domingo, 23 de maio de 2010

Lançamento do Livro Personalicaturas 3

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Rede Grumin de Mulheres Indigenas apresenta Construindo Novos Horizontes

IV Festival Palabra en El Mundo no Recide/PE



Ação Poética Mundial – 20 a 25/maio/2010

Recife: 25/maio 17h às 21h CFCH/CAC – UFPE

Recitais de Poesia Leituras Artes Visuais Fotografia

Sussurros Poéticos Megaphone Twitter Sorteios

Programação

17h: Abertura da Exposição: Artistas da UFPE:
Lúcio Mustafá, Ricardo C. Melo, Mardilene Ferreira, Ilson
Intervenções Espontâneas Fotografia: Ercília Marques

17h25min: Megaphone da Poesia

17h30min: Sussuros Poéticos

17h35: Abertura Recital Poético-Musical
S. R. Tuppan Ícaro de Holanda Vertin
Lara Pedro Ernesto Convidados Comentários

Microfone Aberto Twitter o evento todo Https://twitter.com/PnM_Rec https://twitter.com/tuppan

Sorteio de Livros e Brindes Ciranda
Realização: Revista POÉTICA XXI

Apoio: Instituto Maximiano Campos – IMC
Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE

Coordenação no Recife: S. R. Tuppan
srtuppan@yahoo.com.br
Sílvio Romero Costa Lima - srtuppan@yahoo.com.br
__._,_.___
Fonte:
Colaboração de Delasnieve Daspet

Alexander Martins Vianna (Novo Moderno Prometeu: O Espelho de Victor Frankenstein )



O amanhã jamais igualará o ontem;
Nada, exceto o mutável, pode perdurar!”
(Mary Shelley, 1818)

Em 1818, Mary Shelley (1797-1851) publicou um conto fantástico em que um cientista, Victor Frankenstein, é tomado pela ânsia de alcançar a glória através da ciência. Em sua busca científica, desenvolve interesse pela física, pela química e, combinando ambas as formações, procura descobrir a origem do princípio vital latente em todas as coisas vivas. Descobrir, nesse sentido, significava poder dominar tal princípio e dar-lhe uma finalidade. Para ele, tal finalidade era “banir a doença do coração humano, tornando o homem invulnerável a todas as mortes, salvo a provocada pela violência…”; assim, ele “seria o criador de uma nova espécie, seres felizes, puros…” que lhe deveriam a própria existência (SHELLEY, 2001: 41-56). Deste modo, nasceu a tragédia neoprometéica de Victor Frankenstein. Como consideramos que a obra se desenvolve num plano de tragédia, poderemos identificar alguns pontos de “desmedidas” ou “desequilíbrios” que, com as próprias mortes física e social de Frankenstein, adquirem um sentido moral de reequilíbrio.

Laicizando o tema da (re)criação do (super)homem, Mary Shelley cria um plano dramático de condenação para Frankenstein por pretender romper a barreira entre a vida e a morte. A visão da natureza como exemplo perfeito de força vital pressupõe a existência do ciclo entre a vida e a morte, pois a vida brota da decomposição da matéria morta em uma projeção perpétua para o futuro. Nesse sentido, tal espiral não pode ser rompida e, caso ocorra, estaríamos diante de um novo paradigma, algo estranho a tudo existente em matéria de saber, normas, valores e convenções. Tal é a condição existencial de um monstro. O monstro, ou pária social, é o sinal de que algo dentro de uma sociedade vai mal. No entanto, longe de contemplarem a si mesmas na imagem do monstro, as sociedades tendem geralmente a criar fronteiras (reais/simbólicas) para projetar no alienígena social os seus males.

No entanto, Mary Shelley não concederá tal mecanismo de escape a Frankenstein: afinal, a sua “escultura viva” não seria uma abstração distante perdida numa estatística, mas um ser individual especial (Übermensch) que, desenvolvendo razão e sensibilidade, era capaz de se fazer presente à mente de seu criador como indivíduo e, portanto, tornou-se impossível para Victor alienar-se dos efeitos imprevistos de sua obra – desconforto do qual é poupada a maioria dos cientistas (do passado e do presente), sob o manto protetor da “neutralidade científica”, especialização e finalidades nobres. Assim, depois de ter aprendido a sua amarga lição, podemos ouvir a seguinte advertência de Frankenstein a Walton:

“(…)Aprenda, se não pelos meus preceitos, pelo menos por meu exemplo, o perigo que representa a assimilação indiscriminada da ciência, e quanto é mais feliz o homem para quem o mundo não vai além do ambiente cotidiano, do que aquele que aspira tornar-se maior do que sua natureza lhe permite.(…) Eu seria o primeiro a romper os laços entre a vida e a morte, fazendo jorrar uma nova luz nas trevas do mundo…”(Idem, p.56) [Grifo meu]

Para enfrentar problemas relacionados à fome, doenças infecto-contagiosas, à pauperização do espaço urbano e à formação de um número crescente de pessoas inclassificáveis (nesse sentido, “massa”), as elites governantes européias do século XIX criaram as suas próprias versões prometéicas de reforma e aperfeiçoamento dos espaços rurais e urbanos. Nessa trajetória, o novidade do século XIX foi firmar cada vez mais o discurso médico-científico como voz de autoridade na forma de se conceber “remédios” e “profilaxias” para a questão social. Assim, a questão social – muitas vezes tratada como uma “questão sanitária” – recebeu um tratamento elitista insensível a um justo equilíbrio entre meios e fins. Ora, pretender criar uma nova espécie de homem – nascida de um plano cientificamente traçado por um especialista – que fosse resistente à morte por doenças e privações materiais poderia até romper a barreira entre a vida e a morte, como pretendera Frankenstein, mas manteria sem abalos as fronteiras sociais. Entretanto, tal como as massas pauperizadas da modernidade, o monstro tem consciência, sensibilidade e migra para o “mal e a vingança” quando é privado de afeto por ter uma aparência pouco atrativa.

Portanto, a tragédia de Frankenstein contada por Mary Shelley não deixa de manifestar certos incômodos com a forma que as elites governantes tratavam a questão social na época. A arrogância social, a afetação nas afeições e a falta de solidariedade constróem seus próprios monstros sociais, que são jogados “para o nada social” ou “para o mal”. Nesse sentido, não é uma condenação moralista religiosa contra o saber médico-científico que Mary Shelley nos apresenta, mas uma provocação romântico-humanista que pretende lembrar que o homem, em sua ânsia de tentar aperfeiçoar a si mesmo e a seu mundo, não pode perder a sensibilidade, o que significa equilibrar de modo inclusivo as relações entre meios e fins. Tal é a lição que Frankenstein quer deixar para Walton em seus último momentos:

“(…) Num acesso de desmedido entusiasmo, criei uma criatura racional e cabia-me, dentro do limite dos meus poderes, assegurar-lhe a felicidade e o bem-estar.(…) Recusei-me a criar[-lhe] uma companheira(…). Ele demonstrou perversidade e egoísmo sem par. Destruiu meus amigos. Devotou-se ao extermínio de seres que possuíam sensibilidade, felicidade e saber. E não sei até onde a sua sanha vingativa poderá levá-lo. Por isso, devia morrer. Cabia a mim a tarefa de pôr-lhe fim à existência, mas fracassei(…). Perturba-me…o fato de que a sobrevivência do monstro signifique a continuidade do mal.(…)Adeus, Walton! Busque a felicidade num viver tranqüilo e evite ser dominado pela ambição, mesmo que seja essa – aparentemente construtiva – de distinguir-se no campo da ciência e dos descobrimentos. Mas por que falo isso? Na verdade, se eu me arruinei nessas esperanças, pode ser que outro seja bem sucedido(…)”(Idem, p.202) [Grifo meu]

Assim, as últimas palavras de Frankenstein que concluem seu ciclo trágico estão longe de anularem as esperanças de descobertas no campo da ciência, mas servem para corrigir em Walton (que está na mesma posição do leitor) um tipo de ânsia de saber que – por desequilibrar a relação entre meios e fins – perde a sensibilidade em relação à beleza da vida, em qualquer de suas expressões. No começo da tragédia, em uma carta à sua irmã, Walton conta as dificuldades de sua viagem científica no Ártico e refere-se à perda de um marinheiro nos seguintes termos:

“(…)A vida ou a morte de um homem seriam um preço ínfimo a pagar pelo conhecimento que eu buscava e pela vitória sobre as forças da natureza hostis à espécie humana que esse conhecimento legaria à posteridade(…).(Idem, p.32)

Para criar um contraponto sentimental a isso, Mary Shelley expõe logo em seguida a interlocução de Frankenstein com Walton e, assim, coloca o leitor num plano de suspense e segurança em relação àquilo que deve ser entendido como a “moral da história”:

“(…) Somos criaturas brutas, apenas semi-acabadas quando nos falta alguém mais sábio, melhor do que nós mesmos, para ajudar-nos no aperfeiçoamento da própria natureza – débil e falha.(…)Você tem esperança, o mundo à sua frente, e não tem motivo para desespero. Quanto a mim, perdi tudo, e não tenho como recomeçar a vida(…). Não creio que o simples relato de meus infortúnios lhe possa ser de alguma utilidade, mas quando reflito que está seguindo o mesmo rumo, expondo-se aos mesmos perigos que me tornaram o que sou, imagino que possa tirar algum proveito moral da minha história; e isso poderá constituir uma ajuda para orientá-lo em caso de êxito, ou para consolá-lo se fracassar. Prepare-se para ouvir o relato de acontecimentos que normalmente poderiam ser considerados fantásticos. Se estivéssemos em outro ambiente, como o que em outras épocas cercava o nosso dia-a-dia, eu temeria a sua descrença. Porém, muitas coisas parecem possíveis nestas regiões misteriosas; coisas que poderiam provocar o riso daqueles poucos afeitos às forças mutáveis e inelutáveis da natureza. Por outro lado, minha história guarda, em sua própria essência, provas insofismáveis da sua verdade(…).”(Idem, pp.32-34) [Grifo meu]

No primeiro terço do século XIX, a sensibilidade romântica não tolera um mundo que se torna monocromático e afetado por regras que impedem o livre desenvolvimento do conhecimento e da sensibilidade. Nesse sentido, ela se inscreve em larga medida na superação do ideal clássico como paradigma, buscando mais diversidade de cores e objetos, pois possibilitam ao homem aprender novas coisas e aperfeiçoar as antigas. Os escritos orientalistas deram aos românticos um repertório de imagens-conceito para onde projetar seus sonhos de reforma da civilização européia. No desenvolvimento da história de Mary Shelley, Clerval aparece como aquele que ajuda seu combalido amigo Frankenstein a recuperar o seu “verdadeiro eu”, perdido depois de uma longa e voluntária privação de luz, cores e sensibilidade em meio às trevas de dois anos de seu projeto prometéico:

“…Clerval jamais partilhara de meu gosto pela ciência natural. Suas inclinações, dirigidas para a literatura, divergiam totalmente das minhas. Ele viera para a universidade com a finalidade de aprofundar-se em línguas orientais…Voltando os olhos para o Oriente, buscava descortinar os horizontes propícios a uma carreira brilhante. Atraíam-no os idiomas persa, árabe e sânscrito, e eu resolvi acompanhá-lo nesses estudos com a esperança de dissipar minhas íntimas preocupações(…), de modo que o roteiro dos orientalistas me pareceu um agradável convite, e eu fiquei contente em tornar-me discípulo do meu amigo. Não tencionava, como ele, adquirir conhecimento crítico dos seus escritos, nem usufruir qualquer proveio prático. Procurava apenas distração, sem pretender ir além de compreender-lhes o significado. Meu esforço de aprendizagem foi compensado, pois descobri nos orientais um toque ameno de melancolia, uma poesia de aceitação tão singela quanto profunda, como também um grau de sabedoria e uma exaltação de alegria que jamais experimentei no convívio com autores ocidentais. Através de suas páginas, a vida parece um jardim florido dourado de sol. Que diferença da poesia épica e heróica de Grécia e Roma!” (Idem, pp.69-70). “(…)Em Clerval eu via refletido o meu antigo eu. Ele era um eterno curioso e ansiava por adquirir experiência e aumentar seus conhecimentos. A diferença de costumes que observava era para ele uma fonte inesgotável de instrução e diletantismo(…).Aspirava visitar a Índia, na crença de que, apoiado nos conhecimentos das várias línguas daquele país…e nos conceitos que formara sobre sua formação histórica, poderia colher observações aplicáveis ao desenvolvimento da sociedade européia(…)”(Idem, pp.151-152) [Grifo meu]

Clerval surge, então, como uma recuperação de luz, um novo experimentar da diversidade sensível de outrora. No entanto, em vez do marmóreo referencial clássico, Frankenstein teve nele a oportunidade singular de experimentar o brilho das luzes e sensibilidades orientais. A existência de Clerval – que associa as luzes do conhecimento e o diálogo sensível com a diversidade das coisas do mundo – surge na história como um axioma oposto ao paradoxo prometéico-existencial de Frankenstein. Este desequilibrou a relação entre meios e fins em sua ânsia egoísta de glória científica e superação de séculos de trevas. Como seu projeto foi executado às custas da privação de sol, paisagem natural e afetos familiares, Frankenstein desequilibrou psicologicamente a si mesmo e, por extensão, a sua obra. Assim, quanto mais anti-romanticamente tentava superar as trevas, mas caía nelas. Por isso mesmo, o paradoxo prometéico de Frankenstein é rico de implicações para a análise da sensibilidade romântica em matéria de conhecimento: ele tinha em mente uma escultura viva, uma criatura superior ao seu criador em beleza, sensibilidade, inteligência, força e resistência; mas como tal criação poderia ser a imagem da beleza se seu criador, para torná-la possível, privou-se de vida e afeição, acercando-se somente da morte? A afeição e a sensibilidade são apresentado por Mary Shelley como medidores para definir quando a busca do saber adquire feições monstruosas. Lição cara para a posteridade…
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Alexander Martins Vianna é Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil(2008); Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Fonte:
Colaboração de Antonio Ozaí da Silva: Revista Espaço Acadêmico., nº 26, julho de 2003, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/026/26cvianna.htm

Aparecido Raimundo de Souza (A Misteriosa Elba)


Sentados na enorme sala pai e filha conversam sobre os acontecimentos mais recentes. Na frente deles uma televisão em volume baixo exibe um capítulo de novela.

- Quer dizer então, minha filha que definitivamente você largou seu marido?

- Sim, papai.

- E por quê?

- Fiquei sabendo que ele tem outra mulher...

- Cafajeste. Bem, não foi por falta de aviso. Você brigava comigo, me achava um chato quando eu tocava no assunto.

- Pois é, papai. O senhor tentou me abrir os olhos. Eu não quis escutar. Estava cega. Sinto ter lhe causado essa tristeza e, agora, mais este aborrecimento de voltar para sua casa quase que às pressas.

- Não é aborrecimento nenhum. Você é e sempre será bem vinda a qualquer tempo. Claro que estou me sentindo triste por você e até por ele – eu tinha o Sancler como a um filho. Só queria que ele lhe fizesse feliz. Mas, enfim, a felicidade nunca e completa. Como descobriu?

- Comecei a receber bilhetinhos anônimos. Depois telefonemas.

- E o que diziam esses bilhetes?

- Pouca coisa, tipo “se cuida, sua burra, seu marido tem outra, está te traindo”. Os telefonemas repetiam praticamente as mesmas palavras sem muitas variações.

- Ao menos descobriu quem é a despudorada?

- Sim, papai. Descobri.

- Gente conhecida da nossa família?

- Uma perua chamada Elba.

- Elba? Que loucura. Quase sua xará. Só faltou o a antes do l. Mais nova que você, mais velha?

- Mais nova. Um dos bilhetes fazia menção a 1992.

- Além de tudo o garotão aprecia mulheres mais novas? Interessante! Se essa Elba é de 1992 só tem 18 anos.

- Pai, eu tenho 35. O senhor insinua que sou velha ou que nesta idade já estaria ultrapassada para o Sancler?

- Claro que não, filha. De onde você tirou essa idéia?

- O senhor falou nesses 18 anos com tanto ênfase!

- Nada a ver, minha linda. Você, com 35, põem qualquer sirigaita de 18 no bolso. Me esclareça um ponto obscuro: onde o Sancler arranjou esse estrupício?

- Num weekend que fez ao Rio de Janeiro há questão de quatro meses.

- E onde ele enfiou essa moça desde então?

- O senhor não vai acreditar pai. Ele montou uma quitinete para ela.

- Quitinete?

- É.

- Aonde, filha?

- Na garagem da nossa antiga residência.

- Que filho da mãe! Você, por acaso, se deu ao trabalho de ir até lá para conferir?

- O senhor me conhece e sabe que tenho pavio curto. Se pintasse no pedaço, acabaria agredindo a infeliz dando na cara dela para extravasar minha ira. Para não armar barraco e perder a razão, preferi ficar na minha. Saí de casa e aqui estou. Já chega a avalanche de piadinhas que venho ouvindo das amigas.

- Piadinhas?

- Ora, pai, o senhor sabe como as pessoas gostam de rir da desgraça alheia. Minhas amigas tiram sarro dizendo que a tal da Elba veste prada.

- A Elba é prata? Quero dizer ela gosta de prata?

- Prada, pai. É alusão a um filme que estreou recentemente nos cinemas: O diabo veste Prada. Minhas colegas gozam de mim afirmando que Sancler me trocou pela Elba porque ela tem designer elegante além de um espaçoso porta malas...

- Porta malas?

- Bumbum, pai. Ela é rabuda, entende? Tem os quadris avantajados. Além de possuir... Além de possuir portas de entrada.

-Portas de entrada? Suas amigas falam de uma mulher ou de um carro?

- Claro que de uma mulher, pai. Preciso especificar quais são essas entradas? O senhor quando era moço e conheceu a mamãe não achou as portas?

Gargalhadas estridentes de ambos os lados.

- Ah, entendi. A ficha caiu. Por falar em sua mãe, que Deus a tenha, ela era o máximo da categoria: para minha época, em comparações aos dias de hoje, uma mulher um ponto cinco.

- Então, pai. A vagabunda segundo os bilhetes e a voz misteriosa dos telefonemas deixou bem evidente que essa Elba também é do tipo um ponto cinco como o senhor acabou de descrever. Um pedaço de mau caminho. Tem injeção eletrônica e atinge os oitenta em questão de segundos. É só acelerar.

O pai de Alba volta a cair numa estrondosa risada.

- Ainda bem que você não ficou pra baixo e faz piada da situação.

- Tenho outra saída? Acaso o senhor queria me ver em estado de depressão?

- Jamais. Espera um pouco, filha. Estou pensando aqui com meus botões: esses telefonemas não seriam do pessoal que alugou a casa quando vocês mudaram para o apartamento novo?

- Pensei nessa possibilidade e de pronto descartei a idéia. Quem mora em nossa (digo minha) casa hoje é um casal de velhinhos. Nenhum dos dois se prestaria a esse tipo de papel.

- Um filho, uma filha?

- Eles são sozinhos, pai.

- A voz da pessoa que liga. Como é?

- De gente nova.

- Fale da caligrafia dos bilhetes.

- Parece de homem...

- Algum vizinho?

- Talvez!

- Quer saber? Vou até lá conferir de perto e pôr essa pendenga em pratos limpos.

- Deixa baixo pai. Já sai do apartamento, passei a mão em tudo o que era meu. Na segunda procuro um advogado e fim de papo.

- Meu pai do céu, que situação. O que o Sancler diz de tudo isso? Ao menos falou com ele?

- Sim, pai. Tivemos uma conversa longa e franca. Ele nega, de pés juntos que não existe outra. Chora como uma criança e diz que me adora que sou a mulher da vida dele, e bla, bla, bla... O papo furado de sempre. No fundo é um pilantra, um safado. Eu que o amava tanto... Estou me sentindo um lixo. O maldito me trocou por uma qualquer. Só pelo fato de ser mais nova, mais bonita, mais elegante. Onde foi que errei, papai?

- Calma filha. Vamos descobrir a verdade. Amanha irei ver essa fulaninha com meus próprios olhos ou não me chamo Juarez da Costa Fiat.

- Melhor não, pai. Melhor não!...

***

Dia seguinte seu Juarez da Costa Fiat madrugou. Saiu antes das quatro da matina. Botou na cabeça que encostaria o genro na parede e não regressaria sem uma conversa de homem pra homem com o sujeito. Pegou o ex de sua filha saindo exatamente da garagem.

- Bom dia, Sancler. Precisamos conversar.

O rapaz levou um baita susto ao ver o sogro àquela hora da manhã, em pé, diante da porta da garagem.

- Seu Juarez, a que devo a honra de sua visita?

- Serei curto e grosso. Quero que me apresente a sua amante que mora ai dentro.

- Amante? Que amante?

- A Elba.

- Não é nenhuma amante, seu Juarez. Acredite em mim...

- Então abra a garagem. Quero entrar. Se estiver dizendo a verdade, lhe dou a palavra: minha filha estará de braços abertos a sua espera.

Quando seu Juarez meteu os pés dentro da garagem e gritou para que Sancler acendesse as luzes, o que o velho pai de Alba viu lá dentro, não passava de um automóvel Elba CS Fiat weekend 1.5, ano 1992, de cor prata, quatro portas, injeção eletrônica em perfeito estado de conservação.
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Observação: Este texto foi escrito pelo autor de forma humoristica devido ao fato de minha esposa se chamar Alba e eu possuir um carro Elba. (José Feldman)
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Fonte:
Colaboração do Autor.

sábado, 22 de maio de 2010

Pedro Dubois (Poesias no Papel)


DATAS

Não é o dia aprazado
o atraso me faz
fragilizado
ao encontro:

altero o calendário
ao necessário

nos dias seguintes
retorno ao anterior
acaso: incompleto
o ciclo se debate
em dúvidas estelares.

TODOS

Senhora de todas as horas,
refrão e canto; silêncio e hora
decorrida; na apresentação
mesquinha se diga revelada.

Em todos os balcões de bares,
senhora, em todos os caixas
de supermercados e nas filas
de ônibus, induza o espírito
ao retorno: como alimentar
corpos naturalmente expostos?

Senhora de todos os gostos, na hora
que é nossa em pertencer ao estado,
observe à sua volta e se revolte.

PODERES

Subverto o poder, condicionado ao mito,
retiro da força o apego ao gênio
literário; esmoreço o começo e me arrojo
ao mundo abaixo das vistas, entrevejo
a glória incensada das orquídeas, símbolos
e dogmas repisados ao orgulho determinado
do poder – agora subvertido – ocultado.

Reafirmo a crença no vazio
da pedra concreta da inação
do tempo: a temporalidade
do minério escavado ao corpo

despreparado, escuto gritos reais
de descobertas: o encoberto jogo
do poder sacralizado ao todo.

MÁCULA

Desprovido de mácula mancho o passo
com sangue: acetinado preço
do inocente declarado; o pecado
urdido em mortes se rebela
contra o antagonismo da verdade;
o sangue jorra minha vida esvaída
ao sentido de me dizer libertado;
maculo histórias em interpretações
despropositadas, reinvento atos
de coragem em paródias
prosódias

sarcasmo
desprovido em mácula.

O sangue cessa o alvor
do corpo despropositado.

Fonte:
Colaboração do Poeta

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 6


ELEMENTOS GREGOS

Acro (alto): acrobata, acrópole; acusi (audição): acústica, hiperacusia; agogo (que conduz): demagogo, pedagogo; algia (dor): analgésico, cefalalgia; alo (outro): alomorfo, alopatia; andro (homem, varão): andrógino, andrologia; anemo (vento): anemofilia; anemógrafo; angelo (anjo, mensagem): angelical, evangelho; angio (vaso, veia): angiografia, angiologia; arc (antigo, superior): arcaico, arcebispo; aritmo (número): aritmética, logaritmo); arquia (governo, poder): anarquia, monarquia; artro (articulação, junta): artralgia, artrite; aster (astro, estrela): asterisco, astrologia; auto (próprio): autobiografia, autodidata;
bata (que anda): acrobata, nefelibata; biblio (livro): bibliófilo, biblioteca; bio (vida): biografia, biologia;
cali (belo, bom): califonia, caligrafia; cardia (coração): cardíaco, cardiopatia; carpo (fruto): carpófago, carpologia; cinema (movimento): cinemática, cinematógrafo; cino (cão): cínico, cinódromo; ciste (bexiga): cistite, cistomia; cito (célula): citologia, leucócito; clasta (que destrói): biblioclasta, inconoclasta; clepto (roubo): cleptofobia, cleptomania; cosmo (belo, limpo, universo): cosmético, microcosmo; cracia (governo, poder): aristocracia, ginecocracia; criso (ouro): crisântemo, crisografia; cromo (cor): policromia, tricromia; crono (tempo): cronômetro, sincrônico...
Datilo (dedo): datilografia, quirodátilo; demo (povo): democracia, epidemia; dendro (árvore): dendrobata, dendroclasta,; derma (pele): dermatologia, epiderme; dinamo (força): aerodinâmica, dinamismo; dromo (pista de corrida): autódromo, hipódromo;
eco (casa, habitat): ecologia, economia; eno (vinho): enologia, enomania; entero (intestino): disenteria, enteralgia; entomo (inseto): entomofilia, entomologia; ergo (força, trabalho): energia, ergoterapia; espleno (baço): esplenalgia, esplenomegalia; estesia (sensibilidade): anestesia, telestesia; estoma (boca): estomatite, estomatoscópio; etno (povo, raça): etnia, etnografia; eto (costume): ética, etologia;
fago (que se alimenta de): geófago, ictiófago; filo (que gosta): cinófilo, hidrófilo; fito (planta): fitófago, fitogeografia; flebo (veia): flebectomia, flebite; fobia (aversão, medo): acrofobia, ergofobia; fone (som, voz): fonema, telefone; foto (luz): fotografia, fotossíntese...
Galato (leite): galactófago, galactorreia; gamia (casamento): monogamia, poligamia; gastro (estômago): gástrico, gastroenterite; genia (criação, origem): congênito, genética; geo (solo, terra): apogeu, geografia; gero (velhice): geriatra, gerontocracia; gimno (nu): ginásio, ginástica; gino (mulher): ginecocracia, ginecologia; gipso (gesso): gipsografia, gipsífero; glico (doce): glicômetro, glicose; glossa, glota (língua): glossário, poliglota; gnos (conhecer, saber): diagnóstico, ignorar; grama (letra, palavra, peso): gramática, quilograma;
hagio (sagrado, santo): hagiógrafo, hagiólogo; helio (sol): heliocêntrico, heliólatra; hema (sangue): anêmico, hemorragia; hemero (dia): efêmero, hemeroteca; hemi (meio): hemisfério, hemistíquio; hepa (fígado): hepatite, hepatotomia; hetero (diferente): heterogêneo, heterônimo; hialo (vidro): hialino, hialotecnia; hidro (água): hidrelétrica, hidrografia; higro (umidade): higrófilo, higrômetro; hipo (cavalo): hípico, hipódromo; histero (útero): histeralgia, histerografia; histo (tecido): histologia, histotomia; hodo (caminho): êxodo, hodômetro; holo (inteiro, todo): holístico, holofote; homo (igual, semelhante): homeopatia, homônimo;
icono (ídolo, imagem): íconólogo, iconoteca; ictio (peixe): ictiofagia, ictióide; idio (peculiar, próprio): idioleto, idiossincrasia; iso (igual): isocrônico, isotérmico;
leuco (branco): leucemia, leucocitose; limno (lago, lagoa): limnófilo, limnometria; lipo (gordura): lipoaspiração, lipoma; lito (pedra, rocha): litografia, litogravura; logo (palavra): diálogo, logorreia;
macro (grande, longo): macróbio, macrocéfalo; mega (grande): megafone, megalópole; micro (pequeno): micróbio, microscópio; mnes (memória): amnésia, mnemônica;
necro (morte): necrópole, necrotério; nefelo (nuvem): nefelibata, nefelóide; nefro (rim): nefrite, nefrólito; nomia (administração): agronomia, economia; noso (doença): nosocômio, nosomania.
Odonto (dente): odontológico, ortodontia; oftalmo (olho): oftalmia, oftalmoscópio; oligo (poucos): oligarquia, oligopólio; onimo (nome): antropônimo, pseudônimo; oniro (sonho): onírico, oniromancia; onto (ser): ontogênese, ontologia; orex (apetite): anorexia, heterorexia; orto (correto): ortografia, ortopedia; osteo (osso): osteometria, osteoporose; oto (ouvido): otite, otoscópio;
paleo (antigo): paleografia, paleontologia; pan (todos, tudo): panaceia, panteísmo; paqui (grosso): paquiderme, paquigástrico; para (próximo, ao lado): paralelo, parapsicologia; pedo (criança): pediatra, pedagogo; pepsia (digestão): dispepsia, péptico; piro (foro): pirogênico, pirotécnico; pteco (macaco): pitecantropo, pitecóide; plegia (paralisia): hemiplegia, tetraplégico; pneumo (ar, pulmão): dispneia, pneumonia; podo (pé): antípoda, podômetro; polis (cidade): política, Teresópolis; potamo (rio): hipopótamo, Mesopotâmia; pluto (rico): plutocracia, plutomania; ptero (asa): pterodátilo, helicóptero;
quiro (mão): cirurgia, quiromante.
rino (nariz): rinite, rinoceronte;
sauro (lagarto): dinossauro, megalossauro; scop (ver): periscópio, telescópio); seleno (lua): selenita, selenografia; sema (sinal, significado): semântica, semiótica; sidero (aço, ferro): siderotecnia, siderurgia; sofia (sabedoria): filosofia, teosofia; soma (corpo humano): psicossomático, somatologia;
alasso (mar): talassografia, talassoterapia; tanato (morte): eutanásia, tanatofobia; terapia (tratamento): terapêutico, psicoterapia; termo (calor): térmico, termodinâmica; tomo (divisão, parte): anatomia, átomo; topo (lugar): topografia, topônimo; trico (cabelo): tricotilomania, tricotomia; trofia (crescimento): hipertrofia, hipotrofia;
uru (cauda, rabo): anuro, macruro;
xeno (estrangeiro): xenofobia, xenomania; xero (seco): xerocópia, xerografia; xilo (madeira): xilogravura, xilófago;
zimo (fermento): ázimo, zimotecnia; zoo (animal): epizootia, zoófilo.

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Antonio Brás Constante (Martirizados no Mercado)


Todo mês é a mesma coisa, ir ao mercado fazer compras. Mais que uma obrigação ou necessidade, trata-se de uma penitência que muitos passam para abastecer seus lares. Na prática a pessoa que vai as compras entra com o bolso cheio de dinheiro e o carrinho vazio, para sair com o bolso vazio e o carrinho, digamos, se não totalmente cheio, ao menos não tão vazio como na entrada.

O mercado é um local onde acabamos revendo velhos conhecidos, talvez porque a grande maioria receba seus salários na mesma época do mês. Você entra e já vai logo dando de cara com algum rosto que há muito tempo não via. Geralmente são pessoas que apesar de conhecidas, não dispõe de vínculos muito fortes com você. Ou seja, ótimas para se ver uma vez lá que outra e dar um aceno ou um aperto de mão, mas não para se esbarrar a todo o momento, em um local onde o foco são as compras e não necessariamente reencontros casuais.

No primeiro contato, ambos ficam meio sem jeito, sorriem e trocam cumprimentos do tipo: “você por aqui fulano!” Ou “há quanto tempo hein?”. Cada um tenta seguir para um lado, mas se dão conta que estão indo pelo mesmo caminho. Trocam novos sorrisos amarelos, até que um dos dois resolve parar sob qualquer pretexto para deixar que o outro siga em frente.

O que acaba acontecendo, é que os dois passam o tempo inteiro se encontrando entre os corredores do mercado. Nas primeiras vezes, um passa pelo outro e diz alguma coisinha ou faz alguma careta do tipo: “lugar pequeno este!”. Por fim começam a disfarçar ao perceberem a aproximação do outro, procurando preços ou lendo algum rótulo, para não ter que olhá-lo novamente, pois não querem parecer indelicados.

Alguns tentam pular corredores, mas não adianta, pois o outro tem a mesma idéia e voltam a se encontrar novamente. A melhor forma de se resolver este impasse é passar a andar ao lado de seu conhecido e tentar iniciar um diálogo com ele. Porque a partir daí parece que todo mercado conspira para que vocês não consigam mais ficarem juntos.

Quem acha que fazer compras é fácil, esquece do stress que se passa nessas horas. Em cada corredor as pessoas têm que: cuidar de seus filhos para que não quebrem nada (nem se quebrem), olhar os preços, procurar o produto desejado, cuidar para não bater no carrinho da frente e verificar os itens da sua lista, calculando o quanto pode gastar.

Daí você entra em um novo corredor, olha novamente os preços, cuidando do carrinho da frente, procura o novo produto desejado, acerta sua lista, recalcula o valor disponível e sente que está se esquecendo de algo, mas o que será? Olha em volta e percebe que seu filho sumiu. Sente um frio na barriga quando lembra que a pouco viu ele junto a você no último corredor que passou. Ao relembrar disso, seu corpo todo estremece. Uma sensação terrível de desespero envolve você, pois se dá conta que o corredor que acabou de passar era justamente aquele onde ficavam as bebidas importadas, e pelo que você se recorda, os vinhos de cento e poucos dólares ficavam bem ao alcance das mãozinhas desajeitadas e curiosas de seu “anjinho”. Volta correndo pelo corredor a tempo de salvar as garrafas e seu bolso, passando a levar seu filho dentro do carrinho por medida de segurança.

Por fim deixo alguns conselhos: Evite ir ao mercado de estômago vazio. Pesquisas mostram que pessoas com fome compram uma porcentagem a mais em gêneros alimentícios. Outro conselho: se você for comer, não faça o lanche nas praças de alimentação dos mercados, pois certamente a tal porcentagem que você economizaria, acabará sendo gasta no seu “lanchinho”, e é bem provável ainda que você acabe se esbarrando novamente com aquele seu conhecido por lá.

Fontes:
Colaboração do autor.

Folclore Portugues : Distrito de Viseu (Lenda do Brasão de Viseu)


D. Ramiro II, Rei das Astúrias e de Leão, que reinou desde o ano 931 até o de 950, em uma excursão que fez de Vizeu, onde então residia, por terras de mouros, viu e enamorou-se da famosa Zahara, irmã de Alboazar, rei mouro, ou alcaide do castelo de Gaia sobre o rio Douro.

Recolheu-se D. Ramiro a Vizeu com o coração tão cativo, e a razão tão perdida, que sem respeito aos laços, que o uniam a sua esposa D. Urraca, ou como outros lhe chamam D. Gaia, premeditou e executou o rapto de Zahara.

Enquanto o esposo infiel se esquecia de Deus e do mundo nos braços da moura gentil n'um palácio à beira mar, o vingativo irmão de Zahara, trocando afronta por afronta, veio de cilada, protegido pela escuridão de uma noite, assaltar e roubar nos seus próprios paços a rainha D. Gaia.

A injúria vibra n'alma de Ramiro o ciúme e o desejo de vingança.

O ultrajado monarca voa à cidade de Vizeu, escolhe os mais valentes dentre os seus mais aguerridos soldados, e vai à sua frente caminho do Douro.

Chegando à vista do castelo d'Alboazar, deixa a sua coorte oculta em um pinhal, e disfarçado em trajes de peregrino, dirige-se ao castelo, e por meio de um anel, que faz chegar às mãos de D. Gaia lhe anuncia a sua vinda.

O peregrino é introduzido imediatamente à presença da rainha, que fica a sós com ele. Alboazar tinha ido para a caça. D. Ramiro atira para longe de si as vestes e as barbas, que o desfiguravam, e corre a abraçar a esposa. Esta porém repele-o indignada, e lança-lhe em rosto a sua traição.

No meio de um vivo diálogo de desculpas de uma parte, e de recriminações da outra, volta da caçada Alboazar. D. Ramiro não pode fugir. Já se sentem na próxima sala os passos do mouro. A rainha, parecendo serenar-se, oculta o marido em um armário, que na câmara havia. Mas apenas entrou Alboazar, ou fosse vencida de amor por ele, ou cheia de odio para com o esposo pela fé traida, abre de par em par as portas do armário, e pede vingança ao mouro contra o cristão traidor.

Dai a pouco era levado el-rei D. Ramiro a justiçar sobre as ameias do castelo. Chegado ao lugar de execução pediu o infeliz, que lhe fosse permitido antes de morrer despedir-se dos sons acordes da sua buzina. Sendo-lhe concedida esta derradeira graça, D. Ramiro empunha o instrumento, e toca por três vezes com todas as suas forças.

Era este o sinal ajustado com os seus soldados, escondidos no proximo pinhal, para que, ouvindo-o, lhe acudissem apressadamente. Portanto em um volver de olhos foi o castelo cercado, combatido, tomado, e depois incendiado. A desprevenida guarnição foi passada ao fio da espada, e Alboazar teve a morte dos valentes: expirou combatendo. E D. Gaia, como ao passar o Douro para a margem oposta, se lastimasse e mostrasse dor, vendo abrasar-se o castelo, foi vitima também do ciúme de D. Ramiro que cego de ira a fez debruçar sobre a borda do barco, cortando-lhe a cabeça de um golpe de espada.

Á fortaleza em ruínas ficou o povo chamando o castelo de Gaia, à margem do rio, onde aportou o barco de D. Ramiro, deu-lhe o nome de Miragaia, em memória daquele fatal mirar da misera rainha .
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Esta é pois a lenda que se presume ter dado origem ao Brasão de Viseu.

Temos assim que o Castelo representa o de Alboazar, o tocador de corneta, o rei D. Ramiro e a árvore, o bosque em que se esconderam os habitantes de Viseu.

Lenda ou fábula ela representa uma forma de interpretação e porque carregada de antiguidade merece bem que se respeite como tal. Mas fazendo fé em Vilhena Barbosa, nem tudo será hipotético porque " D. Ramiro II roubou a moura Zahara, irmã ou filha d'Alboazar, a qual se fez cristã, tomando no batismo o nome de Artida ou Artiga. Repudiando a rainha D. Urraca, casou segundo uns, ou viveu amancebado segundo outros, com Zahara de quem teve um filho, chamado D. Alboazar Ramires que foi o primeiro fundador do Mosteiro de Santo Tirso ".

Fonte:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/

Eduardo Mineo (Um Plano)


Não que eu pense muito em ter filhos, mas gosto de ficar planejando as coisas e eu já planejei toda a educação que darei aos meus, cada detalhezinho. É verdade que ainda terei de aprender boa parte do que pretendo ensinar a eles – como golpes mortais com a palma da mão – mas acho saudável ter este tipo de preocupação, em vez de esperar que um colégio caro os ensine a dar valor ao que realmente se deve dar valor. Ou vai me dizer que colégios caros ensinam o valor do tiro ao alvo e do teatro grego?

Admito: é um plano ousado. Eu sei que até os três anos terei problemas, pois não é possível ensinar muito a quem baba em si mesmo, o que talvez explique por que os bebês nunca fizeram nada muito relevante – esta eu peguei do Walter Huston em Yankee Doodle Dandy. Mas a partir daí, a partir do momento em que a criança começa a andar e a falar, já está pronta para aulas de piano. Nada muito exigente, mas com tendências clássicas, óbvio. Uma criança de quatro anos já tem que saber quem é Haydn da mesma forma como saberia quem é o bicho papão. "É o tio do piano" já me deixaria contente como resposta, mas aos cinco anos, já perderia a sobremesa.

Tenho alguma convicção de que música precisa ser ensinada desde muito cedo e com rigor, com regularidade, para um bom desenvolvimento intelectual de uma pessoa. Mozart, Beethoven, Chopin, Bach, Villa-Lobos, Strauss, Tchaikovski e Wagner, passaria por cada um destes. Música faz coisas boas em nossa mente, principalmente a música clássica. Toda pessoa que se interessa por música clássica tem mais sensibilidade, pois, cedo ou tarde, começa a se interessar pelas diferenças de sons, de instrumentos, de tempo e de entonação que lhe dão uma percepção muito fina para tudo mais que há na vida. A interpretação de sons precisa estar além do limite da língua para atingir compreensões mais profundas com mais facilidade, pois a interpretação da música é a forma mais crua e mais natural que há de compreensão. E pouco me importa se, aos quinze, meus filhos vão preferir punk rock: a música clássica faz parte de qualquer educação minimamente aceitável e é isto que vou fazer.

A criança também precisa aprender a falar não apenas em português, que é a minha língua e que eu gosto, mas em inglês, francês e alemão. Já considerei me basear no modelo de ensino do personagem de Albert Finney em The Browning Version, um professor conservadorzão que dá aulas de tragédias gregas com uma versão original de Agamêmnon, de Ésquilo, para crianças de uns dez anos. Mas grego, assim como russo e latim, já seria um pouco exagerado pra uns dez anos. E também não sei se vou conseguiria aprender essas línguas a tempo.

O que quero ter feito até lá com certeza é uma boa biblioteca. Na época em que meus filhos começarem a ler e a escrever, já quero ter em minha casa uma do tamanho da do pai do Jorge Luís Borges, com tudo que havia de bom e legal naquela biblioteca. Além disto, claro que terei os livros do Monteiro Lobato. Seria um bom começo para meus filhos, os livros infantís do Monteiro Lobato, embora a formação de uma criança não esteja completa sem o contato com o fantástico de Lewis Carroll e com os valores de Dickens. Sem esta base, não é de se espantar que existam idiotas, assassinos e praticantes de rapel.

Outros autores podem – ou devem – ser incluídos neste começo de vida. A que primeiro me veio a mente foi Jane Austen que, embora não seja exatamente divertida para uma criança, ajuda a entender de uma maneira extremamente delicada como alguém deve tratar um homem e uma mulher e como se portar diante dos outros. Enfim, ser alguém de respeito. Guerra e Paz, de Tolstói, também faz isto e até melhor, mas fico com receio de jogar nas mãos de um molequinho um livro de mil e poucas páginas. Pode traumatizar.

Mas uma hora meus filhos terão de encarar um livro maior. Talvez lá pelos treze anos, eu os tire um pouco da literatura infantil para lhes apresentar obras mais amplas. Penso em começar pela Odisséia, de Homero, que não é exatamente um livro grande, mas necessário. Os gregos, num geral, são necessários, embora os filósofos eu indicaria para depois dos quinze. Além disto, não pretendo aprofundá-los em filosofia. Quero que conheçam a razão em Aristóteles e a ética em Platão. Talvez leve um pouco adiante dos gregos, com Cândido de Voltaire. A partir daí, dependerá do interesse deles.

Acredito que, na adolescência, já não haja mais restrição para assuntos, o que me permitirá apresentar tudo que conheço e o que quero conhecer até lá. Isto não quer dizer que vou conversar sobre orgasmo com meus filhos, Jesus Cristo, mas apresentar livros que possuem estruturas de relacionamento um pouco mais desenvolvidas do que seria interessante para uma criança. Não consigo imaginar por que uma criança se interessaria por Madame Bovary, de Flaubert, por exemplo. É simplesmente incompatível.

Mas adolescentes estão prontos para qualquer coisa. No teatro, volto aos gregos, principalmente com Aristófanes, mas há muitos outros dramaturgos indispensáveis como Shakespeare, Ibsen, Nelson Rodrigues, Tchekhov, Bernard Shaw e Beckett que devem ocupar um espaço na mente de qualquer pessoa que tenha uma alma.

Na literatura brasileira, Machado de Assis deve ser lido de ponta a ponta. Começaria pela coleção de contos Várias Histórias e por Memórias póstumas de Brás Cubas. Depois de Machado, Os Sertões, de Euclides da Cunha; Fogo morto, de José Lins do Rego; Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto; Urupês, de Monteiro Lobato e qualquer coisa de Guimarães Rosa. Ou tudo de Guimarães Rosa. E está aí o que importa no Brasil.

Fora do Brasil, a lista é grande. A literatura italiana não tem muito a oferecer, mas A divina comédia, de Dante, precisa ser lida. Subindo para a França, eu dispenso Victor Hugo. Talvez obrigue meu filho a ler Os miseráveis caso ele vá mal na escola, de castigo. Já Stendhal é aconselhável. Maupassant, como grande contista, também. E Flaubert fecharia a literatura francesa. Mais do que isso é lucro.

Literatura em inglês é a minha preferida e será a que eu darei mais importância. Começando pelos Estados Unidos: Edgar Allan Poe, Mark Twain, Henry James, F. Scott Fitzgerald, Herman Melville e Ernest Hemingway. No Reino Unido, Jane Austen, que já citei, assim como Lewis Carroll, Dickens, Bernard Shaw e Samuel Beckett. Mas também Swift, Conrad, Laurence Sterne, Chesterton, Oscar Wilde, Thackeray, Walter Scott, Evelyn Waugh e Emily Brontë. Joyce é um caso a parte, mas farei questão de apresentar pelo menos o Portrait of the artist as a young man, que é meu favorito. E sigamos adiante.

Goethe como representante da literatura alemã está de bom tamanho. Os sofrimentos do jovem Werther me parece ser um bom livro romântico de contraponto ao racionalismo iluminista, que até certa altura é interessante, mas pode levar facilmente qualquer pessoa à idiotice. Não que Werther também não seja um idiota, mas, mas, mas...deu pra entender. E seguindo esta mesma idéia de contraponto ao racionalismo, entro na literatura russa com Crime e Castigo de Dostoiévski, que trata deste assunto de uma forma mais clara e mais direta. Tolstói e Gógol entram na seqüência e meus filhos serão pessoas melhores conhecendo estes autores.

E eis que me vejo num dilema: quero que meus filhos sejam pessoas melhores, mas sinto que eles precisarão entrar em contato com este limitador espiritual que é a política. Tratarei do assunto, mas farei com que aprendam a usar a política como um revólver: com pudor e apenas em caso de emergência. E nada com muita ênfase aos acontecimentos, pois um colégio bom dá conta disto. Tampouco algo muito profundo. Quero que aprendam o suficiente para saber o que essa gente feiosa anda falando na televisão e qual é a pilantragem da vez.

No caso do Brasil, começaria pelo começo: crônicas de Machado de Assis e obras de Rui Barbosa. Na área econômica, por um lado daria Celso Furtado e, por outro, Roberto Campos. Sobre a ditadura, o Trinta anos esta noite do Paulo Francis e as obras do Elio Gaspari, que fez um trabalho extenso, chato pra burro, mas válido. Deixo a molecada ler; se alguém desmaiar, eu tiro.

Já em política clássica, não tem como fugir de Hobbes, Locke e Maquiavel. Já Adam Smith, David Ricardo e Schumpeter entram, mas com moderação. Posso pensar em algo mais elaborado para Keynes e Hayek; e uma conversinha de leve sobre Marx e Mises. Talvez não doa muito.

Só me preocupo mesmo com minha inaptidão em matéria de poesia. Sei que precisaria apresentar aos meus filhos Fernando Pessoa, Keats, Baudelaire, Camões, Bocage, Milton, etc., mas não consigo me interessar minimamente por poesia. Ainda bem que ensinar poesia é coisa de mãe.

E artes plásticas também. Eu sou muito ruim neste troço. Tentei aprender alguma coisa lendo Civilização, de Kenneth Clark, e até aprendi alguma coisa sobre os clássicos da arquitetura, pintura e escultura, mas nada além de alguns nomes decorados. Li algumas coisas de John Ruskin no projeto Gutenberg, mas nada muito promissor, também.

Há alguns dias, tentei comprar um conjunto de ensaios sobre a arte norte-americana por John Updike, falando sobre Pollock e tal, mas venderam a última unidade na livraria e como o preço era bem salgado, eu deixei de lado. Me incomoda deixar estes buracos na educação dos meus filhos, mas espero pelo menos estimulá-los à cultura. Sei que com tudo isso talvez meus filhos ainda continuem ignorantes, mas certamente darei a base para que deixem de ser naquilo que mais lhes interessar.

Fonte:
Digestivo Cultural. 02 de julho de 2007.