domingo, 27 de novembro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 408) - Aniversário do Prof. Garcia


Uma Trova Nacional

Franciscos são pregadores
de lumes e boas novas...
Alguns, da fé, são pastores,
outros, pastoreiam Trovas.
–LISETE JOHNSON/RS –

Uma Trova Potiguar

27 de Novembro
é de festa, de alegria!
Pois é o natalício, lembro,
do nosso mestre Garcia.
–ROSA REGIS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Intersedes/RJ
Tema: IMAGEM - M/H

Morre a tarde!...E ao fim do dia,
na imagem do Sol poente,
há tintas de nostalgia
do fim da tarde da gente!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova de Ademar

Para o Professor Garcia
fiz em verso um dossiê;
para dizer neste dia...
Meus Parabéns Pra Você!!!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

As coisas simples, modestas,
encerram saber profundo.
Nasceu, sem plumas e festas,
O Maior Homem do mundo!
–LUCY SOTHER ROCHA/MG–

Simplesmente Poesia

Parabéns ao Trovador!!!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Peço a Deus que me dê inspiração
pra que eu possa através desta poesia
mandar meus parabéns de coração
ao Professor e Trovador Garcia.
E em versos escrever na sua lousa
os parabéns também de sua esposa
a quem ele devota seus louvores;
e para este nosso irmão que tanto brilha
eu mando os parabéns de cada filha,
e um abraço de todos Trovadores!

Estrofe do Dia

Pra cantar, hoje tenho bom motivo:
vejo abertas as portas da poesia
na passagem dos anos de Garcia,
um poeta espontâneo e criativo...
Numa trova que passa por seu crivo,
ninguém mais acrescenta correção;
tem o dom de escrever e a inspiração
que desceram das mãos do Criador;
tem a lira de exímio trovador
e a beleza de um grande coração!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Soneto ao Professor Garcia
–DELCY CANALLES/RS–

Mês de novembro - Mostra o Calendário
que o dia vinte e sete é especial.
Nessa data, festeja o aniversário
um "vate-trovador" fenomenal!

É o "Professor Garcia"- biliardário
de inspiração, que o torna sem igual,
poeta de valor - humanitário,
parceiro disputado no virtual!

Tem filhas lindas: Ava, Eva e Mara,
e uma esposa querida - joia rara,
rainha desse lar, cheio de amor!

Por teu trabalho! Pelo que tu vales,
te abraça, com carinho, esta Canalles,
festejando o teu dia, professor!!!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Affonso Romano de Sant'Anna (O Cronista é um Escritor Crônico)


O primeiro texto que publiquei em jornal foi uma crônica. Devia ter eu lá uns 16 ou 17 anos. E aí fui tomando gosto. Dos jornais de Juiz de Fora, passei para os jornais e revistas de Belo Horizonte e depois para a imprensa do Rio e São Paulo. Fiz de tudo (ou quase tudo) em jornal: de repórter policial a crítico literário. Mas foi somente quando me chamaram para substituir Drummond no Jornal do Brasil, em 1984, que passei a fazer crônica sistematicamente. Virei um escritor crônico.

O que é um cronista?

Luís Fernando Veríssimo diz que o cronista é como uma galinha, bota seu ovo regularmente. Carlos Eduardo Novaes diz que crônicas são como laranjas, podem ser doces ou azedas e ser consumidas em gomos ou pedaços, na poltrona de casa ou espremidas na sala de aula.

Já andei dizendo que o cronista é um estilita. Não confundam, por enquanto, com estilista. Estilita era o santo que ficava anos e anos em cima de uma coluna, no deserto, meditando e pregando. São Simeão passou trinta anos assim, exposto ao sol e à chuva. Claro que de tanto purificar seu estilo diariamente o cronista estilita acaba virando um estilista.

O cronista é isso: fica pregando lá em cima de sua coluna no jornal. Por isto, há uma certa confusão entre colunista e cronista, assim como há outra confusão entre articulista e cronista. O articulista escreve textos expositivos e defende temas e idéias. O cronista é o mais livre dos redatores de um jornal. Ele pode ser subjetivo. Pode (e deve) falar na primeira pessoa sem envergonhar-se. Seu "eu", como o do poeta, é um eu de utilidade pública.

Que tipo de crônica escrevo? De vários tipos. Conto casos, faço descrições, anoto momentos líricos, faço críticas sociais. Uma das funções da crônica é interferir no cotidiano. Claro que essas que interferem mais cruamente em assuntos momentosos tendem a perder sua atualidade quando publicadas em livro. Não tem importância. O cronista é crônico, ligado ao tempo, deve estar encharcado, doente de seu tempo e ao mesmo tempo pairar acima dele.

Fonte:
http://www.releituras.com/arsant_ocronista.asp

Bruna Luizi Coletti (O Último Salto)


Ela fechou os olhos e ergueu os braços para o céu cinza, esperando a chuva chegar. Ficou daquele jeito por exatamente 3 minutos até sentir a primeira gota, e sorriu. Continuou sorrindo enquanto as gotas finas engrossavam, ensopando os cachos leves de seu cabelo e seu vestido azul. Tentou abrir os olhos, mas as gotas de chuva escorriam pelo seu rosto e caiam salgadas nos olhos, fazendo arder. Abaixou os braços para limpar o sal das gotas. Quando abriu os olhos, parecia que o céu tinha decido até ali junto com a chuva. Olhou pra baixo e fitou as ondas agitadas. Ela também estava agitada. Era tudo cinza e pesado a sua volta. O céu estava cinza e pesado, a chuva começava a ficar pesada, assim como seus cabelos encharcados e seu vestido azul. Pensou ter ouvido alguém gritar seu nome na tempestade, mas sabia que não. Ninguém poderia ter seguido ela até ali. Aspirou o ar bem fundo até inundar seus pulmões de ar. O cheiro da água salgada e chuva era delicioso. Soltou o ar e aspirou novamente. Ia sentir falta do cheiro salobre de mar. Soltou e aspirou mais uma vez, na esperança de prender aquele cheiro lá dentro.

Ouviu seu nome no vento mais uma vez. Não era sua imaginação. Olhou para trás e viu um borrão de luz em meio a torrente de água que caia do céu. Talvez alguém a tivesse seguido. O vento rugia em seus ouvidos, e a confusão de sons era grande.

Aspirou uma última vez, o máximo que pode, e saltou. Foi contra o impulso de fechar os olhos. Queria assistir os 20 metros da queda.

Segurou as barras do vestido que teimavam em subir com o vento.

A pele ficou dormente quando mergulhou nas águas geladas do oceano. Pelo frio e pela força do impacto. Com o choque acabou aspirando muita água salgada que ardeu na garganta. Já não via muita coisa lá em baixo. A água espumava ao seu redor, e os olhos também ardiam. No último segundo sentiu medo. Quis nadar de volta à superfície, quis viver.

Uma onda desavisada a arremessou contra o penhasco, e ela não viu mais nada.

Em questão de segundos a chuva lá em cima cessou, o ventou parou de rugir e as ondas se acalmaram. A natureza do penhasco fez seu minuto de silencio.

Lá de cima se via apenas o vestido azul entre as ondas vermelhas de sangue.

Então o vento voltou a soprar e as ondas se agitaram novamente. E as nuvens cinzas de chuva se distraíram por apenas um segundo, quando o sol aproveitou para lançar um raio de luz para iluminar as lágrimas de quem fora deixado para trás.

Fonte:
http://www.releituras.com/ne_brunalc_salto.asp

Beatriz Abuchaim (A Moradora do Quinhentos e Três)


Ela era miúda, clara e parecia exausta. Não era uma preguiça de se arrastar entre uma tarefa e outra, e sim a expressão do esgotamento de alguém que tem sempre um problema urgente a resolver. Os traços delicados se desfiguravam com as sobrancelhas erguidas. A própria existência das coisas tinha para ela uma gravidade aguda. Segurava as juntas dos dedos umas contra as outras. A voz lhe escapava ansiosa, formando parábolas de sons, altos e baixos, baixos e altos. As mãos permaneciam contraídas, repousadas por sobre o vestido comprido. Só poderia se chamar Marieta. Parecia uma senhora, mesmo sendo um pouco mais jovem do que eu. Ela tinha uns trinta e cinco anos, no máximo quarenta. A gravidez evidente, a pele lisa ao redor dos olhos e o cabelo loiro, sem fios brancos nem tintura destoavam dos suspiros abortados, dos móveis cor de mogno e das feições endurecidas.

A sala de sua casa evocava o consultório de um dentista, antes da consulta. Todos os objetos estavam livres de bactérias. Imaginei-a despendendo uma tarde inteira para decidir a posição da réplica de “As meninas”, do Renoir. Uma vez ali, o quadro permaneceria imóvel, condenado ao encaixe perfeito do prego e a ausência de pó. Havia duas almofadas por sofá e uma por poltrona, fazendo um contraponto de cores: almofada verde no sofá marrom, almofada bege na poltrona verde. Os guardanapos de crochê esticados nas mesas. Ainda se confeccionam peças desse tipo, lembrei. Toalhas feitas à mão existiam para mim apenas nas tardes da infância, sustentando a compoteira com a ambrosia da vovó. Na casa de Marieta, os copos brilhavam, dentro da cristaleira, em filas regulares. Um exército sem camuflagem.

Fui convidada a sentar. Tive receio de estragar alguma coisa. Fiquei constrangida com minha própria figura: as pernas longas, o jeans desbotado, as unhas por fazer, o leve odor de nicotina. Me senti acomodada em uma mesa para crianças de pré-escola. Eu era imensa para estar ali. Tenho uma sensação de desconforto quando converso com uma pessoa que fala de modo correto o português, usando todos os erres e esses, conjugando com naturalidade os verbos, jamais se permitindo errar uma concordância. Cada frase proferida com essa minha língua de todos os dias parece uma ofensa. Frente a Marieta, mesmo o meu gesto mais educado seria falta de tato. Ela me observava bem de perto, não lhe escapava nada.

Cruzei as botas de bico fino, joguei os cabelos mechados para trás e deixei que ela me julgasse. Nada falei. Escutei as suas tentativas de conter a cólera. Marieta é o tipo da mulher que fica irritada com sua própria fúria. Me diverti vendo suas faces ruborizadas ao comentar sobre os ruídos no sábado à noite. Suas mãos se descruzaram e massagearam a cervical. Ela afirmava que aquela não era a minha primeira “festinha”. Marieta estava certa de que eu entenderia sua reclamação. Dali a alguns meses, o nascimento do bebê. Ela apenas desejava que eu cumprisse o regulamento do condomínio. Nem quisera falar com o síndico para não me deixar desconfortável. Será que ela não percebia que nada poderia ser mais impróprio do que aquele convite para visitá-la, feito a olhos baixos no elevador?

Morava há cinco anos em cima de Marieta e as duas únicas festas que dera, foram catalogadas por ela. Me sabia inocente de suas acusações de má vizinhança. Fiquei lembrando das noites com o Afonso. Ela teria escutado nossas carências após duas ou três garrafas de vinho? Marieta com seu maridinho, que penteia os cabelos para trás com gel em excesso e diz “pois não” ao abrir a porta do prédio para mim, incomodados com as farras do piso superior, do apartamento daquela mulher meio solteira, meio atriz, meio deprimida, que sempre esquece de pegar o jornal de domingo.

Separadas por alguns metros de concreto, vivíamos em estados de matéria distintos, eu tão líquida, ela tão sólida. Eu escorria pelas paredes de seu apartamento. Nada de festas, eu disse, mesmo não sabendo se cumpriria a promessa. Já na porta, pronta para voltar ao meu mar revolto, passei a mão na barriga de Marieta. Perguntei o nome do bebê. Por um instante ela descansou. O rosto se descontraiu, ganhou as feições de alguém que chega em casa ao final do dia e tira os sapatos. Me senti composta da mesma água que ela. Meus dedos firmaram junto ao seu ventre. “Getúlio”, ela me disse. Nome de velho, eu pensei, ao me despedir.

Fonte:
Projeto Releituras

Beatriz Abuchaim (1975)


Beatriz Abuchaim nasceu em Porto Alegre, em 1975.

É psicóloga, especialista em psicologia nos processos educacionais e mestre em educação (todos os cursos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

Trabalha como psicoterapeuta em consultório particular, tendo feito formação em psicoterapia psicanalítica no Instituto Abuchaim, onde atualmente é professora e supervisora. Freqüentou as oficinas de criação literária de Charles Kiefer e de Luis Antonio de Assis Brasil.

Participou das antologias de contos “Histórias de Quinta”, “Brevíssimos” (Editora Bestiário), “101 que contam” e “Oficina 36” (Nova Prova Editora).

"Habitantes de corpos estranhos" (antologia de contos para adolescentes) é seu primeiro livro-solo, publicado em 2008, pela Editora Projeto.

Fonte:
Projeto Releituras

Dagmar Braga (Poesias Avulsas)


CONSTRUÇÃO

Lanhada a pedra,
faço-me fio,
partilho, rasgo
entranha e estranho.

Quebrado o leme,
desoriento,
acolho vento,
maré e abismo.

Cavado o poço,
torno-me água,
mão retorcida,
lisura e barro.

Feito o silêncio,
lasso a palavra -
gume sequioso
de outra navalha.

PAISAGEM URBANA

no farol
estilhaço de vidro
fragmento de prisma
cinabre viscosidade

e um sonho coagulado em nossa retina

INFINITUDE

Ao derredor do tempo
(sorvo de luz e sombra)
o labirinto assoma

Não há porta que se abra
nem sina que nos sustente

O desafio
é a tessitura e o fio

Não há rastro ou memória
na solidão do exílio

Tudo — a um só tempo —
é pressentimento /
origem
tédio / espelho

Secreto e imenso — sempre —
o meu e o teu delírio.

PROSCRITOS


no exílio da manhã
o desamparo
a dois

quando cruzamos
olhares
urbanos desvalidos

forçado o esquecimento
banido o verbo

embora o corpo
estirado
de prazer e fúria

MADRUGADA

quando em silêncio arde o desespero
teu rosto assoma

tua mão acolhe o fogo e me desata
o descompasso

o dia serpenteia na garganta
um poema grita
germinando luz

Fonte:
Antonio Miranda

Dagmar Braga


Dagmar de Oliveira Braga nasceu em Pitangui, Minas Gerais.

Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Grerais (PUC Minas), especializou-se em Literatura Brasileira e depois cursou a pós-graduação em Jornalismo e Práticas Contemporâneas.

Professora, consultora aposentada pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, a poeta trabalha atualmente como revisora de textos e é responsável pelo Espaço Cultural Letras e Ponto, onde também ministra Oficinas de Literatura.

Em 2008, Dagmar estreou com o livro de poemas Geometria da Paixão, publicado pela Anome Livros.

Para Affonso Romano de Sant`Anna “A poesia de Dagmar Braga é uma inscrição no silêncio, um diálogo com as sombras, uma caligrafia da solidão, um pressentimento e um suave delírio, aparentemente “unindo o nada a nada”, e, no entanto, nos fala de coisas humanamente familiares.”

Fonte:
Antonio Miranda

Estante de Livros (Letras e Ponto!)

ANTOLOGIA DOS OFICINEIROS DO LETRAS E PONTO

Organização: Dagmar Braga

Local: Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, em Belo Horizonte

Longe de uma ideia da escrita como exercício solitário, “Oficina da Palavra” é resultado do trabalho de mais de 34 mãos. A antologia de crônicas, contos e poesias, da editora Asa de Papel, traz produções feitas por um grupo muito diverso de autores. Médicos, professores, arquitetos, estudantes e outros curiosos se reúnem em noites de oficinas literárias para abrir as portas da imaginação. O livro – fruto desses encontros – vai ser lançado na Biblioteca Estadual Luiz de Bessa, no dia 5 de dezembro, a partir das 19 horas.

A escritora Dagmar Braga – finalista do Prêmio Jabuti em 2009 – é responsável por costurar as 62 criações presentes na obra. Ela mantém o espaço cultural Letras e Ponto e coordena oficinas de criação literária há XX anos. Os encontros são abertos a qualquer interessado e o objetivo é escrever a partir da memória, da imaginação, da observação e da intertextualidade. O esforço de edição também é conjunto. Um tempo fica reservado para a leitura coletiva e todos têm a oportunidade de palpitar no texto do colega. O espaço cultural ainda acolhe outras atividades: saraus, debates, palestras, mostras e apresentações.

“Oficina da palavra” é a segunda antologia publicada pelo Letras e Ponto. Para Ronaldo Simões Coelho, autor mineiro com mais de 50 títulos, o novo livro oferece ao leitor um cardápio de fazer inveja a qualquer chef. “Do riso à lágrima, da curiosidade ao alívio, do querer mais à releitura, tudo aliado à vontade de recomendar aos amigos, parentes e aos conhecidos que procurem conhecer esses pratos servidos por autores plenos de delicados sabores”, comenta o escritor.

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QUARTAS HISTÓRIAS: CONTOS BASEADOS EM NARRATIVAS DE GUIMARÃES ROSA

Organização: Rinaldo de Fernandes

Com organização do escritor e professor de literatura Rinaldo de Fernandes, chega às livrarias a coletânea Quartas histórias: contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa. Editado pela Garamond (RJ), com ilustrações de Arlindo Daibert, o livro, cujo lançamento nacional será em São Paulo dia 20 de outubro/2006, no evento “Balada Literária”, traz 40 contistas brasileiros da atualidade, que recriam narrativas de Sagarana e passagens do Grande sertão: veredas. Traz também, numa seção inicial, textos sobre Guimarães Rosa de Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Antonio Carlos Jobim, Affonso Romano de Sant’Anna, Daniel Piza, Marcus Accioly e Sônia Maria van Dijck Lima. Os contistas que integram a coletânea são: Aleilton Fonseca, Amador Ribeiro Neto, André Sant’Anna, Antonio Carlos Secchin, Antonio Carlos Viana, Ataíde Tartari, Bernardo Ajzenberg, Carlos Gildemar Pontes, Carlos Ribeiro, Cecília Prada, Deonísio da Silva, Fabrício Carpinejar, Fernando Bonassi, Geraldo Maciel, Godofredo de Oliveira Neto, João Anzanello Carrascoza, José Castello, José Rezende Jr., Leila Guenther, Luzilá Gonçalves Ferreira, Marcelino Freire, Marcelo Carneiro da Cunha, Maria Alzira Brum Lemos, Marilia Arnaud, Mário Chamie, Miguel Sanches Neto, Nelson de Oliveira, Nilto Maciel, Paulo Franchetti, Pedro Salgueiro, Raimundo Carrero, Ricardo Soares, Rinaldo de Fernandes, Ronaldo Correia de Brito, Ruy Espinheira Filho, Sérgio Fantini, Silviano Santiago, Suênio Campos de Lucena, Tércia Montenegro e W. J. Solha.

Rinaldo de Fernandes, no texto de apresentação da obra, afirma: “a presente coletânea presta homenagem, respectivamente, aos 60 e 50 anos de lançamento das duas obras-primas de Guimarães Rosa [‘Sagarana’ e ‘Grande Sertão: veredas’]. Mas o livro não se resume a isso. Atesta o grande talento de autores brasileiros contemporâneos, alguns ainda bem jovens. Atesta a vitalidade do nosso conto mais recente, cujos praticantes pipocam por todas as regiões do país, numa profusão, por assim dizer, de textos de qualidade”. Afirma ainda: “Este livro poderá ficar como um marco da literatura brasileira contemporânea – pelo desafio de recriar um autor em princípio inimitável e pela versatilidade dos contistas. Trata-se, em linhas gerais, de um livro regionalista feito por autores que, à exceção de alguns poucos, não passaram pela experiência do campo”. E conclui: “Uma coisa importante: os contos [...] podem ser lidos independentemente de o leitor conhecer ou não as histórias originais de Guimarães Rosa. Certo: o conhecimento do texto do qual o conto partiu poderá facilitar a vida do leitor, clarear mais as coisas. Mas não o impedirá, em absoluto, de entender os contos aqui publicados. A coletânea cumpre ainda, agora em outra frente, o papel de despertar a curiosidade daqueles que desconhecem a obra do autor mineiro”.
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MIL TSURUS

Autor: Yasunari Kawabata
Tradução de Drik Sada

Tradicional cerimônia do chá serve de cenário para o autor expor a complexidade das relações humanas.

Publicado originalmente em capítulos por revistas japonesas, este romance foi escrito entre os anos 1949 e 1951, período de reconstrução de um Japão devastado pela Segunda Guerra. Nesse contexto em que a sociedade japonesa se reestruturava e também se defrontava com valores culturais vindos do Ocidente, Kawabata resgata valores tradicionais de seu país, fazendo da cerimônia do chá o pano de fundo para a história de Mil tsurus.

Kikuji Mitani é um jovem que, durante uma cerimônia do chá, reencontra duas antigas amantes de seu falecido pai, Chikako Kurimoto e a viúva Ota, e de repente se vê profundamente envolvido com elas. Enquanto Chikako tenta arranjar um casamento para Kikuji, este inicia um inesperado romance com a senhora Ota, que por sua vez tem uma filha chamada Fumiko, de quem Kikuji também irá se aproximar. Mas há ainda Yukiko, a delicada jovem pretendente a se casar com Kikuji, personagem que representa a serenidade, num ambiente repleto de ressentimentos e intrigas. Não é por acaso que a moça é descrita usando um lenço de seda ilustrado com tsurus, ave que simboliza nobreza e felicidade, na tradição japonesa.

Nessa história em que o passado, através da figura do pai do protagonista, desperta sentimentos em conflito, Kawabata demonstra, mais uma vez, seu profundo conhecimento da antiga cultura de seu país e enaltece a importância da arte oriental, representada nas cerâmicas seculares do ritual do chá.

Ao mesmo tempo em que discorre sobre a permanência da arte no decorrer dos séculos, sobrevivendo a gerações, o autor nos mostra o lado efêmero da vida e das relações humanas.

Fonte:
http://www.letraseponto.com.br/dicas.php

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 12


Poemas

Ao Euclides Bandeira

BAUCIS E FILEMON

Há de a Morte chegar um dia... E pois que bom
Se fosse como a de Baucis e Filemon!

Outono. A tarde vai num carro de veludo,
Lírio, rosa, carmim, e ouro, sobretudo.
A tarde gira, no passeio vesperal,
A luminosa flor estética do Mal.
Zéfiro, vendo-a, em seus vestidos sopra assim
Da flauta rude uns sons de folha de jasmim,
Uns sons de violeta e anêmona e açucena,
Uns sons que inda são mais leves do que uma pena,
E tão bons, e tão bons, que ao longe o mar semelha,
A subir e a descer, um rebanho de ovelha...

E os seus vestidos que são alvos como a paz,
Tingem-se de uma cor de sangue de lilás.
Ó tarde linda, ó tarde linda como Vênus,
Tarde de olhos azuis e de seios morenos.
Ó tarde linda, ó tarde doce que se admira,
Como uma torre de pérolas e safira.
Ó tarde como quem tocasse um violino.
Tarde como Endimion, quando ele era menino.
Tarde em que a terra está mole de tanto beijo,
Porém querendo mais, nervosa de desejo...
Tarde como no dia em que Júpiter louro,
Por amor de Danaê, desfez-se todo em ouro.
Tarde de se cair de joelhos, por encanto,
E de se lhe beijar a ponta de seu manto.
Ó que tarde sutil! ó luz crepuscular!
Com rosas no jardim e cisnes a boiar...

Outono lindo, lindo... Ao longo dos caminhos,
Como sempre, eles dois, velhinhos, bem velhinhos,
Inda mais uma vez olham essa paisagem,
Que, por assim dizer, é a sua própria imagem,
Terna como eles e com seus reflexos vagos
De ternura a tremer por sobre a flor dos lagos...

Paisagem verde, inda mais verde que um vergel,
Com abelhas, com sol, e com favos de mel...

“Que tarde linda, meu amor, que lindo outono!
Quem me dera dormir o derradeiro sono!”
– “Eu também, Filemon,” sorrindo Baucis diz,
“Já estou cansada, vê, de tanto ser feliz!” –
“Ó deuses imortais! ó piedosos céus!”
Mal, porém, mal porém tinham falado, quando
Pasmo viu Filemon Baucis se transformando
Numa tília, também ao mesmo tempo que ela
O via converter-se em carvalho, e singela,
Saudosamente, os dois se disseram adeus!
Janeiro – 1905

ESTÁTUA

... e olhou sua mulher para trás dele:
e converteu-se numa estátua de sal.

O salgueiro chora,
E o vento chora fino no salgueiro,
O vento chora triste... – Um Cavaleiro
(Ia passando sem olhar) olha e demora...

“Ah! – consigo murmura –
Nestes caminhos lôbregos, de joelhos,
Eu caminhei por sobre incêndios de loucura,
Num Éden prateado e com frutos vermelhos!

Outrora aqui vibrei meus lírios de alvoroço!
A lança de ouro às mãos rutila! à fronte o casco
De ouro a relampejar! e moço! e tudo moço!
Ó moço de Damasco! ó sonho de Damasco!

Turbilhões sensuais de proserpinas doidas!
Cantáridas em flor, brancas, morenas, todas
Luxurioso amei! amei! Eram tão belas!
– Ó Poentes de Outono! ó Luas! ó Estrelas!

Nuvem, que uma tormenta azulada de beijos
Eletriza, lirial nuvem dos meus desejos!
Na minha alma, cruéis, dormem fundos espaços,
Cova sinistra! Cruz Vermelha dos Abraços!

Barco esguio a dançar, carregado de aroma,
Seda, púrpura, arminho e veludo da Pérsia,
– Leito brando da minha angústia e minha inércia,
Em balanço, ondulando, uma entre mil assoma.

Alva!... não a beijei!... Minha vida foi como
Em choupos verdes a correr um passarinho.
Para quando guardei o acre, esquisito pomo,
Ó Desejo escarlate! ó flor cheia de espinho?

Ora o Valpúrgio!... Só, como espectro de lua,
A Lembrança!... um palor diluído em folha rubra!
Quando evitar que o tempo o mármore polua,
E o musgo cresça, e as almas frágeis cubra?

Tudo em perfume se resume, que apunhala,
E a Demência derrama em asperges de hissope!

– Eia pois! eia pois! a caminhos de opala!...”

E o Cavaleiro toca o cavalo a galope.

Foge. Um Anjo, porém, melancólico implora...
Chama-o de longe um Anjo: – Olha mais uma vez!
Estas ruínas, ó Cavaleiro, bem vês,
São tua adaga de ouro e teu arnês de outrora! –

E era o Anjo a açucena endoidecida no Horto,
E a sua voz, luar do Paraíso Perdido!...
Luar de um círio sobre o azul de um lírio morto...
Luar de Além, do Além, além do Indefinido!...

Olha. Não vendo então que via, por seu mal,
O Nu... mais nu! O Nu de um nu de Apodros nuda!
Um esqueleto nu!...
E ei-lo que se transmuda,
– Outra mulher de Ló – numa Estátua de sal!
Abril – 1898

AZAR

Ao Silveira Neto

A galope, a galope, o Cavaleiro chega:
Rei, ó meu bom senhor! com tua filha cega.

– Hoje, teu adivinho assim traçou no ar:
A frota d’El-Rei perdeu-se no alto mar!

Eu, ao descer a noite, ouvi cantar o galo:
Foi a Rainha que fugiu com um teu vassalo.

Teus exércitos, ó! as brônzeas legiões,
Morreram nos areais da Líbia como leões!

Nos teus domínios sopra o vento Noroeste:
A mangra, o gafanhoto, a seca, a alforra, a peste.

Uivam! Lobos? o Mar? o Vento? o Temporal?
Não. É a plebe que arrasta o teu manto real.

Lá vêm as três, ó Rei, lá vêm as três donzelas...
Tende piedade, meus irmãos, orai por elas!

Vêm tão brancas dizer que as noras sensuais
D’El-Rei mataram seus maridos com punhais.

Tuas pratas, teu ouro, e mais ricas alfaias,
Roubam do teu palácio os fâmulos e as aias.

Teu diadema, o cetro, as plumas e os Broquéis,
Em poeira, e sangue, e sob a pata dos corcéis!

O povo reza, que doçura! É bom que reze!
Pela tua alma... Já são horas... Quantas?... Treze.

Maldito seja quem Trono nem Reino tem!
Maldito seja o Rei! Maldito seja! Amém!

No vinho que te dão, e no teu melhor pomo,
No manjar mais custoso, onde entre o cinamomo,

Na linfa clara, vê, no leito ebúrneo, sei,
Nas palavras, no ar, dão-te veneno, Rei!

Ouvem os Arlequins missa, todos de tochas,
E estão vestidos de sobrepelizes roxas.

Resmungam baixo teu nome as velhas, e assim
Queimam em casa, cruz! a palma e o alecrim.

Estão rezando por ti muitos padre-nossos;
Os cães estão, porém, à espera de teus ossos.

Ó ventos! ó corvos! que estais grasnando no ar!
Eis o cadáver do bom Rei de Baltazar!

Dlom! dlem! dlom! dlem! Ouve, bom Rei, de serro a serro
Os sinos dobram, ai! dobram por teu enterro.

Ó ventos! ó corvos! que estais grasnando no ar!
Eis o cadáver do bom Rei de Baltazar!

Ventos, ó funerais! ventos, lamentos roucos,
Ó ventos roucos, ó redemoinhos loucos!

Dlom! dlem! dlom! dlem! Bom Rei, teus ossos não são teus,
Nem o teu trono é teu! Louvado seja Deus!

Nem a tua alma é tua, ó Rei, depois de morto,
Pois demônios estão dançando num pé torto!

Maldito seja quem Trono nem Reino tem!
Maldito seja o Rei! Maldito seja! Amém!

E a galope, a galope, o Cavaleiro esguio
Vai pregar a outro Reino: a Doença, a Noite, o Frio!
Julho – 1898

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Preservação de Livros (Parte 4)

Justificar
2.5 COSTURA

A costura pode ser por livros de folhas soltas ou por cadernos.

Material necessário:

– Agulha n 2/0;
– Linha Urso n 0 e 1;
– Tesoura
– Martelo
– Estilete
– Furadeira
– Lápis
– Prensa
– Pincel
– Cola PVA + CMC

Procedimento

Livros por cadernos · · · ·

Não se deve usar os mesmos furos da antiga costura, para evitar que a mesma fique solta;
Una todos os cadernos prestando a atenção para que eles estejam dispostos em ordem numérica crescente;
Colocar na prensa para acomodar o lombo antes da costura;
Multiplicar o comprimento da linha a ser usado em um caderno pelo número de cadernos existentes. Este sistema resultará o comprimento total de linha a ser utilizado na costura de todos os cadernos e evitará o uso de nós.

Assinalar com um lápis sobre a lombada do livro os pontos para marcar a costura.

Geralmente a lombada deve ser dividida em seis partes iguais (ou sempre número par);

Iniciar a costura pelo último caderno.

Segurar o caderno aberto com a mão esquerda.
Com a direita segurar a agulha (no caso de destra);

Costurar pelo lado direito, de fora para dentro;

O último caderno deve ser amarrado ao penúltimo por um nó duplo, para que a costura não se solte e assim sucessivamente.

Livros com caderno único · · · · · ·

Marcar com lápis a divisão da costura (sempre com números ímpares);

Colocar a agulha de fora para dentro no meio do caderno;

Colocar a agulha na marca seguinte de dentro para fora;

Colocar a agulha na última marca de fora para dentro;

Colocar a agulha outra vez no meio do caderno de dentro para fora

Dar um nó nas pontas da linha.

Cortar as pontas cerca de 1 cm do livro.

Livros por folhas soltas · · ·

Una todas as folhas prestando a atenção para que estejam com a numeração em ordem;

Prensar o livro entre um par de tábuas.

Colocar um peso para firmar.

Passar cola na lombada e deixar secar.

Repetir o processo.

Colocar o livro em cima de um papelão ou madeira;

Fazer uma marcação de cinco furos usando um lápis;

Furar o livro com uma furadeira

Costurar o livro com fio o ou oo'

A costura começa pelo furo do meio, de baixo para cima e deixando uma sobra de linha para posteriormente amarrar as pontas.

2.6 COLOCAÇÃO DA LOMBADA

O reforço da lombada tem como finalidade fortalecer o livro, garantindo a durabilidade da encadernação. ·

Cortar uma tira de cartolina americana com a medida igual à largura da lombada mais 4 cm de cada lado;

Marcar o meio desta tira;

Vincar, acentuando o vinco com o auxílio de um clips;

Aplicar cola na lombada e aplicar a tira de cartolina por cima

Deixar secar;

Colar a capa na sobra da lombada (4 cm).

––––––
Continua... Acabamento dos Cortes do Livro; Confecção da Capa; Anexos

Fontes:
DIVISÃO DE PRESERVAÇÃO; Preservação e Recuperação de Material Bibliográfico. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2001.

MILEVSKY, Robert J.; Manual de Pequenos Reparos em Livros; Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. 2ª edição, Rio de Janeiro, 2001.

Murilo Rubião (O Convidado)


No conto O Convidado, o autor, Murilo Rubião, tem 3 objetivos: anunciar o fato; deixar o leitor perplexo diante do fato e fazer com que o leitor se acostume ao fato - seja ele estranho ou não.

A intriga gira em torno do percurso da personagem central Alferes, que preocupado em chegar a uma misteriosa festa de fantasia para a qual é convidado, não mais consegue se desvencilhar dela, nem achar o seu caminho de volta. A festa apresenta-se como uma verdadeira encenação, onde um grupo social espera por alguem que, além de não se saber quem é, também nJustificarão aparece.

Personagens

José Alferes - protagonista.
Faetonte - motorista.
Astérope - convidada da festa.
Débora - moradora do hotel.

Enredo

José Alferes mora na cidade há apenas quatro meses, seus laços de amizades eram muito curtos, limitando-se aos funcionários do hotel onde morava e a outra pensionista que morava no mesmo andar - Débora.

Naquele dia chegou para ele um convite para uma festa. Nada estava mencionado: data, horário e local. Achou estranho. Pensou que era um trote; depois, pela caligrafia feminina, atribuiu a Débora. O fato é que, sem os referenciais de festa, decide-se por averiguar isto. Inicialmente, procura na loja de aluguel de roupas, onde lhe dão uma resposta evasiva.

À noite, vestido para a tal festa, procura por Faetonte (taxista que sabia de toda a vida noturna da cidade), para o levar. Ao chegar, três senhores afirmam que o verdadeiro convidado ainda não tinha chegado, podendo José provocar certa confusão nas pessoas presentes, achando que era ele. Daí a necessidade de se desfazer possíveis equívocos.

Embora todos tenham sido cordiais com José Alferes, este se sente meio isolado, pois em todas as rodas de conversa o assunto é único: "a criação e corridas de cavalo". Encontra-se com uma linda mulher - Astérope. Saem dali e ele não consegue entender o porquê daquela mulher estar esperando “o convidado" para deitar com ele.

Não suportando mais nada disso, retorna ao táxi para ir embora. O motorista se recusa, alegando estar à disposição dos organizadores da festa. José tenta ir só, retorna machucado de alguns tombos que levara. Implora, tenta o suborno, mas nada disso motiva o taxista, até surgir Astérope e conduzi-lo para a festa.

Análise

O tempo da narrativa é cronológico. Embora não seja definida a data, toda ação se passa no transcorrer de alguns dias.

O espaço é o perímetro urbano de uma cidade não nomeada (onde o protagonista transita entre o hotel, a loja de aluguel de roupas e o local da festa).

Neste conto, o protagonista é inserido em uma situação um tanto absurda: ser convidado a ir a uma festa e não poder se desvincular desta situação.
Como é comum o “Realismo Simbólico” na obra de Murilo Rubião, este conto trabalha alegoricamente uma alusão à Inconfidência Mineira. Nesta ótica, José Alferes seria uma representação simbólica de Tiradentes, sendo levado a uma situação sem retorno, onde demonstra um caráter passivo.

O conto de Murilo Rubião “O Convidado” é narrado em terceira pessoa, onisciente, e o fantástico nesta história se rotiniza na medida em que o protagonista, no
caso, o “falso convidado” Alferes, é uma pessoa comum que está hospedada num hotel, por algum motivo que não é esclarecido (e também não importa para o leitor), mas que, concretamente, recebe pelo correio um convite para ir a uma recepção.

A partir daí, a história vai acontecendo, aparentemente dentro de um cotidiano “real”, se não fosse pela sucessão de fatos “estranhos” que vão surgindo no enredo da narrativa, como por exemplo o fato de no convite não constar a data, hora e local da festa e ainda, tampouco sabe-se quem está promovendo o evento. Mesmo assim, percebe-se que o autor-narrador, procura dar certa "naturalidade" ao que está acontecendo e, nesses termos, improvisa algumas situações, como por exemplo o fato do motorista saber o local da festa, já que “costumava” levar personagens ilustres para divertimentos noturnos e até mesmo o fato do auto-convencimento de Alferes para ir à solenidade achando que o convite poderia ter partido de alguém que admirava e portanto, naquele momento - em que ele precisava sentir algo mais concreto para aceitar o imprevisto - a lembrança da colega era motivo suficiente para a sua ida.

No momento em que a incerteza começa a tomar conta de Alferes o leitor também hesita. Percebe-se que algo está sendo ocultado tanto de Alferes quanto do
leitor, que passa a ser seu cúmplice. A dúvida surge e permanece. Desafia-se a razão. O estar no mundo de Alferes é visto como uma experiência quase sem
solução.

Tal incerteza é típica das narrativas "fantásticas", nas quais o elemento “misterioso” intervém no curso normal dos fatos, provocando uma ruptura, um “suspense”. Daí, parte-se para o desvendamento do mistério, o que pode ou não ocorrer no final do conto. No caso das narrativas de Rubião, a ambigüidade costuma
permanecer até o final da história, deixando que o leitor faça a dedução dos fatos finais, geralmente implícitos.

O final sugere que aquela mulher misteriosa (Astérope), provavelmente é a tal convidada que se espera, no caso, a morte - que veio buscar Alferes, ao que parece - seu convidado. Isto é apenas uma sugestão, as pistas levam o leitor a pensar e extrair outros sentidos.

Percebe-se que o dado “sobrenatural” é um artifício da imaginação para remeter a conflitos originários da própria realidade, desvendando dramas da existência humana, no caso, a angústia que os eventos sociais provocam fica bem retratada, assim como o artificialismo e a ausência de sentido, para alguns, das cerimonias sociais.

Uma figura sutil e ao mesmo tempo dúbia nesse conto é Faetonte, motorista de táxi. Um personagem da mitologia grega de mesmo nome, filho do sol, que ao
conduzir o carro divino, inexperiente, passou muito próximo da terra e incendiou-a e Zeus fulminou-o com um raio. "Aqui jaz Faetonte, cocheiro do carro paterno; se não pode dirigi-lo, pelo menos morreu por ter tentado, corajosamente, um grande feito" (Públio Ovídeo Nasão, 1983, p. 35). Faetonte é relacionado a tudo que brilha, uma vez que o incêndio que provocou iluminou o mundo. No conto, é um chofer experiente, conhece o trajeto e o local a que deve levar o convidado. Não parece em nada com o cocheiro inexperiente que dirigiu o carro divino. Uma aura de mistério envolve Faetonte como se algo fosse acontecer. Nega-se a trazer Alferes de volta, a despeito dos insistentes pedidos que recebeu e nem tampouco se incomoda com a inquietação daquele passageiro. Mantém-se indiferente, apenas cumprindo o seu dever de motorista.

Trata-se de um "fantástico" moderno, uma vez que nenhuma explicação "convincente" é dada aos fatos estranhos e o final da história é inconcluso e ambígüo. Próximo ao mito, onde vive e sobrevive o insólito, tudo pode acontecer, mesmo as coisas mais absurdas, deixando sempre aquela interrogação: o “fantástico” ainda está aí ou já se desvanceu? O leitor, quando percebe, ainda está envolto pela nevasca que soprava da leitura.

Fontes:
Colégio Pró Campus | Profª Ms. Terezinha de Jesus Lopes Ferreira Leite, Unicamp. Disponível em Passeiweb

Murilo Rubião (O Ex-Mágico da Taberna Minhota)


Inclina, Senhor, o teu ouvido, e ouve-me;
porque eu sou desvalido e pobre.
(Salmos. LXXXV, I)

Hoje sou funcionário público e este não é o meu desconsolo maior.

Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se às vicissitudes, através de um processo lento e gradativo de dissabores.

Tal não aconteceu comigo. Fui atirado à vida sem pais, infância ou juventude.

Um dia dei com os meus cabelos ligeiramente grisalhos, no espelho da Taberna Minhota. A descoberta não me espantou e tampouco me surpreendi ao retirar do bolso o dono do restaurante. Ele sim, perplexo, me perguntou como podia ter feito aquilo.

O que poderia responder, nessa situação, uma pessoa que não encontrava a menor explicação para sua presença no mundo? Disse-lhe que estava cansado. Nascera cansado e entediado.

Sem meditar na resposta, ou fazer outras perguntas, ofereceu-me emprego e passei daquele momento em diante a divertir a freguesia da casa com os meus passes mágicos.

O homem, entretanto, não gostou da minha prática de oferecer aos espectadores almoços gratuitos, que eu extraía misteriosamente de dentro do paletó. Considerando não ser dos melhores negócios aumentar o número de fregueses sem o conseqüente acréscimo nos lucros, apresentou-me ao empresário do Circo-Parque Andaluz, que, posto a par das minhas habilidades, propôs contratar-me. Antes, porém, aconselhou-o que se prevenisse contra os meus truques, pois ninguém estranharia se me ocorresse a idéia de distribuir ingressos graciosos para os espetáculos.

Contrariando as previsões pessimistas do primeiro patrão, o meu comportamento foi exemplar. As minhas apresentações em público não só empolgaram multidões como deram fabulosos lucros aos donos da companhia.

A platéia, em geral, me recebia com frieza, talvez por não me exibir de casaca e cartola. Mas quando, sem querer, começava a extrair do chapéu coelhos, cobras, lagartos, os assistentes vibravam. Sobretudo no último número, em que eu fazia surgir, por entre os dedos, um jacaré. Em seguida, comprimindo o animal pelas extremidades, transformava-o numa sanfona. E encerrava o espetáculo tocando o Hino Nacional da Cochinchina. Os aplausos estrugiam de todos os lados, sob o meu olhar distante.

O gerente do circo, a me espreitar de longe, danava-se com a minha indiferença pelas palmas da assistência. Notadamente se elas partiam das criancinhas que me iam aplaudir nas matinês de domingo. Por que me emocionar, se não me causavam pena aqueles rostos inocentes, destinados a passar pelos sofrimentos que acompanham o amadurecimento do homem? Muito menos me ocorria odiá-las por terem tudo que ambicionei e não tive: um nascimento e um passado.

Com o crescimento da popularidade a minha vida tornou-se insuportável.

Às vezes, sentado em algum café, a olhar cismativamente o povo desfilando na calçada, arrancava do bolso pombos, gaivotas, maritacas. As pessoas que se encontravam nas imediações, julgando intencional o meu gesto, rompiam em estridentes gargalhadas. Eu olhava melancólico para o chão e resmungava contra o mundo e os pássaros.

Se, distraído, abria as mãos, delas escorregavam esquisitos objetos. A ponto de me surpreender, certa vez, puxando da manga da camisa uma figura, depois outra. Por fim, estava rodeado de figuras estranhas, sem saber que destino lhes dar.

Nada fazia. Olhava para os lados e implorava com os olhos por um socorro que não poderia vir de parte alguma.

Situação cruciante.

Quase sempre, ao tirar o lenço para assoar o nariz, provocava o assombro dos que estavam próximos, sacando um lençol do bolso. Se mexia na gola do paletó, logo aparecia um urubu. Em outras ocasiões, indo amarrar o cordão do sapato, das minhas calças deslizavam cobras. Mulheres e crianças gritavam. Vinham guardas, ajuntavam-se curiosos, um escândalo. Tinha de comparecer à delegacia e ouvir pacientemente da autoridade policial ser proibido soltar serpentes nas vias públicas.

Não protestava. Tímido e humilde mencionava a minha condição de mágico, reafirmando o propósito de não molestar ninguém.

Também, à noite, em meio a um sono tranqüilo, costumava acordar sobressaltado: era um pássaro ruidoso que batera as asas ao sair do meu ouvido.

Numa dessas vezes, irritado, disposto a nunca mais fazer mágicas, mutilei as mãos. Não adiantou. Ao primeiro movimento que fiz, elas reapareceram novas e perfeitas nas pontas dos tocos de braço. Acontecimento de desesperar qualquer pessoa, principalmente um mágico enfastiado do ofício.

Urgia encontrar solução para o meu desespero. Pensando bem, concluí que somente a morte poria termo ao meu desconsolo.

Firme no propósito, tirei dos bolsos uma dúzia de leões e, cruzando os braços, aguardei o momento em que seria devorado por eles. Nenhum mal me fizeram. Rodearam-me, farejaram minhas roupas, olharam a paisagem, e se foram.

Na manhã seguinte regressaram e se puseram, acintosos, diante de mim.

— O que desejam, estúpidos animais?! — gritei, indignado.

Sacudiram com tristeza as jubas e imploraram-me que os fizesse desaparecer:

— Este mundo é tremendamente tedioso — concluíram.

Não consegui refrear a raiva. Matei-os todos e me pus a devorá-los. Esperava morrer, vítima de fatal indigestão.

Sofrimento dos sofrimentos! Tive imensa dor de barriga e continuei a viver.

O fracasso da tentativa multiplicou minha frustração. Afastei-me da zona urbana e busquei a serra. Ao alcançar seu ponto mais alto, que dominava escuro abismo, abandonei o corpo ao espaço.

Senti apenas uma leve sensação da vizinhança da morte: logo me vi amparado por um pára-quedas. Com dificuldade, machucando-me nas pedras, sujo e estropiado, consegui regressar à cidade, onde a minha primeira providência foi adquirir uma pistola.

Em casa, estendido na cama, levei a arma ao ouvido. Puxei o gatilho, à espera do estampido, a dor da bala penetrando na minha cabeça.

Não veio o disparo nem a morte: a máuser se transformara num lápis.

Rolei até o chão, soluçando. Eu, que podia criar outros seres, não encontrava meios de libertar-me da existência.


Uma frase que escutara por acaso, na rua, trouxe-me nova esperança de romper em definitivo com a vida. Ouvira de um homem triste que ser funcionário público era suicidar-se aos poucos.

Não me encontrava em condições de determinar qual a forma de suicídio que melhor me convinha: se lenta ou rápida. Por isso empreguei-me numa Secretaria de Estado.


1930, ano amargo. Foi mais longo que os posteriores à primeira manifestação que tive da minha existência, ante o espelho da Taberna Minhota.

Não morri, conforme esperava. Maiores foram as minhas aflições, maior o meu desconsolo.

Quando era mágico, pouco lidava com os homens -o palco me distanciava deles. Agora, obrigado a constante contato com meus semelhantes, necessitava compreendê-los, disfarçar a náusea que me causavam.

O pior é que, sendo diminuto meu serviço, via -me na contingência de permanecer à toa horas a fio. E o ócio levou -me à revolta contra a falta de um passado. Por que somente eu, entre todos os que viviam sob os meus olhos, não tinha alguma coisa para recordar? Os meus dias flutuavam confusos, mesclados com pobres recordações, pequeno saldo de três anos de vida.

O amor que me veio por uma funcionária, vizinha de mesa de trabalho, distraiu-me um pouco das minhas inquietações.

Distração momentânea. Cedo retornou o desassossego, debatia-me em incertezas. Como me declarar à minha colega? Se nunca fizera uma declaração de amor e não tivera sequer uma experiência sentimental!

1931 entrou triste, com ameaças de demissões coletivas na Secretaria e a recusa da datilógrafa em me aceitar. Ante o risco de ser demitido, procurei acautelar meus interesses. (Não me importava o emprego. Somente temia ficar longe da mulher que me rejeitara, mas cuja presença me era agora indispensável.)

Fui ao chefe da seção e lhe declarei que não podia ser dispensado, pois, tendo dez anos de casa, adquirira estabilidade no cargo.

Fitou-me por algum tempo em silêncio. Depois, fechando a cara, disse que estava atônito com meu cinismo. Jamais poderia esperar de alguém, com um ano de trabalho, ter a ousadia de afirmar que tinha dez.

Para lhe provar não ser leviana a minha atitude, procurei nos bolsos os documentos que comprovavam a lisura do meu procedimento. Estupefato, deles retirei apenas um papel amarrotado — fragmento de um poema inspirado nos seios da datilógrafa.

Revolvi, ansioso, todos os bolsos e nada encontrei.

Tive que confessar minha derrota. Confiara demais na faculdade de fazer mágicas e ela fora anulada pela burocracia.

Hoje, sem os antigos e miraculosos dons de mago, não consigo abandonar a pior das ocupações humanas. Falta-me o amor da companheira de trabalho, a presença de amigos, o que me obriga a andar por lugares solitários. Sou visto muitas vezes procurando retirar com os dedos, do interior da roupa, qualquer coisa que ninguém enxerga, por mais que atente a vista.

Pensam que estou louco, principalmente quando atiro ao ar essas pequeninas coisas.

Tenho a impressão de que é uma andorinha a se desvencilhar das minhas mãos. Suspiro alto e fundo.

Não me conforta a ilusão. Serve somente para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um mundo mágico.

Por instantes, imagino como seria maravilhoso arrancar do corpo lenços vermelhos, azuis, brancos, verdes. Encher a noite com fogos de artifício. Erguer o rosto para o céu e deixar que pelos meus lábios saísse o arco-íris. Um arco-íris que cobrisse a Terra de um extremo a outro. E os aplausos dos homens de cabelos brancos, das meigas criancinhas.

Fontes:
"O pirotécnico Zacarias e outros contos", Editora Companhia das Letras — São Paulo, 2006, pág. 19, organização de Humberto Werneck, postfácio de Jorge Schwartz.
Imagem = http://www.50emais.com.br/2011/04/conto-o-ex-magico-da-taberna-minhota/

Murilo Rubião (1916 – 1991)


1916 - 1º de junho - nasce Murilo Eugênio Rubião, em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de Minas (MG), filho de Eugênio Rubião e Maria Antonieta Ferreira Rubião.

1928 - Termina o curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena, em Belo Horizonte, após ter estudado em Conceição do Rio Verde e Passa-Quatro.

1935 - Conclui o Bacharelado em Humanidades, no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, tendo sido orador da turma.

1938 - Atua no Diretório dos Estudantes da Faculdade de I Direito da Universidade de Minas Gerais, como Vice-Presidente e depois como Presidente; e no Diretório Central da UMG como Tesoureiro. Funda, juntamente com um grupo de escritores-estudantes, a revista Tentativa.
1939 - É um dos fundadores e Presidente interino da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais. Torna-se redator da Folha de Minas, função que exercerá por mais de dez anos.

1940 - É redator da revista Belo Horizonte.

1942 - Forma-se em Direito pela Faculdade da UMG. É escolhido Diretor da Associação dos Jornalistas ProfIssionais de Minas Gerais.

1943 - É designado Diretor da Rádio Inconfidência de Minas Gerais. É convidado para lecionar nos Colégios Arnaldo e Sagrado Coração de Jesus.

1945 - É escolhido para chefiar a delegação de escritores mineiros ao I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo, do qual foi um dos seus vice-presidentes. É eleito Presidente da Associação Brasileira de Escritores (Minas Gerais).

1946 - É nomeado Oficial de Gabinete do Interventor João Beraldo.

1947 - Publica O Ex-Mágico (contos).

1948 - É nomeado Diretor do Serviço de Radiodifusão do Estado de Minas Gerais. Recebe o Prêmio Othon Lynch Bezerra de MeIo, da Academia Mineira de Letras, com o livro O Ex-Mágíco.

1949 - Exerce as funções de Chefe do Serviço de Documentação da Comissão do Vale do São Francisco no Rio de Janeiro.
1950 - É nomeado Oficial de Gabinete do Governador Juscelino Kubitschek. É designado Diretor interino da Imprensa Oficial e da Folha de Minas.

1952 - É escolhido Superintendente da Secretaria de Saúde. É nomeado Chefe de Gabinete do Governador Juscelino Kubitschek.

1953 - Publica A Estrela Vermelha (contos).

1956 - É nomeado Chefe do Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Madrid.
- É indicado Adido junto à Embaixada do Brasil na Espanha. É escolhido membro da delegação brasileira ao 11 Congresso de Cooperação Intelectual, realizado em Santander, Espanha.

1960 - É condecorado pelo Governo Espanhol com a comenda Isabela, a Católica.- Regressa ao Brasil.

1961 - Reassume as suas funções de Assessor Técnico Administrativo do Estado, sendo designado para a redação do Minas Gerais.

1965 - Publica Os Dragões e Outros Contos.

1966 - É encarregado de organizar o suplemento literário do Minas Gerais, sendo o seu primeiro secretário.

1967 - É designado Diretor da Rádio Inconfidência do Estado de Minas Gerais.
- É nomeado Diretor da Escola de Belas Artes e Artes Gráficas de Belo Horizonte - Escola Guignard.

1969 - Afasta-se da direção do Suplemento Literário para assumir a Chefia do Departamento de Publicações da Imprensa Oficial. É designado Presidente da Comissão de Apreciação do Mérito das Publicações da Imprensa Oficial. É eleito Presidente da Fundação de Arte de Ouro Preto.

1971 - É eleito Presidente da Fundação Madrigal Renascentista.

1974 - Publica dois livros: O Pirotécnico Zacarias e O Convidado.

1975 - É promovido a Diretor de Publicações e Divulgação da Imprensa Oficial do Estado e aposenta-se no mesmo ano. É eleito Presidente do Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais. Recebe o prêmio Luisa Cláudio de Souza, do Pen Club do Brasil, com o livro O Pirotécnico Zacarias.

1978 - Publica A Casa do Girassol Vermelho (contos).

1979 - É publicada nos Estados Unidos a tradução de O Ex-Mágico. E adaptado para o cinema, em curta-metragem, o seu conto A Armadilha (roteiro e direção de Henrique Faulhaber).

1981 - É publicada na Alemanha a tradução de O Pirotécnico Zacarias. É publicado em São Paulo, pela Editora Ática, o livro de Jorge Schwartz, Murilo Rubião: A Poética do Uroboro. É exibido no Palácio das Artes o filme Zacarias, adaptação e direção de Paulo Labome do conto O Pirotécnico Zacarias.

1982 - É publicada, na coleção Literatura Comentada, da Editora Abril, uma coletânea de contos seus, sendo a seleção de textos. notas e estudos de Jorge Schwartz.

1983 - É nomeado Diretor da Imprensa Oficial. Recebe a medalha da Ordem do Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. É condecorado com a Medalha de Honra da Inconfidência.

1984 - É lançado pela editora Avon Books, em edição de bolso, a segunda edição de O Ex-Mágico.
1986 - É publicada na Tchecoslováquia uma antologia de seus contos sob o título de A Casa do Girassol Vermelho. É homenageado do 11 Simpósio de Literatura Comparada, promovido pelo Curso de Pós-Graduação em Letras da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. - Recebe o título de Personalidade Cultural do Ano, instituído pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

1987 - Edição Especial do Suplemento Literário do Minas Gerais (nº 1060/61/62), comemorando os 40 anos da publicação de O Ex-Mágico.

1988 - Tem duas de suas obras incluídas no Programa do Concurso para o Capes de Portugais (Certificat d'Aptitude à l' Enseignement Secondaire de Portugais), destinado a selecionar professores de Português para o ensino secundário oficial, na França.

1990 - Publica O Homem do Boné Cinzento e Outras Histórias. Estréia no teatro com a encenação de três contos seus - A Lua, Bárbara e Os Três Nomes de Godofredo - sob o título geral de A Casa do Girassol Vermelho, pela Cia. Sonho e Drama, e adaptação e direção de Cida Falabella.

1991 - Falece em 16 de setembro, aos 75 anos, em Belo Horizontes e seus restos mortais são depositados no Cemitério do Bonfim em Belo Horizonte.

Seu acervo pessoal é doado por sua família ao Acervo de Escritores Mineiros. Evento inaugural do projeto Memória Viva, da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte, dedicado ao estudo e divulgação da obra de Murilo Rubião.

21 de setembro: abertura no Palácio das Artes da exposição multidisciplinar Murilo Rubião: Construtor do Absurdo, o primeiro evento do projeto Memória Viva, da Secretaria Municipal de Belo Horizonte, com curadoria de Márcio Sampaio.

1998
É publicado Contos Reunidos.

2002
O conto O bloqueio é adaptado para o cinema, num curta-metragem de animação de Cláudio de Oliveira.

2006
Com O Pirotécnico Zacarias e A Casa do Girassol Vermelho, em nova seleção, a Companhia das Letras começa a relançar a obra de Murilo Rubião.

4 de setembro: abertura, no Palácio das Artes, da exposição Muriliana 90 anos de Murilo Rubião.

Fonte:
http://www.murilorubiao.com.br/

Paula Perin dos Santos (Murilo Rubião)


Primeiro contista do gênero fantástico em nossa literatura, a obra de Murilo Rubião permaneceu desconhecida durante mais de três décadas. Foi com a reedição do livro de contos “O Pirotécnico Zacarias”, em 1974, que Murilo começou a ser lido, tornando-o praticamente um best-seller nacional.

O que causa perplexidade e fascinação nos leitores é que Murilo Rubião impõe o caso irreal como se fosse real. Mário de Andrade, em 1943, já dizia do escritor: “Ele possui o mesmo dom de um Kafka. A gente não se preocupa mais, é preso pelo conto, vai lendo e aceitando o irreal como se fosse real, sem nenhuma reação mais”.

Ele utiliza em sua obra uma linguagem simples, depurada e temas absolutamente inverossímeis. É como o crítico Benedito Nunes, da Revista Colóquio, dizia: “o traço mais relevante da narrativa muriliana é o contraste entre a particular incoerência do discurso narrativo e a particular incoerência da matéria narrada”. Ou seja, os acontecimentos fora do comum que norteiam à narrativa constituem a trama de cada história. Isso nos torna capaz de não nos surpreender com os fatos narrados, tanto é que os personagens encaram a “anormalidade com uma naturalidade fora do comum”.

Jorge Schwartz organizou alguns temas freqüentes que estruturam a obra de Murilo Rubião:

* Inversão da casualidade espaço-temporal: “Mariazinha”, “A Noiva da Casa Azul”, “Epidólia”, “O Bloqueio”.

* Tendência ao infinito: ”A Armadilha”, “Aglaia”, “A Fila”, “Os Comensais”.

* Desaparecimento dos personagens: “Elisa”.

* Metamorfose-zoomorfismo: “O Ex-Mágico, “Teleco, o Coelhinho”, “Os Dragões”.

* Contaminação homem-objetos: “A Lua”, “A Casa do Girassol Vermelho”.

* Contaminação sonho-realidade: “O Lodo”.

A hipérbole é uma técnica narrativa bastante presente nesses temas. No conto “Aglaia”, por exemplo, o casal gera filhos que nasciam com seis, três, dois meses e até dias após a fecundação, mesmo após evitar contato sexual e se esterilizarem.

Uma característica peculiar à obra de Murilo Rubião é o uso das epígrafes bíblicas e colocadas no início de cada livro e de cada conto em particular, com o intuito de apontar, de maneira simbólica, a temática a ser abordada. Isso não quer dizer que os contos tenham conteúdo cristão. Ao contrário disso, em “O Convidado”, o primeiro e último conto da edição original apresentam epígrafes do livro do Apocalipse e seus temas como zoomorfismo, a metamorfose, policromias e magias em nada se relacionam com o universo cristão.

O uso dessas técnicas e temas fantásticos funciona não só como recurso de prender o leitor numa leitura prazerosa e de distração. Mais do que isso, assume uma função crítica. Isto é, o fato sobrenatural e fantástico é um recurso da imaginação para remeter-nos aos conflitos de nossa própria existência. É assim que Murilo Rubião desvenda em seus contos os grandes dramas da natureza humana.

Os personagens da narrativa muriliana apresentam uma visão de que viver neste mundo é uma experiência sem solução: a angústia das relações artificiais presentes nas cerimônias sociais fica bem retratada em “O Convidado”; a burocracia recebe críticas severas no conto “O Ex-Mágico”: o tédio com que fazia repetidas mágicas era tanto que decidiu suicidar-se, mas de maneira lenta. Por isso empregou-se numa Secretaria de Estado.

Não há salvação ou final feliz nos contos de Rubião. Seus personagens são solitários e caracterizam-se por eternas buscas e contínuos desencontros. As mulheres em sua narrativa, como Elisa, Epidólia, A Noiva da Casa Azul, não respondem aos desejos dos amantes. Essa fatalidade vem estender-se até a própria criação artística de Rubião. Numa entrevista, o contista revela que reescreve inúmeras vezes seus contos, alterando a linguagem até a exaustão, numa busca incessante pela clareza da narrativa. Esse retorno freqüente à elaboração da narrativa representa uma analogia ao trajeto e perfil de seus personagens, perdidos numa tentativa de perpétua procura por respostas às questões nossa existência.

Fontes
RUBIÃO, Murilo. Literatura Comentada. ORG. SCHWARTZ, Jorge. São Paulo, Abril, 1981.
____________. O Convidado. 2ed. São Paulo, Edições Quíron, 1979.
Disponível em Infoescola

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 11)


FAVELA
A epopéia de Canudos, comunidade religiosa fundada em 1893, no interior da Bahia, pelo pregador Antônio Conselheiro, foi extraordinariamente narrada por Euclides da Cunha, em Os Sertões.
Logo após os combates em que derrotaram os conselheiristas, as tropas governistas se instalaram num morro da região, chamado Favela, porque lá havia em abundância um tipo de arbusto grande, com o mesmo nome (formado de fava + -ela).
Quando esses soldados retornaram ao Rio de Janeiro, solicitaram ao Ministério da Guerra permissão para fixar residência no alto do morro da Providência, situado na Gamboa, no centro da cidade. Foram eles mesmos que, como lembrança ou por semelhança, passaram a chamar esse conjunto de habitações de morro da Favela. A partir daí, o nome se propagou para designar o conjunto de habitações populares.
Antes da chegada dos soldados, esse morro já era esparsamente habitado por pessoas despejadas de uma enorme estalagem que em 1893 o prefeito Barata Ribeiro mandou demolir, em nome da higiene pública. O cortiço, que chegou a ter perto de quatro mil moradores de toda laia, ficava na Rua Barão de São Félix, perto da Estação de Ferro Central do Brasil, e era conhecido como "Cabeça de Porco", porque sua entrada era um grande portal em arcada, enfeitado com a estátua da cabeça de um porco. A expressão ganhou hifens (cabeça-de-porco) e virou sinônima de casa de habitação coletiva para gente pobre.

FILHO PRÓDIGO
Pródigo, do latim prodigu, é esbanjador, perdulário. A expressão filho pródigo, com o sentido de filho que volta para casa arrependido, se origina de uma parábola do Novo Testamento (S. Lucas, XV). Os personagens não têm nome, o enredo é que conta.
Um homem tinha dois filhos (a mãe, coitada, só entra na história como coadjuvante genética presumida).
Um dia o mais jovem pede ao pai o adiantamento de sua parte na herança, porque todo filho acha que, por educação, só deve morrer depois do pai. E aí, diz Lucas, "o pai dividiu os bens entre eles" - o que faz presumir que ou se tratava de um viúvo, ou passaram a perna na velha.
O filho jovem parte para longe e gasta sua herança todinha "numa vida devassa". Passa fome, sofre privações e, então, arrependido, resolve voltar para casa. Ao se aproximar do seu lar, passa por um novilho cevado, que, quando vê o jovem, começa a chorar copiosamente sem o jovem entender por quê. O pai acolhe o filho entusiasmado, "cobrindo-o de beijos", e ordena aos seus servos:
- "Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!"
E assim trouxeram túnica, anel, sandálias e novilho cevado cozido. No meio da festança, aparece o filho mais velho, o filho fiel, que não havia abandonado o pai - momento de tensão, a música da festa pára, cai um silêncio arrepiante. Informado do motivo da festa, o filho, revoltado, vocifera ao pai, com voz de Barry White:
- "Há tantos anos que te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos. Contudo, veio esse teu filho, que devorou teus bens com prostitutas,* e para ele matas o novilho cevado!"

(O leitor pode concluir que está diante de uma revolta de ordem mais gastronômica que emocional. Não, leitor, não é isso, os animais são uma metáfora econômico-filial.)
* Como é que ele sabia das prostitutas? Havia um jornal da região com coluna social?

Ao que o pai responde:
- "Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu.* Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!" * *

A parábola acaba aqui, e Lucas discretamente omite a reação do filho mais velho. Asas à imaginação, leitor!

* Aqui o pai comete uma demagógica inversão de proprietários; já que o velho havia repartido toda a sua herança entre os dois filhos, o enunciado correto seria "tudo o que é teu é meu".
** Parece que originalidade não era o forte do homem. Repare que é o mesmo trecho final de sua fala aos servos.

FISCO
Do latim fiscu, que era um cesto de vime usado para espremer uvas e azeitonas. Depois ganhou o sentido de cesto para guardar dinheiro e, finalmente, o de parcela do rendimento público destinada a sustentar o chefe do estado, o tesouro público.
No português, fisco ficou apenas com o último sentido; esqueceram-se as uvas e as azeitonas e passou-se diretamente à espremeção dos contribuintes.
No latim fiscu originou fiscale e confiscare, origem de fiscal e confiscar, com os mesmos significados.

GALERA
Do catalão galera, que veio do grego bizantinogaléa, toninha (um peixe semelhante ao golfinho; toninha tem a mesma origem de atum: o latim thunnus, atum).
Uma antiga embarcação de guerra, comprida e estreita, movida principalmente por grandes remos e acessoriamente por duas velas, acabou recebendo esse mesmo nome por analogia com a movimentação veloz e ágil do peixe.
Antes que atirem pedras: calma, pessoal, é ironia crítica do autor.
Em vários idiomas, a palavra teve seu sentido ampliado. No francês, galère passou a significar uma atividade, uma condição muito penosa (une vie degalère); no inglês (galère) e no português (galera), prevaleceu a imagem dos remadores numa empreitada comum e a palavra ganhou o sentido de grupo de pessoas da mesma espécie ou classe. No Brasil, galera é popularmente sinônimo de turma, torcida.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – III – Os brincos do marquês


Chegou afinal o dia da partida. De manhã cedo Narizinho deu os últimos retoques no vestido novo da boneca.

Emília fez cara de pouco caso. Achou feio. Queria vestido de cauda.

— Você — disse ela — convidou-me para madrinha do casamento, lembre-se. Como, pois, posso apresentar-me na corte com este vestido de Judas no sábado de Aleluia?

— Lá arranjaremos outro, como daquela vez — respondeu a menina. Este é só para a viagem. Se faço vestido de cauda, você vai enganchando pelo fundo do mar, onde há muito pé de coral mais espinhento que carrapicho.

O Visconde de Sabugosa também ia, para servir de padrinho.

Narizinho mudou-lhe a fita da cartola e pediu a Emília que o escovasse da cabeça aos pés.

— Este senhor Visconde — acrescentou a menina – está mudando de gênio. Depois que caiu atrás da estante de vovó e lá ficou esquecido três semanas, embolorou e deu para sábio. Parece que os livros pegaram ciência nele. Fala dificílimo! É só física para aqui, química para ali...

— E Rabicó? — indagou a boneca.

— Rabicó não vai! — gritou Pedrinho que ia entrando nesse momento. — Está um marquês muito mal-educado, estragador de todas as nossas festas. Não se lembra do que fez com as cocadas no dia do seu próprio casamento?

Narizinho protestou.

— Mas não fica bem, Pedrinho! Rabicó, afinal de contas, é marido de Emília e não fica bem que Emília apareça na corte sozinha. Podem falar dela...

— Pois então vai — resolveu Pedrinho — mas o meu bodoque vai também, e se ele não se comportar muito direitinho, já sabe – é cada pelotada na orelha de sair cinza!

Pedrinho ganhara um bodoque de guatambu e agora resolvia tudo a bodocadas. Mas Narizinho não se conformou.

— Coitado de Rabicó! Não sei por que você tanto se implica com ele...

— Não é implicar, Narizinho. Rabicó é mesmo capadócio e encrenqueiro por natureza. Veja o Visconde. Não passa dum simples sabugo de milho, mas como é distinto, palaciano, todo cheio de mesuras! Quando se senta numa cadeira, fica ali horas, dias, semanas inteiras sem incomodar ninguém.

Às onze horas foram todos para a beira do ribeirão, onde já estava o coche do príncipe à espera deles no fundo da água.

— O coche já veio — disse Emília — e Rabicó ainda não está vestido. Você esqueceu-se de arrumá-lo, Narizinho.

— É verdade! Mas isso é coisa de um minuto — respondeu a menina e atou um laço de fita na caudinha encaracolada do marquês.

— Só faltam agora uns brincos — lembrou Pedrinho, tirando do bolso dois amendoins com casca. Estalou-os e prendeu-os na ponta de cada orelha do leitão. Depois disse de cara feia: “Não me vá comer os brincos, senhor marquês, senão já sabe o que acontece” – e apontou para o bodoque.

Nesse momento o doutor Caramujo saiu d’água. Trepou a uma pedra e fez com os chifrinhos gesto de que podiam tomar o coche.

As águas imediatamente se abriram, como no Mar Vermelho quando os hebreus chegaram perseguidos pelos egípcios. Tomando à frente, Narizinho desceu ao fundo, seguida de todos os mais.

Entraram no coche. Contaram-se. Faltava o marquês!

— Sempre se espera pela pior figura! — resmungou Pedrinho já meio aborrecido. — Por que será que ele não aparece?

Nisto a cabeça do doutor Caramujo surgiu à janelinha.

— O senhor marquês não quer entrar! — murmurou ele muito aflito.

— Eu não disse? — exclamou Pedrinho encolerizado. — Rabicó já começa com encrencas! Mas esperem aí... e saltou do coche, de bodoque em punho.

Emília teve um começo de faniquito, sendo preciso que Narizinho lhe esfregasse no nariz uma folha de erva-cidreira.

Segundos depois Rabicó, esfogueteado por Pedrinho, entrava para a carruagem feito uma bala, indo encorujar-se aos pés da menina. Emília olhou para ele e danou.

— Veja, Narizinho! Rabicó já perdeu o brinco da orelha direita!

E olhe como está todo amarrotado o laço de fita...

Pedrinho e o doutor Caramujo surgiram.

— Finquei-lhe uma pelotada na orelha das de arrancar faísca! — foi dizendo o menino.

— Judiação! — exclamou a menina apiedada. — Mas o pior é que acertou no brinco, que lá se foi...

— Não faz mal — resolveu Pedrinho. — Explica-se lá na corte que a moda aqui na terra é um brinco na orelha esquerda e todos acreditam.

E voltando-se para o camarão cocheiro:

— Vamos!

O chicotinho do camarão estalou e os hipocampos partiram no galope.

O caminho por onde o coche corria era uma beleza. Florestas de esponjas. Florestas de algas. Florestas de corais. Até por uma floresta de mastros de navios naufragado o coche passou.

Os viajantes espiavam pelas janelinhas e viam deslizando no seio das águas os vultos dos mais terríveis monstros do mar — tubarões enormes, espadartes, serpentes. Até um polvo viram, ondeando os seus compridos tentáculos.

Emília gostou muito do polvo.

— Sou capaz de fabricar um! — exclamou, fazendo todos se voltarem para ouvir a asneirinha que ia sair. — Pego numa porção de cobras e amarro todas as cabeças num saco de couro e solto no mar e vira polvo!...

— Você é mesmo uma danada, Emília — disse Narizinho distraída, com os olhos postos em Rabicó, muito jururu no seu canto.

— Mas era melhor que endireitasse o brinco de seu marido. Está cai não cai...

— Ele que coma o brinco duma vez — respondeu a boneca.

— Toda essa tristeza de Rabicó é vontade de comer o brinco.

Rabicó passou a língua pelos beiços, com uma olhadela para o bodoque de Pedrinho — e suspirou.

Enquanto isso Pedrinho conversava com o doutor Caramujo a respeito da serpente do mar.

— Mas há ou não há essa tal serpente? — indagava ele. – Uns dizem que há, outros dizem que não há. Qual a sua opinião, doutor Caramujo?

— Nunca a vi — respondeu o médico. — Mas o mar é tão grande que deve haver de tudo.

— Uma coisa não há — interveio Narizinho. — Sereias! Vovó diz que sereia é mentira.

Pedrinho fez um muxoxo de dúvida.

— Como vovó pode saber, se nunca devassou todos os mares?

— Essa é boa! É de primeira. Parece até que a burrice de Emília pegou em você, Pedrinho! Vovó sabe porque lê nos livros e é nos livros que está a ciência de tudo. Vovó sabe mais coisas do mar, sem nunca ter visto o mar, do que este senhor Caramujo que nele nasceu e mora. Quer ver?

E voltando-se para o ilustre doutor:

— Diga, doutor, qual é o seu nome científico?

O doutor Caramujo engasgou, com cara de quem nem sequer sabia que tinha um nome científico.

— Não sabe, não é? — continuou Narizinho vitoriosa. — Pois fique sabendo que vovó sabe — e até o senhor Visconde, só porque cheirou os livros de vovó, é capaz de saber. Vamos, Visconde! Dê um quinau aqui neste sábio da Grécia. Diga qual é o nome científico dos caramujos.

O Visconde limpou o pigarro e deitou sabedoria.

— O senhor Caramujo é um molusco gastrópode do gênero Líparis.

Entusiasmada com a ciência do Visconde, Narizinho bateu palmas.

— Está vendo, doutor? O senhor é um Líparis, Líparis! Com “L” grande! Escreva na sua casca para não esquecer. O nosso Visconde sabe o nome científico de todas as coisas, menos uma...

Aposto que não sabe o nome científico de Emília!...

O Visconde respondeu, depois de limpar outro pigarro:

— A senhora Emília é um animal artificial que não está classificado em nenhuma zoologia.

Narizinho deu uma gargalhada gostosa.

— Eu não aturava tamanho desaforo! — disse cutucando a boneca. — Chamar a você, uma ilustre marquesa, de animal!...

Emília olhou para o Visconde com um arzinho de soberano desprezo.

— Não ligo a vegetais — disse ironicamente — que antes de serem Viscondes andavam jogados no chão, perto do cocho das vacas, sujos de terra e outras coisas, sem cartola nem nada... O Visconde é muito importante, mas treme de medo cada vez que passa perto da vaca mocha...

— O senhor Visconde tem medo de vacas? — inquiriu o doutor Caramujo muito admirado, apesar de não saber o que era vaca.

— Como não? — respondeu Narizinho. — Ele é sabugo e todo sabugo assim que vê uma vaca finca o pé no mundo. Não sabe que as vacas preferem comer um sabugo a comer um bombom? A mãe do Visconde, o pai do Visconde, os irmãos, os primos, os tios, o sogro — a parentela inteira do Visconde, todos os sabugos lá do sítio de vovó foram mascados pela vaca mocha. Só escapou este, porque usa cartola e vaca tem medo de sabugo de cartola.

Nesse momento o coche entrou por uma planície de areia que não tinha fim. Pedrinho olhou para aquilo com desânimo, a coçar a cabeça. Estava com preguiça de atravessar tanta areia.

— Estou farto de fundo do mar — disse ele. — O melhor é chegarmos já, já, ao palácio do príncipe.

E sem esperar pela resposta dos outros, berrou para o camarão cocheiro:

— Chegue já, cocheiro, se não vai pelotada!... O camarão cocheiro não discutiu. Puxou as rédeas e chegou e parou bem defronte do palácio real.

Continua... A Chegada

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

sábado, 26 de novembro de 2011

Trova Ecológica 52 - Wagner Marques Lopes (MG)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 407)


Uma Trova Nacional

Ao se banhar num riacho,
distraída, minha prima
lembrou da peça de baixo
quando tirava a de cima....
–RODOLPHO ABUDD/RJ–

Uma Trova Potiguar

Tem tanto calor a “Nega”,
o seu fogo é tão danado
que o seu marido onde chega,
só cheira a chifre queimado!...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada

1987 - Resende/RJ
Tema: CARONA - M/H

De um motel vendo a "gatona"
sair sozinha, na rua,
parou para dar carona
e a mulher boa... Era a sua!
EDMAR JAPIASSU MAIA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Em humor não me destaco,
mas, por pura peraltice;
mesmo não sendo macaco,
vou fazendo macaquice.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

A justiça tem cegueira
mas tem olfato apurado;
quando o dinheiro ela cheira
nem o diabo é condenado!
–NEY DAMASCENO/PR–

Estrofe do Dia

Admiro 100 formigas
um besouro carregando;
40 puxam na frente,
40 atrás empurrando;
e as 20 que vão em cima
pensam que estão ajudando.
–MANOEL XUDÚ/PB–

Soneto do Dia

No Shopping
–HAROLDO LYRA/CE–

Pequenas saias na vitrine expostas,
quanto menor tanto maior seu preço.
Blusas que valem pouco mais de um terço,
plissê na frente e nada traz às costas.

Sorvete, uma colônia, um adereço;
vendedoras alegres, bem dispostas;
a gula, a tentação à prova postas.
E em cada loja, à dama, o fino apreço.

Na bolsa da mulher, uns desalinhos:
espelho, celular, alguns tubinhos
do anúncio pague dois e leve três.

Portando seus pacotes entrançados,
traz, a mulher, encantos realçados
pelas compras que faz durante o mês.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Preservação de Livros (Parte 3)


2.3 DESMONTE DOS LIVROS

É importante a conferência de páginas. Quando necessário numerá-las a lápis, no canto inferior direito. Na falta de algumas páginas, providenciar as fotocópias para serem incluídas na recuperação e montagem do livro. Antes de começar o processo, deve-se saber como ele é formado. Muitas vezes os livros encadernados são constituídos por cadernos separados, variando o número de folhas dos cadernos e em alguns casos são formados por páginas coladas juntas uma a uma, por isso deve-se prestar muita atenção no desmonte para compreender a formação do livro.

Material necessário:

– Faca multi-uso sem corte, Estilete ou Bisturí

Procedimento: · · · · · ·

Separar completamente a capa do miolo do livro com cuidado;
Retirar cuidadosamente com a ajuda da faca ou bisturi a cola que restou no lombo;
Pegar o primeiro caderno abrindo ao meio e cortar todos os fios da costura;
Com a mão direita, manter bem firme o livro e com a esquerda destacar o caderno;
Repetir esta operação com todos os cadernos do livro
Retirar com o auxílio da faca (sem corte) ou bisturi a cola seca da lombada de cada caderno e os fiapos da linha da costura

Procedimento para desmonte de livros por páginas coladas:

Separar a capa do miolo;
Retirar com o auxílio da faca ou bisturi o excesso da cola seca da lombada;
Desmontar o livro separando folha por folha e limpando as crostas existentes individualmente;
Se o livro estiver grampeado, abrir os grampos antes de retira-los e proceder a separação de folha por folha.

2.4 CONSERTO DAS FOLHAS

O conserto pode ser de folhas soltas, rasgadas ou somente um reforço central.

Material necessário:

– 50% de cola branca Cascorex e 50% de Metil (CMC);
– Pincel;
– Peso ou prensa;
– 1 par de tábuas (tipo eucatex)
– Tiras de papel de seda

Procedimento:

Folhas soltas
· Passar a cola na tira de papel de seda;
· Recolocar a folha no lugar;
· Aderir à fita parte da folha solta e parte da folha presa;

Folha rasgada e cortada · · · · ·

Colocar a folha rasgada sobre um vidro ou folha de celulóide;
Cortar uma folha de papel de seda respectivo ao rasgo;
Passar Metil Celulose sobre a tira, sobrepondo-a sobre o rasgo cuidando para coincidir letras e desenhos quando houver.
Pressionar suavemente
Deixar secar e recortar o excesso de papel.

––––––
Continua... Costura; Colocação da Lombada

Fontes:
DIVISÃO DE PRESERVAÇÃO; Preservação e Recuperação de Material Bibliográfico. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2001.

MILEVSKY, Robert J.; Manual de Pequenos Reparos em Livros; Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. 2ª edição, Rio de Janeiro, 2001.