segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Célia Evaristo (Poemas Avulsos) - 1


A LAGARTA MARIA MARTA APRENDE A DANÇAR

A lagarta Maria Marta
gosta muito de dançar.
Mas é muito desajeitada,
passa o tempo a tropeçar.

Com tantas patas é difícil
o passo coordenar.
A lagartinha já pensa
este hábito alterar.

Coitadinha, até já chora,
nem consegue dormir.
Ter tantas patas é uma tormenta,
não se consegue divertir.

Maria Marta vai a uma aula
de danças de salão.
Mal começou a dançar:
que grande trambolhão!

Mas a Maria Marta não desiste,
é muito persistente.
Tem de haver uma solução
para dançar feliz e contente.

Devagar, devagarinho
lá se começa a ajeitar!
Muito cuidado com cada passinho
e já começa a dançar.

Cem aulas depois, que surpresa!
A Maria Marta já sabe dançar.
Já não chora, já não cai,
até já sabe rodopiar.

É importante não desistir
e nunca deixar de sonhar.
Assim fez a Maria Marta
que já aprendeu a dançar!
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FALA-ME…

Fala-me ao nascer do dia,
no primeiro raio de Sol.
Fala-me com o perfume das flores
e eu pintarei o arco-íris com outras cores.

Fala-me ao entardecer,
quando o céu encontra o mar.
Fala-me com o voar das andorinhas
e eu mandar-te-ei lembranças minhas.

Fala-me no silêncio da noite,
na tranquilidade da cidade.
Fala-me com um simples olhar
e eu deixar-me-ei por lá ficar.

Porque entre nós as palavras são escassas,
são os nossos gestos que falam por si.
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FALTA DE MIM

Não me sinto há muito,
desapareci,
voei.

Levei de bagagem de mão
o meu coração
e não prometi regressar.

Chorei,
gritei
e até à dor me dei,
sem me conseguir resignar.
O que sinto só eu sei,
não me quero enganar.

Por isso fui
e não voltei…
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MAIS

O teu coração nunca me amou,
o teu olhar nunca me encontrou.
E as vezes em que a tua pele a minha tocou,
foram vezes vazias, 
de ti nada ficou…

E eu queria receber mais, 
apenas uma réstia
do que sempre te dei.

As horas, os minutos e os segundos,
o tempo que te dediquei,
deitaste fora sem pensar
que me poderias magoar.

Dei-te o que nunca tive em troca,
porque quem ama
também espera ser amado.
Mas em vez de amor
recebi a dor 
de um ser abandonado.

E eu queria receber mais, 
apenas uma réstia
do que sempre te dei.

Os passos lentos que davas
quando eu corria
e caía nos teus braços.
Sorria-te,
ignoravas-me.

Pedia-te tempo,
dizias ter pressa.
E a cada momento
uma promessa.

E eu queria receber mais, 
apenas uma réstia
do que sempre te dei.

Nunca soubeste o que era o amor.
A vida, para ti, sempre foi fugaz,
intensa de coisas banais.
Nunca perdeste o teu tempo
para ser mais.
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NO SILÊNCIO DE UM OLHAR

É na distância de um primeiro olhar
que se dá o primeiro beijo,
tímido, 
desajeitado,
por vezes estranho
e outras delicado,
deixando um arrepio na pele,
sem que os lábios 
se tenham verdadeiramente tocado.

Palavras ditas no silêncio,
gestos sentidos sem tocar,
um misto de sentimentos
sentidos num simples olhar. 

Sem fronteiras,
outras barreiras,
sem obstáculos a transpor.
Apenas um coração aberto,
tão cheio de amor.

Por mais breve que seja um olhar
poderá prender, 
cativar,
poderá ser, 
estar,
querer,
sonhar.

Olha-me com atenção
e, no pleno silêncio das nossas vozes,
ouve o meu coração.
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O GATO BERNARDO

O gato Bernardo
mia, mia sem parar.
Quer apanhar uma estrela,
mas não sabe como a ela chegar.

Faz contas e mais contas,
calcula distâncias em vão.
Não sabe como chegar ao céu:
se a pé ou de avião.

Recomendei-lhe um foguetão
ou uma nave espacial.
O gato Bernardo está confuso
pois escolher não sabe qual!

A força da gravidade
está a deixá-lo preocupado.
Diz que já não tem idade
para andar pendurado.

Talvez peça a uma empresa
para lhe trazer o seu desejo.
Vai deixá-la no seu quarto
e com ela será um festejo.

A estrelinha vai-lhe contar
histórias para adormecer.
Serão os melhores amigos
até o Sol nascer!
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VOA COMIGO

Sou ave,
voo sem condição.
Sou leve como uma pena,
levo o mundo na minha mão.

Tenho asas para voar,
não aceitarei ficar presa
e que escape sempre ilesa
a um qualquer predador.

Vem, 
voa comigo, 
meu amor.

Mitos Indígenas (Coacyaba - o primeiro beija-flor)

Criação com IA Microsoft Bing
Os índios do Amazonas acreditam que as almas dos mortos transformam-se em borboletas. Por este motivo, elas voam de flor em flor, alimentando-se e fortalecendo-se com o mais puro néctar, para suportarem a longa viagem até o céu. 

Coacyaba, uma bondosa índia, ficara viúva muito cedo, passando a viver exclusivamente para fazer sua filhinha Guanamby feliz, todos os dias passeava com a menina pelas campinas de flores, entre pássaros e borboletas. Desta forma pretendia minimizar a falta que o esposo lhe fazia. Mesmo assim, angustiada, acabou por falecer, Guanamby ficou só e seu único consolo era visitar o túmulo da mãe, implorando que esta também a levasse para o céu. 

De tanta tristeza e solidão, a criança foi enfraquecendo cada vez mais e também morreu. Entretanto, sua alma não se tornou borboleta, ficando aprisionada dentro de uma flor próxima à sepultura da mãe, para com isto permanecer a seu lado. 

Enquanto isso, Coacyaba, em forma de borboleta, voava entre as flores, colhendo seu néctar. Ao aproximar-se da flor onde estava Guanamby, ouviu um choro triste, que logo reconheceu. Mas como frágil borboleta, não teria forças para libertar a filhinha. Pediu então ao Deus Tupã que fizesse dela um pássaro veloz e ágil, que pudesse levar a filha para o céu. 

Tupã atendeu ao seu pedido, transformando-a num beija-flor, podendo assim realizar o seu desejo. 

Desde então, quando morre uma criança índia órfão de mãe, sua alma permanece aguardada dentro de uma flor, esperando que a mãe, em forma de beija-flor, venha buscá-la, para juntas voarem ao céu, onde estarão eternamente.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

Dicas de Escrita (Como Escrever Histórias Engraçadas) – 1

(por Christopher Taylor, PhD)

O humor é parte essencial do dia a dia, já que ajuda a aliviar situações tensas, diminuir o estresse e a tristeza e criar laços afetivos entre as pessoas. Se você é bem humorado e gosta de escrever, pode combinar esses dois talentos em um só. Escrever histórias engraçadas não é tão difícil; por isso, coloque a mão na massa e dê vida à sua criatividade com as dicas deste artigo.

PLANEJANDO A HISTÓRIA

1 – Identifique o seu estilo de humor. 

Antes de começar a contar a história, determine qual é o seu estilo pessoal de humor. Se você tentar escrever um estilo diferente do seu, o enredo já vai começar fraco. Veja uma lista de alguns estilos diferentes:

humor observacional: trata de situações engraçadas do dia a dia, além de tirar sarro das pessoas para arrancar risadas.

humor de anedota: conta histórias pessoais engraçadas, que podem ser um pouco exageradas para provocar o riso.

burlesco: envolve a produção de caricaturas e imitação, muitas vezes com características exageradas.

humor negro: usa a morte e outros tipos de eventos traumáticos de um ponto de vista pessimista (mas cômico).

deadpan (ou humor seco): usa a falta de emoção ou expressão para gerar um efeito cômico.

farsa: usa esquetes ou sátiras com circunstâncias bastante improváveis, com reações exageradas ou movimentos frenéticos.

comédia pura: envolve assuntos ou temas inteligentes e intelectuais.

humor hiperbólico: usa o excesso e o exagero das situações para gerar o efeito cômico.

 – humor irônico: desvia da realidade ou trata de situações em que o público sabe mais do que os personagens sobre o que está acontecendo.

sátira: explora os pontos fracos e defeitos de uma pessoa ou da sociedade com efeito cômico.

humor autodepreciativo: traz personagens (ou até autores) que tiram sarro de si mesmos.

comédia de situação: traz elementos da farsa, do slapstick e afins para tirar sarro das situações do cotidiano.

slapstick: envolve o chamado "humor físico", no qual os personagens são vítimas de violência (acidental) do mundo à sua volta.

2 – Decida do que a história vai tratar. 

Antes de escrever uma história engraçada, você tem que ter uma ideia do enredo que ela vai trazer. Não basta pensar em piadas ou situações cômicas; a história em si tem que ter uma boa estrutura básica para dar base aos elementos de humor.

Faça um brainstorming de ideias. Se você ficar com algum bloqueio criativo, veja filmes de comédia ou leia histórias engraçadas para se inspirar.

Escreva sobre situações estranhas ou engraçadas que você já viveu, sem se preocupar em deixá-las cômicas por enquanto. Basta descrever as suas lembranças dessas experiências e por que as achou engraçadas.

Ambiente a história em um cenário vívido e que o público consiga imaginar. As pessoas vão entender melhor o seu tipo de humor se conseguirem visualizar onde o enredo acontece. O lugar em si não tem que ser engraçado (embora possa ser), mas pelo menos precisa fazer sentido para os personagens e a narrativa.

Pense na mensagem que você quer passar com a história. Qual vai ser o principal ponto do enredo? Os personagens têm que superar alguma adversidade? É um comentário crítico sobre a sociedade moderna?

3 – Crie um conflito ou motivo de tensão. 

O ideal é que esse conflito e a sua resolução ilustrem algum aspecto da natureza humana. Depois de criar o problema central, explique aos leitores o que está em jogo e o que vai acontecer se os personagens não resolverem a situação. 

O público vai se interessar mais pelos eventos da história se houver algum elemento do tipo. 

O conflito da história tem que criar tensão. Como ela é engraçada, a tensão em si já pode ser cômica, assim como as circunstâncias que a cercam (como essa tensão surge, como aumenta e como chega ao fim). Ademais, pense em uma maneira cômica de resolver a situação final.

Toda boa história precisa de conflitos e consequências reais para os personagens, sejam eles engraçados ou trágicos (mas ainda realistas). 

Pense na ação em ascensão, no clímax e na ação em queda. O clímax é o ponto máximo da tensão, enquanto as ações de ascensão e queda criam e resolvem a tensão, respectivamente.

Por exemplo: no filme Minha Mãe é uma Peça, o conflito acontece quando a dona Hermínia, interpretada por Paulo Gustavo, "foge" dos filhos para ensinar a eles uma lição. A tensão surge a partir dessa situação, mas se resolve no fim das contas.

4 – Escolha um ponto de vista. 

Para escolher o ponto de vista, você tem que decidir quem é o melhor personagem para contar a história e como ela vai ser contada. As principais opções são a primeira, a segunda e a terceira pessoas. Não existe uma "escolha certa", já que tudo depende do que o autor acha que mais dá certo para o enredo.

– Primeira pessoa: quando um personagem de dentro da história a conta pela sua perspectiva própria. É uma forma subjetiva de encarar o enredo, já que o narrador costuma ser o protagonista ou um personagem secundário.

– Segunda pessoa: quando a história é contada diretamente ao leitor, pelo pronome "você", sem interferência em primeira pessoa. O leitor se imagina como parte do enredo. Veja: "Você o segue pela casa e fica surpreso com o que vê".

– Terceira pessoa onisciente: quando um narrador onisciente (que vê e sabe de tudo) conta a história, sem usar pronomes como "eu" ou se referir ao leitor como "você". Nesse caso, o leitor entende os eventos, os pensamentos e as motivações de cada personagem.

– Terceira pessoa limitada: o narrador tem o mesmo estilo do onisciente, mas parte de uma perspectiva limitada dos eventos da história. A narrativa acompanha o protagonista e mostra o mundo da forma como ele o vê.

5 – Crie situações engraçadas. 

Pense em um incidente inicial engraçado e, depois, crie o resto do enredo a partir dessa ideia. As situações mais incomuns e curiosas costumam gerar ótimas histórias de humor. Se preferir, você pode recorrer a alguma situação mais clássica do gênero, como o personagem estar no lugar errado na hora errada, ser confundido com outra pessoa etc.

Digamos que a sua história fala de um homem que é convidado para almoçar e aparece no restaurante de camiseta regata, bermuda e chinelo. Contudo, o restaurante é elegante demais e tem um código de vestimenta mais restrito para os clientes. Por mais que a situação em si não pareça engraçada, pode gerar boas ideias de humor porque mexe com as expectativas do leitor. Nesse caso, ao contrastar o restaurante chique com a roupa simples do homem, você pode criar cenas em que o público tenha empatia pelo personagem.

6 – Crie personagens engraçados. 

Toda história, incluindo as engraçadas, precisa de bons personagens. Embora seja difícil, não é impossível criar pessoas interessantes e cômicas. Dê traços únicos a cada uma, seja por causa da aparência, do comportamento ou das situações em que ela se encontra.

Existem vários traços de personalidade que geram humor. Os personagens podem ser sarcásticos, bobos, observadores etc.

Os Trapalhões traz um ótimo exemplo de personagens engraçados. Apesar de muitas piadas serem datadas e ofensivas hoje em dia, eles usavam bastante o slapstick — aquele tipo de humor baseado em elementos físicos, nas personalidades, nas reações das pessoas às situações etc.

Crie o humor de cada personagem de acordo com as personalidades e seja consistente.

Você não precisa pensar em toda a história do personagem por enquanto. Deixe para fazer isso na hora de escrever o enredo em si e, de início, concentre-se em formar uma imagem clara de como cada personagem age e qual é a sua aparência.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Arthur Thomaz (Devaneios) – 3 -


 

Geraldo Pereira (A Agonia de um Recanto)

 
Aqui, nestas distâncias praieiras, recanto dos meus devaneios e canto dos meus encantos, onde tenho podido partilhar muito dos meus amores e dividir o pouco das minhas dores, tudo está diferente. Quase não posso mais ensaiar as fantasias paridas de meu imaginário, farto e forte, confesso, desde a mais tenra das minhas idades ou quase não posso mais entoar o cântico dos meus ardores, sinfonia d’alma ou melodia dos espíritos saciados com a beleza da vida, plenos com a existência terrena.

Tiraram a paz do lugar e mexeram com o bucólico dos ares, promoveram assim a metamorfose desadorada do simplesmente urbano, trazendo a civilização para este misto de mar e campo. Os coqueiros de Pau Amarelo agora sucumbem à força do fogo que devasta e deixaram de dar adeus com as palhas balouçando ao vento às ondas do mar, curvam-se, na verdade, em estalidos mais do que sonoros, despedindo-se do oceano enorme. E até as areias cálidas, tão livres antes, permissivas até com os amantes em flor, atores importantes dos espetáculos dos inícios, encheram-se de gente, daqui e dalhures, tomando jeito de praia grande e buliçosa.

As entradas de estrada batida, dos lados contrários ao do mar, que levavam às matas de cajus, cruzadas tantas vezes pelos pequeninos cursos d’água, verdadeiros maceiós, abriram-se e desfolharam-se. Há dezenas de novos conjuntos habitacionais para o atendimento da classe média, uns em ofertas e outros não, mas sedutores todos e a população flutuante de veranistas forasteiros há aumentar, certamente. Desapareceram, todavia, tangidos pela febre da civilização, os saguis das frondosas árvores e com eles o bailado vespertino do enlevo da natureza, de galho em galho saltitantes. Que pena! E aquele galo-de-campina, o último daquelas paragens mistas – mar e campo –, mas místicas e míticas também. Para onde foi? Antes tivesse se achegado à minha janela, onde cantava, mesmo que à distância, as loas do alvorecer e pedido para abrir a porta do alçapão dos meus desejos! Pior o timbu – um gambá macho, imagino, habituado a me fitar à noite, acomodado num arbusto de casa, tão fixamente que dava medo encarar! Sumiu simplesmente, foi buscar guarida noutras bandas!

Nem o calango, verde quando convinha, invasor da sala e terror das meninas, filhas minhas, sem os hábitos dessas interveniências silvestres, apareceu mais! Restam por lá umas rãs, em tudo muito espantadas, nada mais! Proliferaram, entretanto, os pernilongos, cantores macabros de todas as árias da funesta ópera!

Hoje, o movimento dos carros na pista principal lembra aquele das metrópoles e das megalópoles. Anda-se voando quase, sem o respeito necessário aos transeuntes, nativos do lugar muitos, os quais, de quando em vez, sucumbem atropelados. Não entendem bem porque morrem assim, num lugar agitado, dantes tão pacato, tão calmo! Mas morrem! Passear de automóvel, como antigamente, em marcha vagarosa, admirando o coqueiral e vendo os animais pastando, no pachorrento jeito dos cavalos e dos bois, fiando conversa com a patroa, reavendo afetos e afagos, nunca mais! Os outros ficam buzinando às costas, têm pressa parece, sempre! É correr também feito um desadorado da vida, descortinando visões dantescas, como a de um avião que fizeram aterrissar por lá, virado em bar, no momento! Ninguém sabe as razões dessa empreitada, de um velho DC3, merecedor de um lugar condigno no museu dos ares, exposto dessa forma às inclemências do tempo. Ninguém sabe, sequer, como chegou por lá, se puxado a cavalo ou voando nas asas do passado! Em Maria Farinha, fim de linha dos meus passeios, ambiência de carícias postergadas durante o ano, é impossível ver o rio. Um muro enorme num aterro grande, às margens do Timbó, cobriu, com os tijolos do nada, o tudo das águas, doces e tranquilas.

Havia uma marina no Timbó, há duas marinas agora e por certo outras marinas virão! Só não se pode ver uma Marina qualquer se banhando na largueza das águas e trazendo a magia que encantou o poeta no rio das capivaras, num alumbramento em tarde morna, na Várzea do Capibaribe.

Fonte> Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público

Luiz Damo (Trovas do Sul) LVII


Atentos a tantas metas
que ontem ousamos traçar,
palmilhemos suas setas
e haveremos de alcançar.
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Cada traço tem seu preço,
gesso não pode ser aço,
todo passo com tropeço
é o começo do fracasso.
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Dizem que duma caçada
surgem lorotas sem fim,
quando a bala for lançada
tomba a caça no capim.
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Está chovendo lá fora…
Mais parece cachoeira,
porém aqui dentro, agora,
água só cai da torneira.
= = = = = = = = = 

Jogue o lixo na lixeira
não deixe o lixo espalhar,
quanto mais tiver sujeira
menos vida vai brotar.
= = = = = = = = = 

Muitas barreiras na vida
foram por nós projetadas,
para servir de guarida
nas possíveis emboscadas.
= = = = = = = = = 

Não permita que o castelo
dos seus sonhos se destrua,
deixe-o cada vez mais belo,
com requintes o construa.
= = = = = = = = = 

Não revide com maldade
o que vem do desamor,
mesmo na privacidade
nunca perca o bom-humor.
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Ninguém deve se omitir
da responsabilidade,
tampouco se permitir
fomentar a falsidade.
= = = = = = = = =

No grande palco da vida
se repete a mesma cena,
para ser muito aplaudida
por quem todo dia encena,
= = = = = = = = = 

No portal das intuições
posso ver meus objetivos,
cheios de contribuições
para os passos intuitivos.
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O livro nos leva e traz,
quem o lê nele percorre.
Sem notar ele se faz
nova luz que nos socorre.
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Os primeiros imigrantes 
venceram hostilidades,
não foram beligerantes
mas guerreiros nas vontades.
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O vento bate no rosto
lhe causando cicatrizes,
balança o cabelo exposto
mexendo com as raízes.
= = = = = = = = = 

Para a crítica indecente
não se deve dar respostas,
melhor ouvi-las de frente
do que tê-las pelas costas.
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Para Deus não tem segredo
que não seja desvelado,
jamais devemos ter medo
se Ele andar ao nosso lado.
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Para quem está cansado
de tanto em fila esperar,
embora esteja apressado
não deve desesperar,
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Quando o grão ficar maduro
recebe um final sensato:
um granel seco e seguro
ou seu consumo imediato.
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Quando para a eternidade
Deus um dia nos chamar,
que a maior felicidade
seja com Ele habitar.
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Quem já se sentiu ferido
num confronto corporal,
mais dor deve ter sentido
na queda sentimental.
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Recebemos qualidades
que devem ser lapidadas,
revelando as faculdades
em pequenas pinceladas.
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Sem alguma atividade
o corpo humano atrofia,
reduz a vitalidade
antes de findar o dia.
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Sobre a lavoura da infância
desabroche a mocidade,
chovendo com abundância
germine a prosperidade.
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Toda a riqueza auferida
nos garimpos do viver,
nada tem melhor que a vida
nem maior que o próprio ser.
= = = = = = = = = 

Todo pai foi filho um dia,
mas nem todo filho é pai.
Ó Deus conceda alegria,
mais amor a todos dai!
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Vendo alguém pedindo afeto
sem sinais de estar doente,
falta à vida algo concreto,
ou de amor está carente.
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Fonte> Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014. Enviado pelo autor.

Eduardo Affonso (O peixinho que não sabia nadar)

Vinte e tantos anos atrás, quando começaram a me nascer sobrinhos por todos os lados, resolvi que ia escrever livros infantis para eles.

É que sempre achei livros infantis um tanto… infantis demais.

Já achava isso quando era criança.

Não me identificava com aquela prosa tatibitate, com as ilustrações toscas, que me tratavam como se eu fosse uma… criança.

Queria que meus sobrinhos tivessem algo além do que eu tive.

Não tiveram, porque dei com os burros n’água: literatura infantil não é pra principiante.

Agora que os sobrinhos já estão me arrumando sobrinhos-netos, volta a vontade de escrever para eles, e retomar o projeto.

Quem sabe não aparece um ilustrador, não me vêm novas ideias, e a coisa, finalmente, deslancha?

Fui atrás do que escrevi lá no início dos anos 90- e talvez algo ainda se aproveite. Como, por exemplo…

O PEIXINHO QUE NÃO SABIA NADAR

Era uma vez um peixinho
que não sabia nadar

Vivia junto da praia
e tinha medo do mar.

Usava boia, o peixinho,
para poder flutuar

Comprou até pé-de-pato
mas não tinha como usar.

Seus colegas de cardume
iam pra lá e pra cá

Entretanto, o tal peixinho
não saía do lugar.

Tinha medo de baleia
e até de estrela do mar

Só de pensar em mergulho
sentia falta de ar.

E então a maré subiu
a ponto de transbordar

E lá se foi o peixinho
numa onda, para o mar.

As barbatanas tremiam
como se fossem voar

De susto, bateu o rabinho
e deslizou devagar.

Viu os cascos de navios
tesouros do fundo do mar

Sereias, conchas, golfinhos
– e nadava sem parar.

Fez logo um monte de amigos
além de se apaixonar

E com um cavalo marinho
saía pra cavalgar.

Nunca mais ficou sozinho.

Nem parecia o peixinho
que um dia, pequenininho,
tivera medo do mar.

 Fonte: Eduardo Affonso (publicado em 28 de julho de 2016)

Artur De Azevedo (Contos em versos) O marido, a mulher e o outro

 O Secundino Arantes
Era um marido cômodo: a senhora
Tivera quatro, cinco ou seis amantes,
E o desgraçado, embora
O soubesse, faltando-lhe energia,
Caladinho ficava e não reagia.

Vivia escravizado;
Amava-a, achava-a bela;
Estava acostumado
Àquilo, e não podia
Outra vida viver senão aquela.

Entretanto, num dia
Em que um tal Souza, o derradeiro amante,
Nos adúlteros braços esquecido,
Se deixou surpreender pelo marido,
Este, que, até tão malsinado instante,
Tudo embora sabendo, nada vira,
Teve um acesso de ira!

Para que o seu furor deixasse traços
(Assim um pusilânime se vinga!),
Lançou ao chão e fez em mil pedaços
Uma infeliz moringa;
Saiu de casa, e da mulher infida
Se separou definitivamente.

Só depois de três meses, convencida
Ela ficou de que o marido ausente
Nunca mais voltaria. O Souza, o amante,
Que, esperando também que ele voltasse,
Não contava com esse desenlace,
Teve, de então por diante,
Que aguentar — pobre Souza! — aquela carga
Que jamais figurou no seu programa.
Não larga um cavalheiro a sua dama.
Quando, por causa dele, o esposo a larga.
Foi cavalheiro o Souza.

Tu farias, leitor, a mesma coisa,
Se estivesses no rol desses peraltas
Metidos em cavalarias altas,
E um dia fosses, como um sevandija*,
Apanhado co’a boca na botija.

O desditoso Secundino Arantes
Nunca mais teve um’ hora de ventura;
Ele, tão ledo, tão alegre dantes,
Só desejava agora a sepultura;
Se coragem tivesse,
Ou se soubesse
Onde ir busca-la,
Talvez fizesse
Com que uma bala
Cabo da vida estúpida lhe desse!

Viveu assim seis meses, e à medida
Que os tempos tristemente se passavam,
Mais e mais na sua alma se avivavam
Fundas saudades da mulher querida.

Gastava a pensar nela o dia inteiro,
Durante toda a noite a via em sonhos,
E acordava a soltar gritos medonhos,
Abraçando e beijando o travesseiro!

Um dia, finalmente, subjugado
Por uma ideia impávida, constante,
Resolveu ir passar pelo sobrado
Em que a mulher morava com o amante...

Quatro vezes passou por lá sem vê-la;
Porém, à quinta vez, quando passava,
Viu que à janela a pérfida se achava,
E foi como se vira a sua estrela!

A sexta vez ele cumprimentou-a,
E foi correspondido;
A sétima sorriu-lhe, namorou-a,
Namoraram-se ambos, e o marido
Durante um longo mês passou por ela,
Que o esperava à janela!

Escreveu-lhe, afinal, uma cartinha,
Pintando ao vivo o eterno amor que tinha,

Pedindo uma entrevista
Com o mesmo empenho com que suplicara
A vida um moribundo, um cego a vista.
Morta por isso andava a esposa cara.

Estava o nosso Arantes
A sós com ela, como dois amantes,
Quando o dono da casa, de repente,
Subiu a escada inesperadamente.
— Oh! Diabo! É o Souza! Esconde-te depressa!
— Eu esconder-me! Homessa! —
Ele abre o guarda-roupa, e ele, tremendo,
Para evitar um incidente horrendo,
Esconde-se.

Entra o Souza, e desconfia:
Ela nervosa está, tem a mão fria,
E o guarda-roupa geme...
Suando em bicas, Secundino treme,
Entre calças e saias, sufocado
Por um cheiro de cânfora, coitado!...

— Quem está dentro daquele guarda-roupa?
Pergunta à queima roupa
O Souza, e, vendo que ela não responde,
Abre o móvel...
— Senhor, por que se esconde?

Deve ficar aqui bem assentado
Que o marido enganado
É’ o senhor e não eu! Saia pra fora!
Aqui tem a senhora:
Ela é sua e não minha, Deus louvado! —

E, dizendo isto, o Souza foi-se embora.
Final coerente,
Que satisfez
Completamente
A todos três.
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* Sevandija = Pessoa vil; quem é baixo, ignóbil ou desprezível.
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Fonte> Artur de Azevedo. Contos em verso (contos brasileiros). Publicado originalmente em 1909. Disponível em Domínio Público . Convertido para o português atual por J. Feldman

Mitos Indigenas (Cervo Berá - o troféu do amor)

Em sua tribo, a jovem e bela Ponaim vivia em imensa liberdade. Corria feliz pelos prados e campos, amava a beleza das matas, deliciando-se nas águas dos rios e lagoas. Mas tudo isto não lhe bastava. Seu maior prazer era despertar paixões nos jovens, desprezando-os depois. 

Anhurawi, forte guerreiro, por ela se apaixonou. Para por em prova seus sentimentos, Ponaim pediu ao rapaz que lhe trouxesse um admirável e cobiçado cervo que havia naquelas campinas, o cervo Berá, animal de rara beleza e grande agilidade. Prometeu-lhe que se casaria com ele e que a pele do animal seria o forro do seu leito nupcial. 

Mesmo sabendo das dificuldades que encontraria, Anhurawi partiu em busca do cervo. 

Ao avistá-lo, o guerreiro usou de toda a sua força e astúcia, mas não conseguiu capturá-lo. Sendo muito veloz, o cervo fugiu em direção ao abismo da gruta do Caverá, atirando-se na lagoa Parobé. 

Anhurawi o seguiu e ambos acabaram por desaparecer. 

Desde aquele dia, a bela Ponaim, tomada de profunda tristeza e arrependimento, caminha pela beira da lagoa e lá permanece até o anoitecer, esperando que algum dia Anhurawi volte para ela, trazendo-lhe nos braços a pele do cervo Berá.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

Estante de Livros (“Histórias de Fadas”, de Oscar Wilde)

Oscar Wilde foi um dos maiores escritores de língua inglesa. Transitou com maestria por diversos gêneros, sempre nos brindando com o tom satírico e irônico que lhe era tão peculiar. Autor de “O Retrato de Dorian Gray”, “O Fantasma de Canterville”, “A Importância de ser Honesto”, entre outros.

Em "Histórias de fadas", livro de contos que escreveu para os filhos, o autor irlandês mantém a crítica à sociedade de seu tempo ao recriar personagens do nosso imaginário, que, subitamente, têm de tomar consciência do mundo imperfeito em que vivemos, numa bela e importante metáfora sobre a vida. 

Aqui você vai encontrar os contos "O Príncipe Feliz", "O Gigante Egoísta", "O Amigo Dedicado", "O Foguete Notável", "O Rouxinol e a Rosa", "O Jovem Rei", "O Aniversário da Infanta", "O Filho da Estrela" e "O Pescador e sua Alma", todas narrativas maravilhosas e imbuídas de poesia, capazes de provocar os mais profundos mergulhos para dentro de nós mesmos.

No primeiro conto, “O Príncipe feliz”, a amizade e o amor se mostraram fortes mesmo quando o ser humano tenta estragar tudo com sua vaidade. A estátua do Príncipe está lá no alto, vendo tudo e se preocupando com todos, até que uma Andorinha fica para trás enquanto todas as outras seguem para um lugar quente, pois o inverno se aproxima. A Passarinho ajuda o Príncipe a se doar às pessoas necessitadas, mas a Andorinha precisa ficar todo o inverno por ali.

“Mesmo que meu coração seja feito de chumbo, não posso evitar chorar.”

Em “O gigante egoísta”, as crianças se divertem no quintal do gigante, pois ele viajou para visitar um amigo, e nisso se passaram muitos anos. Quando ele volta, fica furioso com as crianças ali e as expulsa, depois constrói um muro em volta do terreno. Acontece que toda a alegria também se afasta e ali dentro era sempre inverno e tristeza. Até que algo fantástico acontece.

O conto “O amigo dedicado”, nos mostra que todos em algum momento nos deparamos com amizades de mão única. Aquelas que a pessoa se aproveita, mas quando o outro precisa a pessoa sempre desvia.

Não adianta eu ir ver meu pequeno Hans enquanto dura a neve — dizia o Moleiro à sua mulher —, pois quando as pessoas estão com problemas o melhor é deixá-las sozinhas, para que não tenham de se aborrecer com visitas. Pelo menos essa é a ideia que tenho da amizade, e tenho a certeza de que estou certo. E por isso esperarei até chegar a primavera, quando então irei visitá-lo, e ele poderá dar-me uma grande cesta de margaridas, o que o fará muito feliz.

Em “O foguete notável”, vemos o ego de um sujeito que pensa ser o mais importante de todos.

“Frequentemente mantenho longas conversas comigo mesmo, e sou tão inteligente que muitas vezes não compreendo uma só palavra do que estou dizendo.(Frase muitas vezes atribuída de forma errada ao próprio autor e não ao personagem do conto.)

“O Rouxinol e a Rosa” é uma história sobre doação e amor, e como há pessoas interesseiras. A moça diz que só dançará com o rapaz se ele lhe der uma rosa vermelha, então ele corre em busca da flor, o problema é que só há rosas brancas. O Rouxinol percebe o problema e se doa para conseguir a flor.

O jovem rei conta sobre o dia em que o Príncipe seria coroado, então ele passa a sonhar sobre como suas coisas belas, como roupas e joias são conseguidas de forma que fazem seus súditos sofrerem.

“Na guerra — respondeu o tecelão —, os fortes fazem escravos dos fracos, e na paz os ricos fazem os pobres seus escravos.”

Em “O aniversário da Infanta”, vemos como a maldade pode corroer até o coração das jovens. Em seu aniversário de 12 anos ela pode receber seus convidados e dançar com eles. E um deles se apaixona, mas o coração da menina não traz bondade.

O “Filho da Estrela” começa com lenhadores encontrando um bebê abandonado exatamente onde caiu uma estrela. Um deles o leva para casa a fim de que sua mulher cuide dele. Ela reclama, pois têm muitos filhos, mas seu coração amolece e eles o criam como mais um filho. O rapaz cresce e se torna belíssimo! Até que uma atitude dele o faz virar um ser horrendo. Ele sai em busca de reparar sua maldade. No caminho seu coração se mostra bom e ajuda quem precisa.

O personagem de “O pescador e sua alma” deseja se casar com a Sereia que pescou, mas ela diz que apenas conseguirá se ele se separar de sua alma. O rapaz vai atrás da bruxa para que o ajude. Nem ela deseja que ele faça tamanha maldade contra si, mas o ajuda.

São histórias de doação humana, de amizade e sonhos. De seres fortes que recebem sempre algum tipo de lição por seus atos.

Beco do Nunca (Resumos de Celly Borges)