você poderá reorganizá-los facilmente para descobrir o que funciona e o que não. Escreva todas as ideias que tiver, até mesmo as ruins. Você nunca sabe o que vai ficar melhor na versão final.

Você também pode anotar as ideias em um documento do Word ou instalar um software de edição de roteiros, como o WriterDuet ou o Final Draft, se não quiser usar cartões.

2
Coloque os acontecimentos na ordem que eles vão ficar. 

Após anotar todas as suas ideias em cartõezinhos, distribua-as sobre a mesa ou o chão e coloque os acontecimentos em ordem cronológica dentro da história. Fique atento ao encadeamento da trama para ver se ela está fazendo sentido. Caso algum acontecimento pareça fora do lugar, separe os cartões referentes a ele e veja se consegue encaixá-los em outra parte da história.

Coloque os acontecimentos futuros no começo da trama para fazer um filme complexo e cheio de reviravoltas, como A origem.

DICA DA ESPECIALISTA MELESSA SARGENT
Melessa Sargent é Presidente da Scriptwriters Network, uma organização sem fins lucrativos que reúne profissionais de entretenimento que ensinam sobre a arte e o negócio de escrever scripts para TV e novas mídias. A organização oferece um programa educacional amplo, desenvolvendo acesso e oportunidades através de alianças com profissionais da indústria e incentivando melhorias no ramo da escrita na indústria do entretenimento.
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"Como esboço, comece resumindo a trama do show ou filme, depois escreva uma descrição de cada ato. Finalmente, detalhe cada cena. "

3
Pergunte-se sobre a importância de cada cena. 

Dê uma boa olhada no esboço e faça perguntas como: “Para que serve essa cena? ” ou “Como essa cena faz a história avançar? ”. Dê uma boa olhada nas cenas individuais e veja se elas realmente tem algum propósito ou se estão lá só para encher linguiça. Remova todas as partes que parecerem inúteis.

Uma cena de um personagem fazendo compras, por exemplo, não acrescenta nada à história. Para a cena funcionar, o personagem deveria, por exemplo, encontrar alguém no mercado e conversar sobre algo relacionado ao ponto central da trama.

DICA DA ESPECIALISTA
Pense sobre quantos atos você quer incluir. Melessa Sargent, Presidente da Screenwriters Network, diz: "Um roteiro para TV deve ter cinco atos caso seja destinado a uma rede com comerciais, como Globo, Record e SBT. Um roteiro sem comerciais, como Netflix ou Amazon, deve ser dividido em três atos. Nesse caso, inclui-se um teaser, que é considerado o primeiro ato. Roteiros para longa-metragens normalmente são divididos em três atos. "

4
Use pontos altos e baixos para encerrar os atos. 

Toda história deve ser separada em três atos: apresentação, confronto e resolução. A apresentação, ou o primeiro ato, começa no comecinho e termina quando o protagonista faz uma escolha que muda a vida dele para sempre. Durante o confronto, ou o segundo ato, o protagonista tenta alcançar um objetivo e entra em contato com o antagonista, o que leva ao clímax da história. A resolução, ou o terceiro ato, serve para mostrar o que aconteceu depois do clímax.

Dica: 
Os atos dos seriados televisivos costumam terminar logo antes dos comerciais. Assista a séries com roteiros parecidos com o que você está escrevendo e preste atenção no que acontece imediatamente antes dos intervalos.

Fonte: https://pt.wikihow.com/Escrever-um-Roteiro