sexta-feira, 7 de março de 2008

Expressões gaudérias (Domínio Público)




• Afiado como navalha de barbeiro caprichoso.
• Agarrado como carrapato em culhão de touro.
• Apertado como rato em guampa.
• Assanhada como solteirona em festa de casamento.
• Atirado como interesse de viúva.
• Aumentar como barriga de prenha.
• Bater mais que brigadiano na mulher.
• Brilhar como ouro de libra.
• Bueno como namoro no começo.
• Buliçoso que nem mico de viúva.
• Cair bem como chuva em roça de milho.
• Calmo que nem água de poço.
• Cara amarrada como pacote de despacho.
• Causar alvoroço que nem mata-mosquito em convento.
• Chiar como uma locomotiva no cio.
• Cobiçada como anca de viúva nova e bonita.
• Comer mais que remorso.
• Como tosa de porco: muito grito e pouca lã.
• Contente como cusco de cozinheira.
• Contrariado como gato a cabresto.
• Dá mais que pereba em moleque.
• De boca aberta que nem burro que comeu urtiga.
• Devagar como enterro de a pé.
• Dormir atirado que nem lagarto.
• Dormir que nem sapo morto estirado nos arreios.
• Encardido como peleia de caudilho.
• Encordoado como teta de porca.
• Enfeitado como bidê de china.
• Engraçado como gorda botando as calça.
• Esfarrapado que nem poncho de gaudério.
• Espalhar-se como pó de mangueira em pé de vento.
• Esparramado como dedo de pé que nunca entrou em bota.
• Esperto que nem gringo de venda.
• Extraviado que nem chinelo de bêbado.
• Faceiro como mosca em rolha de xarope.
• Feia como mulher de cego.
• Feliz que nem lambari de sanga.
• Firme que nem prego em polenta.
• Furioso como gato embretado em cano de bota.
• Gordo e lustroso como gato de bolicheiro.
• Gosmento como cuspida de bêbado.
• Grosso como rolha pra poço.
• Grudado como bosta em tamanco.
• Judiado como filhote de passarinho em mão de piá.
• Louco como galinha agarrada pelo rabo.
• Mais à vontade que bugio em mato de boa fruta.
• Mais alto que cavalo de oficial.
• Mais amontoado que uva em cacho.
• Mais angustiado que barata de ponta-cabeça.
• Mais apertado que nó de soga em dia de chuva.
• Mais apressado que cavalo de carteiro.
• Mais arisca do que china que não quer dar.
• Mais assustado que véia em canoa.
• Mais atirado pra trás que pica-pau em tronqueira.
• Mais atirado que alpargata em cancha de bocha.
• Mais atrasado que bola de porco.
• Mais baixo que vôo de marreca choca.
• Mais bonita que laranja de amostra.
• Mais branco que perna de freira.
• Mais caro que argentina nova na zona.
• Mais ciumenta que mulher de tenente.
• Mais complicado que receita de creme Assis Brasil.
• Mais comprido que esperança de pobre.
• Mais comprido que suspiro em velório.
• Mais conhecido que a reza do padre-nosso.
• Mais conhecido que parteira de campanha.
• Mais curto que coice de porco.
• Mais delgado que cachaço emprestado.
• Mais demorado que enterro de rico.
• Mais desconfiado que cego que tem amante.
• Mais difícil que nadar de poncho.
• Mais duro que pau de preso.
• Mais eficiente que japonês na roça.
• Mais encolhido que tripa grossa na brasa.
• Mais enfeitado que burro de cigano em festa.
• Mais engraxado que telefone de açougueiro.
• Mais enrolado que lingüiça de venda.
• Mais entravado que carteira em bolso de sovina.
• Mais escandaloso que relincho de burro chorro.
• Mais faceiro que gordo de camiseta.
• Mais faceiro que guri de bombacha nova
• Mais fácil que fazer falar um rádio.
• Mais fechado que baú de solteirona.
• Mais fedorento que arroto de corvo.
• Mais feio que indigestão de torresmo.
• Mais fino que assobio de papudo.
• Mais firme que catarro em parede.
• Mais forte que peido de burro atolado.
• Mais gostoso que beijo de prima.
• Mais grosso que cintura de sapo.
• Mais importante que o irmão da rapariga do cabo.
• Mais inútil que buzina em avião.
• Mais ligado que rádio de preso.
• Mais ligeiro que tainha de açude.
• Mais linda que camisola de noiva.
• Mais magro que guri com solitária.
• Mais medroso que cascudo atravessando galinheiro.
• Mais metido que piolho em costura.
• Mais nervoso que anão em comício.
• Mais nojento que mocotó de ontem.
• Mais perdido que surdo em bingo.
• Mais perfumado que mão de barbeiro.
• Mais pesado que pastel de batata.
• Mais prestimosa que mãe de noiva.
• Mais triste que último dia de rodeio.
• Mais usado que pronome oblíquo em conversa de professor.
• Mais vaidoso que guri em chineiro.
• Pelado que nem sovaco de perneta.
• Pior que a filha casar com nordestino.
• Que nem carro de funebreiro: só leva.
• Que nem serra elétrica, não pode ver pau de pé.
• Quem revela a fonte é água mineral.
• Sofrer como joelho de freira na Semana Santa.
• Solito como galinha em gaiola de engorde.
• Tranqüilo e sereno que nem baile de moreno.
• Virar-se mais que minhoca na cinza.
• Vivo como cavalo de contrabandista.

Fonte:
http://www.releituras.com

quarta-feira, 5 de março de 2008

Joacir Zen Ranieri (Sete Quedas)


Nesta hora de sol ardente,
Águas correntes
Arco-íris sob águas
Serenos
Brisas geladas,
Emoções!

Eu ouço o canto das águas,
Das Sete Quedas
(As quedas mais lindas do mundo!)
- As Sete Quedas de Guaíra.

Eu ouço o tropel das águas,
Batendo nas pedras nuas,
Serenando uma brisa fria,
Molhando a relva verde
E iluminando esta manhã,
De bolhas e pingos verdes.

Eu ouço a grave melodia
Do correr forte das águas
Ao rolar nas cachoeiras,
Varrendo folhas, galhos, flores...

Nesta hora de lazer,
Quando desabrocha a manhã,
Vejo a corrente de águas,
Que lambe o barro das barrancas,
Varrendo folhas, galhos e flores...

Nesta hora de sol ardente,
Ouço as quedas de Guaíra,
Dando seu último adeus!

O Autor
Joacir é presidente da Associação dos Literatos de Ubiratã

Fonte:
XIII Coletânea de Poesias - Poesia Nossa de Cada Dia. Ubiratã: Associação dos Literatos de Ubiratã (ALIUBI), 2007.

Sete Quedas

O Salto de Sete Quedas (também chamado Guaíra) era a maior cachoeira do rio Paraná, que desapareceu com a construção do lago da Usina hidrelétrica de Itaipu. No entanto aparece resquícios dela quando o nível de água da usina está baixo.

Em 13 de outubro de 1982, o fechamento das comportas do Canal de Desvio de Itaipu começava a sepultar, com as águas barrentas do lago artificial, um dos maiores espetáculos da face da Terra: as Sete Quedas do Rio Paraná ou Saltos del Guairá.

Recordistas mundiais em volume d’água, as Sete Quedas eram o principal atrativo turístico de Guaíra, cidade que, à época, chegou a ter 60 mil habitantes, rivalizando em importância com Foz do Iguaçu.

Atualmente, a população da antiga cidade real espanhola é inferior a 30 mil.

Curiosamente, à exceção de Guaíra, a data não foi recordada na imprensa do Brasil ou do Paraguai.

As Sete Quedas aparecem na historia da regiao como Saltos do Canendiyu, foi o primeiro nome adotado por soldados castelhanos quando estes pela primeira vez avistaram as quedas. O nome foi dado em homenagem ao Cacique Canendiyu, lider dos Guaranis, que habitavam a margem direita do rio Paraná,`acima das cataratas. Saltos del Guayrá foi o segundo nome, adotado por Domingos Martinez Irala, Governador de Assunção, em homenagem ao Cacique Guayrá, por sua ajuda na expulsão dos intrusos Tupis. O nome Sete Quedas apareceu pela primeira vez no Tratado de Limites assinado em 1872 entre o Brasil, representado pelo Barão de Cotegipe, e o Paraguai, representado por Carlos Loisaga. Não se sabe a razão do nome "Sete Quedas", havendo diversas versões. Umas delas diz que Sete foi usado por ser algarismo mistico, que demonstra grandeza. Segundo outra versão, quando os navegantes se aproximam das quedas avistam sete colunas de vapor, que delas emergem. Há ainda uma outra interpretação, em que se acredita que as águas se precipitam em sete degraus. A versão mais correta, porém, é que o nome é derivado do fato de as quedas serem formadas por sete conjuntos de saltos, cachoeiras e corredeiras.

Fontes:
http://www.psg.com/~walter/guaira.html
http://pt.wikipedia.org

José Feldman (Tempo de Magia)

(Dedicado a Luciano Pavarotti)
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Não há ninguém na velha rua suja!

Havia magia no ar
Entre as árvores quentes e sussurantes

Em um rio de sons
Através do espelho
A magia da música
Ilumina o caminho
Projetando nossas imagens
No espaço e no tempo,
A música tocando nossa alma...
A música do espírito.

Beber sonhos
Nos córregos,
Andar sobre o arco-íris
Como os duendes!

Está na hora
De abrir asas e voar
Viajar para algum lugar
Distante, bem longe
Levado pelo vento
Numa estrela cadente
Como uma borboleta
Solta no alto -
Espírito errante!

Adriano Macedo

Adriano Macedo é jornalista, escritor, produtor e gestor cultural, nascido em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. Começou na poesia, durante a convivência com os grêmios estudantis, onde participou de festivais escolares. Num deles, aos quinze anos, ficou em primeiro lugar com o poema “Sem Anos de Abolição, Sem Anos de Liberdade”, em homenagem ao centenário da abolição da escravatura no Brasil. Mas rompeu com a poesia aos 17 anos, quando começou a militar no jornalismo ao lançar um jornal de bairro, o “Flash Local”, e descobrir outra linguagem. Na imprensa, desenvolveu e implantou projetos gráficos e editoriais. Trabalhou como editor da Gazeta Mercantil, de 1996 a 2002 e, desde então, é diretor-executivo do Salão do Livro de Minas Gerais, além de realizar projetos culturais. A produção ficcional é praticamente inédita, com publicação de contos na revista eletrônica Tanto, entre eles “Folha Seca”. No segundo semestre de 2004, lança a antologia “O Retrato da Dama”. Atualmente, está envolvido na produção do romance “O Beco dos Sinos”, na pesquisa de dois ensaios literários sobre Ouro Preto e Paris, além de finalizar o livro de contos “As Viúvas da Liberdade”.

Fonte:
http://triplov.com/contos/adriano_macedo/

Adriano Macedo (O Velório das Fotos ... Defunto Velado)

Os olhos vividos acompanhavam cumprimentos consternados, sorrisos escassos, rostos disformes, sentimentos divididos e solidários, cenas típicas de um velório comum. Mas aquele não era como outro qualquer para o tio Aristides. O ambiente ganhava um ar diferente ao chegar com a máquina a tiracolo e o álbum com as fotos do encontro no ano anterior, o enterro do primo Alberto. As imagens provocavam alegre nostalgia nos familiares, especialmente quando se detinham em algum retrato onde estivesse tia Joaquina. Enquanto o semblante gélido da tia causava consternação na câmara mortuária, as fotos incitavam recordações de outros velórios, quando Joaquina, como a parenta mais velha da família, assumia a responsabilidade de consolar irmãos, sobrinhos e primos.

Franzino, careca, de comportamento delgado e pensamento robusto, tio Aristides, ao contrário de todos, sentia íntima satisfação nos velórios da família, raras oportunidades de rever os parentes. Tirava fotos dos sobrinhos - alguns com a rebeldia estampada no rosto -, dos primos de feições dilapidadas pelo consumo excessivo de bebida, das cunhadas a tricotarem experiências reveladas em novos fios brancos na cabeça, e dos agregados que regavam a paciência com benevolente apatia para tolerar as birutices da tia Nazaré.

O ritual se repetia a cada velório. Com uma única regra: o corpo não podia ser fotografado. Para Aristides, as últimas lembranças do parente deveriam ser apenas as fotos batidas em ocasiões anteriores. Daí a importância dada aos álbuns de fotografia levados por Aristides. No entanto, a norma para não fotografar o corpo existia por uma questão técnica. “Foto de defunto dá azar, vela o filme inteiro”, dizia com a autoridade de quem perdeu todas as chapas na primeira e única vez a infringir a lei. Aconteceu no velório de tia Honorina. Ao buscar as fotos no laboratório, o moço do balcão deu a notícia com a mesma frieza dos mortos:

- O filme velou.

- Como velou?

- Não sei, deve ter sido o espírito de porco do laboratorista de segunda-feira.

- O sujeito estraga o meu filme e você vem com gracinha pra cima de mim?

- Sinto muito, mas não posso fazer nada.

- Me chama o Joaquim!

O máximo que tio Aristides conseguiu com o proprietário foi um novo filme, as fotos ficaram no esquecimento. “Deve ter sido praga da tia Honorina”, presumiu. Aristides era jovem naquela ocasião e tia Honorina, irmã do pai, era uma das poucas da família a repudiarem as fotografias em cemitério.

Quando começou a fotografar os velórios da família, Aristides, com apenas dezessete anos, provocou um escândalo. A primeira vez foi no Cemitério do Bonfim, com a Rolleiflex que um tio lhe dera de presente. Era o enterro do avô Geraldo, que cedeu à cirrose. Ao chegar em casa, Aristides levou algumas varadas de bambu e ainda teve o filme retirado à força da máquina.

- Isso é uma falta de respeito, Aristides. Onde já se viu reunir parentes pra fazer foto num velório?

- É uma recordação pra posteridade...

- Não me responda, Aristides.

E toma varada de bambu. Aristides ficou tão indignado com a incompreensão que pensou inúmeras formas de vingar a humilhação sofrida pelo pai. O que mais incomodou não foi a surra recebida e sim uma espécie de dor moral, como se o pai tivesse arrancado de dentro dele um sonho oculto e jogado no lixo, junto com o filme, uma íntima esperança de imortalizar os familiares. Mas Aristides nem precisou executar qualquer plano porque o próximo enterro foi o do progenitor, atropelado na avenida Afonso Pena. Lá estava ele, no mesmo Cemitério do Bonfim, tirando fotos da família. A mãe sofreu tanto com o falecido que nem se preocupou com o filho. Com o tempo, os parentes não estranharam mais a atitude de Aristides, agora tio de quase vinte sobrinhos. Os irmãos censuraram no começo, hoje se divertem ao comparar fotografias antigas com as mais recentes.

- Tides, ela tava tão bem no velório do Zé. Manda uma cópia pra mim? – pediu a irmã Antônia, ao ver a foto de Joaquina no álbum, tirada três anos antes.

. Flashes digitais .

A novidade no velório de Joaquina era a máquina digital. Depois de quase cinqüenta anos fazendo fotos com a Rolleiflex alemã de estimação, Aristides se modernizou, economizou mais de um ano de aposentadoria para comprar o último modelo de uma Canon digital. Não porque fosse tecnicamente melhor, apenas para mostrar as imagens em alta resolução aos familiares quase no mesmo instante em que as batesse, antes de copiá-las em papel fotográfico.

- Ainda continuo bonita, hein Tides? – brincou Nazaré, ao ver as imagens no visor da nova máquina.

- Formosa e gostosa, Naná – cochichou Aristides no ouvido da cunhada, mulher do Olavo.

- Me respeita, Aristides!

- Você que insinuou.

Em mais de quatro décadas de registros fotográficos, Aristides gastou quase cinco mil chapas e tem em casa pelo menos trinta álbuns com fotos de velórios da família. Talvez pudesse até entrar para o Guinness Book, idéia sugerida pelo amigo Zacarias. Porém, tio Aristides nunca quis saber de recordes e sim de recordações. Era curioso como ele se afeiçoava mais aos parentes mortos que vivos. “Parentes que convivem muito tempo tornam-se assassinos da relação. Toda relação é uma relação de poder e o poder corrompe completamente, prefiro sentir saudade por quem partiu a me ver invadido pela apatia da onipresença”, explicava com aparente frieza aos curiosos de plantão.

Último filho a nascer em um lar de oito crianças, Aristides foi criado pelos irmãos, em especial o Olavo, oito anos mais velho e que costumava inventar histórias de fantasmas antes de dormir. Ao invés de assustado, Aristides ficava fascinado com as narrativas, tecia aventuras no além-mundo com os fios da imaginação. Olavo dormia e ele ficava ainda um bom tempo acordado tentando ver alma penada para ter o que contar ao irmão no dia seguinte. Sentia enorme prazer nessas brincadeiras, talvez para compensar a realidade de uma educação rígida e repressora, numa família em que o pai era ausente de afeto, um comerciante beberrão que, sóbrio, tentava impor aos filhos severa disciplina. A mãe não podia trabalhar, não só porque o marido a proibia, mas por causa do excesso de atividades em casa.

- Ontem eu vi uma alma penada na sua cama, Olavo.

- Que bobagem, Tides. Fantasma gosta de atazanar os adultos.

- Você que pensa. Ele até roncou no seu ouvido.

- Aristides, se você continuar inventando essas coisas vou parar de contar história de noite.

- Se você não quer acreditar tudo bem, só que ele tá dormindo no seu armário.

- Que idéia besta é essa agora?

- Eu vi. Alma penada adora lugar escuro e meia de criança porque o chulé não sai de jeito nenhum. Lembra daquela meia furada na semana passada? O fantasma que comeu.

Afoito, Olavo correu até o armário. Sabia que o irmão tinha aprontado mais uma travessura. Constatou o estrago em mais um par de meias da escola. Para se vingar de Aristides, fez greve de silêncio o dia inteiro e preparou o contra-ataque. Nada de brincadeiras e histórias de fantasmas naquela noite. Foi se deitar. Assim que Aristides dormiu, levantou-se da cama e iniciou a ofensiva. Acendeu uma vela e a colocou no chão, ao lado da cama de Aristides, que se encontrava de bruços, com o rosto voltado para a parede. Olavo subiu numa cadeira, colocada no meio do quarto e cobriu-se com um lençol branco, deixando apenas uma das mãos livres. Com ela, arremessou um travesseiro na direção da cabeça de Aristides, que acordou atordoado ao ouvir, em seguida, o grito do irmão.

Aristides e Olavo conviveram com histórias e brincadeiras desse tipo durante quase toda a infância, até o dia em que Aristides cortou uma das meias prediletas do pai, colocadas, por engano, no armário de Olavo.

- Foi o fantasma que comeu, papai.

- Que estupidez é essa moleque?

Aristides recebeu varadas de bambu e ficou de castigo uma semana. Nada de bola ou brincadeira na rua. Só voltou a pensar no mundo dos mortos lá pelos dezessete anos, quando tio Higino lhe deu de presente a Rolleiflex. Desde criança, Aristides fantasiava invenções engenhosas; certa vez sonhou criar uma máquina para fotografar fantasmas. Agora, com a câmera na mão, voltou a pensar no assunto. Não tinha convicção se existia vida após a morte, mas gastou mais de um ano em visitas freqüentes a cemitérios - de dia e de noite - na tentativa de flagrar algum fantasma errante. Depois do resultado previsível, Aristides encontrou o que buscava nos velórios da família.

Desabafo .

Introspectivo, tio Aristides, solteirão não tão convicto, mas sozinho por força das circunstâncias – tentou duas vezes, no entanto não conseguiu compartilhar o mesmo teto com outra pessoa -, convivia pouco com os familiares. Consumia o tempo entre o serviço público e a fotografia. Aposentado, passou a se dedicar mais a este ofício e aos poucos, porém fiéis amigos, com quem dividia as angústias numa cantina italiana perto de casa.

Nos últimos anos, Aristides passava algumas horas diárias em conversas existenciais com o Roberto, amigo trinta anos mais novo, conhecido, curiosamente, num cemitério. Enquanto fotografava mais um velório da família, Roberto acompanhava, a meia distância, os movimentos de Aristides, até resolver se aproximar.

- O senhor trabalha em algum jornal?

- Não. Por quê?

- Fotógrafo só aparece em cemitério quando é enterro de gente importante... pra sair no jornal.

- Os enterros na minha família são sempre importantes.

- Desculpa. Não foi isso que quis dizer... Meu nome é Roberto, sou jornalista.

Roberto ficou fascinado com a história de Aristides e, aos poucos, ganhou a confiança do amigo. Assim que deixava a redação do jornal no início da noite, passava na casa de Aristides, no bairro Floresta. Quando conheceu, pela primeira vez, o acervo de fotos, ficou impressionado com a diversidade de imagens. Roberto passou a admirar Aristides e a maneira inusitada de o amigo estar próximo dos parentes. Certa ocasião, Roberto quis saber quem era a moça bonita de cabelos pretos, olhos escuros e calça boca de sino.

- É minha irmã Teresa – disse Aristides, que selecionou outras vinte e cinco fotos que batera dela no correr dos anos.

Instigado pelos inúmeros retratos de Teresa, Roberto colocou as imagens lado a lado e constatou como o tempo escapou das garras daquela mulher, hoje de cabelos grisalhos, pés de galinha, rugas e óculos, porém com o mesmo sorriso cativante. As roupas denunciavam, ao mesmo tempo, uma moda fugaz e cíclica. O jornalista percebeu que o amigo era fonte de boas histórias, no entanto Aristides era avesso à notoriedade. “Depois que eu morrer você conta o que quiser”. Os encontros cada vez mais freqüentes terminavam na mesa da cantina, onde, naquela noite, foi comemorado o aniversário de setenta anos de Aristides entre meia dúzia de amigos.

Roberto reparou que Aristides bebia mais que o normal. Sabia que aquela cerveja era para aliviar um outro tipo de sede, uma singular aventura para tentar congelar o tempo e dispersar o futuro, carregado de esperança quando distante, porém retraído, indiferente e desiludido ao se aproximar do presente. Depois do quinto copo, uma câmara escura dentro de Aristides parecia ampliar um difuso estado de felicidade, revelado em sinceros sorrisos compartilhados com os amigos.

Do outro lado da mesa, o jornalista focava uma íntima preocupação. No dia anterior àquela comemoração, Roberto percebera, ao visitar Aristides, o cenho pesado e o abatimento do amigo, mais introspectivo que o habitual. Aristides acabara de remexer papéis e fotos. Os retratos dos parentes mortos preenchiam quase a metade do acervo. “O tempo passa, a fila diminui e a nossa vez vai chegando”. Pela primeira vez se deu conta de que o fantasma, em pouco tempo, seria ele mesmo. O desabafo de Aristides deixou Roberto pensativo.

- Quem vai continuar a fotografar depois que eu morrer?

Na manhã seguinte ao aniversário, Aristides foi encontrado estirado na porta de casa, distante deste mundo. Os amigos se sentiram culpados, acharam que a morte fora provocada pela bebida. Aristides morreu mesmo foi do coração, um ataque fulminante, disse o médico da família. Para homenagear o amigo, Roberto publicou, um dia depois, uma reportagem especial sobre Aristides. Jornalistas de outros veículos, estudiosos e colecionadores se interessaram não só pela história de Aristides como pelo destino das fotografias.

O jornalista, porém, respeitou a última vontade do amigo, já que nenhum familiar se habilitou a perpetuar o ofício. “Todo velório exige um enterro”, dizia Aristides. As fotos dos parentes mortos, já velados e enterrados, foram entregues aos familiares. O restante cumpriu o destino desejado por Aristides. “Não quero velas nem flores no meu enterro, cubra o meu corpo somente com os retratos de quem estiver vivo para eu me lembrar dos que ficaram”.

Fonte:
http://triplov.com/contos/adriano_macedo/

terça-feira, 4 de março de 2008

Dorothy Jansson Moretti (Trovas ao Vento)


Tecendo trovas ao vento
nascidas do coração,
num pouco de luz e alento,
Eu disfarço a solidão.
***
Que bela seria a vida
se, acima de ódios mortais,
uma ponte fosse erguida
unindo margens rivais!
***
Ora eloqüente, ora mudo,
teu olhar é uma charada:
promessa sutil de tudo,
no fútil revés de um Nada.
***
Somos tão bem afinados,
que, em termos gramatical,
podíamos ser chamados
"encontro consonantal"!
***
Meus pobres sonhos, tão fracos,
a vida em escombros fez,
mas, teimosa, eu junto os cacos...
e eis-me sonhando outra vez!
***
"Para sempre!" Será mesmo?
Não importa a duração;
é promessa feita a esmo,
mas aquece o coração.
***
A lua, em passo indeciso,
muda o andante da sonata,
pondo pausas de improviso
nas pentagramas de prata.
***
Em bando sutil, as garças,
pontilhando o lamaçal,
são quais pérolas esparsas,
adornando o pantanal.
***
A brisa afasta a cortina,
e uma nesga de luar,
fugindo à fria neblina,
vem aos meus pés se abrigar.
***
Chá da tarde, requintado...
Mas, em teus gestos, servindo...
Com jeitinho e com agrado
Tu me descartas, sorrindo
***
Os erros que fiz na vida
Quero apagar sem alarde
Mas, a consciência revida
E, aos brados, me diz: é tarde!
***
Em cada tarde a cair,
Vejo a vida em agonia,
Aos poucos se despedir
Na morte de mais um dia.
***
Eu me faço de blindado
Amor? Bobagem... Pieguice...
Meu medo é que, apaixonado
Eu me envolva na tolice.
***
O amor ao término da vida
Deixa na pauta apagada
Uma só nota sentida
Canto do cisne, mais nada.
***
A existência é definida
Não por azar, mas por sorte
Quanto mais cheios da vida
Mais perto estamos da morte.
***
Do coveiro, a noiva, rente
É tão magra o estrupício
Que ele diz, literalmente:
Casei com os ossos do ofício.
***
Na taça de cada dia,
a transbordar de amargura,
cai um pingo de alegria,
e o fel se torna doçura.
***
Do que agitou nossas almas
restam sonhos calcinados,
cingindo as crateras calmas
de dois vulcões apagados.
***
Nossa terra e a terra lusa,
Na doce língua que as liga,
São cordas nas mãos da musa,
Cantando a mesma cantiga.
***
O alto-falante anunciava
a valsa de um "querer-bem",
e o parque inteiro aguardava
ouvir seu nome, também.
***

(Centenário de Mário Quintana)
Marotinho, molecote
Irriquieto e turbulento
Parece um mini Quixote
Perseguindo um cata-vento.
***
Trem-de-ferro, o teu apito
lembra-me um sino plangente:
tanta mágoa no seu grito,
Tanta saudade na gente!
***

Trovas Infantis

Por que é que eu te chamo, Nei,
de 'porquinho' ... faz favor?
É que ainda eu não cheguei
ao tamanho do senhor...
***
"Que tanto estudas, Leal?"
"Geografia, Seu Garcês."
"Humm... e onde está Portugal?"
"Na página cento e três."
***
"Ao céu vai o bem dotado.
E o criminoso aonde vai?"
Diz o filho do advogado:
"Não sei... isso é com meu pai..."
***
"O canivete, meu bem",
diz ao garoto o vizinho,
"é teu! Vai ver o que tem
dentro do teu tamborzinho!"
***
Pancada de chave inglesa
amontoou o Garcês,
que para a própria surpresa,
acordou falando inglês!
***
Guri do boné virado,
estilingue... palavrão...,
hoje, vigário ordenado:
- Pax vobiscum, meu irmão!
***
"Vovô, feche os olhos já!
Vi papai dizendo à Guida
que quando você fechá,
vamo ficá bem de vida!"

Fontes:
Ruy Albuquerque. Chá da Tarde com Dorothy . 16 agosto 2006
http://www.bomdiasorocaba.com.br/

José Ouverney. Trovas de todos os recantos.
http://www.falandodetrova.com.br/

http://sorocult.com/el/talentos/djm.htm

Folclore Brasileiro (Sertão do Boi Santo)

Vindo de Juazeiro, apareceu pelos sertões o beato Zebedeu. Preto, alto, muito esperto, conduzia um boi, tendo atrás penitentes, retirantes, mulheres e crianças.

O boi era zebu e estava enfeitado de fitas e flores.

Excitado e majestoso, igual a um Moisés caboclo, conduzindo seu povo, o beato preto avançava pelas caatingas, tangendo com sua vara santa o boi santo, já de fama afamado.

Ao subir encostas, Zebedeu fazia parar seu bando, deitando falação ao povo:

-Foi num tempo de seca barba; o verdor dos pastos havia desaparecido e eu fui dar a esse boi uma ração roubada dos pastos de meu padrinho Padre Cícero. Roubei o capim porque via que o meu boi sofria, mascando a língua com fome. Corri para furtar um capim mais mimoso, daqueles que só os veados comem, na manga particular do meu padrinho, a única, que nesse tempo tinha capim verde. De noite peguei um feixe e quando na manhã seguinte fui oferecer a ração ao boi, ele a recusou, batendo os cascos e balançando a cabeça. Parecia dizer que não comia capim roubado, ainda mais sendo dos pastos do seu dono. Desde então eu nas virtudes milagreiras desse boi acreditei...

Entusiasmado, continuava:

-Houve outra e desta feita, o meu boi santo mostrou que era mesmo de natureza casta e abençoada. Botei ele no pasto pra cobrir a vaca Mordaça, de raça, que era pra se tirar um bom cruzamento. Pois o boi, solto no pasto, recusou no cheiro e no curral, a cobertura dessa vaca. Desde aí acreditei nele, acreditando que meu boi santo, chamado Mansinho, como então o batizei, não nascera pra safadeza de pasto. Era um boi de manjedoura santa, mugindo a comer flores, ouvindo os lamentos dos meus penitentes.

Apressa-se logo, explicando:

- Não que esse boi seja castrado; ele é inteiro, conforme os irmãos podem olhar pra seus bagos caídos, todos enfeitados de rosas vermelhas, escolhidas pelas minhas beatas, dentre as quais se destaca a Maria Urubu, sempre abraçada com um urubu-rei, de cabeça vermelha. Ela ajuda no preparo do altar sagrado, mudando flores, a enfeitar os bagos do animal com rosas vermelhas.

Mais adiante o bando, por entre serras, descobriu uma chapada, onde baixou. Inspirado, o beato Zebedeu botou profecia:

-Aqui será minha morada. Riacho do Sangue será meu nome. Aqui correrá muito sangue, de inocente e pecador, tudo nas misturas. Quando vires o sol escuro, amole a faca para comer do couro do boi do futuro.

No alto, falando por entre tochas acesas que seus penitentes acendiam, já que a noite baixava pelas quebradas, Zebedeu, iluminado, atroava:

"Intentos grandes haverão, porém, na era de 1922, antes e depois, verás coisas mil no mês mais vizinho de abril. Quando vires o sol escuro, amola a faca pra comeres do couro do boi do futuro. Que o Século Vinte verá rebanhos de vinte mil, sob o comando do meu padim Padre Cícero, que me mandou na frente pra pregar o verbo Divino. Aqui ficarei, trazendo meu povo-camelo pro Egito, pras as Babilônias das necessidades. Tudo há de acontecer, arder e depois florescer, porque Deus quer e eu sei por ser assim que está escrito."

Assim a fama desse beato negro, Chamado Zebedeu com seu boi santo Mansinho espalhou-se pelos sertões de quatro Estados. Vieram mil romeiros, conduzindo cabras, jumentos, criações de pequena monta. Todos atrás dos milagres propagados. Colocaram o boi numa manjedoura, passando a adorá-lo como a um santo. O excremento do boi era vendido e dos seus chifres eram tirados lascas para se fazer chá. Do excremento do boi o povo dizia:

- É remédio divino, remédio que cura ligeiro.

Da sua urina, porções eram guardadas em garrafas, relíquia de valor, pela qual as mulheres brigavam, pedindo as garrafadas pelo "Santo Amor".

Improvisaram-se cantorias e, de longe, vieram famosos violeiros, que em versos famosos, cantaram o beato e o boi, sua aparição e seu encantamento no sertão.


EXALTAÇÃO DO BOI

Do Boi só não se aproveita o "berro" e embora tenha sido de vital importância, no período colonial, a criação de gado era considerada uma atividade secundária.

Mas, para os que viviam no sertão, a vida era muito difícil. Abundância mesmo só de carne e leite, fornecida pelo rebanho. O vaqueiro dessa época viveu a "Era do Boi", pois dele tudo era feito. Era de couro tudo o que os cercava: a porta das cabanas, leitos, cordas, cantil, alforje, mochila, bainhas de faca e até as roupas com que enfrentavam a caatinga.

Portanto, nada mais justo de considerar o boi um animal sagrado. O Pseudo-Dionísio Aeropagita resumiu bem o simbolismo místico do boi:

"A figura do boi marca a força e o poder, o poder de rasgar sulcos intelectuais para receber as chuvas fecundas do céu, ao passo que os chifres simbolizam a força conservadora e invencível".

Os chifres tem sentido de eminência ou elevação, e evoca a inviolabilidade, o origem divina e espiritual, oposta ao poder temporal. O chifre é ainda, sinal de comunicação com forças naturais ou superiores; se os artistas da Idade Média representavam os heróis ou os personagens bíblicos com chifres, não era para indicar alguma natureza diabólica, mas para mostrar sua comunicação direta com as forças divinas.

O boi no Brasil foi a alma engenhos e o folclore brasileiro é enriquecido com sua presença. São muitas as festas de exaltação ao boi: Bumba-meu-boi, Boi-Bumbá, etc. O bumba-meu-boi é um auto popular que gira em torno da morte e da ressurreição do boi. Junta-se ao bumba-meu-boi o batuque e outras brincadeiras.

Mas o boi brasileiro tem muitos sotaques, estilos e variedades. Tem o boi de zabumba, de matraca, de orquestra, de barrica, da ilha, de Pindaré, de Baixada. Todos Maravilhosos!

Aqui o boi freqüenta o natal, o carnaval e outros festejos com o seu animado cotejo, suas orquestras e toadas, reafirmando a força da cultura e da arte popular.

Fonte:
http://www.rosanevolpatto.trd.br/

segunda-feira, 3 de março de 2008

Paulo Tortello (1952 - 2000)

Nascido em Sorocaba, no dia 02 de julho de 1952, Paulo Fernando Nóbrega Tortello ou simplesmente Paulo Tortello, era o primeiro dos cinco filhos do também professor João Tortello e de Maria Helena Nóbrega Tortello, sempre teve a língua portuguesa como uma paixão.

Consultando alguns arquivos como o livro “Nossa Arte à Meia Luz” (1996) de Werinton Kermes, temos os seguintes dados:

Paulo Tortello: Poeta, apaixonado pela língua portuguesa. Formado em Letras e em Ciências Sociais, foi professor desde 1979, tendo lecionado e organizado cursos de Português e Redação em varias escolas e instituições da cidade, região e capital. Membro-fundador da Academia Sorocabana de Letras e membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba.

Um dos fundadores da Academia Sorocabana de Letras (ASL), da qual era sócio emérito, Tortello, comenta o presidente da entidade Geraldo Bonadio, "transitava com desenvoltura por todos os estilos literários".

- Traduziu o livro “Esquemas para a Interpretação da Realidade”, de Gregório Uriarte, 1986, livro que é autor da quarta parte (sobre o Brasil).

- Primeiro lugar na Bienal do Livro de 1984, com a monografia sobre o tema ”O Livro na Sociedade Competitiva”. Prêmio Alceu Amororso Lima, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.

- Monitor de Língua Portuguesa da SEC. Coordenador do Projeto “Poesia em Debate”, da Biblioteca Municipal de Sorocaba. Primeiro lugar no concurso literário da UNISO/93, entre outros.

- Tortello foi cronista do jornal Diário de Sorocaba. Dedicou-se ao ensino da língua portuguesa e apresentou na rádio Jovem Pan o quadro "A língua ao pé da letra", em que respondia dúvidas dos ouvintes a respeito do tema. No Cruzeiro do Sul escrevia a coluna semanal "Língua Portuguesa", aos domingos, no caderno Mais Cruzeiro.

- Tortello foi sociólogo, fato citado pelo amigo José Carlos de Campos Sobrinho, na homenagem póstuma feita em outubro/2000 no SENAC – Sorocaba:

... aconteceu um episódio curioso do qual eu participei. Um dia, ele me telefona à tarde - é o seguinte, vem comigo que hoje à noite nós vamos ter de receber uma pessoa que está chegando do Chile, um intelectual, um político que está querendo começar a fazer política após o período de exílio. Era na época do governo Figueiredo. E falei - vai, que beleza, quem era? Uma pessoa que você deve conhecer – o Professor Fernando Henrique Cardoso.

E a noite, eu e o Paulo recebemos o Professor, isto em 1977, logo em seguida foi candidato a Deputado, Senador, Governador e depois Presidente da República. Foi muito curioso”.

Paulo Tortello era marxista, não apenas no aspecto filosófico, era comunista e também cidadão dos mais revolucionários, isto nos anos 70.

Entrevistado por Marcelo Boraczynski, em junho de 2000, Tortello definiu o “Poesia em Debate” da seguinte forma:

...ele (Poesia em Debate) foi elaborado tendo em vista a reunião de quatro ou seis pessoas, no máximo, para fazermos uma orientação aos que pretendiam mostrar seus poemas ao público. Mas, hoje é um projeto que visa atingir o maior número de pessoas, indiferenciadamente, da comunidade e mesmo cidades próximas a Sorocaba.”

Questionado sobre o público do Poesia em Debate : ” São poetas profissionais ou amadores?” e Tortello respondeu: “ O Poesia em Debate visa atingir os poetas que podemos dizer amadores. São iniciantes em sua grande maioria, embora o projeto reúna também alguns escritores que já vem desenvolvendo seu trabalho há algum tempo.

Questionado sobre a Lingua Portuguesa, Tortello diz: "fechar os olhos à contribuição lingüística é querer negar as evidências históricas de qualquer idioma; já, por outro lado, expor a Língua à descaracterização indiscriminada é abrir-se imprudentemente à mais abjeta das dominações – que é a da cultura (porque é completa). Erram por isso os que pretendem impor decretos e regulamentos à expressão livre que mora na boca dos falantes de uma língua. Erram e em vão laboram. A língua vive da fala. Erram, não menos, os que pretendem ver nos esforços de preservação de nossa identidade cultural – consubstanciada, "in totum", em nosso idioma – o ranço do xenofobismo e até a excrescência da censura. Não ser xenófobo não implica ser xenófilo, vale dizer: não é por não ter horror à contribuição estrangeira que devo prostar-me perante o modo de falar dos poderosos, mais ainda se se trata de poderosos estrangeiros. Nem é censurar traduzir à linguagem que usamos falar palavras e expressões que nos venham de fora – de modo a adaptá-las às tradições de nossa história e ao desenvolvimento de nossa cultura. Creio ser obrigação dos brasileiros. Creio ser obrigação dos brasileiros – mais- um direito! O expressar-mo-nos em Português".

"Sua morte representa a perda de um dos maiores estudiosos locais de questões relativas à língua portuguesa", destacou Bonadio. Tortello trabalhou durante anos como redator de "O São Paulo", órgão informativo oficial da arquidiocese de São Paulo. Na época, cursava Ciências Sociais e se reportava diretamente ao cardeal Dom Paulo Evaristo Arns.

No começo da década de 90, o escritor ainda organizou dois volumes da coleção "O Pensamento Vivo de..", editado pela Martin Claret. Produziu os textos introdutórios com dados biográficos, cronológicos e a interpretação das obras de Marx e Lenin.

Após a morte de Paulo Tortello, foram feitas duas homenagens póstumas, sendo a primeira no SENAC e a segunda na UNISO. No funeral, D. Maria Nóbrega pede ao Marcelo: ”Não deixe o projeto do meu filho morrer”. No que Marcelo responde: ”Enquanto eu estiver vivo e morando em Sorocaba, não deixarei o Poesia em Debate morrer”. Promessa feita em 24 de setembro de 2000...Cumprida até hoje!

Fato que resultou na fundação do Instituto Literário Paulo Tortello – Poesia em Debate, em 05 de maio de 2005.

Fontes:
http://www.sorocult.com/
http://www.partes.com.br/
http://www.educlique.com.br/

Paulo Tortello (Poesias: Sonetinho Ridículo - Sonetilho todo teu)

SONETINHO RIDÍCULO

Eu te odeio, meu amor,
eu não gosto de você.
Pois, então, faça um favor:
se me esquece, sivuplê.

Eu odeio o meu amor
que eu não sinto por você.
Por isto eu não sinto dor:
eu nem ligo, pode crer.

Não é verdade que eu ame
quem não liga para mim.
Por isso, melhor não chame:

quer dizer... me chame, sim:
vou dizer que eu não te amo.
Se não me chamar eu chamo...

SONETILHO TODO TEU

Você está em tudo
que eu quero esquecer;
tudo está em você,
você é meu tudo.

Choro por escrito
sua ausência intensa
de presenças densa,
imenso infinito.

E declaro, imune
(que o Amor perdoa),
que eu não sofro à toa:

quem amou assume
sempre estar presente,
mesmo estando ausente.
Fonte: