sexta-feira, 16 de maio de 2008

O Nosso Português de Cada Dia (Palavras e Expressões que Apresentam Dúvidas)

A / HÁ (em função do espaço de tempo).
A (preposição): "Ela voltará daqui a meia hora." (tempo futuro)
(verbo HAVER): "Ela saiu há dez minutos." (tempo decorrido)

A PAR / AO PAR
A par:
Significa "bem informado", "ciente"
Exemplo:
Estou a par da situação.

Ao Par:
Indica relação de equivalência ou igualdade entre valores financeiros.
Exemplo:
Algumas moedas mantêm o câmbio praticamente ao par.

AONDE / ONDE / DE ONDE.
Aonde: com verbos que indicam movimento, um destino, como o verbo IR.
Exemplos:
Aonde você vai?
Aonde você quer chegar?

Onde: com verbos que indicam permanência, como o verbo estar.
Exemplos:
Onde você está?
A casa onde moro é muito antiga.

De Onde ou Donde: com verbos que indicam procedência.
Exemplos:
De onde você saiu?
Donde você surgiu?

AS PARTÍCULAS "ATÉ" E "NEM".
"Até" é uma partícula que traz a idéia de inclusão.
Exemplo:
Até o diretor estava presente no show dos alunos.

"Nem" deve ser usado quando houver idéia de exclusão.
Exemplo:
"Nem mesmo os jornalistas credenciados puderam entrar no camarim da Madona."

BASTANTE / BASTANTES.
Esta palavra, que originalmente é um advérbio, somente varia em número (singular ou plural) quando empregada como pronome adjetivo para concordar com o substantivo que a acompanha.
Exemplos:
Os candidatos estavam bastante (advérvio) confiantes.
Aquela livraria possui bastantes (pronome) livros raros.

Bastante é palavrinha bivalente. Ora é advérbio; ora, pronome indefinido. Como advérbio, ela se mete na vida de verbos, adjetivos ou dos próprios advérbios. Fica invariável. Não quer saber de plural:
Estudei bastante.
Trabalho bastante.
Maria anda bastante.
Diana era bastante querida.
Maria é bastante crescidinha para saber distinguir entre o bom e o mau.
Depois do tombo, o garoto ficou bastante mal.

Macete: o advérbio é sempre substituível por muito. Assim, sem plural.
Estudei bastante (muito).
Diana era bastante (muito) querida.
Depois do tombo, o garoto ficou bastante (muito) mal.

Como pronome, o bastante acompanha o substantivo. E concorda com ele.
É substituível por muitos ou muitas:
Tenho bastantes (muitos) amigos.
Recebeu bastantes (muitos) foras ao longo da vida.
Teve bastantes (muitas) oportunidades na vida.

HAJA VISTO ou HAJA VISTA?
Deve-se empregar a expressão "haja vista", já que a palavra "vista", neste caso, é invariável. Haja vista significa "por causa de, devido a, uma vez que, visto que, já que, porque, tendo em vista". Compare: quando se usa a expressão "tendo em vista", ninguém diz "tendo em visto". Então, não esqueça: haja vista = tendo em vista.
Exemplos:
Haja vista o grande evento deste domingo.
Haja vista os concursos deste ano.

HUM / UM.
Em português, o numeral é "um", e não "hum". "Hum" é interjeição: palavra ou expressão usada para expressar uma reação (dor, alegria, espanto, irritação, admiração, etc).
Exemplos:
"Comprei um relógio de ouro para dar à minha namorada."
"Hum... você deve estar mesmo muito apaixonado!"
Observação: Assim também, o extenso de R$1.000,00 não é nem "um mil reais", nem "hum mil reais". É "MIL REAIS".

MAS / MAIS
Mas: indica idéia contrária.
Conjunção adversativa, equivalendo a "porém"
Ex.: Fui, mas não queria ir.

Mais:
a) Pronome:
Exemplo:
Há mais meninos do que meninas na sala.

b) Advérbio de intensidade
Exemplo:
Não fale mais!

MAL / MAU
Mal:
a) Advérbio (opõe-se a "bem")
Exemplo:
Ele agiu mal

b) Substantivo (opõe-se a "bem")
Exemplo:
Ele só pratica o mal.

c) Conjunção, indicando tempo
Exemplo:
Mal cheguei, você saiu.

Mau:
É adjetivo
Exemplo:
Quem tem medo do lobo mau?

MEIO / MEIA.
Meio: Como advérbio, modifica o adjetivo com o qual se relaciona, sendo invariável; equivale à "um tanto", "um pouco".
Exemplos:
Os alunos estavam meio cansados.
Daniela ficou meio preocupada com a sua viagem de avião.

Meio: como numeral fracionário adjetivo, sofrerá as flexões de gênero e número, concordando com o substantivo ao qual se refere e que geralmente vem depois dele.
Exemplos:
Pegue aquela meia garrafa de vinho e encha meio copo para mim.
Ela só sabe dizer meias verdades.
Nossa reunião ficou marcada para meio-dia e meia (MEIA por causa
da concordância com HORA que está implícita na expressão.)

A palavra "MEIO" pode ainda se apresentar como um substantivo, significando "MANEIRA, MODO, CAMINHO". Neste caso, ela sofrerá apenas a flexão de número, pois sempre será empregada no masculino.
Exemplos:
Acho o metrô o melhor meio de transporte de massa.
"Os fins justificam os meios." (Maquiavel)

NA MEDIDA EM QUE / À MEDIDA QUE
Na medida em que:
Equivale a "porque", "já que", "um vez que", exprimindo relação de causa.
Exemplo:
Na medida em que a prefeitura não faz nada, a população carente sofre.

À medida que:
Equivale a "à proporção que"
Exemplo:
À medida que escurecia, crescia o meu medo.

QUE / QUÊ
Que: monossílabo átono
Pode ser:
A - Pronome:(O) que você faz aqui?
B - conjunção:Pedi que ele viesse
C - partícula expletiva:Quase (que) morri de susto.

Quê: monossílabo tônico
Pode ser:
A - pronome no final da frase, antes de ponto (final, interrogação ou exclamação) ou reticências.
Você precisa de quê:
B - substantivo (= alguma coisa, certa coisa)
Ele tem um quê de especial.

POR QUE

Por que : tanto nas orações interrogativas diretas quanto nas indiretas.
Exemplos:
Por que você fez isso?
Quero saber por que você fez isso.
Por que você não foi à festa?
Gostaria de saber por que você não foi à festa.

O "QUE" pode ser ainda um pronome relativo, podendo ser substituído por "O QUAL", "A QUAL", "OS QUAIS", "AS QUAIS".
Exemplos:
A razão por que (pela qual) não fui à sua festa, você logo saberá.
"Só eu sei as esquinas por que (pelas quais) passei."
É um drama por que (pelo qual) muitos estão passando.

Observação: também quando houver a palavra "motivo" antes, depois ou subentendida.
Exemplos:
Desconheço os motivos por que (pelos quais) a viagem foi adiada.
Não sei por que motivo ele não veio.
Não sei por que (por que motivo) ele não veio.

Por quê: seguido de um sinal de pontuação forte (pontos de interrogação, de exclamação, final, reticências).
Exemplos:
Você vai sair a esta hora da noite por quê?
Ele não viajou por quê?
Se ele mentiu, eu queria saber por quê!
"Mãe, preciso de cem reais?"
"Por quê?"

PORQUE
Porque: equivale à "PORQUANTO", "POR CAUSA DE".
Exemplos:
Não saí ontem porque estava chovendo muito (causal)
Ele viajou, porque foi chamado para assinar o contrato. (explicativa)
Ele não foi porque estava doente. (causal)
Abra a janela, porque o calor está insuportável. (explicativa)
Ele deve estar em casa, porque a luz está acesa. (explicativa)

Porquê: artigos "O" ou "UM". equivale à "a razão".
Exemplos:
Não estou entendendo o porquê de tanta alegria em você hoje.
Quero saber o porquê da sua decisão.
Estamos esperando que você nos dê um porquê para tal atitude.

DICA DE PORQUE E PORQUÊ

A conjunção porque sabe das coisas. Conhece a causa de tudo. Por isso se chama causal:
Maria se atrasou porque perdeu o ônibus.
Vera Michel se internou porque quer desintoxicar-se das drogas.
A Encol foi pro beleléu porque tinha administração pouco profissional.

Quando a gente faz uma pergunta começada com por que, a resposta pede sempre uma causa. A conjunção porque responde na bucha:
Por que precisamos beber muita água?
Porque a umidade do ar está baixa.

PORQUÊ


Quando usar porquê? Só se a palavrinha for substantivo. Aí significa causa. Tem plural. E geralmente vem acompanhada de artigo, numeral ou pronome.
Não sei o porquê da decisão da juíza.
Há muitos porquês sem resposta.
Ficou intrigado com dois porquês.

Fonte:
Apostila da Caixa Econômica Federal. Instituo Padre Reus, 2004.

Graça Maria Fragoso (Biblioteca na Escola)

São muitas, mas invariavelmente distorcidas, as visões que se costuma ter de uma biblioteca. Ora é lugar sagrado, onde se guardam objetos também sagrado, para desfrute de alguns eleitos. Ora, sob uma ótica menos romântica, é apenas uma instituição burocratizada, que serve para consulta e pesquisa, assim como para armazenar bolor, cupins e traças. Para muito poucos, aqueles que a freqüentam assiduamente, ela constitui o local do encontro com o prazer de ler, conhecer, informar-se.

O fato é que, quando se trata de Brasil, a maioria das pessoas desconhece o verdadeiro papel de uma biblioteca em suas vidas e, portanto, na vida da comunidade. E esta afirmação se aplica tanto aos usuários potenciais quanto àqueles que de um modo ou outro têm responsabilidade pelo seu funcionamento. Como, por exemplo, as escolas. Por inúmeras razões, as bibliotecas escolares brasileiras estão ainda longe de cumprir sua importantíssima função no sistema educacional. Poucas instituições dispõem dos recursos e da visão necessários (duas condições que nem sempre andam juntas...) para manter uma biblioteca digna desse nome. E raros são os profissionais empenhados em prestar serviços que realmente dêem suporte ao aprendizado e à vida cultural da escola.

ZELO e RABUGICE

Neste século, as mudanças têm sido profundas e muito mais velozes, em relação ao ritmo de desenvolvimento da vida humana na Terra até cem anos atrás. Os meios de comunicação se aperfeiçoaram e continuam a se transformar numa progressão cada vez mais vertiginosa, já que, em matéria de tecnologia, o novo torna-se obsoleto praticamente a toda hora. No terreno da leitura, os CD-ROM - ou "livros audiovisuais", se assim se pode defini-los - parecem ameaçar o futuro do livro convencional.

No Brasil - como, de resto, em todo o chamado "Terceiro Mundo" - a questão não é apenas o quê se lê atualmente, mas quantos estão lendo. A pouca leitura pode ser efeito da concorrência com outros meios de comunicação, porém, entre nós, ela é principalmente o reflexo de um sistema educacional que há várias décadas vem se deteriorando. Por isso costumamos dizer que a invenção da imprensa gerou um número quase ilimitado de leitores: sem planos e ações educacionais solidamente estruturados, ainda que se façam grandes esforços para reduzir o analfabetismo - e, no caso brasileiro, com resultado -, ainda assim não se cria uma população leitora. E nem, é óbvio, cidadãos conscientes e atuantes.

Conseqüência direta ou indireta desse quadro, na grande maioria das escolas brasileiras, quando há bibliotecas, prevalece um sistema arcaico de utilização e aproveitamento do acervo e não apenas por indigência material.

Mesmo aquelas que podem se dar o luxo de algum aparato tecnológico e de práticas mais modernas relutam em investir nos recursos humanos, deixando que alguns velhos cacoetes culturais perdurem. Por exemplo, o de improvisar um guardião que terá como missão, de fato, guardar o geralmente precário material bibliográfico. E o fará, geralmente também, com um zelo e uma rabugice de burocrata. Os leitores da assim chamada biblioteca - crianças e adolescentes, em sua maioria - irão freqüentá-la com igual despreparo e desinteresse, subutilizando sempre os possíveis recursos. E o contato prazeroso com a leitura - já de si tão problemático nestes tempos de cultura visual -, este sim, passa por metamorfose definitiva: ler se torna mais um entre os deveres escolares.

DE NORTE A SUL

A situação da biblioteca escolar no Brasil é reflexo do contexto em que ela tem existência, qual seja, o da educação. Portanto, não é grande surpresa a dificuldade em se obterem dados atualizados sobre essa situação - quantas escolas possuem bibliotecas, o porte de seus acervos, quais têm profissionais especializados em seu comando e daí por diante. Assim, para se ter uma visão panorâmica do quadro, vamos recorrer aqui a informações de 1987, reunidas numa ampla reportagem da revista Escola.

"De norte a sul do País", constata o artigo, "as escolas enfrentam inúmeras dificuldades para organizar uma biblioteca, manter - mesmo precariamente - as que existem ou ainda para tentar integrá-las no processo educacional.”.

Com isso, os 25 milhões de alunos do 1º grau (à época, 18 % da população brasileira) ficavam privados de material de pesquisa, leitura e de outras fontes de informação além do próprio professor e do material didático. Em última análise, então como agora, os estudantes sem acesso a uma biblioteca em sua própria escola correm mais o risco de ficar à margem de um ensino democratizado.

Como não existe um órgão nacional que cuide especificamente de bibliotecas escolares, as questões relativas a elas têm que ser administradas pelas secretarias estaduais e municipais de educação. E mesmo estas não dispõem, em sua maioria, de dados precisos e atuais sobre a situação das bibliotecas escolares.

AS DUAS FUNÇÕES

Embora tão marginalizada de nosso sistema educacional, a biblioteca escolar, tem funções fundamentais a desempenhar e que podem ser agrupadas em duas categorias - a educativa e a cultural.

Na função educativa, ela representa um reforço à ação do aluno e do professor. Quanto ao primeiro, desenvolvendo habilidades de estudo independente, agindo como instrumento de auto-educação, motivando a uma busca do conhecimento, incrementando o gosto pela leitura e ainda auxiliando na formação de hábitos e atitudes de manuseio, consulta e utilização do livro, da biblioteca e da informação. Quanto à atuação do educador e da instituição, a biblioteca complementa as informações básicas e oferece seus recursos e serviços à comunidade escolar de maneira a atender as necessidades do planejamento curricular.

Em sua função cultural, a biblioteca de uma escola torna-se complemento da educação formal, ao oferecer múltiplas possibilidades de leitura e, com isso, levar os alunos a ampliar seus conhecimentos e suas idéias acerca do mundo. Pode contribuir para a formação de uma atitude positiva, prazerosa frente à leitura e, em certa medida, participar das ações da comunidade escolar, servindo-lhes de suporte.

Nessas funções, por assim dizer, "ideais" de uma biblioteca escolar, estariam implícitos seus objetivos como instituição, que relacionamos a seguir:

- cooperar com o currículo da escola no atendimento às necessidades dos alunos, dos professores e dos demais elementos da comunidade escolar;

- estimular e orientar a comunidade escolar em suas consultas e leituras, favorecendo o desenvolvimento da capacidade de selecionar e avaliar;

- incentivar os educandos a pensar de forma crítica, reflexiva, analítica e criadora, orientados por equipes inter-relacionadas (educadores + bibliotecários);

- proporcionar aos leitores materiais diversos e serviços bibliotecários adequados ao seu aperfeiçoamento e desenvolvimento individual e coletivo;

- promover a interação professor-bibliotecário-aluno, facilitando o processo ensino-aprendizagem;

- oferecer um mecanismo para a democratização da educação, permitindo o acesso de um maior número de crianças e jovens a materiais educativos e, através disso, dar oportunidade ao desenvolvimento de cada aluno a partir de suas atitudes individuais;

- contribuir para que o educador amplie sua percepção dos problemas educacionais, oferecendo-lhe informações que o ajudem a tomar decisões no sentido de solucioná-los, tendo como ponto de partida valores éticos e cidadãos.

DE GUARDIÃO A MEDIADOR

De nada serviria uma bela biblioteca escolar, com espaço físico e acervo suficientes às necessidades do estabelecimento de ensino se, para exercer as funções e cumprir seus objetivos, não estiver em seu comando um profissional consciente, com sensibilidade e habilitações básicas para manter esse espaço de cultura e informação bem azeitado e atraente.

Entre as habilitações se incluem, claro, aqueles conhecimentos técnicos essenciais de organização do acervo, bem como dos mecanismos cotidianos para utilizá-lo - empréstimos e devoluções, dentre outros. É verdade que a maior parte das bibliotecas escolares brasileiras não conta com o bibliotecário a sua frente. Uma série de motivos podem ser apontados como causas desta situação.

Para atuar como bibliotecário escolar, o profissional deve ter noções mínimas de seu papel. Deve saber, por exemplo, que lhe compete oferecer oportunidades, materiais e atividades específicas, visando despertar o interesse da comunidade escolar pela biblioteca para, a partir daí, poder trabalhar no desenvolvimento da leitura.

A promoção de certas atividades - só requer um pouco de inventividade e gosto por parte do bibliotecário. Um exemplo: ao narrar histórias para crianças das primeiras séries, ele poderá abrir caminho à aquisição do hábito de ler. Neste ponto, é oportuna uma observação: quando falamos em hábito de ler, não nos referimos a uma atitude mecânica e obrigatória como, por exemplo, escovar dentes; estamos falando, sim, daquela "compulsão" de procurar e saborear determinado livro ou texto, daquela necessidade tão natural que se pode compará-la à de um gourmet que habitualmente antegoza e depois frui um belo prato.

Ler poemas, para despertar emoções e sentidos; realizar exposições, entrevistas; promover a leitura de textos teatrais; oferecer atividades em diversos campos da arte, como a mímica, a dramatização, a pintura; eis algumas das ações que bibliotecários escolares podem e devem empreender no recinto da biblioteca ou fora dela, mas sempre em consonância com o currículo e coadjuvando o trabalho do corpo docente.

Em síntese, sua grande tarefa é tornar a biblioteca da escola um lugar agradável, dinâmico, onde prevaleça um clima de harmonia entre ele e o público, seja qual for a faixa etária ou a posição deste na hierarquia da escola. No Brasil, a principal barreira a ser vencida nesse convívio parece ser a que tacitamente se ergue entre o educador e o bibliotecário. Este, por nem sempre estar bem entrosado com os problemas educacionais, costuma fechar-se em seus "domínios", tornando-se apenas mero entregador de livros.

O professor, por não saber desenvolver, na maioria dos casos, outro tipo de aula que não o discursivo, acha que prescinde do bibliotecário e não o procura. E assim se têm perdido ótimas oportunidades de um trabalho entrosado que propiciaria a aprendizagem baseada na indagação e na busca de conhecimentos mais amplos.

Apresentamos, a título de resumo, um rol das principais funções e atribuições que deveriam fazer parte do cotidiano do bibliotecário escolar:

- participar ativamente do processo educacional, planejando junto ao quadro pedagógico as atividades curriculares. E isso deve ser feito para todas as disciplinas, acompanhando o desenvolvimento do programa, colocando à disposição das comunidades escolar materiais que complementem a informação transmitida em classe;

- fazer da biblioteca um local prazeroso, descontraído, de modo a que os se sintam atraídos por ela;

- estimular os alunos, através de atividades simples, desde o maternal, a desenvolverem o "gostar de ler";

- proporcionar informações básicas que permitam ao aluno formular juízos inteligentes na vida cotidiana;

- oferecer elementos que promovam a apreciação literária, a avaliação estética e ética, tanto quanto o conhecimento dos fatos;

- favorecer o contato entre alunos de idades diversas.

O que se pretende, com tal comportamento profissional, é fazer com que a biblioteca escolar seja o agente de transformação do ensino, na medida em que provoque mudanças pedagógicas na escola. Isso, certamente, enquanto nossas instituições de ensino não atingem aquela sonhada maturidade, em que transformar seja apenas sinônimo de progredir e elas possam simplesmente exercer sua função primordial de formar.

Fonte:
Publicado em 1999.
http://www.bibvirt.futuro.usp.br/

Ryunosuke Akutagawa (O Nariz)

Na cidade de Ike-no-O não há quem não conheça o nariz de Naigu Zenti. É realmente um respeitável nariz com uns quinze centímetros de comprimento, e que se esparrama pelo lábio superior até alcançar o queixo. É um formato único, grosso, desde a raiz até a extremidade final; uma espécie de salsicha incrustada bem no meio do rosto.

Naigu é hoje um homem com mais de cinqüenta anos, e ocupa um dos mais elevados postos dentro da igreja budista. Porém, desde o tempo de noviço, a sua maior preocupação sempre foi o tamanho do nariz. É evidente que Naigu tentava aparentar a maior das indiferenças pelo assunto. Aliás, preocupações nesta natureza eram incompatíveis com o espírito de um sacerdote que aspira ao nirvana; seria muito desagradável se os outros reparassem que seus pensamentos mais íntimos eram monopolizados pela enormidade do seu nariz. O grande terror de Naigu consistia, portanto, no acidental surgimento da palavra nariz durante os bate-papos cotidianos.

E, convenhamos, havia realmente motivos para Naigu ficar atrapalhado com seu nariz. Era um apêndice demasiadamente comprido e, por isso mesmo, muito incômodo. Principalmente na hora das refeições. Quando abria a boca para engolir alguns grãos de arroz, a inconveniente ponta do nariz ficava, lá embaixo, fossando o fundo da tigela. Naigu via-se, assim, coagido a pedir a um dos seus discípulos que se sentasse no outro lado da bandeja para, com uma tábua de três centímetros de largura e setenta de comprimento, lhe suspender o nariz. Porém, comer dessa maneira era uma situação tão difícil para Naigu, quanto para o discípulo que cansava o braço para manter o celebrado nariz esplendidamente arrebitado. Contava-se mesmo em Kioto que um dia, um noviço ao substituir o já bem treinado discípulo, dera um espirro, tremera a mão, deixando dessa forma cair quinze cm de nariz dentro da sopa.

Mas, se exteriormente Naigu apenas se aborrecia com os contratempos provocados pelo gigantesco apêndice, no íntimo sofria a sua vaidade ferida.

Os habitantes de Ike-no-O comentavam que era uma felicidade para Naigu não ser homem profano. Porque – pensavam todos – mulher alguma estaria disposta a ser sua esposa. Existia, porém, toda uma fauna de maliciosos que argumentava ser precisamente o nariz de Naigu a causa do sucesso de sua carreira sacerdotal. Contudo, a verdade era outra. Apesar de bonzo, Naigu nunca deixara de preocupar-se com o nariz. Tinha uma sensibilidade tão a flor da pele, que o amargurava atrozmente saber que, caso lho permitissem as leis sacerdotais, mulher alguma seria, voluntariamente, sua esposa.

Naigu tentou, então, por todos os meios, disfarçar a presença inevitável do seu nariz. A primeira tentativa consistiu em encurtar, por um doloroso esforço de imaginação, a desastrosa lingüiça nasal. Depois de verificar a ausência de qualquer curioso, sentava-se diante do espelho e contemplava-se segundo os mais diversos ângulos e posições. Colocava o rosto entre as mãos; encostava o dedo no queixo. Mas, apesar de todo esse ritual em honra da vaidade ofendida, jamais conseguiu ver diminuir o tamanho do nariz. Por vezes, tinha mesmo a impressão que, quanto mais se esforçava, mais comprido ficava. Então, Naigu suspirava, desanimado, guardava o espelho no estojo e, mais amargurado do que nunca, voltava à escrivaninha para prosseguir a leitura do Livro de Kwannon.

E já que “nariz” era a sua preocupação máxima, Naigu preocupava-se também com o nariz dos outros. O templo era um importante centro religioso, onde se realizavam freqüentes reuniões da Ordem. No templo, havia inúmeras celas para bonzos. No banheiro, um sacerdote vigiava para que houvesse sempre água quente. Eram muitos e variados os bonzos e profanos que visitavam o templo. Ansiosamente, Naigu contemplava o rosto de todos eles. Não reparava nos quimonos azuis, nem nos brancos. As vestes sacerdotais às quais se habituara eram como se não existissem. Podemos dizer que não via caras: via narizes.

Porém, se de vez em quando aparecia um nariz em forma de gancho, jamais apareceu um nariz em forma de salsicha como o seu. Decepção sobre decepção, aumentando o seu íntimo desgosto. Um dia, conversando com um visitante, chegou mesmo a enrubescer como um tomate, ao coçar, num gesto involuntário, a ponta do nariz. E Naigu tinha já nessa altura, os seus cinqüenta anos.

Como última e desesperada tentativa, Naigu dedicou-se a pesquisar entre os clássicos do país e do mundo, algum personagem ilustre que tivesse tido um nariz igual ao seu. Obteria, assim, algum conforto íntimo. Porém, nenhum dos livros da doutrina budista se referia a qualquer monstruosidade nasal de seus homens santos ou altos prelados. Mais tarde, durante uma conversa acerca das coisas da China e da Índia, soube que Ryu Gen Toku , da China, tinha umas orelhas muito compridas. Naigu suspirou, desanimado. Ah! Se fosse o nariz...

Desnecessário dizer que, simultaneamente com estes métodos, algo ideais, de compensação nasal, Naigu experimentava outros, de maior interesse prático, mas nem por isso menos fantásticos. Chegou a tomar infusória de cabeça e a untar o nariz com urina de rato. Todavia, apesar de todos os esforços, o nariz persistia em balançar diante dos seus olhos.

Ora, aconteceu que num outono, um discípulo que fora à capital a serviço de Naigu, trouxe uma sensacional receita para encurtar o nariz, passada por um médico afamado, natural do continente, que no momento trabalhava em Choraku.

Naigu, como habitualmente, manifestou pouco interesse pela receita. Que não o preocupava o tamanho do nariz. Por outro lado, lamentava o trabalho que dava aos discípulos durante a hora das refeições... E, em sobressalto, aguardava que o discípulo o convencesse a submeter-se ao tratamento. Estratagema ingênuo que faria sorrir sarcasticamente o moço, não fosse a compaixão que lhe despertava a sensibilidade em carne viva de Naigu. Tudo se passou como fora previsto pelo bonzo narigudo. O discípulo insistiu, o mestre recusou, voltou a recusar, e acabou por ceder.

A receita era muito simples. Bastava amolecer o nariz em água quente, para depois ser pisado. Água quente era coisa que não faltava no banheiro do templo. Diligente, logo o discípulo foi buscar um jarro com o precioso líquido. Água quente, tão quente, que nem um dedo se podia mergulhar. Seria uma temeridade enfiar diretamente o nariz na bacia, porque o vapor poderia queimar o rosto. Foi então aberto um buraco no centro de uma bandeja laqueada e através deste orifício improvisado, tratou o discípulo de enfiar o magnífico apêndice nasal do mestre. Naigu nem sequer sentiu a temperatura da água. Momento depois, dizia o discípulo:
- Já deve estar cozido...

Naigu sorriu, contrafeito. Cozinhar – pensou – cozinham-se as salsichas. Porém, salsicha ou nariz, o que é certo é que o extraordinário apêndice, cozido em água quente, coçava como se houvesse sido picado pelas pulgas.

Mal o mestre retirou o rosto da bandeja, logo o discípulo começou a pisar, com vontade, o nariz ainda fumegante de vapor. Deitado a todo o comprimento do chão, o nariz acompanhando a linha do corpo, Naigu contemplava, pensativo, as enérgicas subidas e descidas dos pés do discípulo. Este, de vez em quando, olhava para baixo, para a calva lustrosa de Naigu e, penalizado, perguntava:
- Não está doendo? O médico aconselhou a pisar com força. Mas... não dói mesmo?

Naigu tentou abanar a cabeça mas como o nariz estava preso, não pôde mexer o pescoço. Olhou de soslaio para cima, e vendo os pés do discípulo já com rachaduras, gritou sufocado pela raiva:
- Não dói, não dói!

E não mentia. Tratando-se de esborrachar o nariz, sentia com isso mais prazer do que dor.

Mais algumas pisadas e começam a surgir algumas erupções do tamanho de grãos de alpiste. O nariz transformara-se num passaroco depenado e tostado. Reparando nas erupções, o discípulo suspendeu subitamente os saltos, e avisou:
- O médico disse que isso devia ser tirado com uma pinça.

Naigu sujeitou-se à operação, as bochechas infladas de mal contida revolta. Reconhecia a boa vontade do moço, mas aborrecia-o o fato de ele tratar seu nariz como se fosse um objeto estranho, uma espécie de excrescência sem dono. Naigu, tal como um paciente que se submete à intervenção cirúrgica efetuada por um médico de pouca confiança, ficou contemplando, com desprazer, o discípulo que extraía, com um pinça, a gordura que se amontoava nos poros. Uma gordura toda especial, em forma de raiz de pena de ave, com um centímetro e meio de comprimento.

Terminada a operação, diz o discípulo, como que aliviado:
- Agora é cozinhar mais um pouco, e pronto!

Naigu franziu mais uma vez a testa, mas se submeteu.

Retirando finalmente o apêndice que fora ao segundo cozimento, Naigu verificou que o nariz estava realmente curto como nunca dantes estivera. Pouco se diferenciava, agora, dos narizes em forma de gancho que visitavam com certa freqüência, o templo. Naigu, esfregando o encolhido apêndice, mirou-se timidamente ao espelho que lhe apresentou o radiante discípulo. O nariz – aquele nariz que não há muito se projetava até abaixo do queixo – por um golpe de mágica contraíra-se, recolhendo-se, acanhado, a uma modesta posição acima do lábio superior. Apenas algumas manchas vermelhas. Certamente, em resultado das pisadas.

Nariz curto, quem troçará agora de Naigu? Dentro do espelho, o olho de Naigu piscou, satisfeito, para o Naigu de fora do espelho.

Porém, durante todo esse dia, o bonzo ficou apreensivo, receando que o nariz voltasse a crescer de um momento para o outro. Durante os ofícios religiosos, durante as refeições, durante toda e qualquer situação, lá estava o bom Naigu coçando a ponta do nariz. Todavia, o impertinente apêndice conservava-se acima do lábio superior, muito comportadinho, sem mostrar a menor das disposições de voltar a esparramar-se rosto abaixo.

Ao despertar cedo, na manhã seguinte, o primeiro cuidado de Naigu foi ainda o de levar a mão ao nariz. O apêndice continuava curto. Após muitos anos de melancolia, Naigu sentia-se agora de coração leve e despreocupado, numa euforia que tinha apenas paralelo com a que experimentara ao terminar de copiar a sagrada escritura de Hokke.

Porém, passados dois ou três dias, Naigu descobriu um fato insólito. Um samurai, que visitava freqüentemente o templo, fitava-o hoje com uma expressão mais divertida do que nunca. Mas não foi só. Aquele noviço que lhe deixara cair 15 cm de nariz dentro da sopa, ao cruzar com o mestre, perto da sala de ofícios, baixou os olhos, tentando conter uma gargalhada que, irreprimível, foi explodir alguns passos mais à frente. E não foi nem por uma ou duas vezes que os bonzos, no momento de receberem alguma incumbência ou ordem sua, o ouviam de fisionomia séria e compenetrada, para logo sacudirem o edifício da dignidade com umas gargalhadas nervosinhas e abafadas, mal ele voltava as costas.

Naigu concluiu que tais manifestações eram apenas devido à súbita mudança de sua fisionomia. Era, porém, uma interpretação que não o satisfazia inteiramente. Não tinha outra justificativa o riso dos bonzos, argumentava o solitário Naigu. Porém, segredava-lhe uma voz íntima, também a natureza do riso se modificou. Será então que um nariz curto e desconhecido é mais jocoso do que um nariz comprido e familiar? Absurdo.
- Mas antes não riam tão abertamente, murmurava Naigu, durante os ofícios religiosos. E balançava, tristemente, a cabeça calva.

O atormentado Naigu contemplava então a imagem de Samantabhadra, pendurada na parece, e recordava a época que terminara, há quatro ou cinco dias atrás, quando ainda tinha um nariz em forma de salsicha. E a melancolia enchia-lhe os olhos, tal como “homem rico que ficou pobre, ao lembrar-se do passado tempo de fartura e riquezas”.

Lamentavelmente faltava a Naigu a clarividência para solver as contradições que o atormentavam. No coração humano há dois sentimentos que mutuamente se contrapõem. Ninguém duvida que todos sentem compaixão pela desgraça do próximo. Porém, mal esse indivíduo consiga desvencilhar-se da desgraça, surge no coração humano a insatisfação, o desapontamento. Exagerando um pouco poderíamos dizer que surge no coração humano a esperança de que esta mesma pessoa volte a ser atingida pela mesma desgraça. E, pouco a pouco, imperceptivelmente, começamos a hostilizar essa pessoa.

Naigu sentia crescer o mal-estar, sem contudo lhe descobrir a fonte; sentia que ia se avolumando uma atitude de expectativa em todos os bonzos e habitantes de Ike-no-O. Justificava-se o seu mau humor. Ralhava com todos, por tudo e por nada. Chegou a tal extremo que até mesmo o discípulo que lhe pisara o nariz, acabou por segredar aos companheiros que “Naigu está cometendo uma falta grave”. Todavia, o que mais enfureceu Naigu foi descobrir um dia o noviço que lhe largara o nariz dentro da sopa, perseguir pelo jardim um cachorro magro. O cachorro gania, a mão do aprendiz empunhava uma tábua, e gritava:
- Não bato no nariz, não bato no nariz...

Naigu arrancou violentamente a tábua das mãos do mocinho, e aplicou-lhe sonora bofetada. A tábua era precisamente aquela que antigamente servia para lhe suspender o nariz.

E, assim, Naigu foi ficando com remorsos de ter encurtado do nariz.

Mas eis que algo aconteceu certa noite. Começou a ventar, logo após o escurecer. Os bramidos metálicos dos sinos da torre alta perturbavam Naigu. Alem do mais, estava frio, e o bonzo, já no limiar da velhice, não conseguia adormecer. Veio a insônia. Foi então que sentiu uma estranha coceira no nariz. Levou a mão ao apêndice, e notou que estava um pouco intumescido. Parece mesmo que tinha um pouco de febre na ponta.
- Talvez esteja doente, pois foi obrigado a diminuir...

Naigu murmurou algo imperceptível, e sustentou o nariz com a palma da mão, como se tivesse oferecendo uma dádiva a Buda.

Na manhã seguinte, despertou cedo e inquieto. As folhas das árvores tinham caído todas, atapetando com um amarelo incerto, o jardim do Templo. Os telhados, ainda cobertos de geada, brilhavam à fraca luz matinal. Naigu, de pé na varanda, respirou fundo.

Foi neste momento que voltou a experimentar uma leve sensação, da qual já estava perdendo a memória. Levou, precipitadamente, a mão ao nariz. Não existia mais o nariz curto da noite anterior. Pendia, do alto do lábio superior, até abaixo do queixo, um magnífico apêndice nasal. Numa só noite, o nariz tinha voltado à forma primitiva.

Ao mesmo tempo uma estranha e indecifrável sensação de bem-estar, em tudo idêntica àquela que experimentara ao encurtar o nariz, voltava a confortar o coração de Naigu.
- Assim, ninguém voltará a rir, murmurou.

Naigu manteve durante longos momentos, um reconfortante diálogo íntimo. E, ao mesmo tempo, balançava o comprido nariz ao vento matinal de outono.
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Akutagawa, Ryunosuke (1892-1927). Escritor japonês, nascido em Tóquio. Sua principal característica é ter sido autor de contos inspirados na literatura kirishitan (cristã) do século 16, além de lendas populares e grandes obras clássicas (Rashomon, 1915; Figuras infernais, 1920). Nota-se em sua obra a progressão de sua loucura que acabaria por levá-lo ao suicídio.
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Fontes:
Estante Digivirtual - http://victorian.fortunecity.com/postmodern/135/
http://www.ndl.go.jp/ (imagem)

O Nosso Português de Cada Dia (Palavras homófonas e Parônimas)

Brocha (pequeno prego)
broxa (pincel)

Chá (nome de uma bebida)
xá (título de antigo soberano do Irã)

Chácara (propriedade rural)
xácara (narrativa popular em versos)

Cheque (ordem de pagamento)
xeque (jogada de xadrez)

Cocho (vasilha para alimentar animais)
coxo (manco)

Tacha (pequeno prego)
taxa (imposto)

Tachar (pôr defeito em)
taxar (cobrar imposto)

Cozer (cozinhar)
coser (costurar)

Prezar (ter em consideração)
presar (prender, apreender)

Traz (do verbo trazer)
trás (parte posterior)

Acender (iluminar)
ascender (subir)

Acento (sinal gráfico)
assento (onde se senta)

Caçar (perseguir a caça)
cassar (anular)

Cegar (tornar cego)
segar (cortar para colher)

Censo (recenseamento)
senso (juízo)

Cessão (ato de ceder)
seção ( departamento - parte ou divisão )
secção ( corte ) sessão (reunião).

Concerto (harmonia musical)
conserto (reparo)

Espiar (ver, espreitar)
expiar (sofrer castigo)

Incipiente (principalmente)
insipiente (ignorante)

Intenção (propósito)
intensão (esforço, intensidade)

Paço (palácio)
passo (passada)

Palavras Parônimas:
Área (superfície)
ária (melodia)

Deferir (conceder)
diferir (adiar ou divergir)

Delatar (denunciar)
dilatar (estender)

Descrição (representação)
discrição (reserva)

Despensa (compartimento)
dispensa (desobriga)

Emergir (vir à tona)
imergir (mergulhar)

Emigrante (o que sai do próprio país)
imigrante (o que entra em um país estranho)

Eminente (excelente)
iminente (imediato)

Peão (que anda a pé)
pião (brinquedo)

Recrear (divertir)
recriar (criar de novo)

Se (pronome átono, conjunção)
si (pronome tônico, nota musical)

Vultuoso (atacado de vultuosidade, ou seja, congestão na face)
vultoso (volumoso)

Fonte:
Apostila da Caixa Econômica Federal. Instituo Padre Reus, 2004.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Adelmar Tavares ( 1888 - 1963)

Adelmar Tavares (A. T. da Silva Cavalcanti), advogado, professor, jurista, magistrado e poeta, nasceu em Recife, PE, em 16 de fevereiro de 1888, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 20 de junho de 1963.

Era filho de Francisco Tavares da Silva Cavalcanti e de Maria Cândida Tavares. Ingressou na Faculdade de Direito do Recife, onde colou grau em 1909. Ainda estudante, começou a colaborar na imprensa como redator do Jornal Pequeno. Em 1910, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ocupou importantes cargos. Foi professor de Direito Penal na Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro; promotor público adjunto (1910); curador de resíduos e testamentos (1918); curador de órfãos (1918-1940); advogado do Banco do Brasil (1925-1930); desembargador da Corte de Apelação do Distrito Federal (1940) e presidente do Tribunal de Justiça (1948-1950).

Enquanto desenvolvia sua carreira na magistratura, Adelmar Tavares continuava colaborando na imprensa, e seu nome se tornara conhecido em todo o Brasil no setor da trova, sendo considerado, até hoje, o maior cultor desse gênero poético no Brasil. Suas trovas sempre mereceram referência na história literária brasileira. Sua obra poética caracteriza-se pelo romantismo, lirismo e sensibilidade, sendo recorrentes temas como o da saudade e o da vida simples junto à natureza.

Era membro da Sociedade Brasileira de Criminologia, do Instituto dos Advogados, da Academia Brasileira de Belas Artes, membro e patrono da Academia Brasileira de Trovas. Era considerado o Príncipe dos Trovadores Brasileiros. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras em 1948.

Quinto ocupante da Cadeira 11 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 25 de março de 1926, na sucessão de João Luís Alves e recebido em 4 de setembro de 1926 pelo Acadêmico Laudelino Freire. Recebeu o Acadêmico A.J. Pereira da Silva.

Obras:
Descantes, trovas (1907);
Trovas e trovadores, conferência (1910);
Luz dos meus olhos, Myriam, poesia (1912);
A poesia das violas, poesia (1921);
Noite cheia de estrelas, poesia (1925);
A linda mentira, prosa (1926);
Poesias (1929);
Trovas (1931);
O caminho enluarado, poesia (1932);
A luz do altar, poesia (1934);
Poesias escolhidas (1946);
Poesias completas (1958).
Escreveu também várias obras jurídicas, entre as quais Sobre a história do fideicomisso; Do homicídio eutanásico ou suplicado; Do direito criminal; O desajustamento do delinqüente à profissão.

Fonte:
Academia Brasileira de Letras
http://www.academia.org.br

Adelmar Tavares (Textos Escolhidos)

A VIDA TEM DOIS CAMINHOS

A vida tem dois caminhos.
Um, todo cheio de flores,
todo cheio, outro, de espinhos...

Uns pela estrada florida,
passam, bem longe das dores,
só tendo flores na vida.

Outros, bem tristes, se vão,
trazendo os pés nos espinhos,
e espinhos no coração.
*
Deus! Senhor dos dois caminhos
da vida que a gente trilha,
tem pena de minha filha,
da filha de meus amores
que é tão pequenina, assim...
Junca-lhe a estrada de flores!
Deixa espinhos para mim!
(Luz dos meus olhos, Myriam, 1912.)

SERENIDADE

Nunca de mim se ouviu um só protesto
de maldição, de cólera aturdida,
sequer uma palavra, ou mesmo um gesto
de malquerer a quem mais quis na vida.

Arrasto como a um fardo, a alma ferida,
e a dor que me crucia, manifesto,
sem jamais inculpar de fementida,
aquela que em meu sonho amo, e requesto.

Em perdendo-a, perdi toda a alegria
do coração que em mágoas apunhalo.
Perdi a luz!... Fechou-se o sol que eu via!...

Tudo abateu com a queda desse amor,
tão forte, que ainda sinto o seu abalo,
tão grande, que ainda escuto o seu fragor.
(Noite cheia de estrelas, 1925.)

AMOR
Querer que o amor seja eterno, é
querer eterna a primavera.

JÚLIO DANTAS

Todo amor dura, apenas, um segundo,
ou quando dura muito, - uma estação.
É como a Primavera o amor no mundo,
querê-lo, eternamente, uma ilusão.

Chega... Perfuma tudo... O charco imundo
faz em jardim, e passa... É um sonho vão.
- Mas o amor-sofrimento?!... O amor-profundo,
lá da raiz do nosso coração?!...

Amor que sendo angústias sufocadas,
ama cada vez mais, sereno e forte,
e acha encanto nas lágrimas choradas?!...

- Esse, há de eterno, pelo seu sofrer,
arder por toda a vida, até a Morte,
para no além da Morte, reviver...
(Noite cheia de estrelas, 1925.)

A CIDADE DE RECIFE

Pátria do meu amor! Recife linda,
como te guarda o meu saudoso olhar!
Velas ao longe... Os coqueirais de Olinda,
e uma terra a nascer da água do mar...

Um céu de estrelas que entrevejo ainda.
Sob as pontes, o rio a se estirar...
Noites de lua... que saudade infinda...
brancas... que dão vontade de chorar...

Filho ingrato, parti... Mas nem um dia,
deixei de te lembrar, por mundo alheio,
onde me trouxe a glória fugidia.

Pátria, quando eu morrer, piedosa e boa,
dá que eu durma o meu sono no teu seio,
como um seio de Mãe que ama e perdoa...
(Noite cheia de estrelas, 1925.)

MISTÉRIO

"Conheço um coração, tapera escura."
Bilac. (Tarde)
A Clementino Fraga

Que voz foi essa em meu ouvido?
Alguém falou no meu ouvido...
Que doce e estranha vibração
toma-me, agora, o coração?...

- Ninguém falou no teu ouvido...
Esses rumores todos são,
mistério sem explicação,
coisas de velho coração...

Mas esse aroma revivido
ao meu olfato? A exalação
que estou sentindo, de um vestido,
que era o jasmim do seu vestido,
que me não mente o coração?

- Oh, nada sentes!... Nada... Não...
Esses perfumes todos são,
do teu espírito abatido,
mera, fugaz perturbação.
Coisas de velho coração...

Ah que bem disse um Poeta, um dia,
que o triste, humano coração,
quando com o tempo envelhecia,
era também casa vazia,
de assombração...
(O caminho enluarado, 1932.)

TROVAS

Não sei porque, quando canto,
por mais alegre a canção,
tem uma gota de pranto
que vem do meu coração.
*
Eu vi o rio chorando
quando te foste banhar,
por não poder te banhando,
dar-te um abraço, e ficar...
*
Oh lindos olhos magoados,
de tanta melancolia...
- Da tristeza desses olhos
é que vem minha alegria.
*
Amar é obra perdida
mas, que dissessem, queria,
se não fosse amar na vida,
a vida, que valeria?!
*
As penas em que hoje estou,
disse-as ao Sol, - fez-se triste.
Disse-as à Noite, - chorou...
Disse-as a ti, e sorriste...
*
Não lamento a minha lida,
nem, pobre, choro os meus ais.
Quem tem um amor na vida,
tem tudo! Para que mais?
*
Vou vivendo a minha vida,
como Deus quer e consente.
- Sou como a folha caída,
levada pela corrente.
*
Trovas, - cantiga do povo,
alma ingênua dos caminhos,
de lavradores, cigarras,
mulheres, e passarinhos...
*
Para esquecer-te, outras amo,
mas vejo, por meu castigo,
que qualquer outra que eu ame,
parece sempre contigo...
*
Para de amor cantar mágoas,
foi que se fez o violão,
que a gente aperta no peito,
e encosta no coração...
*
Quem tiver amor, esconda,
faça por muito esconder,
que as coisas da alma da gente,
ninguém carece saber...
*
Só peço o dia em que eu morra
faça uma noite de lua,
todo troveiro descante,
todo violão saia à rua.
*
Quando eu morrer, levo à cova,
dentro do meu coração,
o suspiro de uma trova
e o gemer de um violão...
*
A morte não é tristeza,
é fim... É destinação...
Tristeza é ficar na vida
depois que os sonhos se vão...
*
Depois de mandar-te embora
foi que - cego! - percebi,
que eras a felicidade
que eu tinha em mãos, e perdi.
*
Bem sei que amar custa muito,
custa a vida querer bem,
mas custa o dobro da vida,
na vida não ter ninguém.
*
Oh linda trova perfeita,
que nos dá tanto prazer!...
- Tão fácil, - depois de feita...
tão difícil, de fazer...
*
Para definir o Poeta,
Só mesmo em versos defino.
- É um homem que fica velho,
com o coração de menino...
*
Minha Mãe, minha velhinha,
Deus te abençoe, e acompanhe,
porque uma Mãe neste mundo,
quanto mais velha, mais Mãe.
(Poesias completas, 1958.)

VELA BRANCA

Vela branca, vela branca,
que vais lá longe... no mar...
quem me dera, vela branca,
que me quisesses levar
para tão longe... tão longe,
que eu não pudesse voltar...

Mas uma vez, vela branca,
que não me queres levar,
para tão longe... tão longe...
que eu não pudesse voltar,
leva-me a saudade dela
para o mais fundo do mar.

GUILHERME DE ALMEIDA

Vejo a ciranda das horas,
moças lindas a cantar...
doze vestidas de branco,
umas de flores na testa,
outras de flores na mão...
E, no balanço da dança,
quando uma vem, outras vão...

Horas do dia e da noite...
Ó vocês! ... Lindas que são! ...
Qual será mesmo a minha Hora,
minha hora de Redenção?!...
Será das doze de branco,
ou das que de negro estão?!...
Qual virá, vindo o meu dia,
pousar a mão no meu peito,
parando o meu coração?!...
(Poesias completas, Rio, 1958.)

Fonte:
Academia Brasileira de Letras
http://www.academia.org.br/

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Carlos de Laet (Machado de Assis)

publicado no Jornal do Brasil, 1-10-1908

Desejara não escrever sobre o caro morto. Outros já o têm feito. Outros ainda o farão melhor. Em sua glória, aliás, e definitiva colocação no panteon literário, nada pode influir o meu juízo nestas páginas efêmeras da imprensa, amanhã já dispersas, e que com razão têm sido comparadas aos antigos oráculos de Dodona, lançados em folhas de carvalho, com pretensões a dirigirem os povos, e logo tomadas pelo vento e por ele arrastadas ao limbo do olvido. Mas ninguém faz como quer. Insensivelmente se me volve o espírito para a câmara ardente onde no seu esquife enflorado se embarca o velho amigo, caminho da eternidade.

Eu não ignorava que Machado de Assis estava enfermo; e só me admirava a resistência daquele débil organismo, quando bem a cheio no coração o sabia ferido, desde que de súbito o colheu a irreparável desgraça a perda da mulher, em quem mais do que em nenhuma cabia o doce epíteto de consorte.

Dolorido ainda não há muito o víamos aí pela rua, ou na Livraria Garnier; mas singularmente se enganava quem o supunha vivo. Nem sempre se agoniza no leito. Agonia é luta, luta com a morte, que afinal sempre entoa o canto de vitória. O pobre Machado agonizava de pé, e ocultando na sua impassibilidade de moderno estóico os tremendos combates que lá por dentro se lhe travavam.

Quando quem escreve estas linhas começou a entender de literatura, já o nome de Machado de Assis era apontado como o de exímio cultor das letras. Sua obra poética, primeiro ensaiada em jornais e revistas, ia tomando vulto e formava volumes. Suas crônicas, seus contos, suas novelas repetidamente acusavam o lavor de um artista da palavra. De vez em quando apareciam no teatro algumas das suas tentativas dramáticas, e todas deixavam a impressão de um talento mesurado, em eurrítmico, isto é, que por principal mérito de forma houvesse o sentimento de comedido e decoroso, no sentido em que o tomava a estética dos clássicos.

Porque ele o era, um clássico verdadeiro, no tocante à forma, no minucioso estudo da língua, e no escrupuloso cuidado com que se apartava de quanto se lhe afigurasse dissonância.

Espírito assim conformado, claro está que não se podia alar em grandes surtos aos extremos em que por vezes o rigor da crítica apanha os geniais desvairos de um Shakespeare no drama, de Hugo no tentame lírico, ou de Hoffmann no conto. O famoso ne quid nimis [“nada em demasia”] achou no glorioso extinto impecável observante. Sabe-se que os termômetros comuns podem marcar desde os grandes frios, mais gélidos ainda que o próprio gelo, até a cálida temperatura em que a água se faz vapor; mas; por perfeita que seja a graduação, só aproximativas se revelam as indicações do instrumento. Nos extremos, então, muito é possível errar a observação termométrica. Quando, porém, para as temperaturas médias, dos aposentos ou dos corpos humanos, a coluna está preparada de modo que só funciona entre próximos limites, não é difícil apanhar com justeza diferenças mínimas, em décimos de grau. O termômetro estético do nosso Machado era um desses aparelhos de precisão, impróprios para as temperaturas violentas das paixões, mas admiravelmente calibrado para indicar e traduzir, com máxima exação, toda a gama das modalidades físicas entre dados limites, que aliás são os comuns na vida social.

A religião e a política eis as duas causas por que mais se apaixonam os homens; e nunca ninguém as viu discutir pelo extinto chefe literário. É que isso, e com razão, lhe parecia uma luta, e ele absolutamente não se propunha lutar. Seu campo de ação ele o delimitara na expressão dos afetos brandos ou na crítica impessoal dos costumes crítica em que jamais se demasiava, não direi até a ferroada, porém mesmo até a picada de alfinete. As personagens mais ridículas e censuráveis, nos contos e escritos de Machado, nunca tanto o são que deixem de ser socialmente aceitáveis. Se fora a charge uma “publicação a pedido”, nenhum dos criticados acharia motivo para um processo por injúria.

Temperamentos assim tímidos e moderados não é raro que descaiam na fraqueza ou pusilanimidade; mas tal não sucedia com o nosso querido morto. Sua eurritmia (peço licença de voltar ao termo tão bem feito para dizer a minha idéia); a sua eurritmia estética prolongava-se no terreno moral. Incapaz de censurar com veemência um abuso, ele também o era de baixar à lisonja. Em suas relações oficiais sabia guardar conveniências, mas não se vergava a elas. Impoluto, impoluível no tocante a interesses pecuniários, tão absurdo lhe fora um conchavo, uma culposa complacência, quanto um solecismo ou uma vulgaridade estilística. Sabe-se que o arminho tem à lama horror instintivo, asseio que se exagera contando-se que, se acaso se mancha, logo morre de nojo. Daí aqueles altivos brasões dos Rohan, da Bretanha, onde figura o arminho com a legenda Potius mori quam foedari. Antes morrer que manchar-me! Soberbo lema de fidalgos; e que sem deslize da verdade também se pudera por sobre a lápide deste honrado homem do povo, tão fidalgo, ele também, na imaculável probidade.

Modesto nas suas origens, porque começou a trabalhar como simples operário tipógrafo, ele cresceu até às alturas em que o vimos, não por um desses abalos sísmicos com que freqüentes emergem celebridades, como no Oceano Pacífico se improvisam ilhas; e antes a compararíamos, a fama literária do extinto amigo, àquelas outras formações madrepóricas, que lentas e lentas se vão erguendo do abismo, pelo trabalho acumulado de muitos anos. O que fora recife, alteia-se finalmente exornado de plantas, que um dia serão árvores, desatando-se em flores e frutos de bênção.

Quando se fez a Academia de Letras, realizada em meio da República essa criação aristocrática, ante a qual tinha recuado a democracia zombeteira do Império, se um por um se tomassem os votos para a escolha do chefe, creio que ninguém discreparia na escolha de Machado. Simpático aos mais velhos, porque com eles tinha vivido, ou de pouco os precedera; bem querido dos novos, para quem sempre usava de benevolência, escusando senões e propiciando tentativas Machado foi o cabeça unanimemente aceito pela indisciplinada grei dos homens de letras. Ninguém lhe tinha que exprobrar um ataque ou perdoar uma invectiva.

Quem isto escreve, entrou para a Academia sem saber como. Ouviu dizer que foi sua inclusão no douto grêmio a obra de um confrade com quem outrora havia mantido peleja, e talvez demasiado viva, o Sr. Dr. Lúcio de Mendonça. Se o boato é verdadeiro, só pode redundar em prol do imparcial confrade, que talvez errou, mas supondo fazer justiça a um adversário. Humilde lidador da imprensa, o escrevedor destas linhas ali tão deslocado se acha como, por exemplo, um soldado raso, todo empoeirado das suas marchas e do seu trabalho de sapa, entre donairosos generais, que em sábias manobras idéiam batalhas incruentas. Mas dos motivos por que acredita estar ali condecorado, sobressai o ter como pares alguns brasileiros de incontestado mérito. Era Machado o primeiro desses.

Impossível seria que em vida quase septuagenária, através da administração e das letras, ele não houvesse, muito sem o querer, gerado antipatias, não direi inimizades, e provocado indébitas agressões. Lá pelos intermúndios burocráticos não sei o que tenha ocorrido. Aqui nos literários, época houve em que Machado foi objeto de rijos e porfiosos assaltos... Mas nunca respondeu. A brincar com ele, uma vez, eu lhe disse que ainda o havia de obrigar a ter comigo uma polêmica.

Não faça tal, respondeu-me a gaguejar ligeiramente, que os partidos não seriam iguais: isto para você seria uma festa, uma missa cantada na sua capela, e para mim uma aflição...

Nunca verdadeiramente privei com Machado de Assis, mas de uma vez se me desvendou o homem íntimo e pelo seu lado meigamente afetivo.

Estava eu a conversar com alguém na Rua Gonçalves Dias, quando de nós se acercou o Machado e dirigiu-me palavras em que não percebi nexo. Encarei-o surpreso e achei-lhe demudada a fisionomia. Sabendo que de tempos a tempos o salteavam incômodos nervosos, despedi-me do outro cavalheiro, dei o braço ao amigo enfermo, fi-lo tomar um cordial na mais próxima farmácia e só o deixei no bond das Laranjeiras, quando o vi de todo restabelecido, a proibir-me que o acompanhasse até casa.

Tão insignificante fineza, que ninguém recusara ao primeiro transeunte, pareceu grande cousa àquela natureza retraída, mas amorável. Procurou-me de propósito para mo agradecer e, na longa conversação que então travamos, descobriu-me o coração ulcerado pela recente morte da sua Carolina. Após uma crise de lágrimas, ele me deixou profundamente entristecido: triste por vê-lo assim malferido, triste pela convicção de que para tal golpe não havia bálsamo possível.

Ao tempo em que por vezes nos encontrávamos em festas, tinha Machado uma frase feita, para designar a sua discreta desaparição, sem rumor nem despedidas: Vou raspar-me à francesa! Talvez por isto me parece que às pompas do oficialismo ele preferira que mais depressa o levassem para junto de um túmulo querido... Mas não censuro, antes aplaudo o ato do Governo com essas honras excepcionais a um homem que nada foi na política e que não deixa filhos nem parentes poderosos.

Vale! Tem saúde! diziam os romanos aos mortos bem-amados, fórmula absurda porque só aplicável aos vivos. Xaire! Regozija-te! exclamavam os gregos, e sem razão maior. No Cristianismo, que não é só a mais pura porém a mais bela das sínteses filosóficas, quão melhor nos exprimimos com o nosso adeus!

Ele é uma prece, uma suprema recomendação do viajor ao grande Espírito de amor e misericórdia. Adeus, irmão e amigo!

Fonte:
Academia Brasileira de Letras.
http://www.academia.org.br

Alfredo Ciuffi Neto (Conto da Meia Noite)

A casa estava afastada do centro da cidade apenas dez minutos para quem vai de carro. Na frente, enormes portões de ferro forjado todo trabalhado se encarregavam de limitar a entrada e saída das pessoas que por ali passavam. Nas laterais, um gradio igualmente de ferro fundido delimitava toda a extensão do terreno, cuja área era imensa.

Um jardim composto de inúmeras variedades de plantas, na sua maioria exóticas, compunha um
cenário um pouco estranho e estarrecedor para quem do lado de fora observava. As plantas mal podadas se entrelaçavam umas com as outras, formando um emaranhado quase que indissolúvel. Folhas secas caídas pelo chão se misturavam com a grama alta e não cuidada, demonstrando o estado de desleixo de seus proprietários com o aspecto daquela velha mansão.

Havia uma ruela que saía logo após o portão de entrada e ia até à frente do velho prédio, que se achava em lenta desintegração através dos anos. Enormes janelas, cujas venezianas pareciam que iriam se desprender da parede de uma hora para outra com o balançar dos ventos fortes, nas noites de longas e tenebrosas tempestades.

O interior do “castelo”, como era conhecido por todos na cidade, durante a noite toda só era iluminado por grandes castiçais de porcelanas, cujas velas forneciam uma parca claridade aos seus aposentos. Sombras se avultavam pelas paredes longevas e úmidas projetadas pelas antigas peças do mobiliário, provocadas pela pouca luz que resplandecia no ambiente. Nas paredes velhos quadros retratavam seus moradores em poses sofisticadas e impeticadas, como só os bem antigos gostavam de posar com os seus familiares.

O casarão guardava todas as tradições de seus antepassados num empoeirado sótão, que abrigava no seu âmago os mais ínfimos segredos daquela família. E não eram poucos, conforme os ditos que corriam de boca em boca das pessoas da cidade. Hoje, não havia um só vivente que não tivesse medo até de passar na sua frente, dado às histórias que dele falavam.

Naquela noite de inverno de 1.830, estavam reunidos na sala, como sempre faziam após o jantar,
em volta da lareira que queimava em brasa troncos de árvores, gerando calor para aquecer o ambiente, seus primeiros proprietários, detentores de títulos de nobreza, como Condes, Viscondes, entre tantos outros. Ali eles estavam bebericando um delicioso licor importado da França, a “família dos Carpelos”.

Magnatas, donos de muitas propriedades na localidade, possuíam negócios de produtos extrativos, como canela, cravo entre tantos outros, distribuindo-os pela Europa toda, era uma família próspera, porém, guardavam a sete chaves um segredo.

Enquanto as labaredas do fogo aceso na lareira tremelicavam naquela noite, ouviu-se repentinamente um clamor aterrorizante de mulher que se misturava ao badalar da meia noite do antigo carrilhão. Aquele grito vinha de algum lugar daquela enorme mansão. Todos ficaram arrepiados e extasiados por alguns instantes, quando começou um corre-corre desvairado por entre os aposentos procurando identificar de quem era aquele berro horripilante e de onde ele vinha.

Não tardou, e por entre as frestas do assoalho de tábua, gotejava um sangue vermelho e semicoagulado vindo do sótão. Pingava intermitente, gota-à-gota sobre um tapete igualmente vermelho que se achava estendido no piso da sala. Todos correram para lá atônitos e desesperados. Arrombaram a porta e se depararam com o corpo ainda pulsante que se contorcia ao jorrar abundante do sangue pela garganta cortada. Era a filha mais velha do Sr. Carpelo. Ninguém, até hoje, sabe contar ao certo a causa de tanto desatino. Muitas histórias foram inventadas através dos anos. A que mais se aproximava da provável causa, dizia que a moça era debilóide e por esta razão vivia confinada naquele sótão sombrio, isolada de todos pelos seus pais, por vergonha de expor o nome da família tradicional à tão bisonha doença. Isso era muito comum naquela época onde os recursos da medicina ainda precários não possibilitavam nenhuma espécie de cura para estes tipos de casos.

Muitas gerações da família passaram pela velha mansão, que aos poucos foi se decompondo até o estado de abandono que se achava. Daí, que as lendas e os mistérios se proliferavam em torno do velho prédio, um pouco pelo seu aspecto descuidado, mas em grande parte gerava medo pela morte cruel que teve a filha do Sr. Carpelo, degolada a meia noite. Não se sabe se foi suicídio ou assassinato. A dúvida ainda permanece.

Ainda hoje lá está morando um casal de velhinhos, última geração da família, que contam com voz tremulante sobre o caso que indignou muita gente na época. Dizem eles que o sótão nunca mais foi visitado por ninguém. Nunca alguém ousou por os pés lá, mas que Ana Carpelo ainda perambula por entre as velharias guardadas e empoeiradas como se estivesse viva. Vez por outra arrasta seus móveis e cujo barulho se faz ouvir ecoando por todo o casarão, e que exatamente a meia noite do dia do aniversário de sua morte, o seu sangue goteja por entre as frestas das tábuas de madeira como que avisando a todos de sua eterna existência. O gotejar da vida se confunde com a morte, se mistura com o badalar do relógio e com o passar do tempo que insiste em não parar.

Fonte:
CIUFFI NETO, Alfredo. Contando contos. http://tutomania.com.br/file.php?cod=8165

Jerônimo Mendes

O ADMINISTRADOR

Formado em Administração de Empresas pela UNIFAE – Centro Universitário Franciscano do Paraná. Ao longo de 28 anos de carreira trabalhou em empresas como Klabin, ABS, Bamerindus, Texaco, Volvo e CSN.

Especialista em Logística Empresarial (2001) e Mestre em Organizações e Desenvolvimento Local (2006), também pela UNIFAE, com dissertação voltada para os Fatores Condicionantes de Sucesso das Pequenas e Médias Empresas na Região Metropolitana de Curitiba.

O CONSULTOR

Especialista em Processo de Consultoria pelo IEA – Instituto de Estudos Avançados, de Santa Catarina, com foco em Gestão de Empresas, Planos de Negócios, Mudança Organizacional, Recursos Humanos e Planejamento.

Sócio-Gerente da Consult Consultoria de Gestão e Treinamento com a missão de assessorar empresas em todo o país com treinamentos e consultoria para elaboração de planos de negócios, reestruturação, planejamento estratégico e gestão integral.

O ESCRITOR

Autor do livro Oh, Mundo Cãoporativo! Lições e Reflexões, editado pela Qualitymark (RJ), destinado ao mundo dos negócios, com prefácio de Max Geringher.

Autor do livro Encontro das Estrelas, editado pela Editora Canção Nova, destinado ao público infantil. O livro foi aprovado pelo PNLD 2006 (Programa Nacional do Livro Didático) e adotado para ensino fundamental das Escolas Públicas do Estado de São Paulo.

Autor do livro Benditas Muletas, lançado pela Editora Vozes, destinado ao público em geral, em forma de textos de reflexões sobre os grandes dilemas da humanidade.

Escreve com freqüência artigos, contos e poemas, tendo publicado diversos trabalhos em jornais, revistas e sites especializados na Internet.

O PALESTRANTE

Com abordagem sobre o conteúdo dos seus livros e artigos, além do estudo e da observação permanente ao longo da carreira, as palestras são destinadas à melhoria do ambiente corporativo, ao sucesso pessoal e ao sucesso profissional dos participantes.

Com a utilização de imagens engraçadas, frases de impacto e recursos de som, as palestras abordam as alegrias e tristezas do mundo profissional e da vida pessoal com bastante humor, reflexão que se transformam em lições para tornar o ambiente profissional mais alegre e menos complicado.

O PROFESSOR

Professor de Empreendedorismo, Relações Humanas e Ética no Trabalho para cursos de Graduação no período de 2004 a 2005. Professor de Processo de Consultoria para cursos de Pós-Graduação.

Professor convidado pela UNIFAE para ministrar o módulo de Gestão Empresarial do Projeto Bom Negócio, desenvolvido pela Curitiba S/A e Prefeitura Municipal de Curitiba, destinado à capacitação de micro e pequenos empresários da Região Metropolitana de Curitiba.

O CIDADÃO

Natural de Ponta Grossa, mas viveu boa parte da infância e adolescência na localidade de Lagoa, município de Telêmaco Borba, norte do Paraná. Casado com Sandra Maria e pai de dois filhos, Guilherme e Rômulo Augusto. Reside em Curitiba há 25 anos.

Fonte:
http://www.jeronimos.com.br

Jeronimo Mendes (Bingles)

Aproxima-se a hora do pão nosso de cada dia, alimento preferido dos estudantes, principalmente daqueles que moram longe dos pais, ou melhor, das mães, é óbvio.

Subimos rapidamente pela André de Barros, eu e meu amigo Madalena, faceiros como nunca, reparando em tudo e em todos. Nossa alegria maior era buscar o pão quentinho na panificadora Real da Rui Barbosa, aquela dos Expressos, como fazíamos todas as tardes.

Na praça, a mesma poluição, o mesmo rush, as mesmas caras e bocas de sempre, filas e filas de batalhadores visivelmente cansados à espera do ônibus que nunca chega quando se tem um pouco mais de pressa .

O visual do estabelecimento era rotina, fila para pedir, pagar e levar, fila de pedintes e, disfarçadamente, fila de trombadinhas doidos pela nossa carteira cheia de documentos, dinheiro era raro.

Estudante de interior compra pão e mais nada. Vez por outra, um pãozinho de queijo e, quando muito, entre cinqüenta e cem gramas de mortadela.

Posicionados na fila, entreolhares correm soltos, de fila para fila, cliente para cliente, cliente para balconistas, vigia para clientes e transeuntes na calçada ou do outro lado da rua, onde as freadas do Expressão distraem a atenção da torcida com possibilidades constantes de atropelamento.

Madalena sorridente, companheiro inseparável de quarto e sala de aula, sempre animado, dentes à mostra, mais aberto que armário de estudante solteiro longe dos pais.

À porta, um momento de distração do vigia, preocupado com os pedintes que se aglomeram na entrada incomodando a clientela.

Enquanto aguardamos na fila, olhamos para o chão e avistamos um ticket de caixa registradora, ainda sem carimbo e nenhuma rasura, tal como exigiam as balconistas no atendimento. Era nosso dia de sorte, bastava escolher.

-Qual o valor, Madá ?
-CR$ 3,00 , cara !
-Uh, que beleza, dá pra comprar 30 pãezinhos.
-Que pãozinho nada, vamos escolher algo melhor !

Aguardamos pacientes a nossa vez de fazer o pedido, embora apreensivos, com o ticket valioso nas mãos e buscando na tabela de preços alguma coisa que coincidisse com o valor autenticado. Corremos os olhos para cima e para baixo e estava lá, o último item do canto inferior esquerdo, meio apagado, mas legível. Nosso estado emocional oscilava a olhos vistos. Malandros inexperientes, nunca ousamos nada semelhante.

Próxima parada: fila para pagar, o pão somente, onde o rapaz do caixa nunca foi visto bem humorado. Última parada: fila para retirar. Dividimos a responsabilidade, um com o pão e outro com a novidade, grátis.

Senhor de si , grita Madalena, cheio de razão :
-Um Bingles, por favor !

Todos os olhares de espanto se voltam para ele.
-O quê ? - Retruca a balconista, perplexa.
- Isso mesmo que você ouviu, tá na tabela, o último item ali.

Na hora contive o riso no dedão do pé, mais vermelho que pimentão, mas agüentei firme, nossa reputação estava em jogo.
-Que bingles o quê, moço ! É b ponto inglês, Bolo Inglês.

Sem saber se ríamos ou chorávamos, Madalena suaviza com presença de espírito impressionante:
-Tô brincando, é isso mesmo !

Nunca vi Madalena tão sério, mas nossa cara lavada garantiu o reforço do lanche noturno. Jantar, nem de longe. Suamos um pouco e saímos felizes da vida. A volta para casa foi animada, quase mijamos nas calças de tanto rir, apesar do susto. Se contarmos hoje para o dono, duvido que ele acredite.

Ficou a lição : Mentira tem perna curta.

Fonte:
MENDES, Jeronimo. Muito Além do Cotidiano (crônicas). Curitiba, 2001.

Castro Alves (O Navio Negreiro)

I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...

III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...

VI

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!

Fonte:
http://www.bibvirt.futuro.usp.br/ . In Magister. CLP00 (CD-Rom)
http://www.aguiareal.com.br/ (imagem)

Cultura: Um Conceito Antropológico

Introdução

Pretende-se aqui delinear a evolução do conceito de cultura, pinçando idéias defendidas no passado tais como, o determinismo biológico, geográfico, antecedentes históricos do conceito de cultura, mostrando a conciliação da unidade biológica e da grande diversidade cultural da espécie humana. O desenvolvimento do conceito de cultura, idéias sobre a origem da cultura e teorias modernas sobre cultura organizacional e, fatores que compõem a cultura brasileira. Porém, ressalta-se que não se pretende esgotar a discussão nesta apresentação, pois a natureza e a amplitude do tema não permite findar esta discussão devido as perspectivas multidisciplinares e das diversas abordagens em que se pode visualizar o emprego e a intersecção do estudo da cultura, tais como a semiótica e a hermenêutica.

Origem da cultura e antecedentes históricos do conceito de cultura

O termo cultura segundo o Novo Dicionário da língua portuguesa significa “ato, efeito ou modo de cultivar. Complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e de outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característica de uma sociedade" (p.508). Porém no final do século XVIII e no princípio do século XIX, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. Mais tarde Edward Tylor (1832-1917) sintetizou os dois termos no vocábulo inglês Culture, que

"tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade".

Segundo Laraia (1996: 25) com a definição acima apresentada Tylor abrange em suma só palavra todas as possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição a idéia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos.

Há muito se estuda o comportamento dos animais, inclusive o comportamento do homem, com a finalidade de entender o que o conduz as atividades cotidianas e, as relações entre eles na formação dos grupos e na relação entre outros grupos. Confúcio (VX séc. a C.) enunciou que "a natureza dos homens é a mesma, são os seus hábitos que os mantêm separados" este é um pensamento compartilhado por vários estudiosos até a atualidade, inclusive adotado pelas ciências sociais quando se trata de estudos inerentes a cultura organizacional. Pois, não há como se aceitar algo como bom ou mal, sem uma análise prévia, quando esta não é prática em sua terra, isto vale para práticas de gestão sugeridas a serem adotadas em uma organização. Há que se observar e analisar as possibilidades de adequação.

Segundo Sahlins apud Laraia (1996: 24),
"(...) a posição da moderna antropologia é que a cultura age seletivamente, e não casualmente, sobre o seu meio ambiente, explorando determinadas possibilidades e limites ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas estão na própria cultura e na história da cultura."

Apesar da evolução do conceito de cultura demonstrar que as questões biológicas e geográficas não interferem nas ações humanas, ainda existe alguns resquícios no que diz respeito as questões referentes a supremacia de raça (inteligência) e da melhor localização geográfica (nordeste brasileiro).

Desenvolvimento do conceito de cultura

O determinismo biológico, bem como o geográfico são idéias que no passado foram consideradas relevantes para conceituar cultura. Com o passar do tempo diversas investigações foram realizadas e chegou-se a conclusão de que estas teorias, apesar de terem sido importantes para o entendimento de algumas dimensões da natureza humana, apresentando limitações e inconsistência para o entendimento do conceito de cultura. Aí então, inaugura-se uma nova fase de estudos e interpretação de culturas.

Segundo Leibniz apud (Laraia, 1986) a natureza nunca age por saltos, analogamente conclui-se que, a cultura também não age por saltos, ela é resultado do acúmulo das ações dos homens, que inclusive altera a própria natureza, pois é necessário compreender a época em que se viveu e consequentemente o background intelectual de quem ou do que está se analisando.

A comunicação é um instrumento decisivo para a assimilação da cultura, pois a experiência de um indivíduo é transmitida aos demais, criando assim um interminável processo de acumulação permeado por valores cristalizados, o que nos leva a afirmar que a linguagem humana é um produto da cultura. Daí a necessidade de identificar as determinadas formas de comunicação que atinja todos as pessoas da organização quando da transmissão de uma mensagem.

Pois, para Hoebel apud (Barros & Prates, 1996: 15),

"O homem é o único animal que fala de sua fala, pensa o seu pensamento, que responde à sua própria resposta, que reflete o seu próprio reflexo e é capaz de diferenciar-se mesmo quando está se adaptando as causas comuns e estímulos comuns".

Comportamentos compartilhados são componentes da cultura o que nos leva inclusive a afirmar que, teorias behavioristas (Watson - condicionamento), Cognitivista (Piaget-psicogenética) quando aplicadas, mesmo que inconscientemente por um grupo de pessoas determinam algumas características culturais em relação ao padrão de comportamento. Normas impostas por organizações determinam padrões de comportamento, marcando de forma indelével a cultura organizacional. Portanto, pode-se afirmar que diferenças culturais não são genéticas e sim adquiridas no decorrer do tempo.

"Possuidor de um tesouro de signos que tem a faculdade de multiplicar infinitamente, o homem é capaz de assegurar a retenção de suas idéias (...), comunicá-las para outros homens e transmiti-las para os seus descendentes como herança sempre crescente." (Turgot apud Laraia 1986, 27).

De acordo com Kluckhohn apud Geertz (1989: 14) cultura pode ser vista como:

“...o modo de vida global de um povo; 2) legado social que o indivíduo adquire do seu grupo; 3) uma forma de pensar, sentir e acreditar; 4) uma abstração do comportamento; 5)Uma teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela qual o grupo de pessoa se comporta realmente; 6) um celeiro de aprendizagem em comum; 7) um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes; 8) comportamento aprendido; 9) um mecanismo para regulamentação normativa do comportamento; 10) um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente externo como em relação aos outros homens; 11) um precipitado da história.”

Ao correlacionar o conceito de cultura apresentado por Kluckhohn com a "praxis" organizacional, emerge daí padrões de comportamento (normas), processo de adaptação (símbolos e signos), tecnologia e componentes ideológicos (religião, mitos, cerimônias), ou seja, valores compartilhados pelos membros da organização, resultado do processo de individuação, isto é, de atitudes individuais que ao mesmo tempo que interfere no comportamento do grupo, interfere na atitude individual de cada membro da organização, resultando numa configuração impar de cultura organizacional.

Teorias modernas sobre cultura

A utilização da antropologia para a análise organizacional deve-se ao fato de que esta área do conhecimento consegue abranger as dimensões da linguagem, do simbolismo, do espaço, do tempo e da cognição. A abordagem antropológica intensificou-se na década de 80, inclusive gerando críticas pelo uso acrítico, explicando tudo e qualquer coisa através do conceito de cultura. Porém, para seus defensores o grande mérito desses estudos foi justamente chamar a atenção para a dimensão simbólica que permeia a organização e os seus grupos. A necessidade de encontrar os significados das relações entre os elementos da cultura de uma organização e que dão sentido ao quotidiano das mesmas justifica o apelo ao estruturalismo, do qual Geertz (1989) é um dos representantes.

Para Geertz (1989: 15) o conceito de cultura é essencialmente semiótico, que vem de encontro com o pensamento de Max Weber "que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu". Geertz concebe a cultura como uma "teia de significados" que o homem tece ao seu redor e que o amarra. Busca-se apreender os seus significados (sua densidade simbólica).

Um dos métodos utilizados para entender a cultura é a descrição etnográfica que se baseia nas palavras dos informantes e o pesquisador interpreta-a e compartilha os significados juntamente com seus informantes, ou seja, aqueles que na verdade possuem o roteiro simbólico do que concebem e articulam logicamente entre suas visões de mundo. O respeito rigoroso à visão que os nativos têm sobre os aspectos analisados (sobre si mesmo, seus conhecimentos e práticas cotidianas, sua concepção do mundo) é fundamental.

Ao se analisar a cultura organizacional sob a ótica antropológica, faz-se necessário interpretar e decodificar a visão de mundo subjacente aos sistema de gestão utilizados e praticados pelas organizações. Pois a prática etnográfica estabelece relações e sendo assim é dialógica, ou seja é uma via de mão dupla, na qual o mesmo objeto ou fato deve ser visto e sentido do mesmo modo, o que requer uma descrição densa do que se está diagnosticando, que segundo Goodenough apud Geertz (1989: 21) "a cultura (está localizada) na mente e no coração dos homens".

Alguns estudiosos contemporâneos tal como Schein, apresentam alguns modelos para diagnosticar a cultura organizacional. Para Schein apud Monteiro et.al.(1999: 74) as categorias para investigar o universo cultural de uma organização são:

1) Analisar o teor e o processo de socialização dos novos membros;
2) Analisar as respostas a incidentes críticos da história da organização;
3) Analisar as crenças, valores e convicções dos criadores ou portadores da cultura;
4) Explorar e analisar junto a pessoas de dentro da organização as observações surpreendentes descobertas durante as entrevistas
.

As categorias apresentadas por Schein vem sendo largamente utilizadas nas investigações sobre cultura organizacional, inclusive se tem chegado a algumas conclusões tais como: a importância do papel dos fundadores da organização no processo de moldar seus padrões culturais, que imprime sua visão de mundo aos demais membros da organização e, também sua visão do papel que a organização deve desempenhar no mundo.

Dentre os estudiosos da atualidade encontra-se Fleury, que apresenta o seguinte conceito de cultura organizacional:

Cultura organizacional é um conjunto de valores e pressupostos básicos, expressos em elementos simbólicos que, em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elementos de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação.” (Fleury, 1991: 06).

Smircich apud Monteiro et al. (1999: 73-74) propõe duas linhas de pesquisa a serem seguidas na investigação da cultura organizacional que são:

1) A cultura como uma variável, como alguma coisa que a organização tem, estas variáveis são independentes externa (cultura da sociedade onde a organização está inserida) e interna (produtos culturais como lendas, ritos, símbolos).
2) A cultura como raiz da própria organização, algo que a organização é, considerando a organização como um fenômeno social.

A cultura não é determinante nas tomadas de decisões em uma organização, mas influencia sobremaneira nas diretrizes e práticas a serem adotadas, pois é um instrumento de poder a ser utilizado pelos gestores.

Uma visão antropológica

Para Beyer & Trice (1986), o rito se configura como uma categoria analítica privilegiada para desvendar a cultura das organizações, que é composta por redes de concepções, normas e valores, que são tão tomados por certos que permanecem submersas à vida organizacional. Para Horton & Hunt (apud Fleury, 1989), a cultura é tudo aquilo que é apreendido e partilhado pelos membros de uma sociedade. Esse conceito utiliza-se do método funcional, ou seja, a sociedade sofreu segmentação causada pela divisão de trabalho. Para Hofstede (apud Fleury, 1989), a cultura se baseia em modelo de pensamento que se transfere de pessoa para pessoa. Apesar desses pensamentos situarem-se na mente das pessoas, ficam cristralizados nas instituições e nos produtos tangíveis de uma sociedade.

Já para Horton & Hunt (1980), a cultura é tudo aquilo que é socialmente apreendida e partilhada pelos membros de uma sociedade. Desta forma, conclui-se que a antropologia funcional explica a gênese da cultura de uma sociedade e que as subculturas nasceram dentro deste mesmo processo funcional, pelo motivo de a sociedade ter sofrido segmentação causada pela divisão de trabalho e ainda que cultura é adequada por surgir uma necessidade a ser satisfeita, e se manteve porque se provou ser conveniente para um fim colimado.

Lakatos (1979) define que a cultura é um modelador de comportamento e está presente em qualquer agrupamento de pessoas com características próprias a cada um deles. Malinowski (1965) afirma que a cultura não é estática e que acompanha as modificações da sociedade; desta forma conclui-se que a organização formal é dinâmica e assim se transforma de acordo com as interações sociais.

Fontes:
http://www.dad.uem.br/ . In E-Learning. Digerati. ELE 0001 (CD-Rom)
http://www.epa.adm.br/cultura.htm . In E-Learning. Digerati. ELE 0001 (CD-Rom)