segunda-feira, 29 de junho de 2009

Antonio Brás Constante (Uma Feira de Doces para Alimentar o Pensamento)



Todos os anos acontecem em diversas partes do mundo as chamadas feiras do livro. Essas feiras mais parecem feiras de quitutes de vários sabores, que atendem a todos os gostos dos leitores. São iguarias que alimentam o espírito e a mente, sem engordar.

As obras podem ser devoradas a qualquer momento e em qualquer lugar, em dias frios ou noites quentes e vice-versa. Os livros já vêm embalados em belas capas. Para consumi-los, basta adquirir um exemplar e sair provando seu recheio literário, sem se preocupar em sujar os dedos. Suas deliciosas páginas podem passar de mil folhas, fazendo alguns se perguntarem: “será que dou conta de ler tudo isso?”. São dúvidas que desaparecem, quando a magia da leitura acontece.

Cada livro é um doce diferente que guarda um gostinho cheio de novidades a espera de olhares ávidos pelos mistérios e encantos de suas páginas. Podemos degustar sem pressa, pois o livro não derrete, ao contrário, incendeia nossa imaginação à medida que vamos experimentando o sabor e o saber de suas histórias. A leitura transpassa os nossos olhos, invadindo nossas mentes e alterando nossas percepções sobre o mundo e sobre nós mesmos. Dispõe de características que lhe tornam um tipo de alimento não perecível, desde que se tomem alguns cuidados no seu manuseio e guarda. Cada volume possui um tempero diferente, proveniente de todos os recantos deste gigantesco globo azul. O bom de um livro é que um único exemplar pode saciar a fome literária de várias pessoas, sendo uma fonte de alimento praticamente inesgotável.

As feiras do livro conseguem demonstrar que existem opções para a televisão e o videogame, bastando para isso que as pessoas tirem um pouquinho de seu tempo para sorver o néctar extasiante da leitura, exercitando e excitando suas mentes a cada parágrafo, pois o livro é uma academia de bolso.

Tudo acontece na velocidade de um olhar. Ao tocar em um volume com seus olhos, a pessoa imediatamente deixa de estar onde estava, passando a viver em outro mundo, em outra dimensão, pois a feira do livro é um portal de passagem para múltiplos universos. Lá você alcança o livro e o livro alcança sua alma. Mas do que um amigo imaginário trata-se de um amigo que invade nosso imaginário, com quem passamos a nos relacionar e conviver.

Por isso é importante que seja incutido desde cedo nas crianças o gosto pela leitura, para que depois elas não passem a encarar o livro como quem encara um pedaço de brócolis ou uma salada de beterraba e diga: “eu não gosto disso, eu não vou ler isso” (a propósito, eu gosto de brócolis e adoro beterraba).

A feira do livro é um lugar onde muitas vezes autores e leitores se encontram, ligados por um mesmo elo que é a obra literária ali exposta, fazendo com que suas vidas passem a ficar eternamente ligadas pelos livros que compartilham. Estas feiras são ótimos lugares para alguém se perder e ao mesmo tempo se encontrar, se perdendo em mil histórias e se encontrando no hábito saudável da leitura.

Espero que este texto tenha conseguido abrir seu apetite literário, pois quero encerrar deixando um convite para os leitores prestigiarem as feiras que vão surgindo como jardins floridos de livros pelas cidades e escolas, entre elas a minha jovem e bela cidade de Canoas no Rio Grande do Sul, que está lançando sua 25º feira do livro de 20 de junho a 04 de julho de 2009, a cidade também comemora os 70 anos de sua história, com inúmeras atrações que deixarão muitas recordações. Mas as feiras não param por aí, depois haverá eventos do livro em Porto Alegre, Jaraguá do Sul (julho), em Arroio dos Ratos (outubro) entre outras tantas cidades. Participe de quantas feiras você puder, afinal a sede de leitura não enfastia, e ainda é 100% sadia.

Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem = Universus Paralelus

sábado, 27 de junho de 2009

Trova XXXI

Guimarães Rosa (Aniversário de Nascimento)

Guimarães Rosa (4 Contos do Livro Primeiras Histórias)



Pirlimpsiquice

Conto narrado em primeira pessoa, apresentando um narrador protagonista.

O período a que o autor nos remete é o tempo prazeroso da infância, repleto de aventuras e de experiências inéditas, como a da arte de representar.

O nome desse conto parece uma união de duas idéias, Pirlimpimpim, o pó de faz de conta do Sítio do Picapau Amarelo e psique, que tanto pode significar “alma”, “espírito”, “mente”. É a história de onze ou doze crianças que estão ensaiando uma peça, Os Filhos do Dr. Famoso, para ser encenada diante da escola. É notável como crianças, símbolo da liberdade, agem no rigor dos ensaios constantes. Chama a atenção também como os adultos têm uma linguagem tão empolada, próxima do vazio. O pior é que um grupo de crianças, liderado pelo Gamboa, ficou de fora de todo esse processo e começa a espalhar que tem conhecimento da obra que os meninos ensaiam tão em segredo. Então, como disfarce, os atores criam uma terceira história.

Tudo perfeitamente programado, mas em cima da hora o Ataualpa, quem iria abrir a peça, tem um parente que está para morrer e, por isso, precisa ir embora. Quem assume o seu lugar é o narrador, que sabia todas as falas de cor, pois era o ponto. No entanto, na estréia é que perceberam que a peça devia ser aberta por um poema conhecido só pelo Ataualpa. O narrador fica parado, sem saber o que fazer. A gafe é paga com vaias monstruosas.

A situação é salva por Zé Boné, garoto limítrofe que teve sua participação limitada a um papel sem fala. Inesperadamente começa a encenar a própria peça do Gamboa, no que é seguido pelos demais garotos, como se estivessem num transe, que se transfere para a platéia, paralisando-a. Esse transe coletivo pode ser entendido como o poder da Arte.

Em Pirlimpsiquice, a invencionice infantil é lembrada com saudades pelo narrador levantando um tênue limite entre o real e a imaginação.

No conto, o narrador-personagem, já adulto, narra um episódio transcorrido em sua infância, quando estudava interno em um colégio:

Um grupo de alunos é convocado para encenar uma peça teatral [Os filhos do doutor Famoso]. Entusiasmados, os meninos ouvem o resumo do drama, lido pelo Dr. Perdigão “lente de corografia e história-pátria”. O narrador é escalado para ser apenas o ponto.

Passam a ensaiar todo o final de tarde, depois do jantar, enquanto os outros cumprem horas obrigatórias de estudo e prometem badernas e vaias durante a apresentação e sovas depois.

No dia da apresentação, Ataualpa, o menino que representaria o papel mais importante – o Dr. Famoso – tem de viajar às pressas, pois seu pai está à morte. O ponto, por conhecer todas as falas das personagens, é escalado para substituí-lo.

Quando já está frente ao público, o menino se dá conta de que deveria iniciar com a declamação de um poema que falava na “Virgem Padroeira e na Pátria!", mas este era conhecido somente por Ataualpa. Diante da hesitação e do silêncio do menino em cena, o público ri.

Este, por fim, diz trêmulo: “-Viva a Virgem e viva a Pátria”. Porém a confusão não para aí. Mandam abaixar as cortinas do palco, mas elas não descem. Entram as crianças para a próxima cena, mas “apalermados” não proferem palavra. Como conseqüência: “- A vaia, que ninguém imaginava. O que era um mar – patuléia, todos em mios, zurros, urros, assobios: pateada. A gente, nada”.

No meio da confusão, Zé Boné, um que “regulava de papalvo [indivíduo simplório, pateta] começa a representar; só que não a história prevista, mas uma outra, inventada por um colega – Gamboa – com quem os atores tinham rixas. A partir daí, os meninos passam a improvisar e conquistam o respeito da platéia que os aplaude.

A história vai se tornando tão envolvente que eles não percebem que têm de concluí-la: “Entendi. Cada um de nós se esquecera de seu mesmo, e estávamos transvivendo, sobrecrentes disto: que era o verdadeiro viver? E era bom demais, bonito – milmaravilhoso – a gente voava, num amor, nas palavras: no que se ouvia dos outros e no nosso próprio falar. E como terminar?”

O narrador é o único a perceber que a ilusão havia tomado o lugar da realidade e que isso teria de ter um fim. Então resolve dar uma cambalhota, para cair, de propósito. Perde os sentido e a peça é interrompida.
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Fatalidade

Conto narrado em primeira pessoa (testemunha), cujos personagens são: Meu Amigo, delegado filósofo, que já foi de tudo na vida, e Zé Centeralfe, caboclo perseguido por um valentão que lhe quer roubar a esposa.

Os recursos de linguagem utilizados são barbarismos e elipses ("adonde" barbarismo popular).

O conto contrapõe o poder da autoridade ao poder do homem comum, submetido às leis e tematiza, em última instância, a violência arbitrária existente no sertão. Esta, por sua vez, justifica o título, pois assume um caráter de fatalidade. Portanto, a fatalidade (a morte) é o tema do conto, sem associação com o cômico, mas com o místico.

Trata-se da história de Zé Centeralfe, que vive acochado, pois sua esposa desonrosamente está sendo cortejada por um facínora, Herculinão. O casal, para evitar problemas, mudou-se do Pai-do-Padre para Amparo. Mas o bandido segue-os. Mudam-se então para a cidade, onde deveria haver lei, ordem, segurança, mas continuam sendo seguidos. É por isso que o pobre homem vai pedir ajuda ao delegado, chamado pelo narrador de Meu Amigo, figura que cita intensamente os filósofos gregos. A intenção é obter o apoio da justiça dos homens. No entanto, Zé Centeralfe é induzido a outro tipo de moral. Aparentemente, é a justiça pelas próprias mãos, pois o delegado convence Centeralfe, apenas com o olhar, a pegar as armas. Assim que saem, encontram Herculinão, que é assassinado com um tiro no peito (coração) e outro na cabeça (mente).

Em Fatalidade, aprende-se a viver, não debaixo da lei do determinismo de um destino alheio e estranho aos reclamos do coração, mas sob a graça da liberdade de transformar a inexorabilidade de uma sentença fatal na maleabilidade de uma disposição vital capaz de não desperdiçar a ocasião oportuna de reespiritar-se.
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Substância

Este conto, Substância, tem como personagem principal Sionésio, homem simples, trabalhador e calado. O vocabulário reduzido limita-lhe a expressão, não a sensibilidade. O narrador, em terceira pessoa, onisciente, fala por ele, transformando seus sentimentos em linguagem.

O título desse texto, um verdadeiro conto de fadas, estaria relacionado a três fatos. Substância pode significar “o essencial”. Seria um conselho para que nos atenhamos apenas ao que é importante. É a lição aprendida por Sionésio. A palavra pode também estar ligada à idéia de alguns textos místicos medievais, que diziam que os anjos eram todos iguais – assim como o moço muito branco, de Um Moço Muito Branco, que é indefinido por ser feito de uma substância divina. Pode ainda estar ligada ao polvilho, material extremamente branco que Maria Exita, empregada de Sionésio, manipula.

Este conto apresenta uma bela metáfora sobre a pureza de sentimento decorrente da retidão e do sofrimento. Há trabalho incessante, e o cotidiano de uma menina dedicada a bater o polvilho, num movimento incansável, é descrito nos planos objetivo e subjetivo. No enredo, vemos a descrição do trabalho, da lida e da luta pela sobrevivência, e temos um valioso retrato dos costumes de uma comunidade que tem como uma das formas de subsistência o fabrico e o depuramento do polvilho, bem como as condições precárias e primitivas em que este trabalho é realizado.

Em Substância os contrários aparecem harmonizados ao final do conto. Os personagens transcenderam assim o nível imediato de uma realidade, superando a cisão dos opostos. Para falar deste outro estágio em que eles se encontram Guimarães Rosa lança mão de estruturas lingüísticas carregadas de paradoxos: "acontecia o não-fato", "em-si-juntos", "avançavam, parados".

Deve-se também observar no conto a notação fonética dos nomes: Maria Exita (Mariasita), Sionésio (senhor Onésio) e Nhatiaga (senhora Tiaga). Essa é uma das marcas de Guimarães Rosa.

Enredo

É a história de amor entre Maria Exita e Sionésio. Maria Exita havia chegado à fazenda de Sionésio, trazida por ele por pena: a mãe havia abandonado a casa, seus dois irmãos eram criminosos e seu pai, leproso, também havia partido. Ela era ainda menina, feia e desengonçada.

Na fazenda, aceitaram-na porque a velha Nhatiaga, peneirinha de polvilho, compadecera-se dela. À Maria Exita deram porém ingrato serviço, de todos o pior: o de quebrar, à mão, o polvilho, nas lajes.

A fazenda mantinha-se do plantio da mandioca e da produção de farinha e polvilho. Sionésio herdou-a. Prazer era ver, aberto, sob o fim do sol, o mandiocal de verdes mãos. Amava o que era seu – o que seus fortes olhos aprisionavam.

Não havia reparado nela enquanto, quieta e imperturbável, crescia, transformando-se numa linda moça – ela, flor.

Sionésio vai-se apaixonando por Maria Exita. Todo esse tempo. Sua beleza, donde vinha? Sua própria, tão firme pessoa? A imensidão do olhar – doçuras. Se um sorriso, artes como de um descer de anjos. Sionésio nem entendia. Somente era bom, a saber feliz, apesar dos ásperos.

Surpreendentemente, tornara-se aos seus olhos, deslumbrante, dona de uma beleza radiante digna das musas de Petrarca e Camões. Essa luminosidade é reforçada pela matéria com a qual lida, o polvilho, e para a qual é a única que está acostumada, mesmo sob o forte sol do sertão, que torna essa substância dotada de um brilho cegante. Essa familiaridade a torna divina.

No entanto, Sionésio tem medo. Ele preocupa-se com o fato de que alguém pudesse afastar sua quente presença para longe dele. A mãe de Maria Exita era leviana, tendo abandonado o lar. O pai estava num lazareto (lugar para leprosos). Seus irmãos eram bandidos, um preso e outro foragido. O fazendeiro tem, portanto, teme que em sua amada exista a marca de algumas dessas malignidades.

Sionésio sente que a paixão é maior que o preconceito, vence todos esses receios e pede-a em casamento. Atingir a realização, a felicidade plena exige a coragem de suplantar obstáculos. Caminha para a eternidade, para a luz, para o “não tempo” e o “não fato”.
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A partida do audaz navegante

Conto narrado em terceira pessoa, onde há duas histórias justapostas: a que nos conta o narrador, envolvendo as crianças; e a que Brejeirinha inventa sobre o “Audaz Navegante”. O conto desenvolve, portanto, duas narrativas absolutamente simétricas e correspondentes, a do narrador onisciente e a de Brejeirinha sobre as mesmas personagens e ações, Zito, a namorada, a separação e o reencontro. A intenção é privilegiar a linguagem e o universo infantil, seus jogos e brincadeiras.

Guimarães Rosa olha o mundo neste conto através de Brejeirinha, personagem central.

Neste conto os barbarismos são explorados poeticamente.

Logo no início do conto, quando o narrador procura situar o leitor dentro do "espaço", é apresentada a personagem "Mamãe". Pelo tratamento, pode-se compreender que o narrador se inclui como personagem da cena, sem manter um distanciamento de quem narra fatos experimentados por outros.

Zito é o elemento "de fora"; portanto aquele que rompe a harmonia. Metáfora do desejo, Zito é símbolo do pai ausente e desdobra-se na figura do "audaz navegante". Pode-se, então, compreender que a narrativa de Brejeirinha como uma construção que, a um só tempo, denuncia a falta (do pai) e tenta, pela linguagem, pela fantasia, reverter a perda em conquista, uma situação na qual a passividade (sofrer a perda) transforma-se em poder: impor a saída (do navegante).

Enredo

Os acontecimentos giram em torno de quatro crianças: três meninas – Pele, Ciganinha e Brejeirinha, irmãs – e um menino – Zito.

É de manhã e a mãe das meninas está às voltas com as lides da casa. Nurka, a cachorrinha, dorme. As crianças ainda estão em casa, porque, lá fora, chove.

O narrador nos informa a respeito das crianças: Pele, meiga e prestativa; Ciganinha, linda, o retrato da mãe; Zito, imaginativo, “sonhava ir-se embora, teatral”; Brejeirinha, a menor e mais arteira.

Brejeirinha, como se pressentisse os sonhos de Zito, diz -Zito, você podia ser o pirata, inglório marujo, num navio intacto, para longe, longe no mar, navegante que o nunca-mais, de todos? Empolgada, a menina começa a contar sua história: narra a partida de um “Audaz Navegante” que deixa a todos que ama para descobrir os lugares, que nós não vamos nunca descobrir. A história termina com todos chorando por causa da partida do "Aldaz".

A história é interrompida por Pele: -Você é uma analfabetinha “aldaz”, referindo a pronúncia inadequada da menina. Ciganinha não gostou da história: Por que você inventou essa história de tolice, boba, boba?

Brejeirinha responde: - Porque depois pode ficar bonito, ué!

Mas o tempo melhorou, a mãe ia visitar uma doente e as crianças pediram para ir riacho.

Mamãe deixava, elas não eram mais meninas de agarra-a-saia. Zito devia acompanhá-las, pois já era um ‘meiozinho’ – homem, leal de responsabilidades.

As crianças dirigem-se alegres para o riacho: Zito dando o braço a Ciganinha, por vezes, muito, as mãos se encontravam. Pele se crescia, elegante. E ágil ia Brejeirinha com seu casaquinho coleóptero. Ela andava pés-para-dentro, feito periquitinho, impávido.

Já no riacho e em meio a brincadeiras, Brejeirinha pede a atenção de Zito e Ciganinha. Queria continuar sua história. Dessa vez, o “Aldaz” é pego de surpresa pelo mar, que leva seu navio.

Mas a menina perde o fio da história, e Pele, impaciente, aponta um estrume seco de vaca, dizendo eha o seu aldaz navegante, ali. É aquele...

Em cima do estrume ressequido – chamado por Brejeirinha de “bovino”, crescera um cogumelo.

A menina enfeita o “bovino” com florezinhas. Todos riem e batem palmas: -Pronto. É o Aldaz Navegante...

Depois disso, Brejeirinha ainda continua a história. Conta que o "Aldaz" sozinho e temeroso deu um pulo onipotente...Agarrou, de longe a moça, em seus braços...Então, pronto [...] Agora, acabou-se, mesmo: eu escrevi – "Fim".

A chuva recomeçava e cercava o “bovino”. O “Aldaz” logo partiria, levado pelas águas. As crianças decidem mandar recados por ele: -Zito põe um moeda. Ciganinha, um grampo. Pele, um chicle. Brejeirinha – um cuspinho, é o seu estilo. E a estória? Haverá, ainda tempo para recontar a verdadeira estória? Brejeirinha ainda inventa outro final. Dessa vez, o Aldaz e sua amada partem juntos, desde o início.

A chuva aumentava e Brejeirinha, assustada, tranqüiliza-se quando vê a mãe, "fada, inesperada, surgia, ali de contraflor". Juntos observam a partida do “bovino”: Olha! Lá se vai o "Aldaz Navegante".
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Análise do Livro Primeiras Histórias, em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/08/guimares-rosa-primeiras-estrias.html

Biografia de Guimarães Rosa
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/04/guimares-rosa-1908-1967.html
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Fonte:
Portal de Estudos Passeiweb

Lya Luft (Canção na plenitude)


Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.
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Fonte:
LUFT, Lya. Secreta Mirada. SP: Editora Mandarim, 1997.

Lafcádio Hearn (A Promessa)

Não temo a morte – disse a esposa agonizante. – Só tenho uma preocupação neste momento: Quisera saber quem ocupará meu lugar nesta casa.

Minha querida – replicou o marido aflito – ninguém ocupará jamais teu lugar na minha casa. Nunca, nunca tornarei a casar-me.

Ao dizer isto, dizia-o com o coração, porque amava a mulher que estava a ponto de perder.

- Jura pela fé do samurai? – perguntou ela, com um sorriso apagado.

- Pela fé do samurai – respondeu ele, acariciando-lhe o rosto consumido e pálido.

- Então, amado meu, - continuou ela – sepultar-me-ás perto daquelas ameixeiras que plantamos a um canto do jardim. Havia muito que queria pedir-te isso, mas pensei que, se voltasses a casar-te, não gostarias de ter meu sepulcro tão perto. Agora que prometeste que nenhuma mulher ocupará o meu lugar, não é mais necessário que eu titubeie em formular meu desejo... tenho tanta vontade de ser sepultada no meu jardim! Imagino que ali ainda ouvirei, às vezes, tua voz e que verei as flores na primavera.

- Far-se-á como desejas, - respondeu o marido – mas não fales agora disso; não é tão grave assim o teu mal para que tenhamos perdido a esperança.

- Eu a perdi; - replicou ela – morrerei amanhã... Mas, enterrar-me-ás no jardim?

- Sim; - disse ele – à sombra das ameixeiras que plantamos, e terás um belo sepulcro.

- Dar-me-ás uma campainha?

- Uma campainha?

- Sim, quero que, no ataúde, ponhas uma campainha, como essas que levam os peregrinos budistas. Prometes?

- Terás a campainha... e tudo quanto mais desejares.

- Nada mais desejo... amado meu, sempre foste muito bom para mim. Agora posso morrer feliz.

Fechou os olhos e expirou com a mesma facilidade com que as crianças cansadas adormecem. Mesmo morta, continuava bela, e havia um sorriso em seu rosto.

Enterraram-na no jardim, à sombra das árvores que amara, e colocaram uma campainha dentro do seu esquife. Sobre a sepultura erigiu-se um formoso monumento, ornado com o escudo da família e ostentando o seguinte Kaymio: Grande Irmã Maior, Sombra Luminosa da Câmara da Flor de Ameixeira, moras na Casa do Grande Mar da Compaixão.

Todavia antes que transcorresse um ano da morte de sua esposa, os parentes e amigos do samurai começaram a instá-lo que contraísse novo matrimônio.

- Ainda és jovem, - diziam-lhe – és filho único e não tens descendentes. Um samurai tem o dever de tomar esposa. Se morres sem filhos, quem fará as oferendas? Quem recordará os antepassados?

Com muitos argumentos dessa índole, persuadiram-no, por fim, a casar-se novamente. A nova esposa tinha apenas dezessete anos; e o samurai a amou ternamente, apesar do mudo protesto da tumba no jardim.

II

Nos seis primeiros dias que se seguiram ao casamento, nada turvou a felicidade da jovem esposa. No sétimo, o samurai recebeu ordem de cumprir certos deveres, que requeriam sua presença, à noite, no castelo. Na primeira noite em que se viu obrigado a deixar só a esposa, ela sentiu-se amedrontada, sem poder explicar por quê. Deitou-se, mas não pôde dormir. Havia uma estranha opressão no ambiente, um peso indefinível na atmosfera, como o que precede uma tormenta.

À hora do Boi, ouviu ela, no silêncio noturno, uma campainha... uma campainha de peregrino budista, e perguntou quem seria o peregrino que atravessava as possessões do samurai a tal hora. Depois de uma pausa, a campainha soou de novo, mas muito mais próxima; mas por que se aproximava pelo fundo, onde não havia caminho algum?... De repente os cachorros começaram a gemer e a latir e modo estranho e horrível e um temor, como o que se experimenta em certos pesadelos, apossou-se da jovem... Era indubitável que a campainha soava no jardim... Tratou de levantar-se para chamar um criado, mas compreendeu que não podia mover-se nem falar... E o som da campainha se ouvia cada vez mais próximo, mais próximo... E como ladravam os cachorros!... De repente, com a ligeireza com que desliza uma sombra, entrou no aposento uma mulher – ainda que todas as portas estivessem fechadas e todas as cortinas descidas – uma mulher envolta em um sudário, trazendo uma campainha de peregrino. Não tinha olhos... porque, desde havia muito, estava morta; seus cabelos soltos caíam-lhe em cascata sobre o rosto e ela olhava sem olhos através do emaranhado dos cabelos e falava sem língua:

- Nesta casa, não; nesta casa não ficarás! Aqui ainda sou eu a dona. Vai-te! A ninguém dirás o motivo de tua partida. Se o disseres a ele, far-te-ei em pedaços.

Assim dizendo, o fantasma desapareceu. A jovem esposa desmaiou de terror e, até ao amanhecer, permaneceu inconsciente.

À alegre luz do dia, duvidou da realidade do que havia visto e ouvido. Ainda que a recordação da advertência pesasse tanto em seu coração que não se atreveu a falar a seu esposo, nem a pessoa alguma sobre a visão da noite, esteve a ponto de convencer-se de que havia sido vítima de um pesadelo que a fizera doente.

Na noite seguinte, no entanto, suas dúvidas se dissiparam. Uma vez mais, à Hora do Boi, os cachorros começaram a uivar e gemer; uma vez mais ouviu-se o som da campainha aproximando-se lentamente pelo jardim; uma vez mais, a jovem tentou, em vão, levantar-se e chamar por socorro; uma vez mais a morta entrou no aposento e disse, com voz sibilante:

- Vai-te. A ninguém dirás por que deves ir-te. Sim, se o disseres a ele, mesmo que num sussurro, far-te-ei em pedaços.

Desta vez a aparição aproximou-se do leito e inclinou-se sobre a moça, resmungando e fazendo caretas...

Na manhã seguinte, quando o samurai regressou do castelo, sua jovem esposa se prostrou diante dele, implorante:

- Suplico-te – disse – que perdoes minha ingratidão e minha grande descortesia ao falar-te deste modo, mas quero voltar para casa; quero ir-me imediatamente.

- Não és feliz aqui? – perguntou ele sinceramente surpreso. – Alguém se atreveu a ser pouco cortês contigo durante minha ausência?

- Não se trata disso – respondeu ela, soluçando. – Todos têm sido bons comigo... Mas não posso continuar a ser tua esposa. Devo ir-me.

- Minha querida – exclamou ele – é tremendamente doloroso saber que encontraste nesta casa motivo para ser infeliz. Mas não posso sequer imaginar por que queres ir-te... a menos que alguém tenha sido muito descortês contigo... Naturalmente, não queres dizer que desejas o divórcio?

Ela respondeu temerosa, chorando:

- Se não me concedes o divórcio, morrerei.

O samurai permaneceu um instante em silêncio, tratando em vão de adivinhar o motivo daquela assombrosa declaração. Por fim, sem revelar qualquer emoção, respondeu:

- Devolver-te à tua casa, sem que hajas cometido falta alguma, seria um ato vergonhoso. Se me revelares o motivo do teu desejo – qualquer motivo que me permita explicar as coisas honradamente – dar-te-ei o divórcio. Mas se não me ofereceres motivo, um motivo razoável – não to darei, porque a honra de nossa casa deve manter-se invulnerável a qualquer censura.

Então, ela se sentiu obrigada a falar, e lhe contou tudo, acrescentando no auge do terror:

- Agora que contei tudo, ela me matará! Me matará!

Embora homem valente e pouco propenso a acreditar em fantasmas, o samurai sentiu-se, no primeiro instante, consideravelmente alarmado. Porém, logo veio-lhe ao espírito uma explicação fácil e natural para o caso.

- Minha querida – disse – estás muito nervosa e temo que alguém tenha estado a contar-te histórias tolas. Não posso conceder-te o divórcio apenas porque tiveste um pesadelo. Mas lamento muito que tenhas sofrido tanto durante a minha ausência. Esta noite também deverei ir ao castelo, mas não te deixarei só. Mandarei dois de meus soldados montarem guarda aos teus aposentos, assim poderás dormir em paz. São bons homens, e saberão cuidar de ti.

E falou-lhe com tanta segurança, com tanto carinho, que ela quase sentiu vergonha de seus temores e resolveu continuar na casa.

III

Os dois soldados encarregados eram homens robustos, valentes e simples, experimentados guardiães de mulheres e crianças. Contaram à jovem histórias agradáveis para mantê-la alegre. Ela conversou com eles durante muito tempo, festejando-lhes as tiradas isentas de malícia, e quase esqueceu seus temores. Quando por fim se recolheu para dormir, postaram-se eles a um canto do aposento, atrás de um biombo, e começaram a jogar uma partida de go(1), falando em voz baixa, para não despertar a jovem, que dormia como uma criança.

Porém, uma vez mais, à Hora do Boi, despertou ela com um gemido de terror... A campainha! Já estava próxima e se aproximava cada vez mais. Ergueu-se; deu um grito, mas no quarto não se ouvia nada... só um silêncio de morte, um silêncio que crescia, um silêncio que se avolumava. Correu para os soldados; estavam sentados diante do tabuleiro, imóveis, olhando-se com os olhos fixos. Gritou-lhes, sacudiu-os: estavam como que gelados...

Depois, contaram os guardas que haviam ouvido a campainha e o grito da jovem, e que havia mesmo sentido quando ela os sacudira para despertá-los; todavia, não haviam podido mover-se nem falar. A partir desse momento, deixaram de ouvir e de ver: um sono negro havia-se apoderado deles.

Ao amanhecer, quando na câmara nupcial, o samurai viu, à difusa luz de uma candeia, o cadáver decapitado de sua jovem esposa, que jazia num charco de sangue. Os dois guerreiros dormiam ainda, acocorados, diante da partida inconclusa. Ao ouvirem o grito de seu amo, acordaram num átimo e ficaram a olhar estupidificados aqueles horror que jazia a seus pés.

A cabeça desaparecera e a espantosa ferida mostrava que não havia sido cortada, e sim arrancada. Um caminho de sangue ia desde a câmara até um canto da galeria exterior, onde as cortinas pareciam haver sido rasgadas. Os três homens seguiram o rastro; embrenharam-se pelo jardim, atravessaram grupos de ciprestes e caminhos aquosos, contornaram um tanque bordejado de lírios, passaram sob densas ramagens de cedros e bambus. E de repente, em um recanto, repararam com uma figura de pesadelo, que guinchava como um morcego: a figura de uma mulher, sepultada havia muito, de pé, diante de sua tumba; numa das mãos trazia uma campainha e, na outra, a cabeça ensangüentada. Por um instante, permaneceram os três aturdidos. Depois, um dos soldados desembainhou a espada, pronunciando uma oração budista, e assentou um golpe na aparição, que se desfez instantaneamente num desarticulado montão de panos de sudário, cabelos e ossos, ao mesmo tempo em que, dessa ruína, se desprendia a campainha, rodando e tilintando.

Mas a descarnada mão esquerda, mesmo depois de cortada, continuava a se retorcer, os dedos segurando ainda a cabeça ensangüentada, rasgando-a, lacerando-a como as pinças de um caranguejo amarelo, tenazmente cravado a uma fruta caída...

(Essa é uma história perversa – disse eu ao amigo que ma havia contado. – A vingança da morta, no caso de cumprir-se, deveria recair sobre o homem.

- Isso é o que crêem os homens – respondeu-me. – Mas não é o que sente uma mulher.
E tinha razão.)
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Nota:
(1) Go, Weiqi ou Baduk se trata de um jogo estratégico de soma zero e de informação perfeita para tabuleiro , em que duas pessoas posicionam pedras de cores opostas. Sua origem vem da antiga China, entre 2000 aC e 200 aC. O jogo é popular no leste da Ásia. O desenvolvimento do jogo pela internet aumentou muito a sua popularidade no resto do mundo. É reconhecido como um jogo que envolve grande capacidade estratégica, tendo grande número de praticantes na Coréia, na China, no Japão, nos EUA e na Europa. Em outros lugares, como Brasil, é praticado basicamente pelos da diáspora asiática e curiosos.
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Fontes:
http://victorian.fortunecity.com/postmodern/135/hearn.htm
Wikipedia
Imagem = Inkwebane

Lafcádio Hearn “Koizumi Yakumo” (27 Junho 1850 – 26 Setembro 1904)



Patrick Lafcádio Hearn (27 de junho de 1850 - 26 de setembro de 1904), também conhecido como Koizumi Yakumo, nome que adotou após adquirir cidadania japonesa, foi um jornalista e escritor conhecido por seus livros a respeito do Japão. Ele é especialmente conhecido pelos japoneses devido às suas coleções de contos de fadas, um dos quais foi transformado em filme por Masaki Kobayashi (Kwaidan (1965)). Viveu muito tempo no Japão e conquistou, com sua obra, grande renome internacional.
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Hearn nasceu na Grécia, na ilha de Leocádio, uma das ilhas jônicas (Em grego a ilha se chama Lefkas - de onde se origina seu nome). Filho do major cirurgião Charles Hearn, nascido em King's County na Irlanda e de Rosa Antonia Kassimati nascida em Leocádio. Seu pai estava servindo na ilha durante a ocupação inglesa das ilhas jônicas. Aos seis anos de idade Lafcádio Hearn mudou-se para a Irlanda. O gosto pelas artes e pela Boemia estava no sangue de Hearn. O irmão de seu pai, Richard, foi um membro renomado do grupo de artistas Barbizon, embora não tenha feito fama como pintor devido à sua falta de energia.

O jovem Hearn teve uma educação casual, mas estudou por um curto período (1865) no Ushaw Roman Catholic College em Durham. A fé religiosa na qual ele foi criado, foi logo perdida e, aos 19, ele foi enviado para viver nos Estados Unidos da América, se instalando na cidade de Cincinnati, Ohio. Lá ele desenvolveu uma amizade que durou toda a sua vida com o impressor inglês Henry Watkin. Com a ajuda de Watkin, iniciou uma carreira no baixo escalão do jornalismo. Devido ao seu talento como escritor, subiu rapidamente e se tornou repórter no Cincinnati Daily Enquirer, onde permaneceu de 1872 a 1875. Com liberdade criativa em um dos maiores jornais em circulação na cidade, ele desenvolveu uma reputação pelos sensíveis, sombrios e fascinantes relatos sobre os desfavorecidos de Cincinnati. Ele continuou a se ocupar do jornalismo, leituras e observações da sociedade local, enquanto suas idiosincrasias românticas e por vezes mórbidas se desenvolviam.

Ainda em Cincinnati, casou-se com Mattie, uma mulher negra, o que na época era uma prática ilegal. Quando o escândalo foi descoberto e tornado público, ele foi demitido do Enquirer e foi trabalhar no jornal rival, o Cincinnati Commercial, mas a poluição da cidade irritava seus olhos sensíveis e ele se mudou para New Orleans, Luisiana em 1877

De 1877 a 1888 permaneceu em New Orleans escrevendo para o Times Democrat. Seus escritos nessa cidade se concentravam na história creole da cidade, sua culinária peculiar, a marginalidade e o Vodu. Seus artigos para publicações como a Harper's Weekly e Scribner's Magazine ajudaram a moldar a imagem de New Orleans como um colorido reduto da decadência e do hedonismo. Seu livro mais conhecido sobre a Luisiana é Gombo Zhebes (1885).

O Times Democrat enviou Hearn para as Índias Ocidentais como correspondente em 1889. Ele passou dois anos nas ilhas e lá produziu Two Years in the French West Indies (Dois Anos nas Índias Ocidentais Francesas) e Youma, The Story of a West-Indian Slave (Youma, a História de um Escravo das Índias Ocidentais), ambos em 1890.

Em 1891 foi ao Japão comissionado como correspondente em um jornal, mas o contrato foi logo rompido. Foi no Japão, no entanto, que encontrou seu lar definitivo e sua maior fonte de inspiração.

Durante a década de 1890, ele se tornou professor de literatura inglesa na Universidade Imperial de Tóquio e logo se viu totalmente enfeitiçado pelo Japão. Casou-se com uma japonesa, filha de um samurai, se naturalizou japonês sob o nome de Koizumi Yakumo e adotou o budismo. Sua saúde tornou-se frágil nos últimos anos de sua vida, forçando-o a parar de dar aulas na Universidade. Morreu em 26 de setembro de 1904 vítima de um ataque cardíaco.

No fim do século XIX o Japão era ainda desconhecido e exótico para o mundo ocidental. Com a introdução da estética japonesa, particularmente na Exposição Universal de 1900, em Paris, o Ocidente adquiriu um apetite insaciável pelo Japão e Hearn se tornou mundialmente conhecido pela profundidade, originalidade e sinceridade dos seus contos. Em seus últimos anos, alguns críticos, como George Orwell, acusaram Hearn de transferir seu nacionalismo e fazer o Japão parecer mais exótico, mas, como o homem que ofereceu ao Ocidente alguns de seus primeiros lampejos do Japão pré-industrial e do Período Meiji, seu trabalho ainda é valioso até hoje.

Livros sobre temas japoneses
Glimpses of Unfamiliar Japan (1894)
Out of the East: Reveries and Studies in New Japan (1895)
Kokoro: Hints and Echoes of Japanese Inner Life (1896)
Gleanings in Buddha-Fields: Studies of Hand and Soul in the Far East (1897)
Exotics and Retrospectives (1898)
Japanese Fairy Tales - Contos de fadas japoneses (1898) e seqüências
In Ghostly Japan (1899)
Shadowings (1900)
A Japanese Miscellany (1901)
Kottō: Being Japanese Curios, with Sundry Cobwebs (1902)
Kwaidan: Stories and Studies of Strange Things (1903)
Japan: An Attempt at Interpretation (1904; publicado logo após sua morte)
The Romance of the Milky Way and other studies and stories (1905; publicado postumamente)

Fonte:
Wikipedia

Carlos Reverbel (21 Julho 1912 – 27 Junho 1997)



Carlos de Macedo Reverbel (Quaraí, 21 de julho de 1912 — Porto Alegre, 27 de junho de 1997) foi um jornalista, cronista e historiador brasileiro.

Reverbel nasceu em 1912, em Quaraí. Criou-se numa vida de fazendeiro, em família de largas posses e bastante ilustrada, coincidência que era relativamente comum até certo tempo atrás. Veio a Porto Alegre, para estudar, em 1927, e seguiu estudando no antigo Anchieta até 1933, quando abandonou os estudos formais sem formar-se e sem habilitar-se, portanto, para qualquer curso superior, para desgosto de sua família. Resolveu ingressar no jornalismo, vocação rara em sua geração e classe; para começo de carreira, preferiu trabalhar num jornal de cidade acanhada, a Florianópolis de 1934. Depois disso retornou ao Rio Grande do Sul, onde fez carreira de sucesso no Correio do Povo. Militou na Livraria do Globo, como secretário burocrata e como jornalista, nas duas revistas da época, a popular Revista do Globo e a super-intelectualizada Província de São Pedro.

Na altura de 45, intensificou a convivência (que jamais terminaria) com a obra de Simões Lopes Neto. Primeiro, numa extensa reportagem com a viúva, que ainda vivia; depois com a redescoberta dos textos que viriam a compor o livro Casos de Romualdo; tempos adiante, com a biografia que agora se reproduz. Em suas memórias, fez questão de apor título alusivo ao escritor pelotense: aquela “arca de Blau”, que é o tesouro das memórias de Reverbel, evocava o personagem-narrador dos Contos gauchescos. Em 47, vendeu quase tudo que tinha para viver por dois anos em Paris, já casado. Na volta, viria a ser um dos mais importantes, senão o mais importante, dos jornalistas culturais de século 20 no estado, ao protagonizar uma seção de literatura e cultura no Correio, a partir de 1954. Não apenas editou, escreveu, resenhou e fez reportagens ali; também inventou pautas, propôs textos para escritores daqui e de fora, promoveu enquetes, fez andar a fila da vida cultural letrada.

Viveu até 1997. Sua presença faz uma falta enorme: para além da figura gentil e acolhedora que era, tratava-se de um daqueles sujeitos que tinha, já de moço, a perspectiva da história e o gosto das reminiscências, motivo por que soube desde cedo aproveitar idéias que os jornalistas nem sempre percebem como importantes. Exemplo: em 1948, se lançou a Santana do Livramento entrevistar uma senhora de 93 anos que tinha conhecido, adolescente, naquela cidade, ninguém menos que José Hernández, o autor do Martin Fierro, clássico escrito em parte ali mesmo, na fronteira brasileiro-uruguaia.

Seu faro histórico o fazia igualmente detectar valores no presente. É o caso de uma extensa reportagem que faz, no calor da hora de 48, sobre os jovens gravuristas de Bagé, terra que, segundo o bem humorado mas nunca nihilista Reverbel (o nihilismo é uma das flores fáceis do jornalismo cultural, garantindo sucesso junto aos impressionáveis e aos tolos de todos os tempos mas improdutivo a longo prazo — o prazo mental com que Reverbel e os bons trabalham), seria uma das mais improváveis para a eclosão de movimento artístico de tipo moderno.

Na crônica propriamente dita, é um dos bambas da língua portuguesa, sem favor algum. Com estilo agradável na linha de Rubem Braga (ou, no campo da memória, de Pedro Nava), brincando com o tema e consigo mesmo, manejando a alta cultura letrada e com a vivência profunda da cidade — especialmente a cidade de Porto Alegre, que ele retratou em detalhes e minúcias a que os amantes do tema devemos agradecer penhorados —, ele soube comentar o miúdo recente, como a estranha mania do “chispa”, nos anos 70 do Parcão, tanto quanto o graúdo das questões profundas, em particular as mudanças na paisagem da cidade, tudo sempre tomado de um ângulo capaz de mostrar o ridículo que se esconde na solenidade.

Maragato de família, antigetulista nos anos 30, espantado com o sucesso do Tradicionalismo mas capaz de elogiar a importância das pesquisas de Paixão Cortes; apreciador de intelectuais lusófilos como Gilberto Freyre ou Moysés Vellinho, amigo de Erico Verissimo e admirador de Darcy Azambuja; incorformado com o barulho em Porto Alegre e envolvido sempre com a divulgação das leituras antigas da terra, que ele cultivava com requintes de colecionador de livros e o paladar refinado dos grandes leitores — Reverbel é daquelas figuras que engrandeciam o interlocutor, ao vivo, e fazem o bem do leitor, por escrito.

Foi escolhido como o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre de 1993.

Obra literária

Barco de papel (crônicas), 1978;
Saudações aftosas (crônicas), 1980;
Um capitão da Guarda Nacional (biografia de Simões Lopes Neto), 1981;
Diário de Cecília de Assis Brasil, 1984;
Pedras Altas – A vida no campo segundo Assis Brasil, 1984;
Maragatos e Pica-paus, 1985;
O gaúcho, 1986;
Arca de Blau (memórias), 1993.

Fontes:
Luís Augusto Fischer. In Cafezinho na Net
Wikipedia

Lya Luft (15 Setembro 1938)

"Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. (...) É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. (...) Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem."

Lya Luft nasceu no dia 15 de setembro de 1938, em Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul.

Por se tratar de cidade de colonização alemã, as crianças, em quase sua totalidade, falavam alemão, e os livros utilizados nas escolas vinham da Alemanha. Com onze anos, Lya decorava poemas de Goethe e Schiller.

Posteriormente, estudou em Porto Alegre (RS), onde se formou em pedagogia e letras anglo-germânicas.

Iniciou sua vida literária nos anos 60, como tradutora de literaturas em alemão e inglês. Lya Luft já traduziu para o português mais de cem livros. Entre outros, destacam-se traduções de Virginia Wolf, Reiner Maria Rilke, Hermann Hesse, Doris Lessing, Günter Grass, Botho Strauss e Thomas Mann. Ela diz que traduzir é sua verdadeira profissão. E que faz tradução para ganhar dinheiro. Mas também porque gosta. Um trabalho que exige respeito. Seu desejo é aproximar o escritor estrangeiro do leitor brasileiro. Confessa que não pode ser inteiramente fiel, porque pode-se correr o risco de ninguém entender nada. Mas não faz um carnaval em cima do texto alheio, não inventa, não cria frases que não existem.

Conheceu Celso Pedro Luft, seu primeiro marido, quando tinha 21 anos. Ele tinha quarenta. Era irmão marista. Foi numa prova de vestibular. Achou-se ridícula quando pensou: esse é o homem da minha vida! O irmão marista tirou a batina para casar com ela em 1963.

Nessa paixão, começou a escrever poesia. Os primeiros poemas foram reunidos no livro "Canções de Limiar" (1964).

Tiveram três filhos: Suzana, em 1965; André, em 1966; e Eduardo, em 1969.

Em 1972 lança mais um livro de poemas, "Flauta Doce".

Em 1976, escreveu alguns contos e mandou para Pedro Paulo Sena Madureira, que era editor da Nova Fronteira. Pedro Paulo respondeu dizendo que os contos eram todos “publicáveis”. Pedro Paulo, no entanto, aconselhou Lya a escrever um romance, dizendo que ela era romancista. Dois anos depois ela escreveu "As Parceiras".

Em 1978 lança seu primeiro livro de contos, "Matéria do Cotidiano".

A ficção entrou em sua vida dois anos depois de um acidente automobilístico quase fatal em 1979. Como teve uma visão mais próxima da morte, diz a autora que começou a fazer tudo que evitava.

Primeiro foram crônicas, com o lançamento de "As Parceiras", em 1980, e "A Asa Esquerda do Anjo", em 1981. Textos amenos. Uma espécie de fingimento de que na vida tudo é bom. A morte é encarada como uma coisa normal. Mas gostaria que todos os seus amigos fossem eternos. Mesmo assim, acha a morte uma coisa mágica.

Em apenas oito anos Lya Luft sofreu duas perdas grandes demais. Dos 25 aos 47 anos foi casada com Celso Pedro Luft. Separou-se dele em 1985 e foi viver com o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino, que morreu três anos depois. Em 1992 voltou a casar-se com o primeiro marido, de quem ficou viúva em 1995.

A escritora é conhecida por sua luta contra os estereótipos sociais. "Essas coisas que obrigam as pessoas a ser atletas. Hoje é quase uma imposição: a ordem é fazer sexo sem parar, o tempo todo. A ordem é não fumar, não beber. É essa loucura o dia inteiro na cabeça. Quem não for resistente acaba enlouquecendo. E a vida fica para trás. Hoje as pessoas estão sofrendo muito. Um sofrimento absolutamente desnecessário. Especialmente as mulheres que fazem plástica logo que vêem uma ruga no rosto. Plásticas de inteira inutilidade".

Lya Luft deixa claro que nada tem contra as cirurgias plásticas, mas contra o rumo disso tudo. A autora diz ser uma constatação precária dizer que ela escreve sobre mulheres. Mulheres não são seus personagens exclusivos. “Escrevo sobre o que me assombra”, observa. E nisso está a infância. O importante é o compromisso com a dignidade. Toda a sua obra poderia ser resumida — como afirma — num livro de indagações.

Em 1982 publica "Reunião de Família", e em 1984 outros dois livros: "O Quarto Fechado" e "Mulher no Palco". "O Quarto Fechado" foi lançado nos E.U.A. sob o título "The Island of the Dead".

Quem é Lya Luft?
Uma mulher gaúcha, brasileira, que faz cada vez mais, aos sessenta e um anos, o que desde os três ou quatro desejava fazer: jogar com as palavras e com personagens, criar, inventar, cismar, tramar, sondar o insondável.

"Tento entender a vida, o mundo e o mistério e para isso escrevo. Não conseguirei jamais entender, mas tentar me dá uma enorme alegria. Além disso, sou uma mulher simples, em busca cada vez mais de mais simplicidade. Amo a vida, os amigos, os filhos, a arte, minha casa, o amanhecer. Sou uma amadora da vida. O que você nunca vai esquecer? Escutar o vento e a chuva nas árvores do imenso jardim que cercava a casa de meu pai, na minha infância".

Puro maravilhamento. O que lhe causa repugnância? Preconceito, hipocrisia. Vale a pena escrever?

"Não escrevo porque “valha a pena”, mas porque me faz feliz, simplesmente".

O que falta à literatura brasileira?

"Nada, não falta nada. Ela é o que é, simplesmente, cheia de graça, desgraça, florescente, múltipla, lutando com a crise econômica que atinge também as editoras, mas, como não se escreve para ficar rico, tudo bem".

E Deus?

"Deus eu imagino como força de vida: luminosa, positiva, imperscrutável".

E o Brasil? Brasil cujo jeito é parecer não ter jeito.

"Não quero jamais ter de morar longe dele. Aqui tudo é possível. E tanto está ainda por fazer".

O que fazer para reverter esse quadro de miséria?

"Que os responsáveis por isso criem vergonha na cara".

Quem não merece respeito algum de ninguém?

"Todos merecem algum respeito, no mínimo compaixão".

Você costuma rezar?

"Não tenho nenhuma religião instituída, mas tenho uma profunda visão “religiosa”, sagrada, da natureza, das pessoas, do outro".

Qual é seu momento ideal para escrever?

"O momento em que meu livro quer ser escrito. Mas normalmente produzo mais de manhã bem cedo. Gosto de ver o dia nascer, aqui na minha mesa de trabalho e do meu computador".
Se confessa uma mulher tímida, embora não pareça.

Em 1987 lança "Exílio"; em 1989 o livro de poemas "O Lado Fatal" e, em 1996, o premiado "O Rio do Meio" (ensaios), considerado a melhor obra de ficção do ano.

Lya Luft afirma que hoje prefere ficar quieta consigo mesma. Já casou demais. Já enviuvou demais. Não se imagina mais vivendo ao lado de ninguém. Mas não quer desprezar os encantamentos que surgem por seu caminho. Lya afirma ter sido um privilégio ter conhecido e vivido com dois homens que muito lhe ensinaram. Sua visão do masculino é muito positiva. Foram três homens, na verdade, que a influenciaram e percorreram sua vida, erguendo seu rosto, seu percurso, abrindo seus rumos: seu pai, Arthur Germano Fett, que considerava um homem culto, amigo e também solitário; seu cúmplice, Celso Pedro Luft, de quem herdou o sobrenome; e Hélio Pellegrino. Três homens inesquecíveis. Que sempre vão permanecer nas palavras, nos pensamentos, nos acenos possíveis.

Não faz tarde de autógrafos, sente-se desconfortável com isso. Não gosta de discutir teorias literárias, especialmente quando se referem à sua obra. Nunca pensou em tradição literária ou, especialmente, em tradição literária gaúcha. Não quer fazer literatura regional. Não quer ser representante de descendentes. Não quer pertencer a grupo nenhum. Quer mesmo é ser livre. Quer ficar quieta no seu canto. No livro "Secreta Mirada", lançado em 1997, ela se deixou com ela mesma e discorreu sobre temas que nunca fala em discussões literárias, em entrevistas, depoimentos.

"Sou dos escritores que não sabem dizer coisas inteligentes sobre seus personagens, suas técnicas ou seus recursos. Naturalmente, tudo que faço hoje é fruto de minha experiência de ontem: na vida, na maneira de me vestir e me portar, no meu trabalho e na minha arte.

Não escrevo muito sobre a morte: na verdade ela é que escreve sobre nós - desde que nascemos vai elaborando o roteiro de nossa vida.

O medo de perder o que se ama faz com que avaliemos melhor muitas coisas.

Assim como a doença nos leva a apreciar o que antes achávamos banal e desimportante, diante de uma dor pessoal compreendemos o valor de afetos e interesses que até então pareciam apenas naturais: nós os merecíamos, só isso. Eram parte de nós.

O amor nos tira o sono, nos tira do sério, tira o tapete debaixo dos nossos pés, faz com que nos defrontemos com medos e fraquezas aparentemente superados, mas também com insuspeitada audácia e generosidade. E como habitualmente tem um fim - que é dor - complica a vida. Por outro lado, é um maravilhoso ladrão da nossa arrogância.

Quem nos quiser amar agora terá de vir com calma, terá de vir com jeito. Somos um território mais difícil de invadir, porque levantamos muros, inseguros de nossas forças disfarçamos a fragilidade com altas torres e ares imponentes.

A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranqüilidade, querer com mais doçura.

Às vezes é preciso recolher-se
".

Em 1999 a escritora lança o livro "O Ponto Cego".

A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada”.

Bibliografia:
- Canções de Limiar, 1964
- Flauta Doce, 1972
- Matéria do Cotidiano, 1978
- As Parceiras, 1980
- A Asa Esquerda do Anjo, 1981
- Reunião de Família, 1982
- O Quarto Fechado, 1984
- Mulher no Palco, 1984
- Exílio, 1987
- O Lado Fatal, 1989
- O Rio do Meio, 1996
- Secreta Mirada, 1997
- O Ponto Cego, 1999
- Histórias do Tempo, 2000
- Mar de dentro, 2000
(Todos os livros foram publicados pelas Edições Siciliano e Mandarim, São Paulo - SP)

- Perdas e ganhos, 2003 - Editora Record

Fonte:
Arnaldo Nogueira Jr. In Projeto Releituras