segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 16

 

Mensagem na Garrafa – 69 -

Mário Quintana
Alegrete/RS, 1906 - 1994, Porto Alegre/RS

Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!

Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!

Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!

Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida! Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro,  julgar depois

Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois.

Eduardo Martínez (O professor de matemática)

Não vou conseguir precisar o dia em que aquele rapaz atravessou o portão da propriedade, sorriu confiante, apesar da vestimenta surrada, e foi direto cumprimentar meus pais, que já o aguardavam sentados a uma das mesas ao redor da piscina. Soube naquele momento que aquele jovem, apesar da aparência mais velha, contava apenas 18 anos, enquanto eu, no mês seguinte, completaria 20.

Meu pai não tardou e se levantou. Foi em direção ao velho José, que já o aguardava, junto a um de nossos automóveis, com a porta de trás aberta. Minha mãe acompanhou com o olhar o marido. Os dois se despediram com beijos soltos no ar. Nessa época, creio que ainda guardavam um resquício do amor, que talvez tiveram algum dia.

Assim que o Opala partiu, minha mãe pegou a mão do rapaz e veio até mim. Não muito alta, ela carregava o costumeiro du Maurier acoplado à piteira dourada. Por conta de tal hábito, um câncer a tomaria por completo duas décadas após.

– Augusto, meu querido, quero lhe apresentar o Olegário. Ele o ajudará nas tarefas de matemática. 

Olegário me estendeu a mão. Olhei para ele com ar de arrogância, que, na verdade, não passava de pura inveja. Como é que aquele maltrapilho poderia me ensinar algo? Mero bandalho! Devo ter feito cara de poucos amigos, pois a minha mãe lançou-me aquele olhar fulminante. Não tive escolha e aceitei o cumprimento.

A partir da semana seguinte, comecei a ter aulas com o meu novo professor. Um prodígio em trigonometria e geometria, devo admitir. Relutante a princípio, acabei me encantando por aquela situação. Não pelos números, diga-se de passagem, pois até hoje não encontrei razão para decorar nem mesmo a tabuada. Se me interessei, foi por aquela voz rouca do Olegário, que, ainda por cima, era dono do sorriso mais lindo que, até recentemente, não tive o prazer de ver igual.

Durante nossas tardes no meu quarto, ele tentava a todo custo me ensinar atalhos para que eu não tomasse bomba no final do ano. Por debaixo da mesa, ele cutucava a minha perna com a sua, com o intuito de me fazer prestar atenção. Isso me causava calafrios por todo o corpo, mas, covarde que ainda sou, mirava o piso para não ser descoberto.

As provas finais vieram e, não sei como, consegui concluir meus estudos. Na certa, devo ter me esforçado além do esperado, pois não queria decepcionar o meu mestre. Não sei se ele ficou feliz com a minha aprovação, pois nunca mais o vi. Minha mãe, hoje consigo ter maior clareza sobre isso, o dispensou assim que possível para evitar que algo pudesse causar certo constrangimento na família. 

Passei os anos seguintes envolto em códigos civis, penais e trabalhistas. Formei-me com louvor e, a partir de então, comecei a exercer a advocacia no escritório do meu pai. Foi justamente nessa época em que conheci Glória, brilhante advogada, com quem muito aprendi do ofício.

Protegida do meu velho, ela passou a frequentar a nossa casa. Entretidos que estávamos com o volume de trabalho, não tínhamos tempo para o amor. Foi como um acordo que nos casamos no ano seguinte, logo após ganharmos uma causa de milhões. Minha mãe pareceu aliviada com o matrimônio.

Como prêmio, viajamos para Europa por uma semana. A agora minha esposa, com um francês muito melhor do que o meu, pareceu adorar aquelas explicações intermináveis nas idas aos museus. Como bom marido, mantive-me sempre ao seu lado, mas com a cabeça na pilha de processos que me esperava no escritório.

Assim que o avião pousou no Galeão, senti um grande alívio. Nada mais de passeios infrutíferos por Paris, onde sentamos em todos os cafés possíveis. A companhia era ótima, é verdade, tanto é que na segunda semana de volta ao Brasil, Glória se sentiu indisposta e correu para o banheiro a fim de evitar devolver, sobre a mesa, o salmão com nozes ingerido há pouco.

No verão seguinte, eis que estávamos na sala de parto. Minha mulher segurava minhas mãos tão fortemente, que imaginei que iria arrancar todos os meus dedos. Devo confessar que aquela era uma situação nova para mim também, porém, muito mais cômoda. Afinal, todas as dores do parto se encontravam com Glória. 

Às 12h43 do dia 15 de fevereiro de 1989, ouvimos pela primeira vez o choro de Rubens. Minha esposa e eu, talvez não querendo deixar nosso filho chorando sozinho, o acompanhamos. Esse momento mostrou a nós dois que, apesar de ter surgido de um acordo, aquele casamento havia conseguido gerar um fruto do nosso amor. 

Depois de alguns meses de correria, a nossa vida acabou entrando nos eixos. É verdade que agora tínhamos um filho para criar e, hoje posso afirmar, o tempo é sábio e toma conta de tudo. Ou, caso não cuide tão bem assim, o dinheiro ajuda a superar as dificuldades.

Nosso menino cresceu cercado de todos os mimos e regalias, é verdade. No entanto, até entre os abastados há certos percalços. Seja como for, lá estávamos para lhe dar o suporte necessário. E foi assim que fizemos, quando, antes de completar 10 anos, ele cismou em ser tenista.

Compramos os melhores materiais esportivos, contratamos o mais afamado treinador. Até mandamos construir uma quadra de tênis na nossa ampla propriedade. Entretanto, essa febre passou e a raquete, comprada a peso de ouro, foi parar em algum canto.

Aos 13, Rubens cismou que queria ser músico. Como dinheiro não era problema, compramos vários instrumentos, mas, no final, o nosso rapazinho desistiu de todos. Ainda carregou a gaita no bolso por alguns meses, mas nunca o vi soprando-a nem uma vez sequer.

Rubens, prestes a concluir o ensino médio, parece ter herdado a minha aversão por números. Por isso, a minha mãe, ainda que adoentada, contratou um professor de matemática para o único neto. Na hora nem me dei conta da situação, até que, sentados a uma das mesas ao redor da piscina, vi passar pelo portão um jovem de lá seus 25. Na verdade, soube logo em seguida, ainda contava 18. Ele parou diante de mim e sorriu um sorriso, que há muito guardo na lembrança, e, então, naturalmente, acabei por me encantar por aquela rouquidão: "Prazer, sou o Olegário!”

Fonte: Blog do autor. 25.12.2023. 

Hino de Cidades Brasileiras (São Fidélis/RJ)


por Prisco José de Almeida

Salve terra fidelense,
Joia rica do Brasil
Teu futuro nos pertence,
Serás sempre varonil!
Tua gente, sem fadiga,
Teu passado há de defender!

São Fidélis, terra amiga,
Nosso esforço tu hás de ter (Bis)

Salve! Salve! Linda terra feita de luz!
Glória! Glória! Tudo em ti prende e nos seduz! (Bis)

Na paisagem de beleza
Que te veste de esplendor,
A sublime natureza
Deu-te tudo! És um primor!
Nossos olhos sem canseira,
Fitam sempre tudo o que é teu!

São Fidélis, altaneira,
Lindo berço que Deus nos deu! (Bis)

Salve! Salve! Linda terra feita de luz!
Glória! Glória! Tudo em ti, prende e nos seduz. (Bis)

Eduardo Affonso (O Acre é um mistério)

O Acre é um mistério p
or vários motivos:

1.

Ninguém jamais passou pelo Acre.

Ou você vai ao Acre ou não vai.

O Acre não é passagem: é destino.

2.

O Acre tem suas idiossincrasias.

Uma delas é não aceitar a reforma ortográfica.

Não é o primeiro estado a fazer isso: segue o exemplo da Bahia, que se recusou a virar Baía quando o Piauhy, mais resignado, topou ser Piauí.

Brasileiro nascido no Acre, pelas normas vigentes, é acriano.

Acriano nascido no Acre é acreano mesmo.

Há muito os açoreanos aceitaram ser açorianos, mas a Academia Acreana de Letras bateu pé e garantiu que a população será acreana com “e” até morrer, digam o que disserem os lexicógrafos.

Se for fazer concurso público por lá, lembre-se disso na prova de português. Duvido que eles abram mão dessa pegadinha.

3.

O Acre foi por 3 vezes uma república independente.

É o único estado que realmente pertence ao país, com escritura passada em cartório e tudo, porque foi comprado da Bolívia. E não custou um cavalo, como diz a lenda, mas uma boa grana.

Sem contar que quase foi arrendado por um consórcio de capitalistas ingleses e americanos.

4.

Quem for ao dicionário procurando o significado de “acre” vai encontrar: ácido, afiado, agudo, áspero, avinagrado, azedo, cortante, mordaz, picante, queimante, sarcástico, ríspido, rude.

Nada a ver.

Acre é uma corruptela de “Aquiri”, que significa “rio dos jacarés” na língua dos apurinãs, que originalmente habitavam a região.

Mas, pensando bem, jacarés costumam ser ásperos ao toque, ríspidos no trato, ter dentes afiados e cortantes, algo rudes no convívio social, ter temperamento mordaz, lágrimas azedas e (repare bem) um sorriso sarcástico.

Os portugueses podiam ser ruins na fonética dos apurinãs, porém de psicologia de jacaré eles entendiam.

5.

Há 52 paulistas para cada acreano.

E quando você precisa de um João Donato, vai buscar onde? No Acre.

Foi de lá, da Amazônia, no sul da América, que veio a Glória Perez para nos ensinar o caminho dos índios e das índias (e eu prometo –  com o coração partido ao tomar essa decisão – que não vou cometer o pecado capital de buscar mencionar que clones têm dupla identidade, para não alugar a paciência de ninguém ou criar uma barriga neste texto).

Mas quando você tiver um desejo, daqueles de corpo e alma, tipo “explode, coração!” e nem o santo guerreiro Jorge te salvar do canto da sereia dessa força do querer, onde é que vai achar alguém que traduza esse seu furacão e o da sua diarista? No Acre.

6.

Imagine se um garoto de Roraima ia encher o quarto de mensagens criptografadas e abduzir a si mesmo? Se um bacuri do Amapá ia ensinar como ser gênio com pouco sono e nada de sexo? Se um curumim de Rondônia ia escrever um besticéler sobre a teoria da absorção do conhecimento, cheio de “não obstante”, “antemão”, “entrementes”, “outrossim”, “amiúde”? Quem mais faria isso senão um… menino do Acre?

7.

Não me esqueci do Chico Mendes, não.  Nem do José Vasconcelos. Nem do Jarbas Passarinho. Ou do Armando Nogueira. E do Adib Jatene.

É que não sei como o Acre consegue ter menos de 0,5% da população e esse tanto de gente.

Deve ser por isso – por desafiar todas as probabilidades – que seu mapa parece que está rindo.

O Acre é inacreditável.

Fonte: Blog do autor. 23.setembro.2019. 
https://tianeysa.wordpress.com/2019/09/23/o-acre-e-um-misterio/

Wanda de Paula Mourthé (Canteiro de Trovas) – 6 -


A inspiração, inconstante,
tem caprichos de mulher:
chega, às vezes, inebriante
e outras, nem chega sequer!
= = = = = = = = =

A noite — orquestrando o encanto
dos sons difusos que encerra —
entoa suave acalanto
que embala o sono da Terra.
= = = = = = = = = 

A realidade transponho
e vivo em mundo ideal...
Quero as mentiras do sonho,
não as da vida real!
= = = = = = = = = 

Bem maior da humanidade,
que o tempo só consolida,
o direito à liberdade
é o direito à própria vida!
= = = = = = = = = 

Diante do irmão indefeso,
não fique de mãos atadas,
que a indiferença e o desprezo
andam sempre de mãos dadas.
= = = = = = = = = 

É mais humano e eficaz
sanar conflitos na Terra
só pela força da paz,
não pela força da guerra!
= = = = = = = = =

Em desvelos, me desfaço
se vejo que vais partir:
para alongar teu abraço,
não tenho mãos a medir.
= = = = = = = = = 

Guardo, ainda, vivo o encanto,
bem no fundo do meu peito,
daquele momento santo
em que você disse: — Aceito!
= = = = = = = = =

"Homem não chora". Pois sim!
Frase vã... só é sonora.
Homem forte, para mim,
suporta os trancos... mas chora!
= = = = = = = = = 

Mesmo se o orgulho disfarça,
a seu encanto sou preso,
e a indiferença é uma farsa
de revide a seu desprezo!
= = = = = = = = = 

Minha alma se desaponta:
nem breve mensagem veio,
mas meu amor faz de conta
que a culpa é só do correio.
= = = = = = = = = 

Minha insensata paixão
passou — transpondo barreiras —
das fronteiras da ilusão
para a ilusão sem fronteiras...
= = = = = = = = =

Nas montanhas, vivo ao léu,
com o amor de que preciso;
nem estou perto do céu,
mas no próprio paraíso!
= = = = = = = = = 

No inverno da minha vida,
sou gaivota em migração,
buscando ainda guarida
no calor de um coração.
= = = = = = = = =

O encanto do teu sorriso,
em instante de emoção,
sem licença e de improviso,
confiscou meu coração!
= = = = = = = = = 

Olho a rua... a noite avança,
tudo adormece ao luar...
Dorme até minha esperança,
pois cansou de te esperar!
= = = = = = = = = 

Partiu... nem disse o motivo,
e eu, da saudade à mercê,
estou vivo, mas não vivo,
pois não vivo sem você.
= = = = = = = = =

Quando o homem será capaz
de unir-se em fraternos laços,
lançando a pomba da paz
e não mísseis nos espaços?
= = = = = = = = = 

Seja o exemplo a diretriz
que os pais aos filhos garanta:
quanto mais funda a raiz
tanto mais se alteia a plantai
= = = = = = = = = 

Sem liberdade de escolha,
os excluídos da vida,
não tendo quem os acolha,
aos vícios dão acolhida.
= = = = = = = = = 

Sem temor, meu barco avança,
seja qual for a maré,
pois, no mastro da esperança,
iço a bandeira da fé.
= = = = = = = = =

Singre os mares da cultura
em viagem de prazer!
Pela nave da leitura,
chegue ao porto do saber.
= = = = = = = = = 

Tanto me atrai teu encanto
que meu enlevo é sem fim...
Se nada falo, no entanto,
fala o silêncio por mim!
= = = = = = = = = 

Tento, com minhas façanhas,
ultrapassar os meus males:
eu me espelho nas montanhas
que superam sempre os vales.
= = = = = = = = = 

Tens tal feitiço no olhar
que, em nosso adeus, por encanto,
foram gotas de luar
que escorreram do teu pranto!
= = = = = = = = = 
Fonte> Wanda de Paula Mourthé. Com…passos de emoções. Belo Horizonte: Flux, 2013. 
Enviado pela Trovadora.

Contos e Lendas da África (O leopardo de pele lisa)

Local:
Cidade do rei Mborakinda

Personagens:
Rei Mborakinda
Ilâmbe, a princesa
Ra-Marânge, médico
Njĕgâ (leopardo)
Kabala (cavalo mágico)
Ogula-Ya-Mpazya-Vazya, o feiticeiro

Isso aconteceu na cidade onde o rei Mborakinda, adorado por todos, vivia com suas esposas e filhos.

Mborakinda amava muito sua filha Ilâmbe. Tentava agradá-la de todas as maneiras possíveis e a cercava de criados. Quando a princesa ficou adulta, declarou que não queria que ninguém a pedisse em casamento. Ela escolheria seu marido.

— Além do mais, não me casarei com nenhum homem que tenha qualquer mancha na pele, por menor que seja — afirmou Ilâmbe.

Apesar de seu pai não concordar com tal desejo, não a proibiu. Começaram a surgir pretendentes que se apresentavam ao rei dizendo:

— Desejo me casar com sua filha Ilâmbe.

Mborakinda sempre respondia:

— Você deve falar com ela diretamente.

Então o rapaz ia comunicar suas intenções à princesa:

— Vim pedi-la em casamento.

A resposta de Ilâmbe era sempre a mesma:

— Você tem uma pele lisa, sem nenhuma mancha sequer?

Se a resposta fosse afirmativa, a princesa acrescentava:

— Preciso ver por mim mesma. Venha ao meu quarto.

E lá o homem se despia completamente. Se durante esse exame Ilâmbe encontrasse uma pinta ou cicatriz, por menor que fosse, apontava para a marca e dizia:

— Você tem uma mancha aqui! Não me casarei com você!

Quando o pretendente tentava argumentar, explicando que sua pele era completamente lisa, exceto por aquela marca, a princesa o interrompia:

— Não! Mesmo que seja uma mancha minúscula, não me casarei com você!

E assim todos eram rejeitados, pois ela sempre encontrava alguma cicatriz ou qualquer erupção na pele. Após tantas recusas, a fama da linda filha do rei Mborakinda, que não aceitava nenhum pretendente por conta de manchas na pele, chegou a outros países.

Mesmo assim, muitos queriam desposá-la. Alguns animais chegavam a se transformar e assumir uma forma humana, mas também eram rejeitados. 

O Leopardo ficou sabendo da reputação da princesa e disse:

— Ah, essa linda mulher! Ouvi dizer que é linda e que ninguém consegue conquistá-la. Também farei minha tentativa, mas antes vou consultar RaMarânge.

Foi visitar o médico feiticeiro e lhe contou tudo sobre a linda filha do rei Mborakinda que não aceitava ninguém por ser tão criteriosa com seus pretendentes.

— Eu já estou muito velho e não faço mais feitiços — disse Ra-Marânge. — Vá falar com Ogula-ya-mpazya-vazya.

E assim o Leopardo fez. O feiticeiro Ogula fez seu ritual de sempre: pulou em uma fogueira e saiu de lá em transe. Então perguntou ao Leopardo qual era seu desejo. Njĕgâ contou toda a história novamente e pediu para ter um corpo humano sem nenhuma mancha. Ogula preparou uma poção poderosa, que o transformaria em um homem alto, elegante, forte e perfeito. O Leopardo voltou à sua aldeia e contou seus planos a seu povo. Também preparou o corpo de seus familiares para transformações, caso necessário. Após adotar um nome humano — Ogula — o Leopardo foi falar com o rei:

— Desejo me casar com sua filha Ilâmbe.

A chegada de Ogula na corte de Mborakinda impressionou a todos que, admirados com sua beleza, exclamaram:

— Vejam que homem lindo! Que belo rosto e que porte!

Após fazer o pedido ao rei, Ogula recebeu a resposta padrão: que fosse conversar diretamente com a princesa para saber se ela gostaria. Quando chegou à casa de Ilâmbe, ela ficou imediatamente encantada com sua beleza.

— Eu te amo. Estou aqui para me casar com você — disse Ogula. — Você já rejeitou muitos, e sei o motivo, mas acredito que ficará satisfeita comigo.

— Imagino que já tenham contado a razão de minhas recusas — respondeu a princesa. — Verei se você tem o que eu quero. Entraremos no quarto e você me mostrará sua pele.

Dentro do quarto, Ogula-Njĕgâ retirou suas roupas refinadas e Ilâmbe o examinou meticulosamente dos pés à cabeça. Não encontrou um único arranhão. A pele de Ogula parecia a de um bebê.

— Sim! Encontrei meu homem! — exclamou Ilâmbe. — Eu te amo e me casarei com você.

Estava tão animada que continuou examinando a bela pele de seu noivo por mais alguns minutos. Então saiu e pediu a seus criados que trouxessem comida e água para ele. Ogula continuou na casa por alguns dias, sem vontade de voltar à sua cidade natal, pois se sentia amado por Ilâmbe. 

No terceiro dia, Ogula foi dizer ao rei Mborakinda que queria levar Ilâmbe para morar com ele. O rei consentiu.

Enquanto o leopardo transformado em homem estava no palácio, o feiticeiro do rei previu que algo de ruim adviria desse casamento. No entanto, como a princesa fazia questão de escolher seu marido, o rei não interveio. 

Após o fim da cerimônia e do banquete, o rei Mborakinda chamou sua filha para conversar:

— Ilâmbe, minha filha, você agora começa sua jornada.

— Sim, pois amo meu marido.

— Ama mesmo? — perguntou seu pai.

— Sim.

— Então lhe darei seu ozendo (presente de casamento). 

O rei deu a ela alguns presentes e disse:

— Vá até aquela casa — e apontou um local na cidade, entregando-lhe uma chave — e, ao chegar lá, abra a porta.

Era o lugar onde o rei guardava seus encantamentos de guerra e outras poções.

— Ao entrar, verá dois kabala (cavalos) lado a lado — continuou o rei. — Pegue o que estiver olhando para o chão com um olhar perdido e deixe lá o que tem um aspecto mais vivaz. Você notará que o que você deve pegar manca um pouco. Mesmo assim, ele é o correto.

— Mas pai, por que não posso pegar o cavalo mais saudável e deixar o fraco? — argumentou Ilâmbe.

— Não! Pegue o que estou mandando — respondeu o rei, com um sorriso enigmático.

A recomendação do rei Mborakinda não era sem motivo. O cavalo com melhor aspecto era apenas bonito. O outro poderia salvá-la com sua inteligência, caso necessário.

Ilâmbe apanhou o cavalo indicado por seu pai e voltou para o palácio. Estava tudo preparado para sua viagem. O rei ordenou que alguns criados a acompanhassem, para carregar a bagagem e ajudá-la a se adaptar à nova cidade. Os recém-casados se despediram e partiram, ambos montados no Kabala.

A viagem durou muitos dias. Ogula-Njĕgâ, mesmo sob a forma humana, ainda possuía os mesmos instintos e gostos — estava há muitos dias sem comer carne crua. Ao passarem pela floresta onde havia animais selvagens, sua sede de sangue se intensificou. Chegaram a uma grande planície que terminava em outra floresta. Antes de atravessarem o campo aberto, seu desejo por caça ficou incontrolável e disse a Ilâmbe:

— Minha esposa, espere aqui com o Kabala e seus criados enquanto vou na frente. Volto logo.

Entrou na floresta e voltou a assumir a forma de leopardo. Capturou um pequeno animal e o devorou, depois mais outro. Satisfeito, lavou suas patas e boca em um riacho, voltou à forma humana e retornou para onde estava sua esposa.

Ilâmbe olhou-o atentamente e notou nele uma expressão dura e estranha.

— Onde você esteve? O que fez? — perguntou ela.

Ele deu uma desculpa qualquer e continuaram. 

No dia seguinte, fez a mesma coisa. Pediu para que esperasse em determinado lugar enquanto adentrava a floresta. Voltou a ser leopardo e caçou novamente. Ilâmbe não fazia ideia do que estava acontecendo. O Cavalo sabia e revelaria mais tarde que era capaz de falar, mas ainda não era o momento oportuno.

A viagem continuou dessa forma até chegarem à cidade do Leopardo.

Como já previamente preparado, sua mãe e outros moradores também haviam assumido uma forma humana para receber Ilâmbe. No entanto, o casal não ficou muito tempo em companhia deles, pois ficaram cada um em sua casa. 

Nos primeiros dias, Ogula tentou ser o mais amável possível com Ilâmbe, para que ela não suspeitasse de nada, mas sua sede de sangue não o abandonava. Passou a inventar desculpas para se ausentar:

— Tenho negócios a resolver em outra cidade.

E saía para caçar como leopardo, voltando tarde da noite. Isso se repetia frequentemente. Depois de algum tempo, Ilâmbe decidiu iniciar uma plantação e ordenou que seus criados homens limpassem o terreno escolhido. Ogula-Njĕgâ se escondia na floresta ao redor da lavoura para capturar e comer algum dos trabalhadores. O grupo sempre voltava com um criado a menos. Um a um, todos os servos foram desaparecendo. Ninguém além do Leopardo e seus familiares sabia o que se passava. Certa noite, em suas andanças de caça, Ogula-Njĕgâ encontrou uma dama de companhia de sua esposa e a devorou. Foi a primeira serviçal mulher a desaparecer. 

Algumas das vezes em que o Leopardo se ausentava, Ilâme sentia-se solitária e ia olhar Kabala. Com o desaparecimento da criada, o cavalo achou que era hora de se pronunciar sobre o que acontecia. A princesa acariciava sua crina quando ele disse:

— Ah, Ilâmbe, você não percebe o perigo vindo em sua direção.

— Que perigo? — perguntou a princesa.

— Que perigo? Se seu pai não tivesse me enviado junto com você, o que aconteceria? — perguntou o Cavalo. — O que acha que aconteceu com seus criados? Você não sabe, mas eu sei. Pensa que simplesmente desapareceram? Pois então saiba o que aconteceu: seu marido os devorou! Por isso sumiram.

A princesa não acreditou em suas palavras e contestou:

— Por que ele faria isso?

— Se você duvida, espere até todos os criados desaparecerem.

Duas noites mais tarde, mais uma dama de companhia sumiu. Algum tempo depois, Ogula-Njĕgâ saiu para caçar, com a intenção de, caso não apanhasse nenhum animal, devorar sua esposa.

Ilâmbe se sentiu solitária e foi até o estábulo ver seu cavalo.

— Eu não avisei? A última criada sumiu. Você será a próxima — advertiu ele. — Darei um conselho. Fique pronta para fugir esta noite, assim que a oportunidade surgir. Encha uma cabaça com amendoins, outra com sementes de cabaceira e uma terceira com água. Traga-as para mim, eu as usarei na hora certa.

A mãe do Leopardo passava pela rua e ouviu a conversa. “Por que Ilâmbe conversa com o Cavalo como se ele fosse gente?”, pensou ela, mas não comentou nada com sua nora.

Ogula-Njĕgâ voltou ao cair da noite. Não disse nada, mas estava com uma expressão séria. Ilâmbe estava inquieta e o olhar de seu marido a amedrontava.

Mais tarde, quando estavam prestes a ir dormir, ela perguntou:

— Por que você está com essa cara? Está bravo com alguma coisa?

— Não, não estou. Por que pergunta?

— Porque você parece estar incomodado com algo.

— Não, está tudo bem — respondeu ele. — Preocupações comuns. Amanhã tenho de acordar cedo.

Ogula-Njĕgâ, incomodado com as suspeitas de sua esposa, decidiu não matá-la naquela noite e esperar até o dia seguinte.

Ilâmbe não conseguiu dormir. O Leopardo saiu logo cedo, dizendo que tinha coisas a resolver, mas que voltaria logo. Enquanto seu marido estava fora, a princesa sentiu-se solitária e foi conversar com o cavalo, que considerou aquele o momento ideal para fugirem. Partiram imediatamente, sem avisar ninguém da aldeia e levaram consigo as três cabaças. Não podiam perder tempo, disse o Cavalo, pois quando o Leopardo descobrisse, iria atrás deles a toda velocidade. Kabala corria o mais rápido que podia, olhando para trás de vez em quando para averiguar se não estavam sendo seguidos.

Depois de algum tempo, Ogula-Njĕgâ voltou da aldeia e, ao chegar em casa, não encontrou Ilâmbe. Chamou sua mãe e perguntou sobre sua esposa. 

— Eu vi Ilâmbe conversando com o Kabala dela — respondeu a mãe. — Já faz dois dias que estão falando um com o outro.

O Leopardo saiu à procura deles e encontrou suas pegadas.

— Que vergonha! — gritou. — Minha esposa fugiu! Mas eu a encontrarei ainda hoje.

No mesmo instante transformou-se novamente em leopardo e saiu em disparada. Demorou algum tempo até que os fugitivos notassem seu perseguidor. Kabala, ao virar a cabeça, viu o Leopardo se aproximando em saltos rápidos que faziam seu corpo se esticar rente ao chão.

— Eu não avisei? Ele está atrás de nós! — o Cavalo gritou ofegante, com espuma pingando de sua boca.

Quando o Leopardo chegou mais perto, Kabala pediu para Ilâmbe pegar a cabaça com amendoins e espalhá-los pelo chão. Ogula-Njĕgâ, ao ver os amendoins, parou para comê-los. Com isso, o Cavalo conseguiu ganhar distância sobre seu perseguidor. Logo o felino já havia retomado a corrida e se aproximava dos dois. O Cavalo então pediu para Ilâmbe jogar as sementes de cabaceira. Mais uma vez, o Leopardo parou para comê-las e os fugitivos abriram vantagem novamente.

Após terminar de comer, o Leopardo voltou a persegui-los aos saltos e se aproximou novamente. Kabala mandou que Ilâmbe atirasse a terceira cabaça no chão com força, para que ela se quebrasse com o impacto. Assim o fez. A água que estava dentro da cabaça se transformou em um grande e largo rio, criando uma barreira entre eles e o Leopardo. Sem saber o que fazer, Njĕgâ gritou:

— Ilâmbe! Que vergonha! Ah, se eu conseguisse te pegar! — e foi embora.

— Não sabemos o que ele vai fazer agora — disse o Cavalo. — Talvez ele dê a volta para nos surpreender. Há uma cidade aqui perto, o melhor a fazer é ficarmos lá um ou dois dias para tentar despistá-lo. 

E acrescentou:

— Mulheres não são permitidas nessa cidade. Por isso, eu transformarei seu rosto e você se vestirá como um homem. Tenha muito cuidado durante os banhos. Se descobrirem seu disfarce, lhe matarão.

Ilâmbe concordou e Kabala mudou sua aparência. Os moradores se impressionaram ao ver aquele belo homem entrando na aldeia.

— Vejam, um forasteiro! Olá, estranho! Como encontrou o caminho até aqui?

— Por acaso — respondeu a jovem. — Estava cavalgando e encontrei uma trilha que me trouxe até aqui.

Foi convidada a uma das casas, onde foi acolhida e informada sobre os horários das refeições e outras atividades. No segundo dia, ao andar pela cidade, os homens comentaram:

— Ele se porta como uma mulher!

— Sério? Você acha mesmo?

— Sim! Eu vi claramente — tornou o primeiro.

Os problemas de Ilâmbe não terminariam aí. Os homens queriam confirmar suas suspeitas e disseram a ela:

— Amanhã vamos todos ao rio tomar banho e você virá conosco.

A princesa foi perguntar a Kabala o que fazer.

— Avisei para que tomasse cuidado! — repreendeu ele. — Mas não se preocupe, transformarei todo seu corpo no de um homem.

Durante a noite, Kabala a transformou e a advertiu novamente:

— Vou avisar mais uma vez. Amanhã, durante o banho com os outros, você pode se despir, pois está com o corpo de um homem. Mas é apenas temporário. Ficaremos aqui apenas mais um dia e uma noite, depois partiremos.

Na manhã seguinte, após todos cumprirem suas atividades, foram tomar banho. Ao chegarem ao rio, os aldeões estavam ansiosos para comprovar se o forasteiro era na verdade uma mulher, mas, ao admirarem seu belo corpo, perceberam seu engano. Ao saírem da água, um deles disse ao acusador de Ilâmbe:

— Como pôde dizer que era uma mulher? Veja que homem forte ele é!

Ilâmbe, transformada em homem, irritou-se ao ouvir aquilo e gritou:

— Você pensou que eu fosse uma mulher? — disse ela ao perseguir e estapear seu difamador.

Todos voltaram à cidade.

Naquela noite, o Cavalo falou para Ilâmbe:

— Eis o que você deve fazer amanhã: logo cedo, pegue seu revólver e me mate. Ao ouvir o disparo, os homens virão acusá-la de ter me matado sem razão. Não responda e não diga nada a eles. Corte-me em pedaços e os atire no fogo. Depois, bem cedo na manhã seguinte, antes de todos acordarem, recolha as cinzas cuidadosamente e espalhe-as na entrada da aldeia. Você verá o que vai acontecer.

A jovem fez conforme ordenado. Após espalhar as cinzas, ela imediatamente se viu novamente como mulher e montada em seu cavalo. Partiram no mesmo instante.

Naquele dia, à tarde, chegaram à cidade do rei Mborakinda. Uma vez lá, contaram (ou melhor, o Cavalo contou) tudo o que havia acontecido. Ilâmbe se sentia envergonhada por todos os apuros que sua exigência por um marido de pele lisa havia lhe causado.

— Ilâmbe, minha filha, veja os problemas que você causou a si mesma — disse o rei. — Para você, uma mulher, fazer tal exigência foi um exagero. Se eu não tivesse enviado Kabala com você, o que teria acontecido?

Todo o povo deu as boas-vindas a Ilâmbe, que voltou para sua casa e nunca mais falou nada sobre peles lisas.

Fonte: texto por Robert Hamill Nassau, in Elphinstone Dayrell, George W. Bateman e Robert Hamill Nassau. Contos Folclóricos Africanos vol. 1. (trad. Gabriel Naldi). Edição Bilingue. SESC. Distribuição gratuita.

Aparecido Raimundo de Souza (Era pra ser outra coisa)

O CHICO MARRETA conversa animadamente com seu pai. Seu velho gosta muito de ler. Quando está em casa, devora os livros de romance como um faminto diante de um prato de comida. Todavia, em matéria de gramática para ser usada numa simples carta, não sabe diferenciar um “O” de qualquer outro objeto redondo.

Chico Marreta: — Pai, você sabe qual a diferença da palavra “porquê” junto para “por que” separado?

Pai: — Essa até a cadelinha aqui de casa, a Jujú, sabe responder.

Chico Marreta: — Então manda vê.

Pai: — “Porquê” junto tem chapeuzinho e “por que” separado não tem.

Chico Marreta: — Pelo amor de Deus, pai. Nada a ver.

Pai: — E qual a diferença?

Chico Marreta: — “Porquê” junto, com chapeuzinho, como o senhor mencionou é usado para apresentar um motivo e “por que” separado, é quando se vai responder a uma pergunta formulada.

Pai: — Manda outra.

Chico Marreta: — “Haver” junto de “A ver” separado?

Pai: — “Haver” junto é quando duas pessoas estão olhando para a mesma coisa. E “A ver” separado, é quando só uma pessoa está a espiar para algo que ainda não distinguiu a silhueta.

Chico Marreta: — Errou feio, pai. “Haver” junto, é usado no sentido de existir e “A ver” separado é uma comparação. Vou mandar uma bem “facinha.” “Conserto” com “S” e “Concerto” com “C”?

Pai: — “Conserto” com “S” é um Conserto de um sapato furado, de uma camisa sem botão. Já “Concerto” com “C” é o sapato consertado e a camisa sem botão dispensada de qualquer tipo de serviço futuro a ser feito.

Chico Marreta: — Pai, “Conserto com “S” se faz quando o senhor repara ou acerta alguma coisa que estava danificada e “Concerto” com “C” é quando o senhor vai ao teatro assistir a uma apresentação musical.

O pai se retorce na cadeira de balanço, se serve de um pedaço de pão com queijo trazido pela empregada e encara o filho:

— Agora é minha vez, seu espertinho. Me explica “Coser” com “S” e “Cozer” com “Z?”

Chico Marreta: — Pai, essa é mel na chupeta. Com “S” dá a ideia de costurar. Com “Z” se usa quando se coloca alguma coisa numa panela para cozinhar. Quando a mãe cose as suas camisas rasgadas, ela cose com “S”. Quando faz as nossas refeições, ela coze com “Z”.

Pai: — Estava careca de saber. Só queria ter certeza se você é um garoto estudioso. Agora outra: A diferença de “Apreçar” com Cê-cedilha de “Apressar” com dois esses?

Chico Marreta: — Eu nem preciso pensar, pai. Respondo na lata. “Apreçar” com “cê-cedilha” é quando o senhor, em seu trabalho lá no mercado, remarca os preços das mercadorias nas gôndolas com aquela maquininha chata. “Apressar” com dois esses é quando o senhor dorme demais, perde a hora de ir para bater o cartão e sai acelerado feito um maluco.

Pai: — Ok, sabichão. “Deferir” com “E” para “Diferir” com “I.?”

Chico Marreta: —  O senhor defere com “E” ou concede um pedido meu, por exemplo, quando peço para sair com meus coleguinhas para ir jogar bola no campo perto do antigo aeroporto E Diferir com “I,” quando o senhor não diferencia a mamãe da dona Cristina, aquela moça que tem idade pra ser a sua filha, com quem o senhor está enroscando.

O pai, olha em direção da cozinha: — Fala baixo seu idiota. Pare de gritar. Quer que a sua mãe escute e me arranque os olhos?

Chico Marreta: — Desculpa, pai. A mãe não está. Foi ao mercado com a nossa empregada. Mas tome cuidado. Se ela descobre... o senhor dará com os burros n’água.

Pai (aos sussurros): — Vamos mudar o rumo da conversa. Manda outra. Esquece o papo que estamos levando. Belinha pode chegar sem que notemos...

Chico Marreta: — “Inflação” com “L” de “infração” com “R”.

Pai: — Essa eu mato o pau e mostro a cobra...

Chico Marreta: — Como é que é, pai?

Pai: — Errei na colocação da frase. Eu mato a cobra e mostro o pau... a ordem dos tratores não altera o viaduto...

Chico Marreta (as gargalhadas): — Cuidado para o senhor não se descuidar com a mamãe na hora de transar com ela. Ao invés de falar o nome da sua esposa, se esquecer e cair na esparrela ferindo uma das sagradas leis do matrimônio...

Furioso e descontrolado, o pai pula da cadeira de balanço, derruba o pão com queijo no tapete e parte com tudo para cima do filho e o agarra inopinadamente pela gola da camisa: — Como é que é fedelho? Repita!

Chico Marreta: — Nada, pai. Só disse para o senhor tomar cuidado com a desvalorização do dinheiro e não cair sem paraquedas e ainda por cima pisoteando uma lei.

O pai espuma de raiva e sem soltar o guri, vocifera: — Não entendi, seu monte de verme. Desembuche. Que lei?

Chico Marreta:  — “Infração” com “R” é passar a mamãe para trás, violando o seu casamento de quinze anos. Se essa droga cair nos ouvidos dela, certamente o senhor a deixará pê da vida e fará (se Deus me livre uma fofoqueira aqui da rua “bater pra ela”) se for descoberto por conta das suas saidinhas com a dona Cristina...

O pai, completamente transtornado, parte de novo para cima do filho, e, desta feita, com mais fúria, lhe descarrega uma chuvarada de tapas no meio das ventas: — Desgraçado, filho do capeta. Vou te comer vivo. Não fale nunca mais nessa dona Cristina aqui dentro de casa. Está proibido, ouviu? 

Culmina tirando a cinta da calça aplicando umas boas lambadas nos costados do pobre garoto.

Pai: — Maldito. Fique esperto. Não me tire do sério...

Chico Marreta não se dá por vencido: Aos prantos, se contorcendo de dor, em face dos açoites, segue na provocação ao pai. Berra.

— Experto com “X” ou com “S?!”

O sujeito cai novamente, desta vez distribuindo tapas e bofetões no escutador de novelas do pobre e indefeso filho.

Fonte: enviado por Aparecido Raimundo de Souza, de Lisboa, Portugal.