sábado, 7 de dezembro de 2013

Roberto Pinheiro Acruche (Caderno de Trovas)

A alvorada, em seus traços,
me trouxe nova esperança
de ter de novo em meus braços
quem não me sai da lembrança.
-
Amor! Eu estou morrendo
de saudades de você.
Amor, eu só estou vivendo,
de amor por quem não me vê.
-
Ao abrir minha janela,
inundada de luar,
mais forte a lembrança dela
fez a saudade apertar.
-
Ao passar a mocidade,
aquecida, tal verão,
o sol da maturidade
me deu nova direção!
-
Arteiro, ágil e risonho...
Era assim, na mocidade!
Hoje cansado e tristonho,
só leva o peso da idade.
-
A tristeza em minha casa
está num quarto vazio:
de dia a saudade abrasa,
à noite mata de frio.
-
Chorei de tanto sorrir!
Sorri ao chegar o fim,
de pensar não existir
amores falsos por mim!
-
Enquanto estas a sorrir...
Evitas o que aborrece.
Tristeza pode existir,
mas delas, você esquece!
-
Era jovial e prosa,
Bom contador de vantagens.
A vida lhe foi calosa...
Está no fim da viagem!...
-
Esta vida é complicada,
imagine, meu consorte,
pois se a vida é temporada,
que será, então, a morte??
-
Eu bebi para esquecer
esqueci porque bebi,
agora quero saber,
o que será que esquecí?
-
Eu nunca vivi uma guerra!
Jamais vivi uma tragédia!
Se a dor no meu peito encerra...
Será que a vida é comédia?
-
Jurou-me que voltaria...
Eu juro, muito esperei!
Outra vez você mentiu...
Outra vez acreditei.
-
Mágico é teu esplendor,
outono da minha vida.
Beijo a sorte, vivo o amor...
Ironizando a partida.
-
Meu coração bate forte
ao chegar sua mensagem
que bom se tivesse a sorte...
Vê-la chegar da viagem.
-
Minha saudade e alegria
no Natal é recordar
do amor que meu pai trazia
quando vinha me abraçar!
-
Ministros e Presidente
tentam dar explicação,
mas o povo, infelizmente,
é quem paga o apagão!...
-
Nada ainda terminou!
Então siga a caminhada...
Se o mundo não acabou,
A vida não está parada!
-
Na madrugada, tristonho,
Sem sono o jovem medita
A vida é um grande sonho,
Feliz quem nele acredita.
-
Na semeadura errada
Você cultivou espinho,
mas hoje, em triste jornada,
anda descalço e sozinho.
-
Nas rimas quanta saudade,
De tão triste até chorei,
és uma grande verdade...
Tão pouca vida te dei.
-
Natal... dia de alegria...
de festa...sentimental!
Ah!... tão bom se todo dia
fosse dia de Natal!…
-
Natal! É festa de luz!
Vou comemorar com amor,
agradecendo a Jesus
o meu mestre e salvador!
-
Nesta vida o tempo passa
o meu consolo é você!
Mas sou poeta sem graça,
quando passas e não me vê!
-
Nunca foi obra de arte,
mulher de cintura fina,
digo isso em qualquer parte,
ela é uma obra divina!
-
O que eu não quero é morrer
quero ser doce lembrança
sempre que eu merecer
Te encontrar feito criança
-
O sonho do trovador
é fazer trova perfeita;
não consegui ser o autor,
mas consegui vê-la feita!
-
O tamanho do meu sonho
não se mede em comprimento
mas nos versos que componho
na medida do lamento...
-
Por capricho do destino
te encontrei tarde demais
Sou badalo, você o sino
sou a moça, tu és o rapaz.
-
Por momento passageiro
fostes trocar os teus sonhos.
Vive agora o tempo inteiro
dias vazios, tristonhos...
-
Posso reclamar de tudo...
Direito que me convém!
Mais fico todo “sisudo”
quando reclamas também.
-
Quando chove reclamamos
e se não chove também.
Se a chuva traz certos danos,
outros têm quando não vem.
-
Quando te amei de verdade,
jamais eu pensei, “por certo”,
Que tu serias saudade
e o meu coração, “deserto”!
-
Que nós somos filhos Teus,
muitos dizem, e acredito...
Boníssimo pai, meu Deus...
Teu amor é tão bonito!
-
Quero um natal diferente
Com muita paz e união
Que as bênçãos do onipotente
Alcance toda a Nação.
-
Sabiá da minha terra,
Por que vem cantar aqui?
Não sabe seu canto encerra
Saudades de onde vivi?...
-
Se eu pudesse voltar à infância
Nem que fosse por um dia
Abraçaria a inocência
e nunca mais a soltaria.
-
Se eu tivesse te encontrado
antes, meu imenso amor;
teus olhos que estão molhados
não chorariam de dor.
-
Se o hoje é cheio de dor
não pense que a vida é vã...
enquanto existir amor,
sustente a fé no amanhã!!!
-
Somente o amor verdadeiro
é por Deus abençoado;
e por não ser passageiro
é tão sublime e sagrado!
-
Sopra a brisa, sopra a vida,
passa o tempo, o tempo passa...
Andei por uma avenida
sem luz, sem amor, sem graça!
-
Sou um rio nesta vida
e você meu belo mar;
tento lhe adoçar querida,
você só faz me salgar!...
-
Trabalho que nem "saúva",
para ganhar o meu pão
pois, lá do céu, só cai chuva
e, às vezes, um avião…
-
Trabalhou por longo tempo
nos muitos anos vividos...
e traz agora o lamento
nos seus ombros doloridos.
-
Tua voz é melodia,
com bemóis e sustenidos,
a mais perfeita harmonia
a encantar meus sentidos.
-
Uns me chamam de poeta...
Já outros, de Trovador!
Eu só sei que a minha meta,
é escrever com muito amor.
-
TROVAS A DUAS MÃOS
-
Quero o sorriso mais belo
Quero o olhar mais bonito... (Roberto Acruche)
com eles, formar um elo
entre a terra e o infinito... (MariluX)
-
Queria que neste dia
reinasse a felicidade (Roberto Acruche)
trazendo muita alegria
aos homens de boa vontade (Claret)
-
Vinha andando pela rua...
Foi aí que te encontrei (Roberto Acruche)
Relembrei as noites de lua
Que do seu lado eu passei (Beth)
-
Mas a vida continua
e de ti eu esqueci. (Sonho Azul)
-Ah! Quantas saudades tua...
E quanto tempo eu perdi!... (Roberto Acruche)
-
Fonte:
http://robertoacruche.blogspot.com.br

Roberto Pinheiro Acruche (Poesias Avulsas)

clique sobre a imagem para melhor visualização
EXALTAÇÃO A SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA
-

São Francisco de Itabapoana
Como eu gosto de você.
Sua beleza encantadora
Há de sempre resplandecer.

Suas praias, sua grandeza,
Seus campos e floração colorida,
Obra prima da natureza
Eu me orgulho de ter nascido aqui.

Salve seu povo hospitaleiro,
Bom, amigo e trabalhador;
Salve terra abençoada
De São Francisco nosso senhor...

Abraçada pelos rios,
Beijada pelo mar,
Ornada com lagoas
Você é linda, sempre vou lhe amar.

São Francisco de Itabapoana
Onde o sol brilha mais o ano inteiro,
Estrela de grandeza reluzente
Do Estado do Rio de Janeiro.

O MANGUE

Beleza que surpreende o imaginário,
Frondosas árvores, a tudo sombreando,
Folhas que caem, seguindo o seu fadário
Bandos de pássaros, aninhando e gorjeando.

Sobre um tapete macio, escurecido,
Aonde o sol chega brando e sereno,
Caminham os crustáceos, em merecido
Passeio, pelo ensoberbecido terreno.
A natureza criadora e esplendorosa,
Surpreendentemente primorosa
Improvisa a pluralização da existência.
Translada para o mangue o berço
Proporcionando a vida todo apreço

ENCANTO

Esta poesia que fiz somente para ti
leva em cada palavra um beijo carinhoso,
em cada verso o amor que sinto e é todo teu.

Busco nas estrelas e não encontro o brilho
que vejo em teus olhos.
Olho o luar e não vejo a beleza que tem a tua face.
Não tem o sol o mesmo calor que sinto em teus braços
e nem a brisa a suavidade de tua pele.

Quisera colocar em cada letra o perfume das rosas
para que pudesses sentir o aroma que exala
do jardim que plantei no coração.

INCOMPARÁVEIS DIAS

Imperturbáveis foram os dias
De paixão e amor desmedido
Que rasgamos nossa fantasias
Num encontro de ternura vivido.

A imensidão daqueles momentos
De aspiração e sonhos realizados
Avivam nos meus pensamentos;
São a todos os instantes lembrados.

Ocasião incomparável, agora saudade!
Dos delírios arrebatadores
Convivido com tanta intensidade

A imagem da mulher atraente
Dos aconchegos, fascinante, envolvente...
Verdadeiro encontro com a felicidade!…

HOJE EU ACORDEI COM SAUDADES DE VOCÊ
-

Meu coração bate forte
Quando chega sua mensagem
Que bom se tivesse a sorte...
Vê-la chegar da viagem.

Quando te amei de verdade,
jamais eu pensei, “por certo”,
Que tu serias saudade
e o meu coração, “deserto”!

MORTO DE CIÚMES

Embriaguei-me no seu perfume
afoguei-me nos seus cabelos
quase morri de ciúmes!
Acolhi os seus queixumes
atendi os seus apelos
afoguei-me nos seus cabelos
quase morri de ciúmes!
Realizei as suas fantasias,
a enchi de alegria
assim, foram tantos dias.
Separados a seguir ficamos
depois que brigamos
por um caso qualquer...
Cada um de nós foi para um lado;
mesmo apaixonado
não queria procurá-la.
Certo dia, nós nos reencontramos,
fomos logo abraçando-nos
entregando-nos a paixão...
Depois de tempos perdidos
ouvindo os seus gemidos,
embriagando-me no seu perfume
afogando-me nos seus cabelos
após dias sem vê-los...
Estava MORTO de CIÚMES.

OBRA DIVINA

Veja Amor, como é linda esta paisagem!
A luz dourada do sol sobre a mata,
a água cristalina da cascata...
Indescritível, tal uma miragem.

Olhe aquelas árvores, que beleza!...
Esta vastidão plena, tão florida,
exuberantemente colorida,
climatizada pela natureza.

Cenário encantador, impressionante!
Harmoniosamente perfumante,
modulado com a magia do amor...

Minutenciosamente preciso,
somente quem criou o paraíso
adviria... ser seu escultor!

A FORÇA DA FÉ

Por que tudo que sonho
está tão distante
e não posso alcançar?

Por que minhas vitórias
são tão sofridas, lutadas,
somente alcançadas
no limite da tolerância?

Por que tantos obstáculos
no meu caminho, desilusão,
tanta ingratidão sofrida?

Será uma provocação a minha fé?...
Persista, ela não tem limite,
é forte, acredite,
é meu rumo, é minha vida.

UM AMIGO

Um amigo de verdade, é aquele:
Companheiro de todos os momentos
Que podemos contar com ele
Mesmo sem provimentos.

Um amigo de verdade, é aquele:
Que nos promove esperança
Que podemos contar com ele
Que conosco quer fazer aliança.

Um amigo de verdade, é aquele:
Que não desaparece
Quando algo ruim nos acontece...

É aquele que nos conduz
Que ouve as nossas preces
Que podemos contar com ele... JESUS!

RITA

Você era tão bonita...
De uma beleza sem igual.
Eu, como tal,
encantado com a sua silhueta
retratava na memória
você vestida de azul...

De um azul que cintilava
como o céu na sua mais fascinante imagem.
Lembro-me ainda de quanta bobagem
o tempo que desperdicei
por não ter coragem
de revelar pra você a minha fascinação.
Não mereço perdão!

Devia castigar-me
por ter sido tão covarde.
Talvez fosse a idade
Talvez a timidez.
Só sei que a perdi de vez.
 
Perdi você Rita, que era tão bonita,
pra alguém que sequer merecia o seu olhar.
E você olhou
apaixonou-se
entregou-se
E se acabou na desventura
acreditando naquela criatura
que não soube amá-la
não soube respeitá-la
acabando por entregá-la
ao desgraçado mundo da ilusão.

Dói-me o coração
de vê-la descuidada
desiludida, acabada, desfigurada,
como não existisse mais nada...

Ou razão pra viver.
Ah! Rita, você era tão bonita...

FANTASIA          

Num aviãozinho, de papel, de cor azul, viajei pelo universo...
Naveguei nas nuvens
Passei pelas estrelas
Visitei a lua cheia
Pairei por distantes planetas
Avistei inúmeros cometas.
Quando cruzei o arco-íris...
Acordei do mundo da fantasia.

TEU SORRISO

Não há como esquecer o teu sorriso,
que vai comigo por onde eu andar!
É a imagem viva do paraíso,
estabelecida no meu olhar.

Teus lábios mexem com o meu juízo,
deslumbram-me, levando-me a sonhar...
Tu és a confidência que eu preciso,
a minha poesia, o meu cantar.

Teus gestos de suave singeleza,
teu corpo de exuberante beleza,
incendeiam de vez a minha chama.

Mas o encanto que teu sorriso reflete,
desaba como chuva de confete
neste coração, que tanto te ama.

SEMPRE AS FLORES

Uma borboleta
voava lentamente
e pairava suavemente
sobre as flores...
Um beija-flor
voava rapidamente
retendo-se repentinamente
para beijar as flores...
Uma garoa
que brandamente caia
em plena noite fria
vinha abluir as flores...
Uma abelha
trabalhava indefinidamente
sugava insistentemente
o néctar das flores...
Um jardineiro
jardinava diariamente
com aspecto plangente
diferentes espécies de flores...
Um romântico
caminhava apressadamente
levava todo contente
um buquet de flores...
Por que será
que inadvertidamente
tantos reverentemente
dirigem-se as flores?

UMA ROSA SEM ESPINHOS

Quando a música parou, ela veio,
Trazendo na mão um copo de vinho,
Eu que a olhava sem qualquer receio...
Avistava uma rosa sem espinho.

Os seus ombros, o seu corpo, seus meneios...
E improvidente, devagarzinho,
Tocava-lhe, de mansinho os seus seios,
Beijando-a com emoção e carinho.

Sequioso sugava sua boca
Ávido do mel, da essência dela,
Correspondia-me deveras, louca!

E deixando seu colo desnudado
Que a tornava mais sedutora e bela
E eu completamente apaixonado.

FLOR

Encontrei um jardim tão florido, tão bonito,
que me senti extasiado, perdido, encantado
diante de tanta realeza.
Cheguei a duvidar da certeza e pensar que estava vivendo um sonho!
Era uma realidade esplendorosa!
Um mundo de rosas, violetas, dálias, orquídeas...
Impossível contemplar apenas sem que tocasse cada flor,
sentisse seu aroma e afogasse na sua fragrância.
Senti-me poeta por estar como tal,
tomado pela sensibilidade e entender porque falam das flores;
e até comparam a sua formosura com a beleza do amor.
A flor sem dúvida é a culminância da arte, a obra prima divina, a perfeição!
Impossível evitar a emoção...
Inevitável sair da razão e não se aprofundar no mundo da fantasia!
Transportei-me então, a esse paraíso encantado,
e enamorado declarei minha fascinação a cada uma...
- Flor amarela, como é bela...
- Rosas, como são formosas...
- Flor vermelha, as outras em ti espelhas!
- As matizadas como são amadas...
- Flores azuis, tua beleza reluz!
- Flor negra, quanta nobreza!
- Flor branca que tanto me encanta...
- Flor lilás... Ah!... Flor lilás...
Quanta saudade me traz!

QUANDO MORRE UM POETA

"Quando morre um Poeta
Uma luz se apaga
Uma rima deixa de ser feita
Um trovador se cala.
- O belo é menos escrito
Do jeito mais bonito
de externar a inspiração.”

MEU ESPELHO
-

Meu espelho, revelador!...
Arca de memórias,
juiz implacável do presente,
profeta mudo do futuro,
confessionário e principal consultor.
Sorrindo diante de ti
relembro os meus dias de infância
gesticulando e fazendo caretas...
Na vaidade da adolescência e juventude
extraindo acnes, penteando os cabelos,
raspando os primeiros fios de barba
experimentando roupas...
Quanto desvelo, com a aparência!
Tudo sem perceber as transformações naturais
provocadas pela maturidade,
fator imposto pela idade,
pelo tempo, senhor de cada momento,
fosse ele, alegre, feliz, triste ou sofrido.
Agora, diante de ti,
mesmo estando a sorri
estou subordinado às mutações...
Uma ruga que antes não existia,
hoje, habita e marca a minha fisionomia...
Os cabelos longos, fortes, cheios,
que exigiam tantos cuidados,
apenas uns poucos, ainda existem,
presentemente esbranquiçados
e jogados um tanto para os lados.
No entanto, o que mais me revela e me assusta,
não é a modificação, irreversível, progressiva e bruta,
não são os momentos felizes ou tristes do passado;
nem o que fiz, de certo ou errado;
não são os tempos perdidos, desiludidos...
Não são os ideais que não puderam ser alcançados;
ainda que me deixem entristecido.
Muito menos, por tanto haver me empenhado
e me obrigado a compromissos...
Nada disso!
Mesmo que tenham me abalado, também não são,
as paixões e os amores fracassados...
Não é o futuro das minhas obras e conquistas;
não é a aparência de um homem cansado
desestabilizado, desalinhado,
vivido, sofrido,
nem sempre barbeado...
Definhando!...
Mas o que verdadeiramente me revela e me assusta
é o presente!... Esse presente
sem prorrogação, motivação,
sem meios de recuperação;
para a efetivação de tantos sonhos
que ainda vivo sonhando.

CAMINHOS

Caminhos... Caminhos!
Cada um com a sua história,
Cada um com um destino!...
Caminhos que levam e trazem,
caminhos cruzados, esquecidos, abandonados,
caminhos que se encontram, caminhos que se perdem!...

Caminhos do medo, da incerteza e da revolta,
caminhos dos enganos e dos desenganos,
onde durante anos aguardei a sua volta!...

Caminho da insensatez, da vaidade;
pelo qual você foi,
deixando de vez
um peito angustiado,
sofrendo de saudade.

Fontes:
http://robertoacruche.blogspot.com.br
Facebook do poeta

Roberto Pinheiro Acruche (Presidente da Academia Pedralva Letras e Artes 2014/2016)

A Academia Pedralva Letras e Artes – numa eleição considerada histórica, elegeu dia 23 de novembro, por unanimidade de votos dos Acadêmicos participantes da reunião, sua nova Diretoria para o biênio 2014/2016. O clima de paz, unidade e de grandes perspectivas reinou durante o evento. 

A Diretoria ficou assim constituída:

Presidente – Roberto Pinheiro Acruche
Vice-Presidente – José Gurgel dos Santos
Secretário Geral – Carlos Augusto Souto de Alencar
Secretário Adjunto – Thelmo Albernaz
Tesoureiro Geral – Vitória Rangel
Tesoureiro Adjunto – Ana Lúcia
Diretor de Patrimônio – Aldinei
Conselho Fiscal: Agostinho Rodrigues Herberson Fretais e José Viana.


Fonte:
http://saofranciscoagora.blogspot.com

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Mário Quintana (A Vida)

Clique sobre a imagem para ampliar
Fonte:
Imagem formatada = http://www.dudabrama.com/2009/12/08/quintana

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N. 2 – 5 de Novembro de 1886

Voilà ce que l'on dit de moi
Dans la “Gazette de Hollande”.

Muito custa uma notícia!
Que ofício! E nada aparece,
Que canseira e que perícia!
Que andar desde que amanhece!

E tu, leitor sem entranhas,
Exiges mais, e não vês
Como perdemos as banhas
Em te dar tudo o que lês.

És assim como um janota
De maneiras superfinas,
Que não sabe o preço à bota
Com que cativa as meninas.

Agora mesmo, buscando
Saber de associação
Que se deu ao venerando
Ofício de proteção

Aos animais — não sabia
Onde achasse os documentos
Dessa obra de simpatia,
Para transmiti-la aos ventos.

Achei quatrocentas atas
De reuniões semanais,
Ofícios, notas e datas,
Tudo espalhado em jornais.

Mas das ações praticadas
Em favor da bicharia,
E das vitórias ganhadas,
Nada disso conhecia.

Então lembrei-me de um burro,
Sujeito de algum valor,
Nem grosseiro nem casmurro,
Menos burro que o senhor.

E pensei: “Naturalmente
Traz toda a historia sabida;
É burro, há de ter presente
A proteção recebida”

Lá fui. O animal estava
Em pé, com os olhos no chão,
Tinha um ar de quem cismava
Cousas de ponderação.

Que cousas, porém, que assunto
Tão grave, tão demorado,
Ocupava o seu bestunto,
Nada lhe foi perguntado.

Talvez, ao ver-se assim magro,
Cativo como um nagô,
Pensasse no velho onagro,
Que foi seu décimo avô.

Entrei, dizendo-lhe a causa
Daquela minha visita;
Ele, depois de uma pausa,
Como gente que medita,

Respondeu-me: — Em frases toscas
Mas verdadeiras, direi,
Enquanto sacudo as moscas,
Tudo o que sobre isto sei.

Juro-te que a sociedade,
Contra os nossos sofrimentos,
Tem obras de caridade,
Tem leis, tem regulamentos.

Tem um asilo, obra sua,
Belo, forte, amplo e capaz;
Já se não morre na rua,
Dá-se ali velhice e paz.

Gozam dessa benta esmola,
Em seus quartos separados,
Mais de uma onça espanhola,
E muitos gatos-pingados.

Todos os galos na testa
Acham lá milho e afeição;
Lá vive tudo o que resta
Da burra de Balaão.

Mora ali a vaca fria.
E mais a cabra Amaltéia,
Única e só companhia
Do pobre leão de Neméia.

Não posso fazer elipse
Dos bichos caretas, nem
Da besta do Apocalipse,
Que ali seu abrigo têm.

E o cisne de Leda, e um bode
Expiatório, e o cavalo
De Tróia, escapar não pode;
Mas há outros que inda calo.

Peguei no papel, e a lápis
Escrevi tudo, e escrevi
Mais o nome do boi Ápis,
Que ele inda me disse ali.

E perguntei: — Meu amigo,
Por que é que a tantos amaina
O tempo, naquele abrigo,
E você anda na faina?

Ele, burro circunspecto,
Asno de boa feição,
Tirou de fino intelecto
Esta profunda razão:

— Se eu estivesse ali junto
Com outros da minha banda,
Você não tinha este assunto
Para a “Gazeta de Holanda”.

Vá consolado: que importa
Que eu viva cá fora ou lá?
Qualquer porta há de ser porta,
Para sair; vá, vá, vá.

E enquanto assim me dizia
frases que chamava toscas,
Chagas de pancadaria
Iam convidando as moscas.

Lá o deixei como estava,
Em pé, com os olhos no chão,
Parecendo que cismava
Cousas de ponderação.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Carlos Valadares (Poemas Avulsos)

Pintura: O Poeta , de Francisco Javier Rodriguez
Esperança {TC "Esperança "}

Aspirar o murmúrio
silêncio de mil lutas
recolhendo sons, despojos
de insanes loucos
sobrevivendo.

Erguer a lança, porém
bandeiras ao alto
cavalgando Rocinantes
em busca da utopia

Tornar-se guerreiro
em tormentosas batalhas
o impossível
viável há de ser.

Cicatrizes

Cicatrizes
vários matizes
artísticos
de sobreviventes
quase valentes?
Úlceras ardidas
inquietas
ocultas sofridas
inesperadas agonias
de inveja despojo
de alegrias desprimor
desossadas cicatrizes
de soslaio arremetidas
de gentes
mais que valentes?
ardentes úlceras
de fogo despegadas
de humanas gentes
sobreviventes.

Necrológio

Tanto de estranho oferece a vida
pavor mórbido a face empalidece
obsessiva leitura dos necrológios
procura trêmula de um nome
amigo, parente, anônimo
este morreu jovem, acidente,
atropelo. Matou-se?
Por amor, paixão, desdita
infarto, cansaço, velhice.
O nome, colega de escola, folguedo,
vizinho, a menina da esquina.
Eu me encontro em cada letra
imagino meu nome desfeito
um tempo qualquer, não me lembro
ainda continuo a buscar meu nome.

Fênix

‘Vida era uma coisa desesperada.”
Guimarães Rosa (Noites do Sertão)


Os escombros
as sombras
amedrontadas
atrás das serras
nas vésperas
do nascer do sol
bruscos lampejos
na vida sem freios
Súplica de beijos
desejos
eterna busca
perto do fim
do que não acabou,
ainda.
Cômodos fechados
oito cadeados
sete chaves
correntes arrastadas
do passado
atrás das serras
nas vésperas
do nascer do sol
apagar as marcas
gravadas riscadas
cicatrizes
cinzas
nas oficinas
do sofrer.
Renascer
com os sóis
girassóis
sobreviver
desabrochar
assustar o medo
de amar.

Incógnita

Ignorado
ocaso dos paradigmas
quais?
Verdades de seu tempo
aviltadas pelo dogmatismo.
Pioneiros
tirando água das pedras
construindo do nada
política é coliseu de paixões
O que é a vida
vendaval de ilusões
destruídas
tempestades de sonhos
por construir
novo antigo paradigma

Cinzas de outubro

Escute o silêncio
brado de mudas vozes
de tempos passados,
ultrapassados,
sem futuro.
No trabalho o silêncio se espalha,
fala o corpo.
Encontro de olhares
de viés.
Escute as vozes do silêncio
presságio de tormentas
súbito desconforto.
Escute o fluxo, as correntes
os subterrâneos,
nas entranhas
a varrer silêncios
e dos arbítrios
os donos.

Quase pânico

Porque a noite esconde tantos fantasmas
despertados pelo insone medo
de perder-se na trama do sono
onde náusea e quiasmas
discutem a existência do nada.
Não durmo e tenho medo
de passos antepassados
memórias desmemoriadas
sons, ruídos, diversos
sombras e luzes movediças.
Não durmo e tenho medo
da ausência do corpo a meu lado
Anseio e sinto falta
de sua presença na casa
do cheiro, perfume o que seja...
O vagar pelos cantos
o sono, o sonho, o nada
o temor de cerrar os olhos
estar só
e não despertar.

Pedaços de papel

Perdi a conta do que já escrevi
pedaços de papel rasgados,
amarrotados
atirados ao lixo,
ainda com o gosto salgado
das lágrimas, salvos talvez pelo destino
no fundo obscuro de uma gaveta
esquecidos entre as páginas de um livro
que não tive tempo de reler
e continuo a escrever
dores, sofrimentos, amores
para nunca serem lidos
falta a coragem
a oportunidade
o medo de se abrir
de abrir as portas.
Assim é a vida

Sem vida

A rotina amordaça
é o mofo, é a traça
tece a névoa
entorpece a vida
de nada tinge o tédio
o conflito obscurece
desbota o colorido
trança a rede
da descrença
atormenta o íntimo
aprisiona as cores
imobiliza
destrói os sonhos
ata as peias
correias, cadeias
A rotina odeia o sol
a luz, a vida, o amor,
a rotina
faz morrer

Fonte:
Goulart Gomes (Organizador). Antologia do Pórtico I.2003.

Nilto Maciel (A Lágrima)

Deitado de bruços, mãos no fuzil, Fernando circunvagou a vista pelo sítio. Corpos caídos aqui e ali. No entanto, o comandante caminhava e gritava: batalha vencida, hora de voltar às montanhas. Fernando ergueu-se e se pôs a andar no encalço do comandante e dos outros guerrilheiros.  Deu alguns passos e por pouco não pisou no peito de um inimigo. Olhou para baixo. O homem ainda vivia. Daria o tiro de misericórdia? Ergueu o fuzil. "Não atirem após a batalha, a não ser em caso de extrema necessidade”.O soldado gemia, olhos semi-abertos. É você, Vicente? Quando meninos haviam jurado amizade eterna. Quando eu for grande vou ser médico. E você? Não, médico eu não quero ser. Não posso ver sangue. Besteira, Fernando. É bonito curar as pessoas. Corriam para lá e para cá, jogavam bola no meio da rua, riam à toa. Formavam times e, às vezes, jogavam em lados opostos. Quando se chocavam, caíam, tombavam, ajudavam-se, pediam desculpas. Mas também brigavam. Até por motivos fúteis. Intrigas de outros meninos. Estudavam na mesma escola, trocavam colas*. Não vamos mais brigar, não é? Os olhos de Vicente se apagavam em lenta agonia. O comandante e os guerrilheiros se afastavam às pressas. Atire. Quero morrer. Não aguento mais tanta dor. Fernando se abaixou. Vicente, você está me reconhecendo? Eu sou o Fernando. Uma cobra se arrastava a dois passos da cabeça do soldado. A vida antigamente parecia muito bonita. Guerras só no cinema e nos livros de História. Tudo muito distante, como se fosse apenas ficção. Grandes formigas pretas se afogavam em rios de sangue. Urubus sobrevoavam o sítio. Um dia vou ser médico, para salvar muitas vidas. Tenho medo de sangue. Não sei ainda, mas talvez vá ser engenheiro. Não, jogador de futebol. Chuta forte, Vicente. Nunca mais vamos brigar, não é? Nunca, eu juro. Vamos ser amigos para sempre. Inimigos, nunca. O comandante e os guerrilheiros haviam sumido no mato. As formigas tentavam se salvar do afogamento nos riachos vermelhos. Os urubus crocitavam, em algazarra. Os olhos de Vicente se abriram desmesuradamente e fitaram os de Fernando. Agora somos inimigos. Mate-me de vez. Fernando pôs o fuzil no chão. Uma lágrima custou a sair do fundo de seu olho. No entanto, saiu, resvalou por seu rosto e, lentamente, como se nunca fosse cair, se alojou no olho do moribundo. Adeus, amigo.

Fontes:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.
Imagem = http://psicografiasdocarlos.blogspot.com

Hernando Feitosa Bezerra Chagall (Cantares) II

LADY

Estou no coração de Deus
Quietinho quentinho feliz
Lugar onde a vida pulsa
Uma alegria aprendiz.

Aqui não temo mais nada
Aqui não me sinto sozinho
Qualquer vereda ou estrada
Leva-me ao mesmo destino.

Aqui o rei sou eu
E todas as eras, minhas
Estou no coração de Deus
No ventre desta rainha.

PEDIDO

À noite
Sozinho clamei
E uma estrela cadente
Veio me atender
Mandou-me fazer
Três pedidos
E eu pedi:
Você
Você
Você.

PAIXÃO

Quão só é o coração que ama
E não é também amado
Brilha inútil a bela chama
Para outro meio apagado

Bate no peito desvalido
Desprotegido desesperado
E acaba aos poucos ferido
Triste desamparado

Mesmo todo machucado
Basta um meigo e quente abraço
Para esquecer toda dor

E esse coração magoado
Reencontra neste afago
Agora o sempre e mesmo amor.

ENCANTO

Comparo – te
Às notas musicais
Um suave bouquet
De cantigas matinais

Rosa cor do sol
Bela como a manhã
Desabrochado arrebol
Deliciosa romã

Pétala de luz
Gostoso favo de mel
Flor que me conduz
Às portas abertas do céu.

MAGIA

O homem com sua pena
Escreve um belo poema
Na linda página mulher

E essa revela um dia
A essência da poesia
Na magia de um novo ser.

LEITURA

Amor
Substantivo concreto
Prazer na ponta da língua
Dos lábios, na ponta dos dedos...
Na chave que abre a porta
Na porta que rejeita o medo.
Maravilhoso insight
Deliciosa leitura
Braille.

FLOR DE LIS

És o amor
Que chegou na primavera
Uma pequenina flor
De todas a mais bela

És uma linda estação
Onde não há mais partidas
Faz meu coração
Abrir-se para a vida

És assim
E muito, muito mais
És para mim
Um encontro com a paz.

AROMA

Tua cabeleira cheirosa
Tocha flamejante ao vento
Raios encaracolados de sol

É como um jardim de rosas
Um noturno movimento
Uma saudade em arrebol

Um mar bravio um furacão
Que ao abraçar com os lábios
Procuro beijar com as mãos.

CATIVO

Gosto do teu jeito doce
De gostar de mim
Gosto do teu jeito alegre
Que me deixa assim

Pronto pra abraçar teu corpo
Sentir teu calor
Pronto pra enfrentar o mundo
E qualquer dissabor.

Gosto de sentir-me único
Um verdadeiro Deus
Quando quietinho ressono
Entre os braços teus

Gosto de saber que a vida
Bailarina gira em torno de mim
Meiga graciosa feminina
Linda, gostosa, e afim.

Mas gosto muito mesmo
É de caminhar
Cativo amarrado e preso
No teu lindo olhar.

JARDIM

Havia muita tristeza
No jardim dos homens sós
Nenhuma cor ou beleza
Nenhuma flor uma só

Então Deus semeou este jardim
Com belas e variadas flores
Rosas dálias jasmins...
Numa enorme profusão de cores

E elas seguiram se abrindo
Por entre canteiros diversos
Exalando perfumes parindo
Com doce alegria, universos.

CAMONIANO

Amar é fogo
Que arde pra danar
É ferida aberta
Que não quer sarar

É um querer
Sem vergonha
A sós a dois a dez
Em pé sentado ou deitado em fronhas

É querer estar emaranhado
Entre braços pernas e bocas
Numa harmoniosa briga de coxas

Mas para não causar nenhum pavor
Nem humanas susceptibilidades
Não chamarei de amor a qualquer sacanagem.

COVARDE
 

Longe da algazarra
No silêncio da palavra
O poeta se esconde

Sentindo insatisfeito
Pulsar forte no peito
Seu coração insone

Que luta com a rima
Pelo amor que o anima
Alegra machuca e consome.

Fonte:
Hernando Feitosa Bezerra. Cantares.  Universidade da Amazônia – NEAD.

Folclore dos Bororós* (Lenda de Catira – a índia amaldiçoada)

Foi há muitos anos atrás…

No tempo em que a mamaurama se cobria de flores e os japins fabricavam seus ninhos feitos de fibras e cipós, finos, nas grimpas da maçaranduba gigantesca…

Ele era lindo, o mais lindo de todos os jovens de sua tribo.

Era forte e valente. Ninguém com mais destreza manejava a zarabatana temível, cuja flexa certeira cortava em meio o vôo da aracuã.

Somente ele sabia o segredo que lhe ensinava brandir o tacape pesado e duríssimo, desferir a flecha sibilante e traiçoeira.. .

Nunca o inimigo branco pisou a terra de seu pai que não levasse no corpo uma picada da sua uamiri. Nunca foi vencido; todos o temiam.

E o pai já velhinho sentia-se orgulhoso do filho que devia suceder-lhe na chefia da tribo, depois que o cunaua-raú gritasse pela quarta vez no tronco da tanari.

Uma tarde, o jovem bororó aprontou a sua veloz e pequena igara e pôs-se a "descer o riacho que serpeava um pouco distante de sua oca.

A tarde era bela, e o astro príncipe do universo, numa grande e triste apoteose, ia aos poucos inundando a terra de luz e de mistério.

Uma brisa soprava ciciante e fresca pela tarde a dentro e a igara pequenina, célere, ia cortando as águas ondulantes do riacho.. .
catira india do riacho

Era muito tarde quando ele voltou.

Já o lírio da noite havia fechado as suas pétalas rosadas e macias.

Sentou-se no tronco pesado de abiurana, à frente da cabana, e ficou ali durante quase toda a noite, silencioso, taciturno, olhando as estrelas piscolejar no azul claro, lavado. ..

A mãe bororó, vendo a tristeza imensa que invadia a alma perguntou-lhe:

— Filho, que tens? andas doente? O jovem bororó estremeceu.

Ergueu o olhar sombrio para a mãe e, quase de joelhos, meigo como uma criança, assim lhe falou:

— A igara, mãe, levada pela correnteza ia descendo… descendo… quando de repente ouvi, longinquamente, uma voz maviosa que cantava acompanhada por uma música dolente, tocada talvez por algum instrumento misterioso…

E eu não pude resistir… mãe… toquei a igara para lá e a vi, mãe, sentada numa grande pedra, os cabelos negros e compridos esvoaçando ao vento, e os olhos azuis como a flor da mancava a cantar, brincando com as plumas macias da enduape, uma mulher, mãe… bonita… como eu nunca tinha visto assim… Ela abriu os braços para mim, mãe, e me chamou, mas…, quando eu já estava bem próximo, as águas começaram a ferver… parei um pouco, ela olhou para mim sorriu e atirou-se na água e desapareceu …

A mãe bororó, que ouvia em silêncio a narração do filho, ergueu os olhos úmidos de pranto e falou-lhe:

— Filho, mulher bela que viste lá é Catira, ela é da tua raça, corre nas suas veias o sangue dos bororós. Ela era a mulher mais linda da tribo de seu avô. Mas um dia entregou-se a um homem branco, e o pajé achou que ela devia ser lançada ao rio para pagar a sua grande traição. As águas do riacho, porém, não quiseram receber seu corpo criminoso; jogaram-na sobre aquela pedra, onde ficou penando até hoje. Ela canta assim para atrair os bororós incautos ao lugar onde se encontra; a primeira vez foge como fugiu de ti, mas na segunda, fica ali sentada até ver as águas revoltadas, que guardam a sua caverna, tragar o corpo daquele que se atreveu a chegar até ali. É assim, meu filho, que ela se vinga dos bororós… Não volte nunca lá, meu filho nem tão pouco olhe para os olhos dela para que não sejas dominado pelo seu brilho traiçoeiro…

A mãe bororó calou-se, beijou a testa tostada do filho e retirou-se.

Era tarde já, atrás da serrania negrescente, com suas franjas de ouro, Sepi desaparecia.

Sentado no tronco pesado de abiurana, a fronte pensativa voltada para o chão, assim Sepi, o jovem bororó, amanheceu…

Mas nesse mesmo dia, ao anoitecer aprontou a sua veloz e pequena igara — esquecido da palavra de sua mãe

— rasgou as águas ondulantes — o apecuitá feito de pau vermelho — e começou a descer o riacho vagarosamente.

E foi descendo… descendo… até sumir-se na curva.

Hoje os velhos bororós dizem aos filhos a lenda de Catira a índia amaldiçoada.

— Foi Sepi o último que ali ficou…

Depois as águas se tornaram tranquilas.. . a pedra desapareceu … e nunca mais ninguém ouviu nem ninguém viu, sentada ali aquela mulher de cabelos negros e compridos esvoaçando ao vento, e de olhos azuis como a flor da mancava, a cantar… a cantar…

E os velhos bororós terminam:

E dizem que ela morreu de remorso…
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* Sobre os Bororós

Os bororos, são uma tribo indígena que habita o estado do Mato Grosso, no Brasil. Falam a língua bororo, autodenominada boe wadáru, que pertence ao tronco linguístico macro-jê2 .

Etimologia

O nome "bororo" é um nome dado pelo homem branco. Nome esse surgido quando os exploradores perguntaram qual o nome da tribo e o indígena teria entendido o nome do local onde estavam, e eles estavam no bororó, que, para a língua bororo, significa "pátio da aldeia"3 .
Características gerais

Os bororos habitam a região do planalto central de Mato Grosso e estão distribuídos em cinco terras indígenas demarcadas: Jarudore, Meruri, Tadarimana, Tereza Cristina e Perigara. Sua população atualmente é de cerca de 2 000 indivíduos, que são tradicionalmente caçadores e coletores, porém que adaptaram-se à agricultura, da qual extraem sua subsistência. Destacam-se pela confecção de seus artesanatos de plumagem (cocar e braçadeiras em pena) e também pela pintura corporal em argila.
História e distribuição

Os antigos bororos distribuíam-se por extensa região compreendida entre a Bolívia, a oeste; o rio Araguaia, o rio das Mortes, ao norte; e o rio Taquari, ao sul.

Os bororos ocidentais, extintos no fim do século passado, viviam na margem leste do rio Paraguai, onde os jesuítas espanhóis fundaram missões. Muito amigáveis, serviam de guia aos brancos, trabalhavam nas fazendas da região e eram aliados dos bandeirantes. Desapareceram como povo tanto pelas moléstias contraídas quanto pelos casamentos com não-índios.

Os bororos orientais habitavam tradicionalmente vasto território que ia da Bolívia, a oeste, ao rio Araguaia, a leste e do rio das Mortes, ao norte, ao rio Taquari, ao sul. Ao contrário dos bororos ocidentais, eram citados nos relatórios dos presidentes da província de Cuiabá como nômades bravios e indomáveis, que dificultavam a colonização. Foram organizadas várias expedições de extermínio. Estimados na época em dez mil índios, os bororos sofreram várias guerras e epidemias, com uma história de muita resistência ao avanço das frentes e expansão de territórios, até sua pacificação, no fim do século XIX, quando foram reunidos nas colônias militares de Teresa Cristina e Isabel e estimados pelas autoridades em cinco mil pessoas. Entregues aos salesianos para catequese, em 1910, os bororos somavam dois mil índios. Em 1990, com uma população de aproximadamente 930 pessoas, vivem no estado do Mato Grosso. A sua relação com pessoas não-indígenas é de extremo desprezo,pois eles estão sempre querendo as terras indígenas das duas partes saem mortes.
Organização social

A tribo obedece a uma organização social rígida. A aldeia é dividida em duas partes – exare e tugaregue – que, por suavez, se subdividem em clãs com deveres muito bem definidos. Eles reconhecem a liderança de dois chefes hereditários que sempre pertencem à metade exare, conforme determinam seus mitos. Dentro de cada clã, há uma comunhão de bens culturais (nomes, cantos, pinturas, adornos, enfeites, seres da natureza) que só podem ser usados pelos membros desse determinado clã, a não ser que este direito seja participado a outras pessoas em "pagamento" por favores recebidos.

Praticam diversos rituais, como:

    a "Festa do Milho", para celebrar a colheita do cereal, que é um alimento importante na nutrição dos índios;
    a "Perfuração de Orelha e Lábios";
    o "Ritual do Funeral", uma celebração sagrada para todos que se consideram índios.

O funeral dos bororos é o que mais chama atenção pela complexidade, podendo durar até dois meses. A morte de alguém pode provocar mudanças ou reforçar as alianças.

 
Fontes:
Seleção de Regina Lacerda. Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Ed. Iracema.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bororos

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Contemporâneos do Clã – Geraldo Mello Mourão

Gerardo Mello Mourão (Ipueiras, 1917 - Rio de Janeiro, 2007), romancista, poeta, contista, ensaísta, tradutor e jornalista, estreou em livro com Poesia do homem só, 1938. Seu primeiro romance foi O Valete de Espadas, 1960. No gênero conto publicou, em 1979, Piero Della Francesca ou As Vizinhas Chilenas, constituído de 19 narrativas. Recebeu o Prêmio Mário de Andrade, da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1972. É tido como um dos principais poetas brasileiros

Não há nele nenhuma semelhança com outros contistas cearenses, quer pela estrutura de suas peças, quer pelo espaço geográfico dos enredos. Excetuando os transgressores do gênero (os que aboliram episódio ou enredo), a maioria dos cultores da história curta no Ceará dá ênfase à movimentação episódica e situa as histórias nos sertões, nas serras, no litoral, em pequenas cidades e em Fortaleza, embora nem sempre de forma explícita. Mourão prefere o relato em primeira pessoa, com certo sabor de crônica. O narrador, em algumas composições, é apenas testemunha, embora não se desvie do ponto de vista onisciente, isto é, mesmo não tendo presenciado determinados atos (de alcova, por exemplo), manipula a narração como se protagonista fora. Por outro lado, o contista foi buscar em países da América espanhola os seres fictícios para compor algumas narrativas. Mas há também, mesmo em pequena escala, o ambiente e personagens nordestinos, como em “O Herege”. Em “Réquiem por um testa de ferro” o narrador se refere, em diversos trechos, ao Estado de Alagoas. Entretanto, os protagonistas são Mr. Lademakers, holandês, e Mariano Figueroa, colombiano.

Uma das composições mais enigmáticas nada tem de nordestino ou hispano-americano: Winston Spencer Churchill, o narrador de “English Réquiem”, moribundo (“Venho agonizando lentamente há vários dias”...), faz confidências sobre certo momento da História mundial e seus personagens principais. Trata-se do último e único escrito do fictício Churchill.

Mourão dá preferência ao conto em primeira pessoa, parente próximo da crônica. Mas nem só de relatos à maneira de Jorge Luis Borges é composto Piero Della Francesca ou As Vizinhas Chilenas. Em “Procusto” o mito grego é recriado, de forma concisa. “A Ponte” é uma parábola, sem seres fictícios. Também o leitor pode ver na ponte o protagonista ou o próprio núcleo da história. Em “A Regra do Jogo” o personagem central é um jogador de baralho e xadrez. Durante quase toda a narração, que é curta, o narrador é somente testemunha. As ações são do jogador, sem nome explícito. No desfecho, o narrador se transforma em ser de ficção, embora sem importância: “Atualmente, frequenta comigo um professor italiano de espada, florete e sabre”. O narrador de “A Caminho de Susana” é um escritor. Susana (o ser fictício imaginário) é uma metáfora (o ser buscado, o outro, “a mais bela das mulheres”). Em “O Tédio Celestial” a estrutura é de crônica-crítica. Não há propriamente um protagonista, embora o astronauta em viagem pelo espaço seja o único ser em ação: “Comprou um pequeno livro e o escondeu ali (numa pequena bolsa)”; “Começou a ler”. Com feição de alegoria ou de ficção científica é “O Plano Quinquenal”: isolamento e transplante de uma enzima. Quanto mais biocromos tivesse uma pessoa, mais anos de vida teria. Como complemento deste é “O Falanstério”, narrado em primeira pessoa, embora não se saiba de quem se trata. Nele também não há protagonista. Os personagens se mostram imprecisos, opacos. São apenas “os rapazes de Buenos Aires” ou o Falanstério. Sátira da sociedade de consumo, do capitalismo. A science-fiction é mero pretexto para satirizar os ricos ou o capitalismo. Oferecem dinheiro aos rapazes em troca de seus biocromos. Semelhante a este é “A Empresa”.

Peça singular do livro é “Com uma carta na mão”. Narrado, em forma de diário, por uma adolescente, o conto se afasta da forma do relato-crônica e apresenta um enfoque individual e não mais social e político. Dividido em três partes, o diário vai, aos poucos, conduzindo o leitor para um desenlace inesperado. A primeira data de 1935. A jovem Rita se lastima da solidão em que vive e dos reclamos da tia Lola: “– Menina, sai da janela!” Seu maior “desejo é apenas receber um dia uma carta”. Como isto não acontecia, passou a ler romances. A segunda parte do diário tem início em março de 1945. Rita, então com trinta e dois anos, continua à janela do velho casarão amarelo e a sonhar com uma carta. Como isto não acontecia, decidiu escrever cartas. A última parte do manuscrito é de 1947 e Lola trabalha nos Correios. Um dia abre um envelope: trata-se de carta de um homem, Emílio, para sua mulher, Abigail. Fala da ideia de suicídio dela e marca encontro, na esquina do Municipal, para reconciliação. O desfecho é patético: “... fiquei parada na esquina, olhando para todos, pálida, pálida, com uma carta na mão”.

O primeiro dos relatos hispano-americanos é “O Ópio do Povo”. A feição dele é de crônica de um episódio. O narrador fala de si, muito vagamente, por ser o cronista e não o personagem central, que é o padre Camilo Torres, revolucionário colombiano. Em “A Morte do Prefeito Boliviano” o narrador pode ser confundido com o próprio escritor: “Chegado do Nordeste do Brasil, criado na palha de cana dos engenhos em que os Mourões fabricavam a rapadura serrana (...)” O protagonista, no entanto, é o menino Juan, depois Juan Martinez Barceló, político boliviano. Em “Bodas de Eyquem” o espaço é chileno. Em “As Quatro ou Cinco Mortes de D. Nicanor” mais uma vez o narrador não revela o nome e deixa no leitor a hipótese de ser o próprio Gerardo: (...) “meu parente José Mourão, bandoleiro famanaz e capitão da Renascença em pleno sertão do Ceará”. Conjetura logo anulada, com a narração da última morte de Nicanor, o personagem principal, o boliviano Nicanor Bernal Gómez. O Nordeste reaparece em “Não Há Deus”, na figura do coronel Salustiano, natural de Palmares, Pernambuco, e do caboclo Amarolino. Como em outras composições, o protagonista é latino-americano: Pepe Vial, chileno, possuidor de vasta cultura teológica. “O Coronel Paraguaio” é relato de feição heroica.

O conto que dá título à coleção pode ser visto como peça antológica. Deixando de lado a faceta heroica dos protagonistas, neste o contista se volta para o erotismo. O narrador onisciente é apenas testemunha de certo momento na vida de Raimundo Pessoa, deputado federal nos idos de 1964, em refúgio no Chile. Poderia não ser testemunha, não fossem duas ou três frases: “Não cheguei a conhecer a mulher do corneado, nem tenho qualquer elemento para julgar de sua reputação” (...) Todo o enredo gira em torno da figura de Rosa Maria Bandera, uma das vizinhas de Pessoa, até o desfecho.

A linguagem de Gerardo Mello Mourão em Piero Della Francesca ou As Vizinhas Chilenas se calca, sobretudo, na narração de fatos, com alguma ênfase na observação de determinados períodos da História do Brasil e da América Latina. As descrições são mínimas, mesmo quando o relato se foca no estrangeiro. Se há alguma prolixidade, deve-se ela à necessidade da narrativa ou à maneira de ser dos hispano-americanos. O narrador de “Réquiem por um testa de ferro” chega a afirmar: “Prolixos na guerra, os colombianos também o são em suas narrativas, como meu amigo Gabriel Garcia Márquez e o pessoal de Macondo, em geral”. Diríamos: os narradores de Mourão são prolixos porque conviveram com colombianos e seus vizinhos. Os diálogos (as falas) são mínimos, dando lugar, às vezes, ao discurso indireto: “Falou-lhe longamente do amor”. Não se veem aqueles infindáveis e monótonos diálogos artificiais. Vê-se, pelo contrário, a frase bem elaborada, mas sem floreios, capaz de dar ao leitor o prazer de ler palavra por palavra, frase por frase: “Rolaram na calçada fria, ao clamor dolorido, à delícia cruel das garras curvas, à faísca dos olhos coruscantes. Era o amor”. É a arte literária de Gerardo Mello Mourão em relatos de muita sedução.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Trova em Imagem n. 264 - Roberto Pinheiro Acruche (RJ)


Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N. 1 – 1 de novembro de 1886

Voilà ce que l'on dit de moi
Dans la “Gazette de Hollande”.


Um doutor da mula ruça,
Caolho, coxo e maneta,
É o homem que se embuça
No papel desta gazeta.

Gazeta que, se tivesse
Outra forma, outro formato,
Pode ser que merecesse
Vir com melhor aparato.

Mas é modesta, não passa
De uma folha de parreira,
Que dá uva, que dá passa,
Que dá vinho e borracheira.

Traz programa definido,
Para entrar no grande prélio;
Nem bemol, nem sustenido,
Nem Caim, nem Marco-Aurélio.

Não traz idéias modernas,
Nem antigas; não traz nada.
Traz as suas duas pernas,
Uma sã, outra quebrada.

E vem, como é de ciência,
Entre muletas segura,
A muleta da inocência,
E a muleta da loucura.

Se uma não pega, outra pega,
E fica o corpo amparado;
Se para um lado escorrega,
Fica-lhe sempre outro lado.

De modo que, quanto diga,
Seja ou não o que a lei manda,
Há de achar entrada amiga
Esta Gazeta de Holanda.

Que traga idéias a folha
Liberal que se anuncia,
Que as espalhe, que as escolha,
Como a Reforma fazia.

Vá que seja — posto seja
Tarefa das mais reversas,
Fazer uma só igreja,
De tantas seitas diversas.

A prova é que, ainda agora,
Já pronta a bagagem sua,
Somente esperando a hora
De sair a folha à rua,

Feito um capítulo apenas,
De tão diversos capítulos,
E, contando boas penas,
Já traz a folha dois títulos.

Voz da Nação, ou — Gazeta
Nacional; só falta a escolha.
Já principia a marreta,
Antes de sair a folha.

Eu cá, perfeita unidade.
Ora aprovo, ora contesto,
Sem que haja necessidade
De ouvir protesto e protesto...

Exemplo: ao ler que se trata
De fazer um edifício
Para o júri: — colunata,
Vasto e grego frontispício,

E que esta idéia bizarra
Nasceu mesmo agora, agora,
Quando foi ali à barra
Uma distinta senhora;

Quando a afluência de gente
Era tal, que o magistrado
Teve de ir incontinente
Pedir sabão emprestado;

Comigo disse: — Bem feito
Que a Joaninha expirasse
De uma moléstia do peito,
E que a Eduarda cegasse.

Só assim tínhamos prédio
Para um tribunal sem nada;
Não foi morte, foi remédio;
Foi vida, não foi pancada.

Pangloss, o doutor profundo,
Mostra que há grande harmonia
Entre as cousas deste mundo,
Entre um dia e outro dia;

Que os narizes foram dados
Para os óculos; portanto,
Trazem óculos pousados...
Pangloss é o meu padre-santo.

Logo, se uma e outra escrava
Brigaram sem sentimento,
A razão de ação tão brava
Foi termos um monumento.

Neste ponto o ponto pingo,
E despeço-me no ponto
Em que cada novo pingo,
Já não é ponto, é posponto.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Argemiro Garcia (Poemas Avulsos)

Impressão
Curioso, eu vi
as rosas de Giverny
e, como todo que vê
a obra de Monet,
sorri.

Meus anjos
Os anjos do meu caminho?
perdi-os...
(quase todos).
Mas os anjos são assim: vêm e vão,
com um jeitinho...
angelical!
Seus caminhos, diferentes dos rios,
não seguem a gravidade:
há anjos que vêm, há anjos que vão.
Os que ficam, então,
felicidade nos dão.

Caleidoscópio
Caleidoscópio.
Quero meus versos assim,
mutantes,
permanentemente dançantes,
um chá beneficente!
Murmúrios,
augúrios,
gritinhos de surpresa
- ohs! e ahs! -
e sorrisos deliciados
descobrindo
duplos sentidos.
Meus versos têm
verso
e reverso.

Janelas
Olho da janela e o que vejo?
Formigas de azulejo
escalam muros de pedra;
anjos de face rosada
velam santos e orixás;
outros anjos, de cara suja,
percorrem praias e ruas,
à cata de latas e lixo.
Em torno, um e outro bicho
passam também a fuçar.
Rabiscos riscam tapumes e uma garatuja
assina-se nas paredes. Solidão flutua no ar.
Janelas, sempre janelas!
Assisto através delas
o mundo que teima em passar.
Gotas escorrem do vidro:
lágrimas? Suor?
Liberdade, Paraíso, Amaralina,
Copacabana, Imbetiba, Ondina,
quantas ruas será que eu, ainda,
percorro até me encontrar?

Meus versos
Meus versos, eu os escrevo
com a tinta negra da noite escura;
quero-os no rasto do caipora,
perseguindo atentos na penumbra afora
os passos quentes do saci e do capeta.
Quero versos de pés sujos, lama e areia,
quero-os vivos, a correr sem peia,
percorrendo, altivos, recantos imundos,
becos abandonados e trilhas desertas,
captando aqui e ali causos e histórias incertas.
Quero meus versos de pé no chão,
calos nas mãos e olhar na imensidão.

Quatro sombras

Duas crianças caminham pela rua
conduzidas pelas mãos de dois adultos;
a visão dessa cena é muito breve,
na penumbra só diviso os quatro vultos.

Quatro sombras se perdem entre as sombras
percorrendo seu caminho – displicentes?
infelizes? inseguras? Simplesmente
percorrem seu caminho entre as gentes.

Morro acima, morro abaixo
A cidade sobe, num jeito de presépio,
pelas curvas de nível e ladeiras.
Sobem, acima dela, pipas, pássaros,
nuvens de fumaça, como um véu;
sobem sonhos e orações num escarcéu.
A cada chuva descem,
nas sarjetas,
suores, sujeiras e dissabores,
incertezas e esperanças
que aguardam outro dia,
outra chance, a loteria,
para se concretizar.

Paz

Não sou guerreiro.
Não sou herói.
Guerreiros não vacilam nas grandes batalhas.
Prefiro lençóis a mortalhas.
Não puxaria um gatilho,
mas uma enxada.
Dignidade se constrói
com tijolos e cimento,
calos, calva e cãs.
Medalhas e bravatas? Coisas vãs.

Três poetrix

Sertões
Filitas feito facas,
feito lápides, são estacas
cravadas no coração do Brasil.

Vira-latas
a Marilda Confortin e Manuel Bandeira
Revirando o lixo,
menos que um bicho
é um menino.

Marinheiros


Sobre a pedra, uma gaivota
observa o remador
e estuda sua rota.

Cantiga do meu morrer
(depois de Ferreira Gullar)

Menina que não conheço,
quando eu me for embora,
me guarde de alguma forma,
me guarde por uma hora
ou duas, no seu coração.

Se no seu coração não couber,
menina que não conheço,
nem uma lembrança minha,
guarde então nos ouvidos
alguma palavra de apreço.

Mas, mesmo se uma palavra
que eu diga lhe valha pouco,
menina que não conheço,
reserve apenas nos olhos,
a imagem de um velho louco.

Se minha imagem guardar
lhe for muito sacrifício,
se vou lhe atrapalhar,
menina que não conheço:
me lembre como um estrupício.

Se essa triste memória
lhe servir só para tormento,
não se preocupe comigo;
me deixe no esquecimento,
menina que não conheço.

Cheiro de sal

Em algum lugar na infância
o mar me cheirou salgado;
não havia esgotos ou sargaço,
apenas a espuma branca,
a água fria
e a areia de grãos finos.
Tempo! O tempo voa veloz,
como gotas salgadas escorrem
na pele dos meninos.
Meus meninos brincam na água.
Meus meninos andam na água.
Meus meninos passam na água.
Não há o que os segure crianças,
ainda que o queira.
Minha vida segue com eles.

Fonte:
Goulart Gomes (Organizador). Antologia do Pórtico. 2003.

Nilto Maciel (Hipnose)

Andrew Albee chegou a Palma numa tarde quente. Maleta à mão, desceu do ônibus. Um menino ofereceu ajuda. “O senhor vai para o hotel?” O americano perguntou onde ficava o melhor hotel. “Aqui só tem um. Ali do outro lado da praça. Hotel Canuto.”

            Após o banho, Andrew se dirigiu à sala de jantar. Pediu o menu. O hoteleiro gaguejou, andou pela sala, olhou para a hoteleira, ofereceu água e café ao visitante. “Mulher, você viu o menu?” A arrumadeira saiu em seu socorro. “Já trabalhei num restaurante na capital. Menu, cardápio, relação dos nomes dos pratos. Aqui não tem isso, né?” O hoteleiro sentou-se de novo. Não serviam jantar no hotel. Nem almoço. Porém, havia um restaurante na praça. O estrangeiro sorriu. Se a moça não se importasse, poderia fazê-la dormir naquele momento. Ela também sorriu. Ninguém a faria dormir àquele hora. “Eu não sou galinha para dormir tão cedo.” De qualquer forma, aceitou o desafio. “O senhor quer me hipnotizar, não é?”

            Cinco minutos depois do início da sessão, Maria dormia, sentada na cadeira, diante de Andrew e sob os olhares de espanto dos donos do hotel. O hóspede dava ordens e a arrumadeira obedecia. Pareceu comer um frango inteiro, lambuzar-se de gordura, lavar as mãos e a cara. O hoteleiro nem sequer piscava. Coisa do demo. Minutos depois, a moça acordou, a um bater de palmas  do estrangeiro. Um gato parou à porta e cravou o olhar no mágico.

Dizendo-se faminto, Andrew se dirigiu ao restaurante. Bebeu cerveja e jantou, sem parar de conversar com garçons e fregueses. Quem aceitava ser hipnotizado? Um dos garçons duvidou de seus poderes. Dois minutos depois parecia um robô. A plateia bateu palmas. Um rapazote se apresentou ao visitante. Queria ser hipnotizado. Novo sucesso. “João, você comeu uma barata.”

Feitos amigos, o americano e João saíram para a praça e se puseram a caminhar. As moças olhavam para Andrew e diziam coisas, baixinho: “Bonitão!” “Que louro bonito!” “Valha-me , Deus!”. Ele sorria e andava. João olhava para o alto e conversava. “Vamos tomar uma cerveja, gringo?” Uma das moças da praça aceitou a proposta de hipnotização. E até levantou a saia, sentada num banco.

A cidade se preparava para eleger prefeito e vereadores. Ananias, o prefeito, chamou o estranho ao seu gabinete. “Meu filho é candidato a prefeito.” E apresentou uma proposta a Andrew: mordomias, mulheres, passeios, segurança, tudo, em troca da hipnotização geral dos eleitores no dia da votação. O gringo sorriu. Como era o rapaz? O pai disse maravilhas de Sainan: estudioso, bonito, inteligente. João, Maria e outros eleitores disseram cobras e lagartos do filho do prefeito. Estroina, vagabundo, safado. Se dependesse do votos deles, o novo prefeito seria o  candidato da oposição. Ou qualquer outro, menos Sainan. Nunca o filho do prefeito. Preferiam votar num burro, num cachorro, num bode, em nada.

 Chamado de novo à Prefeitura, Andrew fez Ananias dormir por alguns minutos. E se retirou pé ante pé. Encontrou João à calçada. “Vamos tomar cerveja.” Jamais o prefeito se deixaria hipnotizar. Sono artificial naquele homem - nunca. Porém, no dia da eleição, Sainan e seu pai dormiram muito. E Andrew Albee fugiu da cidade, às pressas.

Fonte:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.

Hernando Feitosa Bezerra Chagall (Cantares) I

MULHER

Tens como encanto
Um sorriso
E um espanto
No brilho do olhar

Bem sei há tristezas
Profundas contidas
E bem escondidas
Num canto qualquer

Como sei que há vida
Uma vida incontida
Pronta a aflorar
De teu ventre, mulher.

LA BELLE D’JOUR

És flor delicada e bela
Que abrindo se perfuma o ar
Anuncias a primavera
No encanto do teu olhar.

Brilhas a noite mais escura
Iluminas o dia mais sombrio
Com teu jeito de menina pura
E esse corpo de mulher no cio.

És um milagre de Deus
Uma fonte inesgotável e incontida
De inspiração pros versos meus
E de alegria e tesão pela vida.

Lute batalhe experimente
O suave sabor da felicidade
Sejas cativa somente
Da beleza do amor e da liberdade.

NÁUFRAGO

Não deixes meu ser à deriva
Meu coração começa a adernar
Frágil embarcação nessa vida
Naufragando no teu lindo olhar.

Leve-me ao teu porto seguro
Bem perto do entardecer
Ouça o forte murmúrio
Deste meu peito a bater.

No teu corpo minha vida
Entrego sem nada temer
Vem curar as feridas
Que o mundo costuma fazer

Para que de novo à lida
Eu volte sem tempo ruim
Sabendo que alguém nesta vida
Ama, cuida e vela por mim.

ARS / AMOR
A poesia abre o coração
Expõe a alma
A pintura abre os olhos
Expõe a realidade
A música abre a cabeça
Expõe a percepção
A mulher abre os braços
Expõe-se à vida.

PRECE

Seu amor menina
Encanta me ensina
Seu desejo mulher
Cresce me envaidece
Deixa-me do tamanho
De quem numa prece
Encontrou Deus.

VICE OU VERSA

Te amo!
Jamais direi novamente que
Posso viver sem você.
Acredito que
Apesar de tudo
Você me ame também.
Não consigo imaginar que
Algum dia
Te esquecerei.

CANTIGA

Teus olhos belos sóis
Dois lindos arrebóis
À noite duas luas
Brilhando seminuas

E no amanhecer
Já nas primeiras horas
Iluminam teu ser
Como duas auroras.

IRIS

A gentil serenidade
De teu olhar
Desnudou meu orgulho
Ressuscitando em mim
O menino que eu matara.

LÁCRIMA
Brota nos recantos do coração
Deságua pelas janelas da alma
Rola rosto pura emoção

Essa pérola viva do ser
Rainha de uma extrema dor
Princesa de um imenso prazer.

MÃES MENINAS

Meninas tão lindas
Tão jovens ainda...
Mulheres tão puras
Tão verdes, maduras...

Deixam (sem querer)
O brinquedo, o sorriso
A pureza e o prazer
Para brincarem de sofrer.

PUPILAS
O esplendor do sol
Transforma em ouro
As espigas do trigal
As pétalas dos girassóis
E as meninas dos olhos
Do poeta.

CHEGA DE SAUDADE

A palavra cala
No gesto do abraço
Teus olhos úmidos
Meu peito em descompasso

Um beijo ardente
Silencioso e profundo
Aproxima a gente
Do paraíso no mundo.

DRUMMONDIANDO

No
Meio do caminho
Havia uma pedra
Eu!
Que esfarelou-se humana
A um simples toque
Seu.

TOGETHER

Esses teus olhos tristonhos vão sumir
Em seu lugar darei o brilho
Que ainda resta em meu olhar
Pois quero ver teu rosto se iluminar
Num sorriso simples sincero e sem medo.

Se hoje lhe ajudo também peço ajuda
Quero te ver sonhando meu sonho
Vivendo meu viver
Quero te amar bem mais que o meu coração
Quero juntar à tua minha solidão.

Pois eu também por muito tempo andei sozinho
Sem ter ninguém , sem ter amor pra me ajudar
Andei caminhos sem rumo, sem destino
Mas hoje a vida deu-me outra chance
Ao te encontrar.

WINDOW

Você é janela aberta
Em dia ensolarado;
Ilumina, areja, liberta
Meu coração trancafiado.

DOCE MISTÉRIO
Mulher
Segredo e milagre
Santa
Quando briga ou canta
Delicioso
Mistério de amor
Entre
O humano e o poder
Criador.

PERCEPÇÃO

Meus olhos muitas vezes
Vêem coisas
Que pessoas apressadas
Nem dão fé!
Se eles mentem
O fazem colorido
Num sorriso
Numa flor
Numa mulher.

SE FOSSES MINHA

Se fosses minha amiga
Darias-me uma droga
Mais forte que a vida;

Se fosses minha amante
Darias-me amor maior
Do que ontem;

Se fosses minha amada
Não deixarias morrer
Nosso conto de fada.

YES

Agradeço a Deus
Por um sorriso teu
Que seja só para mim

Pois o teu encanto
Enxugou meu pranto
E me deixou assim

Louco por teus beijos
Pleno do desejo
De chegar ao fim

Deste mar revolto
Lindo que é teu corpo
Dizendo-me sim.

Fonte:
Hernando Feitosa Bezerra. Cantares.  Universidade da Amazônia – NEAD.

Folclore da África (O Violino do Macaco)

A fome e a necessidade de satisfazê-la forçou o macaco a abandonar a sua terra e procurar outro lugar entre estranhos para o tão necessário trabalho. Bulbos, feijões da terra, escorpiões, insetos, estavam completamente extintas em sua própria terra. Mas, felizmente, ele recebeu, por enquanto, abrigo com um tio-avô dele, Orangotango, que morava em outra parte do país.

Quando ele tinha trabalhado durante certo tempo ele quis voltar para casa e, como recompensa seu tio deu-lhe um violino e um arco e flecha e lhe disse que com o arco e flecha, ele poderia acertar e matar qualquer coisa que ele desejasse, e com o violino ele poderia obrigar qualquer coisa a dançar.

O primeiro que ele encontrou em seu retorno para a sua terra foi o irmão lobo.  Este velho companheiro disse-lhe todas as novidades e também que ele estava desde cedo tentando perseguir um cervo, mas tudo em vão.

Então o macaco disse para ele todas as maravilhas do arco e flecha que ele carregava nas costas e lhe garantiu que se avistasse o cervo, ele iria acertá-lo para ele. Quando o lobo mostrou-lhe o veado, o macaco estava pronto e derrubou o cervo.

Eles fizeram uma boa refeição juntos, mas em vez do lobo ser grato, o ciúme se apoderou dele e ele pediu para o arco e flecha. Quando o macaco recusou-se a lhe dar, ele usou sua força para ameaçá-lo, e assim, quando passaram pelo chacal, o lobo disse que o macaco tinha roubado o seu arco e flecha.

O chacal tendo ouvido falar do arco e flecha, declarou-se incompetente para resolver o caso sozinho, e ele propôs que eles levassem a questão para o Tribunal do Leão, Tigre, e os outros animais. Nesse meio tempo, ele declarou que iria ficar tomando conta do que tinha sido a causa de sua discussão, de modo que seria mais seguro, como ele disse. Mas o chacal imediatamente tirou de tudo o que era comestível,  e isso gerou um longo período de matança, antes que o macaco e o lobo concordassem em levar o caso para o tribunal.

As evidências do macaco era frágeis, e para piorar, o testemunho do chacal foi contra ele.  Ele pensou que desta forma seria mais fácil obter o arco e flecha para si mesmo.

E assim a sentença foi contra o macaco. O roubo foi encarado como um grande crime: ele seria enforcado.

O violino ainda estava ao seu lado, e ele recebeu como um último desejo do tribunal o direito de tocar uma música nele.

Ele era um mestre dos truques de sua época, e além disso, tinha o maravilhoso poder de sua rabeca encantada. Assim, quando ele emitiu a primeira nota do “Canto do Galo” no violino, o tribunal começou logo a mostrar uma vivacidade incomum e espontânea, e antes de terminar a primeira estrofe da valsa da velha canção toda a corte estava dançando como um redemoinho.

Mais e mais, mais rápido e mais rápido, tocou a melodia do “Canto do Galo” no violino encantado, até que alguns dos bailarinos, exaustos, caíram, embora ainda mantendo seus pés em movimento. Mas o macaco, músico como ele era, ouviu e não viu nada do que tinha acontecido à sua volta. Com a cabeça colocada carinhosamente contra o instrumento, e seus olhos meio fechados, ele tocou, mantendo a cadência com o seu pé.

O lobo foi o primeiro a gritar em tom suplicante, sem fôlego, “Por favor, pare, primo macaco! Pelo amor de Deus, por favor, pare!”

Mas o macaco nem conseguiu sequer ouvi-lo. Mais e mais a valsa “Canto do Galo” parecia irresistível.

Depois de um tempo o leão mostrou sinais de fadiga e, quando ele rodava mais uma vez com a leoa, ele rosnou quando passou do macaco, “Todo o meu reino é vosso, macaco, se você parar com essa música!”

“Eu não quero isso”, respondeu macaco “, mas retire a sentença e devolva o arco e flecha, e você, lobo, reconheça que você o roubou de mim!”

“Eu reconheço, reconheço!” gritou o lobo, e o leão no mesmo instante, chorou anulando a punição.

O macaco ainda deixou-os girando mais uma vez ao som da valsa, e depois recolheu seu arco e flecha, e sentou-se no alto da árvore de espinhos mais próxima.

A corte e outros animais estavam com tanto medo que ele pudesse começar de novo que apressadamente correram para outras partes do mundo.

Fontes:
http://www.sacred-texts.com/afr/saft/sft05.htm
http://casadecha.wordpress.com/2013/08/28/o-violiono-do-macaco/‎
Imagem = http://portuguese.alibaba.com

Rachel de Queiroz (Tangerine-Girl)

De princípio a interessou o nome da aeronave: não ‘zepelim’ nem dirigível, ou qualquer outra coisa antiquada; o grande fuso de metal brilhante chamava-se modernissimamente blimp. Pequeno como um brinquedo, independente, amável. A algumas centenas de metros da sua casa ficava a base aérea dos soldados americanos e o poste de amarração dos dirigíveis. E de vez em quando eles deixavam o poste e davam uma volta, como pássaros mansos que abandonassem o poleiro num ensaio de voo. Assim, de começo, aos olhos da menina, o blimp existia como uma coisa em si – como um animal de vida própria; fascinava-se como prodígio mecânico que era, e principalmente ela o achava lindo, todo feito de prata, igual a uma joia, librando-se majestosamente pouco abaixo das nuvens. Tinha coisas de ídolo, evocava-se um pouco o gênio escravo de Aladim. Não pensara nunca em entrar nele; não pensara sequer que pudesse alguém andar dentro dele. Ninguém pensa em cavalgar uma águia, nadar nas costas de um golfinho; e, no entanto, o olhar fascinado acompanha tanto quanto pode águia e golfinho, numa admiração gratuita – pois parece que é mesmo uma das virtudes da beleza essa renúncia de nós próprios que nos impõe, em troca de sua contemplação pura e simples.

Os olhos da menina prendiam-se, portanto, ao blimp sem nenhum desejo particular, sem a sombra de uma reivindicação. Verdade que via lá dentro umas cabecinhas espiando, mas tão minúsculas que não davam impressão de realidade – faziam parte da pintura, eram elemento decorativo, obrigatório como as grandes letras negras U.S. Navy gravadas no bojo de prata. Ou talvez lembrassem aqueles perfis recortados em folha que fazem de chofer nos automóveis de brinquedo.

O seu primeiro contato com a tripulação do dirigível começou de maneira puramente ocasional. Acabara o café da manhã; a menina tirara a mesa e fora à porta que dá para o laranjal, sacudir da toalha as migalhas de pão. Lá de cima um tripulante avistou aquele pano branco tremulado entre as árvores espalhadas e a areia, e o seu coração solitário comoveu-se. Vivia naquela base como um frade no seu convento – sozinho entre soldados e exortações patrióticas. E ali estava, juntinho ao oitão da casa de telhado vermelho, sacudindo um pano entre a mancha verde das laranjeiras, uma mocinha de cabelo ruivo. O marinheiro agitou-se todo com aquele adeus. Várias vezes já sobrevoara aquela casa, vira gente embaixo entrando e saindo; e pensara quão distantes uns dos outros vivem os homens, quão indiferentes passam entre si, cada um trancado na sua vida. Ele estava voando por cima das pessoas, vendo-as, espiando-as, e, se algumas erguiam os olhos, nenhuma pensava no navegador que ia dentro; queriam só ver a beleza prateada vogando pelo céu.

Mas agora aquela menina tinha para ele um pensamento, agitava no ar um pano, como uma bandeira; decerto era bonita – o sol lhe tirava fulgurações de fogo do cabelo, e a silhueta esguia se recortava claramente no fundo verde-e-areia. Seu coração atirou-se para a menina num grande impulso agradecido; debruçou-se à janela, agitou os braços, gritou: “Amigo!, amigo!” – embora soubesse que o vento, a distância, o ruído do motor não deixaria ouvir-se nada. Ficou incerto se ela lhe vira os gestos e quis lhe corresponder de modo mais tangível. Gostaria de lhe atirar uma flor, uma oferenda. Mas que podia haver dentro de um dirigível da Marinha que servisse para ser oferecido a uma pequena? O objeto mais delicado que encontrou foi uma grande caneca de louça branca, pesada como uma bala de canhão, na qual em breve lhe iriam servir o café. E foi aquela caneca que o navegante atirou; atirou, não: deixou cair a uma distância prudente da figurinha iluminada, lá embaixo; deixou-a cair num gesto delicado, procurando abrandar a força da gravidade, a fim de que o objeto não chegasse sibilante como um projetil, mas suavemente, como uma dádiva.

A menina que sacudia a toalha erguera realmente os olhos ao ouvir o motor do blimp. Viu os braços do rapaz se agitarem lá em cima. Depois viu aquela coisa branca fender o ar e cair na areia; teve um susto, pensou numa brincadeira de mau gosto – uma pilhéria rude de soldado estrangeiro. Mas quando viu a caneca branca pousada no chão, intacta, teve uma confusa intuição do impulso que a mandara; apanhou-a, leu gravadas no fundo as mesmas letras que havia no corpo do dirigível: U.S. Navy. Enquanto isso, o blimp, em lugar de ir para longe, dava mais uma volta lenta sobre a casa e o pomar. Então a mocinha tornou a erguer os olhos e, deliberadamente dessa vez, acenou com a toalha, sorrindo e agitando a cabeça. O blimp fez mais duas voltas e lentamente se afastou – e a menina teve a impressão de que ele levava saudades. Lá de cima, o tripulante pensava também – não em saudades, que ele não sabia português, mas em qualquer coisa pungente e doce, porque, apesar de não falar nossa língua, soldado americano também tem coração.

Foi assim que se estabeleceu aquele rito matinal. Diariamente passava o blimp e diariamente a menina o esperava; não mais levou a toalha branca, e às vezes nem sequer agitava os braços: deixava-se estar imóvel, mancha clara na terra banhada de sol. Era uma espécie de namoro de gavião com gazela: ele, fero soldado cortando os ares; ela, pequena, medrosa, lá embaixo, vendo-o passar com os olhos fascinados. Já agora, os presentes, trazidos de propósito da base, não eram mais a grosseira caneca improvisada; caíam do céu números da Life e da Time, um gorro de marinheiro e, certo dia, o tripulante tirou do bolso o seu lenço de seda vegetal perfumado com essência sintética de violetas. O lenço abriu-se no ar e veio voando como um papagaio de papel; ficou preso afinal nos ramos de um cajueiro, e muito trabalho custou à pequena arrancá-lo de lá com a vara de apanhar cajus; assim mesmo ainda o rasgou um pouco, bem no meio.

Mas de todos os presentes o que mais lhe agradava era ainda o primeiro: a pesada caneca de pó de pedra. Pusera-a no seu quarto, em cima da banca de escrever. A princípio cuidara em usá-la na mesa, às refeições, mas se arreceou da zombaria dos irmãos. Ficou guardando nela os lápis e canetas. Um dia teve ideia melhor e a caneca de louça passou a servir de vaso de flores. Um galho de manacá, um bogari, um jasmim-do-cabo, uma rosa-menina, pois no jardim rústico da casa de campo não havia rosas importantes nem flores caras.

Pôs-se a estudar com mais afinco o seu livro de conversação inglesa; quando ia ao cinema, prestava uma atenção intensa aos diálogos, a fim de lhes apanhar não só o sentido, mas a pronúncia. Emprestava ao seu marinheiro as figuras de todos os galãs que via na tela, e sucessivamente ele era Clark Gable, Robert Taylor ou Cary Grant. Ou era louco feito um mocinho que morria numa batalha naval do Pacífico, cujo nome a fita não dava; chegava até a ser, às vezes, careteiro e risonho como Red Skelton. Porque ela era um pouco míope, mal o vislumbrava, olhando-o do chão: via um recorte de cabeça, uns braços de agitando; e, conforme a direção dos raios do sol, parecia-lhe que ele tinha o cabelo louro ou escuro.

Não lhe ocorria que não pudesse ser sempre o mesmo marinheiro. E, na verdade, os tripulantes se revezariam diariamente: uns ficavam de folga e iam passear na cidade com as pequenas que por lá arranjavam; outros iam embora de vez para a África, para a Itália. No posto de dirigíveis criava-se aquela tradição de menina do laranjal. Os marinheiros puseram-lhe o apelido de ‘Tangerine-Girl’. Talvez por causa do filme de Dorothy Lamour, pois Dorothy Lamour é, para todas as forças armadas norte-americanas, o modelo do que devem ser as moças morenas da América do Sul e das ilhas do Pacífico. Talvez porque ela os esperava sempre entre as laranjeiras. E talvez porque o cabelo ruivo da pequena, quando brilhava à luz da manhã, tinha um brilho acobreado de tangerina madura. Um a um, sucessivamente, como um bem de todos, partilhavam eles o namoro com a garota Tangerine. O piloto da aeronave dava voltas, obediente, voando o mais baixo que lhe permitiam os regulamentos, enquanto o outro, da janelinha, olhava e dava adeus.

Não sei por que custou tanto a ocorrer aos rapazes a ideia de atirar um bilhete. Talvez pensassem que ela não os entenderia. Já fazia mais de um mês que sobrevoavam a casa, quando afinal o primeiro bilhete caiu; fora escrito sobre uma cara rosada de rapariga na capa de uma revista: laboriosamente, em letras de imprensa, com os rudimentos de português que haviam aprendido da boca das pequenas, na cidade: “Dear Tangerine-Girl. Please você vem hoje (today) base X. Dancing, show. Oito horas P.M.” E no outro ângulo da revista, em enormes letras, o “Amigo”, que é a palavra de passe dos americanos entre nós.

A pequena não atinou bem com aquele ‘Tangerine-Girl’. Seria ela? Sim, decerto... e a aceitou o apelido, como uma lisonja. Depois pensou que as duas letras, do fim: “P.M.”, seriam uma assinatura.  Peter, Paul, ou Patsy, como o ajudante de Nick Carter? Mas uma lembrança de estudo lhe ocorreu: consultou as páginas finais do dicionário, que tratam de abreviaturas, e verificou, levemente decepcionada, que aquelas letras queriam dizer ‘a hora depois do meio-dia’.

Não pudera acenar uma resposta porque só vira o bilhete ao abrir a revista, depois que o blimp se afastou. E estimou que assim o fosse: sentia-se tremendamente assustada e tímida ante aquela primeira aproximação com o seu aeronauta. Hoje veria se ele era alto e belo, louro ou moreno. Pensou em se esconder por trás das colunas do portão, para o ver chegar – e não lhe falar nada. Ou talvez tivesse coragem maior e desse a ele a sua mão; juntos caminhariam até a base, depois dançariam um fox langoroso, ele lhe faria ao ouvido declarações de amor em inglês, encostando a face queimada de sol ao seu cabelo. Não pensou se o pessoal de casa deixaria aceitar o convite. Tudo se ia passando como num sonho – e como num sonho se resolveria, sem lutas nem empecilhos.

Muito antes de escurecer, já estava penteada, vestida. Seu coração batia, batia inseguro, a cabeça doía um pouco, o rosto estava em brasas. Resolveu não mostrar o convite a ninguém; não iria ao show; não dançaria, conversaria um pouco com ele no portão. Ensaiava frases em inglês e preparava o ouvido para as doces palavras na língua estranha. Às sete horas ligou o rádio e ficou escutando languidamente o programa de swings. Um irmão passou, fez troça do vestido bonito, naquela hora, e ela nem o ouviu. Às sete e meia já estava na varanda, com o olho no portão e na estrada. Às dez para as oito, noite fechada já há muito, acendeu a pequena lâmpada que alumiava o portão e saiu para o jardim. E às oito em ponto ouviu risadas e tropel se passos na estrada, aproximando-se.

Com um recuo assustado verificou que não vinha apenas o seu marinheiro enamorado, mas um bando ruidoso deles. Viu-os aproximarem-se, trêmula. Eles a avistaram, cercaram o portão – até parecia manobra militar –, tiraram os gorros e foram se apresentando numa algazarra jovial.

E, de repente, mal lhes foi ouvindo os nomes, correndo os olhos pelas caras imberbes, pelo sorriso esportivo e juvenil dos rapazes, fitando-os de um em um, procurando entre eles o seu príncipe sonhado – ela compreendeu tudo. Não existia o seu marinheiro apaixonado – nunca fora ele mais do que um mito do seu coração. Jamais houvera um único, jamais ‘ele’ fora o mesmo. Talvez nem sequer o próprio blimp fosse o mesmo...

Que vergonha, meu Deus! Dera adeus a tanta gente; traída por uma aparência enganosa, mandara diariamente a tantos rapazes diversos as mais doces mensagens do seu coração, e no sorriso deles, nas palavras cordiais que dirigiam à namorada coletiva, à pequena Tangerine-Girl, que já era uma instituição da base – só viu escárnio, familiaridade insolente... Decerto pensavam que ela era também uma dessas pequenas que namoram os marinheiros de passagem, quem quer que seja... decerto pensavam... Meu Deus do Céu!

Os moços, por causa da meia-escuridão, ou porque não cuidavam naquelas nuanças psicológicas, não atentaram na expressão da mágoa e susto que confrangia o rostinho redondo da amiguinha. E, quando um deles, curvando-se, lhe ofereceu o braço, viu-a com surpresa recuar, balbuciando timidamente:

– Desculpem... houve engano... um engano...

E os rapazes compreenderam ainda menos quando a viram fugir, a princípio lentamente, depois numa carreira cega. Nem desconfiaram que ela fugira a trancar-se no quarto e, mordendo o travesseiro, chorou as lágrimas mais amargas e mais quentes que tinha nos olhos.

Nunca mais a viram no laranjal; embora insistissem em atirar presentes, viam que eles ficavam no chão, esquecidos – ou às vezes apanhados pelos moleques do sítio.

(Rachel de Queiroz, A Casa do Morro Branco)

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.