terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Elmano Cardim (As Primeiras Revistas Literárias)

Idade d'Ouro do Brasil (1a. edição publicada)
Contudo, a imprensa literária surgiu cedo no Brasil, logo em seguida aos dois primeiros periódicos, que se registram na história do nosso jornalismo.

Depois da Gazeta do Rio de Janeiro e da Idade d’Ouro do Brasil, apareceu na Bahia em janeiro de 1812, com o título AS VARIEDADES ou ENSAIOS DE LITERATURA, o primeiro jornal literário, que foi, ao mesmo tempo, o terceiro publicado no país. Fundou-o, ao que tudo indica, Diogo Soares da Silva de Bivar, português culto, dado às letras, formado em Coimbra e de espírito liberal. Dizia-se descendente do Cid, o Campeador. Mandado em degredo para Moçambique, por haver hospedado Junot na sua casa da vila de Abrantes, desviou-se na viagem para a Bahia, onde se instalou e obteve depois o perdão pelo crime que hoje seria chamado de colaboracionismo com o inimigo. Da Bahia, onde exerceu a advocacia, passou para o Rio e aqui viveu até os 80 anos, ocupando vários cargos em associações cultas, benquisto e considerado. Era sócio do Instituto Histórico e faleceu aos 10 de outubro de 1865, deixando dois filhos ilustres, Rodrigo Soares Cid de Bivar e Luís Garcia Soares de Bivar, e uma filha que foi a primeira jornalista brasileira, Violante Atalipa Ximene de Bivar e Velasco, diretora, em 1852, do Jornal das Senhoras.

O Sr. Hélio Vianna desfez todas as dúvidas e confusões dos bibliógrafos sobre As Variedades, que se publicou em três números, reunidos os dois últimos num só, e assim se apresentava aos leitores:

"O Folheto que oferecemos ao Público, mostra de alguma forma o plano que havemos concebido, e que, quanto em nós é, desejamos desempenhar na redação e publicação do presente Periódico. Discursos sobre os costumes e as virtudes morais e sociais, algumas novelas de escolhido gosto e moral; extratos da história antiga e moderna, nacional ou estrangeira, resumo de viagens; pedaços de autores clássicos portugueses, querem em prosa, quer em verso, cuja leitura tenda a formar gosto e pureza na linguagem; algumas anedotas e boas respostas, etc. - tais são os materiais que tencionamos servir-nos para a coordenação desta obra, que algumas vezes oferecerá artigos que tenham relação com os estudos científicos propriamente ditos, e que possam habilitar os leitores a fazer-lhes sentir a importância das novas descobertas filosóficas".

O sumário dos três números das Variedades é interessante, de nível evidentemente elevado para o meio, o que determinaria, por certo, o seu fracasso, pois logo desapareceu, por falta de assinantes.

O segundo jornal com o tipo de revista literária surgido no Brasil foi O Patriota, fundado em janeiro de 1813 pelo Coronel Manoel Ferreira de Araújo Guimarães, redator da primeira folha brasileira, a Gazeta do Rio de Janeiro, e fundador do Espelho, que foi, no período da Independência, um periódico muito informativo.

O Patriota teve, para a época e para o seu feitio, uma longa duração, pois se publicou até dezembro de 1814. Foi, na opinião do Sr. Carlos Rizzini, comprovada pelos fatos, a melhor publicação literária, não apenas da Colônia, mas do Reino e da Regência. Foi o primeiro jornal no Brasil a apresentar ilustrações.

O seu fundador, que abreviava o nome para Ferreira de Araújo, igual ao do jornalista que foi no fim do século uma glória da imprensa carioca, era baiano e tinha uma marcada vocação profissional. Fez carreira de engenheiro, alcançou o cargo de professor da Academia da Marinha de Lisboa, onde estudara, lecionou depois nas Academias da Marinha e Militar do Brasil e chegou ao posto de brigadeiro.

Tinha um grande pendor para as letras e por isso fundou O Patriota, cujas páginas publicaram a melhor produção literária da época, dos escritores Borges de Barros, Garção Stockler, Mariano da Fonseca, José Bernardes de Casto, Camilo Martins Lage, Ildefonso José da Costa e Abreu, Pedro Francisco Xavier de Brito, Silva Alvarenga, José Bonifácio, Silvestre Pinheiro e José Saturnino.

O Patriota, pelo seu subtítulo, se destinava a ser um jornal literário, político, mercantil etc. Saiu da Imprensa Régia. Publicou - diz Inocêncio - muitos documentos inéditos e notícias importantes para a história de Portugal e do Brasil, muitas poesias e artigos de arte, ciências e literaturas, como se vê do índice geral inserto no terceiro e último volume.

Manoel Ferreira de Araújo Guimarães, que era poeta, divulgou muitos dos seus versos no Patriota. Da veia lírica do jornalista, Joaquim Norberto, no seu Bosquejo da História da Poesia Brasileira, diz "que Araújo Guimarães cultivava a poesia lírica com pouca felicidade, porque a sua fantasia estragada com círculos e retas não era para poesia; e suas produções, a maior parte delas seladas com o cunho da mediocridade, ali jazem, e foram o assunto de muitas censuras dos seus coevos".

Os Anais Fluminenses de Ciências, Artes e Literatura estavam fadados a morrer de inanição, por falta de assinaturas que correspondessem ao esforço representado pela sua criação. Era uma revista, com 15 páginas, aparecida em princípios de 1822 e publicada uma só vez pela Sociedade Filotécnica, associação literária, que não chegou propriamente a funcionar, presidida pelo Conde da Palma e que fora fundada por José Silvestre Rebelo, que depois serviu à Diplomacia brasileira e foi um dos fundadores do Instituto Histórico.

A introdução, ou plano da revista, teria sido escrita por José Bonifácio, segundo a Vale Cabral declarou Varnhagen.

Os Anais foram o terceiro jornal literário do país. O seu redator era José Vitorino dos Santos e Sousa, que tinha uma oficina tipográfica e era matemático, autor de livros de álgebra e geometria e foi depois redator do Jornal Científico, Econômico e Literário.

O único número dos Anais tem na capa externa esta quadra, seguida de tradução:

Père de la nature, Être puissant et bon
Protège cet Empire, où l’humaine raison,
Dans un ordre nouveau, sous ton Auguste auspice,
De la Societé rebatit l’édifice.

O principal trabalho publicado nos Anais é o estudo do Desembargador Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira sobre "A Igreja no Brasil", com dados e informações que constituem ótimo subsídio para a história eclesiástica do país.
***

Todos os historiadores são acordes em reconhecer o relevante papel que teve a imprensa na proclamação da Independência. A influência desse fator da emancipação nacional foi, no entanto, menos dos jornais propriamente ditos e dos panfletos de então do que dos redatores, cuja ação estudamos rapidamente nesta palestra. Com exceção de Hipólito da Costa, todos eles agiram à margem dos periódicos que redigiam, em ação política desenvolvida nas associações secretas, como a Maçonaria, nas reuniões, na Assembléia Legislativa e no próprio seio do governo.

Os nomes dos redatores das folhas de então não apareciam nos cabeçalhos, nem assinavam os artigos publicados. As "correspondências" valiam pelos "A pedido" de hoje. A luta contra o anonimato era, como já vimos, uma preocupação dos homens públicos, a fim de coibir os excessos da liberdade de imprensa.

Estudando esse aspecto da época, o Sr. Octávio Tarquínio de Souza acentua que "por força da estreiteza e do acanhamento do meio social do Rio desse tempo, de par com a exaltação das paixões políticas, o jornal era a expressão de uma personalidade, refletindo-lhe as idéias, os sentimentos, o feitio moral. O jornal era o seu redator, recebia-lhe a marca, como um livro, como uma obra individual a recebe do seu autor exclusivo".

Nas lutas da Independência, como em todos os outros momentos graves da nacionalidade, a imprensa representou, de fato, um grande papel. Mas não é de crer que a sua influência sobre a elite dirigente resultasse do reflexo da opinião pública, expressão que raramente aparecia nos escritos da época, embora neles se usasse e se abusasse mesmo das invocações ao povo.

Mas povo, em verdade, ainda não havia no país, cuja população era na sua grande maioria composta de analfabetos e de escravos.

Na época da Independência, o "povo" brasileiro era um valor muito relativo, uma expressão muito mais social do que demográfica. Basta dizer-se que o apelo entregue ao Príncipe Regente em favor da Independência continha 8.000 assinaturas, quando a população do país andava por três milhões de habitantes.

Como mostraram Armitage, Oliveira Lima, Oliveira Viana, Barbosa Lima Sobrinho e outros publicistas, o "povo" eram então os fazendeiros, os letrados, o clero, a burguesia comerciante.

Havia, naturalmente, as manifestações da rua, nas quais aparecia, não o povo, mas a plebe, facilmente manejada pelos agitadores que a usavam como instrumento para os seus desígnios políticos.

Foi essa plebe que acompanhou, com vaias e assobios, os deputados presos por ocasião da dissolução da Constituinte, o que levou José Bonifácio, ao entrar no Arsenal da Marinha, caminho da Fortaleza da Lage, onde ficaria preso, a dizer ao General Morais, que o recebeu: " hoje é o dia dos moleques".

Os fatos marcantes da época tinham pouca repercussão no noticiário, e entre eles a própria proclamação da Independência, sobre a qual os periódicos foram omissos ou parcimoniosos. Nem se usava, para a divulgação dos acontecimentos, das colunas dos jornais, embora em 1822 constasse o Rio de Janeiro com quatro tipografias e 14 jornais, entre os quais dois quotidianos, o Volantim, de existência muito passageira, e o Diário do Rio de Janeiro, aparecido em 10 de junho de 1821 e cuja publicação foi até 1878. Esse jornal, que teve uma grande importância na imprensa brasileira, timbrando no começo em não cuidar de política, deixou de noticiar a proclamação da Independência.

Os acontecimentos da história pátria eram conhecidos, seja por editais afixados nas esquinas, seja por meio dos bandos, que vinham à praça pública, numa pitoresca encenação, descrita por Max Fleiuss como uma "espécie de proclamação de caráter todo municipal, consistente em uma ruidosa cavalgada, em que tomava parte todo o Senado incorporado: presidente, procurador, porta-estandarte, oficiais, almotáceis e meirinhos, precedidos de um pelotão de cavalaria de polícia, seguido de uma banda de música da milícia burguesa.

"À frente iam pretos, soltando foguetes, e fechava o préstito outro pelotão de cavalaria e o povo dando vivas.

"Nas encruzilhadas das ruas, parava o cortejo e um dos oficiais da Câmara, a cavalo e de cabeça descoberta, procedia à leitura do bando ou proclamação como assim sempre se fazia, nos três dias antes das principais solenidades da Corte, tais como o nascimento, casamento ou falecimento de alguma pessoa real.

"Nos bandos que anunciariam a aclamação e coroação de D. João VI, que se realizou em 6 de fevereiro de 1818, e as cerimônias da coroação e sagração de D. Pedro I, a 10 de dezembro de 1822, os mais notáveis personagens disputavam a honra de neles figurar
".

A imprensa, com a restrita circulação dos periódicos, era então essencialmente política, doutrinária e personalista. Mas nem por isso deixava de existir e de pesar sobre o ânimo dos que detinham o poder e orientavam os acontecimentos formadores da nação que se criava.

É que já se forjara, nítida e robusta, como alavanca de comando dos episódios históricos, uma consciência nacional, que naqueles dias confusos e tormentosos orientava o patriotismo dos brasileiros.

(Jornalistas da Independência, 1958)

Fontes:
Academia Brasileira de Letras
Imagem = http://hcnb.wordpress.com

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