quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 550)

Pintura do Trovador Potiguar Pedro Grilo Neto

Uma Trova de Ademar

Hoje eu culpo a mocidade
que ao encher-me de alegrias
deu-me um cofre de saudade
e um milhão de fantasias!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A tormenta, que atordoa,
não distingue, em mar bravio,
a humildade da canoa...
da soberba do navio!
–JOÃO FREIRE FILHO/RJ–

Uma Trova Potiguar


Embora sejam, bisonhos,
e esperanças me leguem,
eu não persigo meus sonhos;
são eles que me perseguem...
PEDRO GRILO/RN–

Uma Trova Premiada


2010 - Caxias do Sul/RS
Tema: TRILHO - M/H


Quando o percurso é distante
e os trilhos correm sem fim,
é bem nesse exato instante,
que Deus alia-se a mim!
–LISETE JOHNSON/RS–

...E Suas Trovas Ficaram


A brisa mansa e fagueira,
que sopra no meu jardim,
é a fiel mensageira
que beija as flores por mim.
–INÁCIO DE MEDEIROS DIAS/RN–

Uma Poesia


MOTE :

–José Ouverney/SP–
BASTA SER INTELIGENTE
PARA SER BOM TROVADOR.


GLOSA :
–GILSON MAIA/RJ–

Quando eu nasci, bem contente,
procurando a poesia,
o caminho eu conhecia:
basta ser inteligente,
ser um filho obediente
a Deus Pai, o Criador,
desejar plantar o amor,
ser irmão da natureza,
em Deus buscar fortaleza,
para ser bom trovador.

Soneto do Dia

Poeta
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–


Nunca lhe falta a sensibilidade,
a sutileza, o dom de transferir
às palavras toda a expressividade
na alegria ou na mágoa de sentir.

O poeta é assim, é versatilidade...
Seja o que for que intente traduzir,
mergulha em vida, em sonho, em realidade,
faz de uma noite a aurora reflorir.

Transcende as dores de um mundo sofrido,
pisa os mistérios do desconhecido,
traz as estrelas para o nosso chão.

E quem o escuta, exclama, fascinado:
“Era assim que eu queria ter cantado,
se soubesse escrever minha canção!”

Academia de Letras e Artes Buziana – ALAB (Anfitriã do II Seminário Acadêmico Cultural Internacional)


Conforme divulgado no I Seminário Acadêmico Cultural, realizado no ano passado pela ARTPOP em Cabo Frio, a Academia de Letras e Artes Buziana – ALAB será a anfitriã do II Seminário Acadêmico Cultural Internacional. Trata-se de um encontro cultural para o aperfeiçoamento do artista em suas mais diversas modalidades. Um encontro multidisciplinar, composto por muito intercâmbio de informações.

Dentre os conferencistas convidados, a ALAB contará com o Catedrático e Patrono da ALAB, Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras – ABL e muitos outros. Durante o final de semana, além da Cerimônia Acadêmica da ALAB, acontecerá também a I Semana de Artes e Culturas Internacionais – “I SACI - 2012”, onde as várias nacionalidades existentes na cidade apresentarão a arte e cultura de seus países. Será um encontro imperdível, cheio de atividades.

As atividades do Seminário e SACI serão totalmente gratuitas para os participantes, portanto, agende-se para compartilhar conosco de mais esse momento cultural.

Visite o BLOG Oficial do evento, onde os participantes tem à disposição todas as informações pertinentes ao final de semana, tais quais, programação, hotéis e restaurantes credenciados, formulário de inscrição e turismo em Búzios.

http://culturalbuzios.blogspot.com.br

Participe da Feira Literária e lance seu livro! Participe da Exposição de Artes Plásticas! Não tem custo!Não fique de fora desta oportunidade de conhecer uma das cidades mais lindas - a sexta mais visitada do Brasil - e ainda fazer um intercâmbio cultural incrível!.

Dúvidas: dyandreia@gmail.com.br ou alab@mar.com.br

Fonte:
Clevane Pessoa

Bibliotecas Públicas de São Paulo (Programação)


Projeto Canto Livro.

Canto Livro: De Amor e Solidão - Gabriel García Márquez


Neste espetáculo da série “Canto Livro”, Joana e Jean Garfunkel narram trechos de Cem Anos de Solidão e O Amor nos Tempos da Cólera, de Gabriel Garcia Márquez, ilustrados com canções caribenhas. Eles se apresentam acompanhados pelo violonista Natan Marques.

12 de maio (sáb) – 19h – Biblioteca Pública Cassiano Ricardo
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Prof. João Jonas Veiga Sobral.
ENCONTRO

Nova ortografia


O professor João Jonas Veiga Sobral apresentará as principais mudanças propostas pelo Novo Acordo Ortográfico e as ilustrará com exemplos extraídos de mídias impressas e canções populares. Haverá espaço para debate e esclarecimento de dúvidas acerca das novas solicitações. 2h10.

14 de maio (seg) – 15h – BIBLIOTECA PÚBLICA Camila Cerqueira César
17 de maio (qui) – 15h – BIBLIOTECA PÚBLICA Amadeu Amaral
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CURSOS

Os contos de fadas: tradição oral e educação de sensibilidade
Com Fabiana Rubira


O objetivo é entender melhor a natureza e as funções dos contos de fadas na formação do ser humano e refletir sobre por que essas narrativas da tradição oral, muitas delas milenares, e, ao mesmo tempo atuais, são ainda significativas para nós. Público alvo: educadores, contadores de histórias, estudantes de pedagogia e interessados.

12 de maio (sáb) – 10h – BIBLIOTECA PÚBLICA Hans Christian Andersen
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TEATRO

Lado de Lá
Com Cia Luarnoar


O infantil relata um pouco das histórias africanas contadas a partir das curiosidades e das observações que este povo faz na natureza. Esses questionamentos e inquietações viraram lendas, que revelam a riqueza do povo africano. Livre. 50 min.

12 de maio (sáb) – 14h – BIBLIOTECA PÚBLICA Mário Schenberg
13 de maio (dom) – 11h – BIBLIOTECA PÚBLICA Cora Coralina

Cidade Azul
Com Cia Truks


O espetáculo conta como nasce e cresce uma amizade entre duas crianças de realidades diferentes: um menino das ruas e uma menina perdida pelas ruas. Livre. 50 min.

13 de maio (dom) – 11h – BIBLIOTECA PÚBLICA Padre José de Anchieta
16 de maio (qua) – 14h30 – Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato

Leitura encenada do texto “Macaco peludo”
Com Cia. Triptal. Dir: André Garolli


A rica Mildred desce ao porão de navio para conhecer os trabalhadores das fornalhas. Lá conhece Yank, que ao ir atrás da jovem, descobre que Mildred é apenas uma dentre outros, para quem homens como ele são insignificantes. A apresentação será seguida de debate com o público.

16 de maio (qua) – 19h30 – BIBLIOTECA PÚBLICA Alceu Amoroso Lima

Visite nosso site: www.bibliotecas.sp.gov.br

Fonte:
E-mail recebido pela Coordenadoria do Sistema Municipal de Bibliotecas. Secretaria de Cultura. Prefeitura de São Paulo | www.bibliotecas.sp.gov.br

8º Concurso de Contos Infantis "As crianças do MERCOSUL" (Resultado Final)


1º lugar:
¡Déjenme dormir!
Ninah Basich - Guadalajara, México

2º lugar:
Orgullo
Angélica Sonia Barrenechea Arriola - Bahía Blanca, Buenos Aires, Argentina

3º lugar:
A gata Glória e Dona Bruna
Aline Maria Freitas Bussons - Fortaleza, Ceará, Brasil

Menções honrosas:

Lucas tiene pajaritos en la cabeza
Silvia Beatriz Iorio - Palomar, Buenos Aires, Argentina

El río de Juan
Valeria Allegrucci - La Plata, Buenos Aires, Argentina

A menina que queria escrever todas as coisas do mundo
Solange Bonifácio - São Paulo, Brasil

Fonte:
Http://concursos-literarios.blogspot.com

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Rio Grande do Sul

Daniel Munduruku (O Menino Que Não Sabia Sonhar)


O escolhido

O pajé olhou com muito amor aquela criança que acabara de nascer. Sorriu e pensou na grande tarefa que teria pela frente: educar o menino na arte da pajelança, na tradição de seu povo. Ele seria o herdeiro da cultura que atravessou os séculos, passada de geração a geração pela memória dos antepassados, que contavam as histórias da criação do mundo.

Chegando a sua “uk'a”, (1) o pajé chamou os pais do menino e disse:

- Meus parentes, ouçam com atenção o que lhes vou dizer: em meus sonhos os espíritos dos sábios disseram que nosso povo será perpetuado graças à criança que hoje nasceu. Ela será um Grande Espírito. Para isso é preciso que vocês concordem com a educação que pretendo passar a ela.

Os pais se entreolharam e sorriram, pois sabiam que isso fazia parte da tradição milenar.

- Não podemos nem queremos contrariar a vontade do Grande Espírito. Entregaremos nosso filho quando chegar a hora.

A nominação

Inspirado pelos antepassados em sonho, Karu Bempô, o pajé, deu à criança o nome de Kaxi, a lua que brilha sobre os homens. Na cerimônia em que batizou o garoto, ele disse:

- Há muitas forças negativas que visam exterminar nosso povo. Os “pariwat” (2) dizem que somos os mais importantes habitantes desta terra, mas o que fazem é sempre o contrário do que falam. Querem comprar nossa terra e trazem a dor, a divisão e a inimizade. Poluíram
nosso “idibi”, (3) derrubaram o espírito de nossas árvores, expulsaram nossa caça. Mesmo assim, a cada ano nosso povo cresce e se fortalece. Nosso povo nunca será exterminado. Renasceremos das cinzas, se preciso for, para manter nossa história.

O modo de vida

Kaxi foi crescendo e passou a participar da vida social da aldeia Katõ. Quando não estava aprendendo a fazer artesanato, brincava com outras crianças. Na época da seca ou na meia-estação - entre abril e setembro -, acompanhava sua “ixi” (4) no plantio de “musukta”, (5) “wexik'a”, (6) “akoba”, (7) milho, cará, “kagã”. (8)

Isso acontecia após a coivara, trabalho masculino que consistia na derrubada e queimada de um pedaço de terreno a que a comunidade chamava de roça.

As mulheres cuidavam da “ku” (9) e das tarefas domésticas e os homens se ocupavam da caça, pesca, coivara, e dos arcos e flechas. Eles se reuniam nos fins de tarde para conversar e contar piadas. Era um povo muito alegre e cheio de disposição.

Kaxi participava dessas conversas. Desde pequeno, ouvia com atenção a história do contato entre brancos e índios, que resultou em muitas desgraças para seu povo. Um espírito de tristeza pairava sobre os presentes quando narravam as atrocidades que os “pariwat” cometiam contra os “baripnia” (10) de outras nações para se apossar das riquezas que havia no chão sagrado deles.

Algumas vezes Kaxi acompanhava as mulheres em suas andanças pelo mato atrás de folhas para fazer remédio. Passou a conhecer as propriedades de cura das plantas e ervas. Aprendeu a respeitar a natureza e a conversar com ela.

Ele brincava boa parte do dia. Logo pela manhã ia até o igarapé nadar, brincar ou competir. Depois, ocupava-se de alguma tarefa com a mãe ou o pai. Quando acabavam seus afazeres, as crianças se reuniam e contavam o que tinham feito: pescar com o pai, ir à roça com a mãe, ralar mandioca para fazer beiju ou jogar massa no tipiti. Então, tomavam um banho de rio, imitando “wasuyu”, (11) “poy'iayn” (12) e outros bichos.

Após o banho todos se reuniam em torno da fogueira para conversar. Um dia, seu pai lhe dissera que os brancos aprendem o seu modo de ser indo a um lugar a que chamam de escola. Kaxi achava estranha essa maneira de aprender, uma vez que as crianças não andavam pela floresta, não imitavam os pássaros, não sabiam fazer arapuca ou armadilha, e tudo lhes era dado pelo papel pesado a que chamavam dinheiro.

Os rituais religiosos

À medida que crescia, Kaxi ia sendo iniciado nos costumes de seu povo. Caçava, pescava, plantava e colhia junto com os adultos. Aprendia sempre mais sobre a história dos antepassados, as guerras travadas entre as várias nações, as pinturas e tatuagens corporais. E ficava atento aos vários rituais que aconteciam na aldeia. A maioria era dirigida pelo pajé: nominação, ou batismo, cura de doenças, ritos de iniciação e purificação, cerimônias de casamento, enterro dos mortos.

Nos seus dez anos de idade, considerava extremamente bonita a índole do seu povo quando se tratava de resgatar os ideais míticos, alcançar o estado de êxtase e adquirir sabedoria. Era assim que Kaxi se sentia quando participava dos rituais: em êxtase!

Um dia, após a sessão de cura do pajé, Kaxi se aproximou dele e perguntou à queima-roupa:

- Padrinho, o que o senhor estava fazendo no corpo daquela mulher?

O pajé, cansado do trabalho que realizara, sorriu para o menino e disse-lhe:

- Pequeno pajé, passe amanhã em minha “uk'a”. Antes, porém, vá até o mato e traga algumas folhas de fumo para mim.

Kaxi respondeu:

- Amanhã estarei lá quando o sol se encontrar no seu ponto mais alto.

Naquela noite, Karu Bempô teve o presságio de que havia chegado a hora de começar a preparar o garoto para a missão que o esperava. O pajé sonhou que era uma grande ave e sobrevoava a Amazônia. Durante o vôo viu grandes clareiras na mata, máquinas que comiam árvores, rios sujos. Visitou vários povos, amigos e inimigos, e viu a deterioração da sua cultura. Voou para junto de seu povo e o viu desnorteado pela aproximação dos brancos; sua gente fugia pela ausência de um espírito forte que lhe desse coragem de lutar pelo chão.

Aproximou-se mais do solo e viu a si mesmo agonizando, incapaz de auxiliar sua gente. Assustado, ele acordou. Caminhou até o terreiro e chorou. Chegara a hora de preparar o espírito de Kaxi para ajudar o povo a lutar.

No dia seguinte, o pajé disse a Kaxi:

- Pequeno pajé, é hora de contar-lhe um segredo. Estamos vivendo um momento delicado. Nosso povo corre o risco de não ter continuidade. Há pessoas que querem acabar com nossa cultura, roubando as riquezas de nossa mãe Terra. Você sabe que nosso povo sempre foi amistoso com os “pariwat”. Isso enfraqueceu nosso espírito guerreiro, e os brancos se aproveitaram dessa fraqueza para criar rivalidade entre nós. Precisamos de alguém que tenha a sabedoria dos antepassados e a juventude do guerreiro, e ajude o povo a resistir com bravura. Os espíritos dos antepassados escolheram você para ser esse líder. Não precisa assustar-se, vai demorar um pouco, ainda; mas você deve começar sua instrução a fim de saber mais e, acima de tudo, aprender a sonhar.

- O que tenho que fazer? - perguntou o jovem índio.

- A partir de agora, ficará sob minha guarda. Serei seu guia e lhe passarei o conhecimento necessário para enfrentar tudo com coragem e certeza.

- E meus pais?

- Seus pais já sabiam que isso iria acontecer.

- Por que eu?

- Não sei - disse o pajé. - O destino não é determinado por nós mesmos: somos guiados pelos antepassados.

- Tenho condições para me tornar um líder? - perguntou, curioso.

- Todos têm. Aprender não é difícil. É mais difícil dispor-se a aprender e a aprender com vontade, e saber que o que se faz não é para si mesmo e sim para toda a comunidade.

Kaxi levantou-se, olhou com carinho para o pajé e disse:

- Estou pronto, padrinho. Que seja como querem os espíritos.

A iniciação

- O pajé é um líder religioso. É ele quem preside os rituais mais importantes da aldeia, pois está investido do poder das forças cósmicas que atuam por meio dos antepassados. O pajé é uma grande energia. Sem ele, a gente se enfraquece, perde o alicerce que mantém o equilíbrio das forças espirituais, e se divide.

A partir daquele dia Kaxi passou a acompanhar o pajé em toda parte. Muitas vezes ficava dias e dias na casa dos homens sozinho a pensar sobre os ensinamentos do pajé. A cada dia aprendia coisas novas e agora, com doze anos, era o momento de passar pelo ritual da maioridade. Teria de provar a todos que já era um homem, um guerreiro e estava pronto para o matrimônio. Durante um mês, ele e mais vinte e quatro ficaram em retiro na casa dos homens, onde eram iniciados pelos pais e padrinhos na arte da caça, pesca e sobrevivência na mata. Kaxi sabia que o teste consistia em permanecer alguns dias sozinho na floresta e
dela tirar a sobrevivência necessária para vencer a prova e voltar para casa como um bravo, trazendo nas mãos alguma caça grande.

Terminado o retiro, os vinte e cinco adolescentes cantaram e dançaram por um dia inteiro no centro da aldeia. Ao despontar a lua, os homens se reuniram e o cacique assim se expressou:

- É hora de novos guerreiros provarem que são dignos de pertencer a esta nação. Encontrarão perigos e armadilhas feitas pela mãe Natureza, mas lembrem-se de que a Natureza é nossa irmã e não nossa inimiga. Vão com o Grande Espírito que anima nossa luta, vão com coragem, e que Deus os acompanhe.

Na floresta

Nos primeiros dias de viagem, o grupo permaneceu unido. Aos poucos, foram se separando. Segundo a tradição, quanto mais sozinhos ficassem, mais coragem teriam.

Após seis dias de viagem sem encontrar carne para alimentar-se, Kaxi armou a rede, chamada uru, deitou-se e recordou as palavras de Karu Bempô:

- Sonhar é a mais antiga forma de aprendizado do nosso povo. Resistimos a muitas batalhas porque soubemos ouvir a voz dos antigos, que nos falavam em sonhos. É pelo sonho que nos metamorfoseamos nos seres da natureza para ver mais adiante, viajar para longe e reconhecer os perigos que nos rodeiam. O pajé é o intérprete oficial dos sonhos na comunidade. Sem ele, o espírito das pessoas fica fraco e facilmente é vencido pelas forças inimigas.

- Mas como interpretarei o sonho de outras pessoas?

- Há tempo para tudo, meu rapaz. Um dia, você dominará os símbolos naturais dos sonhos. As pessoas não precisarão contar seus sonhos, porque você mesmo os contará a elas. É o que acontece comigo.

Quando Kaxi sonhava, não conseguia entender o sonho; bastava contá-lo ao pajé e já recebia respostas prontas. Recordou também uma noite em que os dois saíram para colher plantas na beira da floresta.

Kaxi afastou-se um pouco do pajé e, quando voltou, percebeu que o padrinho cantava uma melodia triste contando que estava chegando a hora de se reunir ao Grande Espírito. Uma intensa luz o rodeava.

- Estou prestes a passar para outra realidade. Estou triste porque não pude fazer mais pelo nosso povo, mas feliz porque ele fica em boas mãos, pois você tem se mostrado um ótimo discípulo, capaz de grandes sacrifícios.

Kaxi não quisera entabular conversa com o pajé naquele dia. Sabia que ele estava triste e não desejava perturbá-lo. No dia seguinte, aproximara-se do velho e indagara sobre a função de um líder religioso na aldeia. Karu Bempô respondera:

- Um pajé é como um médico, um profeta. Cura as feridas do corpo, pois as doenças são espíritos ruins, “cauxi”, (13) que habitam o corpo do doente. E cura as feridas da alma, procurando unir o que está desunido. O pajé, meu filho, é alguém que mostra caminhos. Os “pariwat” acham que o pajé é um enganador, porque tira da floresta os remédios que curam o corpo. Eles acham que o mal vem de fora: são comidas mal digeridas, cansaço, preocupação. Nós, pajés, acreditamos que a doença possui alma própria; ela entra no espírito da pessoa para desarmonizá-la.

A rede de Kaxi balançava num ritmo lento e constante. Ele só tinha em mente a fala do pajé antes de partir para a floresta:

- Quando você voltar, não estarei mais aqui, mas meu coração o acompanhará sempre. Enquanto estiver na floresta provando sua coragem, o Grande Espírito virá me buscar. Continuarei a ser seu guardião, pois nosso espírito continua a viver com os outros espíritos num plano mais elevado que este para proteger os que caminham nesta vida. Você já está preparado. Este é o seu momento.

Kaxi sentia-se desmotivado, enfraquecido, solitário. Não sentia a mínima vontade de prosseguir no rito de iniciação para a vida adulta. Além disso, ainda não aprendera a “jexeyxey”. (14) Como dar conta de tamanha responsabilidade?

Finalmente, o sonho

Pensando nisso, o pequeno pajé adormeceu e sonhou. Seu padrinho o guiou pelos caminhos do sonho. Kaxi entrou no espírito de uma “jakora”, (15) felino comum na floresta amazônica. Percorreu grande extensão de mata e viu homens e máquinas destruindo árvores; em seguida transformou-se em águia, sobrevoou os rios e inquietou-se. Foi cobra, entrou no espírito das árvores e ouviu sua dor. Transformou-se em “idibi” para sentir a dor dos rios, encharcados de detritos. Kaxi inquietou-se, mas não deixou de ver a inquietude de seus irmãos. Muitos usavam “doti” (16) para cobrir o corpo, envergonhados de andarem harmonizados com a mãe Terra; outros, fascinados pela tecnologia do homem branco, ouviram a caixa que fala e engana. Viu a luta de um irmão com outro por causa do papel pesado; viu seu povo com vergonha de acreditar no Grande Espírito; viu seus irmãos com medo de morrer porque se sentiam culpados de terem nascido "selvagens".

O pequeno pajé viu muitos guerreiros fortes atirados pelo chão por uma água de fogo que os deixava fora de si. Viu homens brancos que traziam essa água e negociavam para comprar suas terras. Kaxi voltou para o seu corpo e ao despertar chorou muito. Em seguida sentiu-se fraco e abatido, como se muitos dias houvessem passado. Sentia, porém, que agora estava mais preparado.

Nesse momento Kaxi viu um grande clarão na floresta. Em torno dele pairavam luzes maravilhosas. Notou um rosto conhecido a sorrir-lhe. Era Karu Bempô. Diante de tanta felicidade por se saber detentor de um conhecimento secular, Kaxi sentiu as pernas enfraquecerem e desfaleceu.

Acordou depois de algumas horas. O cansaço havia desaparecido, a fome não. Sabia que tinha uma grande missão a cumprir junto a seu povo. Sentou-se à beira da rede e ficou pensando em tudo o que tinha visto e sentido, e percebeu que era uma sensação muito agradável poder visualizar o futuro e ver com clareza os pontos que deveria atacar. Sentia-se harmonizado, completo e unido ao espírito do velho pajé que havia lhe passado todo o conhecimento que agora possuía.

Com esse espírito de gratidão Kaxi percebeu que estava na hora de retornar para o seio de sua gente. O ritual tinha sido um sucesso, pois descobrira sua verdadeira vocação. Mas ainda era preciso encontrar uma caça grande para servir à comunidade como pagamento. Ali perto encontrou uma manada de “bio”; (17) caprichou na pontaria, ferindo uma delas bem no coração. No entanto, ainda sentia fome. A uns cem metros viu uma pequena cutia à procura de alimento. Desferiu uma mortal flechada sobre o animal, que caiu desfalecido. Acendeu o fogo, assou a carne e comeu, tranqüilo. Em seguida se pôs a caminho da aldeia.

Estava cumprida uma missão: o aprendizado com seu querido padrinho Karu Bempô... Teria que iniciar outra bem mais difícil, a de conduzir seu povo rumo ao futuro e à sobrevivência...
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Nota:
(1) Uk'a é uma palavra munduruku que significa "casa".
(2) Homem branco (não índio).
(3) Água, rios.
(4) Mãe.
(5) Mandioca.
(6) Batata-doce.
(7) Banana.
(8) Cana.
(9) Roça.
(10) Parentes.
(11) Pássaros
(12) Macacos.
(13) Feitiço.
(14) Sonhar.
(15) Onça.
(16) Roupas.
(17) Anta.


Fonte:
Conta que eu conto (Ana Maria Machado, Angela-Lago, Daniel Munduruku, Heloisa Prieto, Roger Mello ; apresentação de Tatiana Belinky ; ilustrações de Mariana Massarani. - 1a. ed. - São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002. (Coleção Literatura em minha casa ; v. 2)

Daniel Munduruku (1964)


Daniel Munduruku (Belém do Pará, 28 de fevereiro de 1964) é um escritor e professor brasileiro. Pertence à etnia indígena mundurucu.

Graduado em filosofia, história e psicologia.

Tem mestrado em antropologia social pela Universidade de São Paulo.

Doutor em educação pela Universidade de São Paulo.

Relações-públicas do Instituto Indígena Brasileiro da Propriedade Intelectual.

Diretor-presidente do Instituto Uk'a - a casa dos saberes ancestrais.

Conselheiro-executivo do Museu do Índio do Rio de Janeiro.

Como escritor, se destaca na área da literatura infantil.

Membro da Academia de Letras de Lorena.

Recebeu diversos prêmios no Brasil e Exterior entre eles o Prêmio Jabuti, Prêmio da Academia Brasileira de Letras, o Prêmio Érico Vanucci Mendes (outorgado pelo CNPq); Prêmio Tolerância (outorgado pela UNESCO).

Muitos de seus livros receberam o selo Altamente Recomendável outorgado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

Obras publicadas

A primeira estrela que vejo é a estrela do meu desejo e outras histórias indígenas de amor
Você lembra, pai?
Sabedoria das águas
Contos indígenas brasileiros
Parece que foi ontem
Outras tantas histórias indígenas de origem das coisas e do universo
A caveira-rolante, a mulher-lesma e outras histórias indígenas de assustar
O banquete dos deuses
A velha árvore
As peripécias do jabuti
As serpentes que roubaram a noite
Caçadores de aventuras
Catando piolhos contando histórias
Coisas de índio
Crônicas de São Paulo
O diário de Kaxi
Um estranho sonho de futuro
Os filhos do sangue do céu
Histórias de índio
Histórias que eu ouvi e gosto de contar
Histórias que eu vivi e gosto de contar
Kabá Darebü
Meu vô Apolinário
O homem que roubava horas
O olho bom do menino
O onça
O segredo da chuva
O sinal do pajé
O sumiço da noite
Parece que foi ontem
Sobre piolhos e outros afagos
Tempo de histórias
O sonho que não parecia sonho
Uma aventura na Amazônia

Fonte:
Wikipedia
Mundurukando

Alberto Bresciani (Livro de Poemas)


ACUSAÇÃO

Você me acusa
pelas sombras
que nos cobrem

Não tenho a quem culpar
Guardamos a chave
quando passou a vigésima quinta hora

e os deuses de que fala
nunca souberam de nós
Estamos abandonados

na última vez
na impossível desdobradura
E eu afirmo:

amanhã ainda seremos
somente os dois
o verbo coagulando no escuro.

HARMONIZAÇÃO

Demorasse a tua mão
um pouco mais
sobre o meu ombro

e me nasceriam asas

Em silêncio
logo o pressentimento
o pacto e o voo:

grades e escarpas
ruindo sob as pernas
cúmplices, entrelaçadas

as nossas.

REINVENÇÃO

Vertendo do branco:
eu, o anti-herói
preso a ganchos de ar
por sobre as fragas da razão

duras lâminas
que evisceram
a argamassa do corpo
a desbordar de mim

banal, rude, rala argila
não reluz. Só o que destila
por trás do que me é oculto
se esconde à vista

É grampo no avesso
— até a secreção
vir à voz, exposta
aos anjos e algozes

Então o instante que espero
quando me reinventam os dias
e as aves planam
sob o vulto explícito e sem sede

Gritem medos e mentiras
para o estômago do nunca
(o julgamento está surdo
e a tentação de não ser

para hoje
está morta
afogada).

POSSE

O ar é só pele:
teu corpo expira
das dobras do mapa

aquece os dedos
saliva doce na boca
as esferas do sal

A falta é tensão
teu vulto invasivo
conturbando o pulso

em pedras candentes
nas farpas da noite

O ventre esfria
e explode em tentáculos
da fluida água marinha

vertigem que plana e pesa
por sobre as vozes
os cortes do dia

— teu sempre
no fundo de mim.

METAMORFOSE

Era seu rosto
um campo de trigo
e manso se entregava
ao passeio da boca

Braços me protegiam
e enlaçavam
e devolviam ventos
que ninguém sentiu

Desdobrava-se
o seu consentimento
e sem proposições
uma supernova em mim

Talvez reencontrasse o destino
respirasse sem deformidades
talvez fosse apenas como voltar

E já não chovia
E era tão bom.

INVERSÃO

O esgotamento vem
do vazio
esse fundo
enredo de vozes
que uma só valem —

atrás dos nódulos do espanto
das folhas da súplica
e da sequência de sombras
sem volta,

a ilusão habita
a insônia
vergonha e ridículo
do homem parado
diante da pedra.

MIRAGEM

Somos ficção
Simulamos o invisível
e a imagem

no reflexo
do espelho — ali nada há
como nada somos

Onde encontrar
a verdade
ou a real essência

desses fantoches
de nós mesmos
se os mistérios

não estão em lugar
mas no que mais fundo
escondemos?

FILME

I

Ao mundo invisível
ao avesso do que é

onde fôssemos sólidos
no todo em transparência

que nos puxasse a planta mágica
retorno cauterizado para sempre

No ar eu sentiria
só o teu sentir meu corpo

um esquecimento cheio de ti
da pele de doces frutas

na boca o sumo e do mundo só
o teu corpo todo meu

como voar pelas voltas do pescoço
e dos ombros

volta ao torso e teus quadris
de volta sobre as pernas

agora nas minhas mãos
nos teus cabelos

II

Funda imersão
dessas que um filme

guarda caleidoscópico
sussurrado, ardente.

NUNCA

Um dia encontrei o nunca
preso ao teto
para onde nunca olhei

Tinha a aparência terrível
de uma gárgula
úmida de sangue

Mas sob os flagelos
era apenas
um pardal

tão sem pressa
desses que banais habitam
as árvores, a cegueira

Com voz serena e doce
disse que sendo nunca
era eterno, letra em todo nome

Soube quem era o nunca
e meu peito, arfando
pelo que não se esquece

aprendeu a respirar assim
um pouco menos
seca a parte que nunca mais.

PULO DO GATO

Recostado
à porta do tempo
esperava a transfiguração

a clareza nos olhos
voo, mergulho, fogo

(viria a revelação
troca de pele)

Mas terras e nomes
disseram flores e ainda
flechas e farsas

e a hora foi mais veloz
do que os sentidos

Perdi o momento de partir
o norte da migração

Agora
nas pausas da noite

fica o gosto pouco
de raízes

a tênue respiração
de pequenas asas

o desconhecimento
da vontade dos pés
e das mãos.

Fontes:
- Poemas enviados por Carlos Machado, de poesia.net.
- Alberto Bresciani. Incompleto Movimento. RJ: José Olympio, 2011.
- Antonio Miranda.

Alberto Bresciani (1961)


Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira (Rio de Janeiro, 4.7.1961) é ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Ministro é o cargo. O trabalho é ser juiz, aliás, um trabalhão que o põe diante de milhares de processos e que, somado a uma severa autocrítica, não lhe deixa brechas para pensar em algum dia poder publicar poesias. E poesia para ele é uma das vias de salvação.

No entanto, Bresciani viveu mais de vinte anos anos sem a revelar, até ir para o TST e lá encontrar um grupo de juízas e juízes que a cultuavam. Juntos, passaram a pesquisar os poetas clássicos e os contemporâneos, chegaram à poesia portuguesa e fizeram amizade com nomes de expressão e talento, de lá e de cá – ele conta. Pois, quem vê cargo nem sempre vislumbra o ser humano, ou o poeta, sensível que se que se esconde sob a toga, afogado na responsabilidade que o trabalho austero lhe exige.

Um carioca há mais de duas décadas integrado às avenidas e superquadras brasilienses. Magistrado de profissão, Bresciani investe muito de suas horas livres na leitura de poesia. Conhece não apenas os clássicos, mas está sempre à escuta de novas vozes e mais recentes refinações da palavra.

Embora escreva e se sinta envolvido com a poesia há bastante tempo, Bresciani publicou seu livro de estreia, Incompleto Movimento, somente em 2011, quando completou 50 anos. Autor de poemas curtos e frases parcimoniosas, o poeta parece perseguir a essência do que pretende exprimir.

O que se encontra em Incompleto Movimento é uma poesia de perquirição do avesso das coisas. “Só o que destila / por trás do que me é oculto / se esconde à vista // É grampo no avesso / ― até a secreção” (Reinvenção). Para essa tarefa de levantar véus e tentar expor à luz o lado obscuro de nossos passos e vivências, o poeta se arma com a curiosidade e a obstinação de um microbiologista.

Essa observação minuciosa está em cada um dos poemas. Até mesmo num poema levemente erótico, percebe-se o silêncio e, num crescendo, “o pressentimento / o pacto e o voo” (Harmonização). É sempre a sutileza, o cisco, o grão de pó, a nota breve e leve, quase inaudível para ouvidos menos atentos e afinados.

Essa característica domina a maioria dos poemas enfeixados no livro de Bresciani. As indagações existenciais percorrem a mesma pauta, sempre em tom menor: “Somos ficção / Simulamos o invisível / e a imagem / no reflexo / do espelho”.

A poesia de Alberto Bresciani não é de leitura fácil nem de comunicação imediata. Exige certa disposição do leitor para debruçar-se sobre o texto. Os apressados, os que procuram extrair efeitos explosivos e imediatos, talvez se cansem antes de alcançar o nível das sutilezas.

Fontes:
Texto enviado por Carlos Machado in poesia.net. www.algumapoesia.com.br
Antonio Miranda.

Marcelino Freire (Muribeca)


Lixo? Lixo serve pra tudo. A gente encontra a mobília da casa, cadeira pra pôr uns pregos e ajeitar, sentar. Lixo pra poder ter sofá, costurado, cama, colchão. Até televisão. É a vida da gente o lixão. E por que é que agora querem tirar ele da gente? O que é que eu vou dizer pras crianças? Que não tem mais brinquedo? Que acabou o calçado? Que não tem mais história, livro, desenho? E o meu marido, o que vai fazer? Nada? Como ele vai viver sem as garrafas, sem as latas, sem as caixas? Vai perambular pela rua, roubar pra comer? E o que eu vou cozinhar agora? Onde vou procurar tomate, alho, cebola? Com que dinheiro vou fazer sopa, vou fazer caldo, vou inventar farofa? Fale, fale. Explique o que é que a gente vai fazer da vida? O que a gente vai fazer da vida? Não pense que é fácil. Nem remédio pra dor de cabeça eu tenho. Como vou me curar quando me der uma dor no estômago, uma coceira, uma caganeira? Vá, me fale, me diga, me aconselhe. Onde vou encontrar tanto remédio bom? E esparadrapo e band-aid e seringa? O povo do governo devia pensar três vezes antes de fazer isso com chefe de família. Vai ver que eles tão de olho nessa merda aqui. Nesse terreno. Vai ver que eles perderam alguma coisa. É. Se perderam, a gente acha. A gente cata. A gente encontra. Até bilhete de loteria, lembro, teve gente que achou. Vai ver que é isso, coisa da Caixa Econômica. Vai ver que é isso, descobriram que lixo dá lucro, que pode dar sorte, que é luxo, que lixo tem valor. Por exemplo, onde a gente vai morar, é? Onde a gente vai morar? Aqueles barracos, tudo ali em volta do lixão, quem é que vai levantar? Você, o governador? Não. Esse negócio de prometer casa que a gente não pode pagar é balela, é conversa pra boi morto. Eles jogam a gente é num esgoto. Pr'onde vão os coitados desses urubus? A cachorra, o cachorro? Isso tudo aqui é uma festa. Os meninos, as meninas naquele alvoroço, pulando em cima de arroz, feijão. Ajudando a escolher. A gente já conhece o que é bom de longe, só pela cara do caminhão. Tem uns que vêm direto de supermercado, açougue. Que dia na vida a gente vai conseguir carne tão barato? Bisteca, filé, chã-de-dentro - o moço tá servido? A moça?Os motoristas já conhecem a gente. Têm uns que até guardam com eles a melhor parte. É coisa muito boa, desperdiçada. Tanto povo que compra o que não gasta - roupa nova, véu, grinalda. Minha filha já vestiu um vestido de noiva, até a aliança a gente encontrou aqui, num corpo. É. Vem parar muito bicho morto. Muito homem, muito criminoso. A gente já tá acostumado. Até o camburão da polícia deixa seu lixo aqui, depositado. Balas, revólver 38. A gente não tem medo, moço. A gente é só ficar calado. Agora, o que deu na cabeça desse povo? A gente nunca deu trabalho. A gente não quer nada deles que não esteja aqui jogado, rasgado, atirado. A gente não quer outra coisa senão esse lixão pra viver. Esse lixão para morrer, ser enterrado. Pra criar os nossos filhos, ensinar o nosso ofício, dar de comer. Pra continuar na graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não faltar brinquedo, comida, trabalho. Não, eles nunca vão tirar a gente deste lixão. Tenho fé em Deus, com a ajuda de Deus eles nunca vão tirar a gente deste lixo. Eles dizem que sim, que vão. Mas não acredito. Eles nunca vão conseguir tirar a gente deste paraíso.

Fonte:
FREIRE, Marcelino. Angu de Sangue. Ateliê Editorial, 2000.

Wagner Marques Lopes/MG (O PERDÃO em trovas), parte 1


1

- Ofendi-me... Estou magoado
e só penso em revidar!...
- Mantenha o Cristo ao seu lado
e saberá perdoar.

2

O perdão é tão-somente
o antídoto da loucura:
chuva boa, paciente,
rega a terra, o ar depura...

3

Negaceia a fera; rente...
Some a Lua, faz-se o escuro...
Quem traz ódio persistente
é caçador em apuros.

4

Ave jamais surpreendida
pelo ímpio caçador:
perdão é Ave da Vida,
dos altiplanos do amor.


Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Amosse Mucavele (Poesia: Uma Realidade Supra Sensível)


Amosse Mucavelle pertence ao Movimento Literário Khupaluxa, em Moçambique.
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A poesia é o sol da imaginação que ilumina o nosso mundo real; um sol que já há séculos vêm queimando o iceberg dos sentimentos do poeta vs leitor.

Mas este aquecimento da poesia, diga-se, Global, sente-se no árduo trabalho de limar a matéria-prima que fabrica o poema, e esta está ao alcance de todos seres viventes, vividos e ente-viventes.

António Carlos Cortez diz o seguinte: “ Ao fabricar um poema há ainda uma sensação de que a escrita se autonomiza, não para se tornar nossa por separação do autor, mas para se tornar um corpo orgânico que vive por si só”.

Cabe a nós leitores “atentos” da nossa realidade, seja ela tangível ou intangível, aperfeiçoar a técnica do saber: “ ver o que está à frente dos nossos olhos” pois “exige uma luta constante”

George Orwell subscreve a ideia da “luta constante” sem tréguas com a realidade que nos circunda; uma vez que a produção poética tem como seu paraíso um mar de águas profundas, onde a sensibilidade das geografias imaginárias e a insensibilidade das geometrias reais fazem o cerco ao mar que encarcera o poeta. E é neste cárcere que o poeta sente-se livre como um pássaro no chão do seu vertiginoso voo, onde antes da partida o mesmo acaricia os 4 ventos das grades que o prendem.

Dentro das grades o poeta cria uma pluralidade de espaços, de convívios, de interrogações, e afectos que desaguam na singularidade da poesia detentora de um “Estatuto Topológico (um lugar onde e donde) ” (COELHO, 1972. pag 299.)

“Um lugar onde” “a linguagem poética se fala e se escreve”( BLANCHOT,97,pag 47); ”um lugar donde” a imaginação resplandece e espalha-se no reino da realidade.

Segundo Leyla Perrone Moisés, “A poesia não pretende mais a primazia entre os discursos; assume-se como linguagem à parte não comunicativa, hermética, passando a ter um valor em si mesma, torna-se núcleo irradiador de sentidos infinitos, desafiando o leitor a dar prosseguimento ao acto criativo.” (2000,pag 27 in A inutil Poesia de Mallarmé)

ILUSÃO

O espelho não reflecte os medos que encharcam o meu silêncio. Muito menos as alegrias que degolam o meu sorriso.

As Vezes

O espelho mente a dizer verdades na inocência das incertezas que se amotinam na vista alegre das minhas angústias.

A tocar flautas. Ao som do triste olhar da lupa

A atirar pedras. Para os olhos que se olham a procura da verdade das certezas pintadas a vermelho dos semáforos.

Paragem! Miragem?

As 4 rodas roncam (a morte, a angústia, o silêncio, a memória) na abstracta estrada da ilusão, onde

Flores apodrecem no verão esburacado da objectiva da maquina fotográfica. Múltipla visão (ordem e caos, verdades e mentiras) de olhos bem abertos na fechadura da alma amedrontada pela doce aparição do labirinto.

As flores atravessam a primavera (que a muito clama por elas) com sapatos de neve (cuidado o Verão e eterno) chutam o silêncio que habita a escuridão. e lá lá e lá .

E lá do outro lado da margem, em pleno suar do inverno uma flor (esta) sem arvores nega de dar a voz as pedras.

Insiste. Persiste em aprender a ética da memória das flores que se escondem na estacão última do tempo (o sono) com amarguras de alegrias e angústias. Deitadas no prato hasteado nas lágrimas da bandeira do futuro.

E no presente? Vejo a minha face multiplicada por 2 no quadro dos olhos deste Deus da Carnificina chamado espelho.

Assim sendo este poema toma de forma subjectiva uma realidade tangível a poesia que se instala nos olhos do leitor faz nos crer que a mesma é feita de inutilidades que no decorrer da sua digressão nas mãos do leitor a tornam útil para humanidade.

É neste prisma que apraz me dizer o seguinte: escrever poesia é colher perigos no covil do leão, onde parte-se com o conhecimento de causa dos dois destinos predefinidos

1º Assumir esta “morte vil” viagem sem volta, internacionalizar as duvidas, e procurar o suicídio desta voz rizomatica no rugir do leão.

2º procurar (sobre) na eternidade desta perigosa realidade, e afirmar a coragem de que é possível plantar sonhos nas garras do leão.

Há aqui indubitavelmente no poema acima lido uma paixão, uma sensibilidade supra sensível, com as coisas que a priori do ponto vista de um cidadão comum não tem nenhuma missão neste universo, e este poema vem mais uma vez mostrar, dar a conhecer os sentimentos do silêncio, as lágrimas das pedras, os sonhos das flores, os labirintos da memória e o tropel que a morte provoca.

Por exemplo: quando uma pedra estatela-se na poltrona da sua arca e um homem a pisa ou a chuta e em seguida o mesmo fica a contorcer-se de dores, com a pedra acontece o contrário ela fica alegre pois conseguiu mostrar ao homem a sua grandeza, a sua capacidade de o fazer chorar, e a sua forca aglutinadora, consequentemente fê-lo ouvir a sua voz e dentro dela diz - eu sou capaz.

Estas coisas sem vida, mas com vida, convidam e transportam todas as musas para o infindável teorema da poesia. Um espaço impar onde a inutilidade das coisas e a utilidade dos sonhos reais procuram o aconchego para as suas vozes; vozes de medo, vozes de solidão, vozes de alegria cavalgam em constante mutação para o silencio onde de forma (in)consciente tomam de assalto a folha em branco:

As abelhas fabricam o seu zumbido ao anoitecer dos dias

E ao clarear da noite vendem a dor na matriz do mel amargo que as nossas bocas chupam

O zumbido das abelhas é multiritmico como a marrabenta.

Doce como os desenhos afiados da navalha em linhas horizontais que a cada tracejado a vida calha e a morte não falha.

Mais uma vez assistimos um dialogo entre o zumbido da abelha e a malevolência da navalha e assim sendo surge a seguinte questão:

Como é que estas duas vozes que falam silêncios podem apagar a ternura da folha em branco?

Cesariny responde –“ pela saturação duma personalidade a disparar em todas as direcções, e não só nos textos

Quando fala-se de todas as direcções refere-se a sensibilidade do poeta, a super realidade que vem de dentro (a transpiração) e a realidade que nos circunda (a inspiração).

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 549)

Crepúsculo na Lagoa do Camurupim - Caucaia/CE

Uma Trova de Ademar

Era um homem abastado
mas botou tudo a perder,
pois Deus mandou-lhe um recado
que ele mesmo, não quis ler!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A morte com seu negrume
é por demais atrevida,
além de apagar o lume
desfaz o brilho da vida!!
–CARLOS AIRES/PE–

Uma Trova Potiguar


Como no amor me concentro,
só envelheço, em verdade,
por fora, porque por dentro
está viva a mocidade.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada


2008 - Nova Friburgo/PR
Tema: ESCOLHA - M/E


Quis conquistar teu carinho,
mas tu não quiseste o meu...
- Escolheste outro caminho...
e a solidão me escolheu...
–PEDRO MELLO/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Entre o orgulho e a solidão,
no meu mundo, hoje pequeno,
guardo um “sim” de prontidão,
esperando o teu aceno!
–ULYSSES CARVALHO JÚNIOR/RJ–

Uma Poesia


MOTE :
MORRE DE FOME OU DE SEDE,
NO INVERNO MORRE AFOGADO.


GLOSA :
Um velho homem numa rede,
sem comida e sem bebida,
no Nordeste é esta a vida,
morre de fome ou de sede,
Enroscado na parede,
de palha ou barro amassado,
como que desesperado,
molha os seus lábios com a língua.
Na seca ele morre à mingua,
no inverno morre afogado.
–BOB MOTA/RN–

Soneto do Dia

Reflexões
–AMILTON MACIEL MONTEIRO/SP–


Quando a emenda é bem pior do que o soneto,
esquecê-la é o melhor a se fazer...
E deixar que o enjeitado poemeto
curta a vida que sonha, a bel-prazer.

Se a banha não faz bem ao esqueleto,
deixe a glutonaria e o mais querer...
Que é bem melhor ser magro igual espeto,
mas cheio da alegria de viver!

Se a busca por riqueza é o que atrapalha
curtir sua família, enquanto pode
não faça desse amor, fogo de palha!

Dê mais valor também às amizades..
se tempo lhe faltar, não se incomode,
pois o melhor de tudo... é ter saudades!

Nota: Queridos poetas e amigos, neste link abaixo o meu irmãozinho e poeta Gilberto Cardoso, colocou algumas entrevistas minhas e algumas pequenas participações na “98 Fm” com meu amigo Riva Junior (Raposa do Nordeste)
http://apoesc.blogspot.com.br/2012/05/viver-de-poesia-ademar-macedo.html

Concurso de Contos SESC-AM (Resultado Final)


O SESC Amazonas divulga a lista das 16 produções selecionadas no Concurso de Contos do SESC. As inscrições dos contos foram realizadas de março até novembro do ano passado. A seleção foi feita por uma comissão coordenada pelo professor e escritor Allison Leão, da Universidade Estadual do Amazonas (UEA).

Os 16 primeiros colocados participarão automaticamente de uma antologia literária, a “Antologia de Contos SESC”. O autor do conto que conquistou a primeira colocação receberá um notebook e 20 exemplares da antologia. O segundo colocado receberá um Ipod e 20 exemplares da antologia e o terceiro receberá 20 exemplares da antologia e um kit contendo os cem melhores contos de todos os tempos e os cem melhores contos fantásticos.

De acordo com o regulamento do concuso, apenas 15 contos deveriam ser selecionados, mas atendendo a uma recomendação da comissão, o SESC Amazonas resolveu classicar um a mais, devido a qualidade das produções.

O Concurso de Contos do SESC tem a finalidade de estimular a criação literária e descobrir novos talentos. O concurso é realizado desde 2006 no Amazonas. As inscrições das obras são abertas para todo o País.

Ao todo, 138 contos foram inscritos. Destes, 53 do Amazonas e o restante de outros estados do Brasil, além de brasileiros residentes no Japão, França e Estados Unidos. A cerimônia de premiação dos autores será no Festival Literário SESC de 2012, que ocorrerá em outubro.

Confira a lista de contos selecionados:

1 – “Madre Alzira” – de Vale de Cabeça

2 – “Iluminuras” – de Joe

3 – “Menina Cuidando de Girassóis” – de Splath

4 – “Sabedoria” – de Nabeiro’s

5 – “O jogo das dez Marias” – de Vilu Nguri

6 – “Febril” – de Max

7 – “Fábula Falsa” – de Fernando Mendes

8 – “Lili e o lado de fora do aquário” – de Anatov

9 – “Da rotina alheia” – de Luiz Sena

10 – “O espelho” – de Holavrac

11 – “O pranto” – de Bill Vargas

12 – “Estatística” – de Aureliano José

13 – “O camerungo ronra” – de Manuel Pão-de Pedra

14 – “Volte Amanhã” – de Rindo Alto

15 – “Pareçenca” – de José Machado Rosa

16 – "A insustentável leveza da dor" – de Azulado
(Angelo Pessoa, Cordeiro - RJ)

Fonte:
http://www.sesc-am.com.br/destaques/sesc-divulga-resultado-do-concurso-de-contos/

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 548)

PONTA DO SEIXAS" O PONTO MAIS EXTREMO DAS AMÉRICAS-JOÃO PESSOA/PB

Uma Trova de Ademar

Com fé, esperança e crença,
vendo o princípio do fim;
removi uma doença
que tinha dentro de mim.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Se fé remove montanha,
a esperança é garantida.
E se Cristo te acompanha,
sempre há luz em tua vida
–AYDA BOCHI BRUM/RS–

Uma Trova Potiguar


Quando Deus criou o mundo,
deu chance a todas matizes,
mas com seu saber profundo
não disse a cor aos juízes.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada


2011 - Niterói/RJ
Tema: MEMÓRIA - M/H


O nosso amor teve fim
mas ficaste em minha história,
pois te vejo junto a mim
pelos olhos da memória.
–WANDA DE PAULA MOURTHÉ/MG–

...E Suas Trovas Ficaram


Muita lágrima sentida
em silêncio sei que enxugas...
– são reticências da vida
pelo caminho das rugas...
–HELVÉCIO BARROS/RN–

Uma Poesia


Ninguém vive no mundo mais feliz
do que aquele que vive de poesia,
e eu estou inserido neste mundo,
no real e também na fantasia;
pois no verso eu encontro o meu alento,
produzindo o meu próprio sentimento,
eu fabrico emoções a cada dia...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Ser Tão Sertão.
–RACHEL RABELO/PE–


No trajeto vislumbro tais belezas
das paisagens de luz deste sertão,
que são típicas desta região
completando meu ser de sutilezas.

O teu povo traduz as realezas
conquistadas nas artes da paixão,
na poesia que vem do coração
retratando histórias e certezas.

Lá teu sol nasce já metrificado
vem na chuva um canto ritmado
entoando os ensaios da natura;

tua noite tem brilho diferente
que envolve num manto transparente
as sementes da arte e da cultura!

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Rio Grande do Norte


Leila Krüger / RS (Caderno de Poemas)


A QUEDA DA BASTILHA

Enfim perdi a batalha surda contra a própria mudez.
Enfim a inoperância de meus punhos
para esmurrar estes labirintos de ferro,
para desnudar o universo.

Enfim, voltei... enfim não sei mais!

Enfim me recolho com meus únicos próprios braços,
esperando, no entanto, que haja ainda alguma bondade
nestes pequenos fardos.

Enfim acato a tristeza como uma rosa frágil que é minha...

Enfim não espero nada,
mas acredito em tudo aquilo que não é passível de ser verdade.
Como sei agora,
posso embalar a verdade em meu colo
até que ela acorde, e me olhe.
Caso ela não fuja eu um dia a verei crescer...

Como os carvalhos antigos que arrebentavam o céu,
assim cresce a verdade em meu pequeno bosque.
Copas silenciosas, em nuvens vagarosas, em tardes apenas grenás.

Enfim, perdi...
mas chorei como quem vence. Então venci!

LONGE

Mas se eu tiver que ser sozinha, serei inteira
serei plácida, como o lago que espera a chuva
como a chuva que busca a manhã.

E se eu tiver que ser escura, serei grandiloquente
se tácita, valente
se árida, compreensiva, ao menos
se ainda assim severa... então liberta.

E se me perder de tudo, e até do fim...
possivelmente eu serei nova
como o verão, no céu de janeiro
como janeiro, no céu de Paris!
Seja lá onde for Paris...        

Hoje, em qualquer lugar, longe daqui. Longe, longe...

 QUASE VERÃO

Há uma chuva negra e macia na vidraça.
                               Quase cinza, um tanto fraca... me acaricia.

 Pingos me olham – esperando o chão cegar.
                               Chegar!

E o desespero do que chove no mesmo lugar. E a nuvem que se move...
sobre as palavras... que eu não te dei. Negra na janela, esperando o chão.
 Sou eu quem chove – antes do verão...
 Sou eu quem grita! – Ao perder teu rosto de areia, entre minhas mãos...

 RETORNO DE MIM

Aprendi a me deixar podar pela vida.
Deixar que me arranquem os galhos, tal braços, sem dó,
                                 ou com dó, tanto faz...
mas que me arranquem inevitavelmente
                                 e façam de mim o que eu nem sei.

E se eu não souber tudo bem, porque aprendi também a voltar...
mais alta e mais graúda,
do tamanho de um coqueiro na praia deserta.

Também aprendi a me balançar na praia e até a tocar as ondas.
Tudo me deixa forte. Tudo um dia me deixará forte.

E nada me deixará, nunca mais, seca... agora eu posso amar.

 FLOR DE FIM

Como saber?
             Se a tristeza é breve
             se a alegria é forte
             se a paz é leve.
             Se a fé rebrota
              no inverno gris.
             Se teus dedos
             na madrugada
             fazem meu fim.

             Como saber?
             Entender tua cor.
             Como saber?
             Se já não sou.
             Como não ser?
             Se nós somos flor...

Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/leilakruger.html#quase

Angela Lago (Muito Capeta)


O DIABO LOURO

Esta é uma história que vira e mexe acontece. Basta uma moça estar numa festa à moda antiga tomando chá-de-cadeira, ou seja, assentadinha sem ninguém para dançar com ela, e à meia-noite suspirar de vontade:

- Ah! Eu queria tanto dançar, nem que fosse com o próprio diabo!

Então um moço louro, de terno branco, aparece feito um anjo, e antes que alguém pisque os olhos já estão os dois rodopiando no meio do salão. Claro que o rapaz é o dito-cujo. Um belo momento a moça olha para baixo e vê que ele tem os pés diferentes. Um é normal, mas o outro é redondo, igual a uma pata de bode. Então ela berra e faz o sinal-da-cruz. O Diabo Louro explode na hora, e a festa acaba com um cheiro horrível de enxofre e o som de uma risada infernal.

Só que a noite desta história que eu vou contar para vocês não foi bem assim. A moça não era uma moça qualquer. Era a Maria Valsa. Vamos ter que começar tudo de novo.

COMEÇANDO DE NOVO

Na festa da padroeira da cidade, à meia-noite em ponto, Maria Valsa, que naquele momento estava sem par, se contorcia de vontade:

- Ah! Eu quero dançar! Nem que seja com o próprio diabo!

Então um moço louro e belíssimo abriu a porta, olhou para ela, veio direto em sua direção e agarrou sua cintura. Ó céus! Ele já levou Maria Valsa para o meio do salão. E dá-lhe valsa. Bateu uma hora, uma hora e meia, e os dois saracoteando. Maria Valsa cheia de molejo, mas espigadinha, com o nariz empinado, feliz e vaidosa do show que estavam dando. Nada de olhar para o chão.

Às duas da manhã, a festa começou a esvaziar e o Diabo Louro, embora estivesse gostando muito de dançar com Maria Valsa, percebeu que estava passando a hora de dar o outro show, o seu, o especial, o de estragar a noite de todos com a sua risada e o seu fedor.

Afinal ele se decidiu e sussurrou no ouvido da moça:

- Olha meu pé...

- Eu não pisei - respondeu Maria Valsa, tranqüila com sua atuação, olhando para cima.

- Não é isso - explicou o diabo. E repetiu com ênfase: - Estou pedindo para você olhar o meu pé!

- Para quê? - respondeu Maria Valsa, desta vez toda faceira, revirando bem os olhos para cima. - Não é preciso! Você me guia tão bem!

Como último recurso, o maligno resolveu dar uma bela pisada no sapatinho da moça. Só que não conseguiu. Quando ele ia, ela escapava; quando ele puxava, ela revirava; ele a empurrava, um rodopio. O belzebu com o suor a escorrer da testa, sem conseguir, sem dar conta da sua má intenção. E Maria Valsa feliz da vida: orgulhosa de acompanhar passos assim tão diferentes sem errar.

O pessoal que ainda estava no salão se entusiasmou com a novidade da dança e tratou de imitar e seguir o par. Mas era difícil. Depois, tudo cansa. Só a Maria Valsa é que nunca se cansa de baile. Às quatro da madrugada, quando o galo cantou, restavam os dois e o tocador de sanfona. O sanfoneiro fechou o instrumento e foi embora. O Diabo Louro, exausto e todo dolorido de tanta contorção, confessou:

- Maria Valsa, você me venceu!

UMA RÁPIDA EXPLICAÇÃO

Diabo também se apaixona. E o nosso não queria mais que a moça visse seu pé redondo. Como todos os apaixonados, começou a cismar e a se atormentar. Ela era tão linda e inocente, não ia querer se casar com um pobre-diabo com pata de bode. Deu para andar meio agachado, para que as calças tampassem tudo, esbarrando no chão. Isso dia após dia. À noite tinha que lavar e às vezes costurar a barra que ralava na rua. Sentia-se um lixo, um diabo qualquer a cerzir humildemente suas calças puídas.

Mas nós não vamos ficar com peninha dele por conta disso. Pelo menos assim ele passava o tempo com uma ocupação decente, já que não conseguia mesmo dormir de tanta preocupação. É que ele queria muito casar com Maria Valsa, mas...

- Será que, casado, vou dar conta de esconder meu pé redondo?! - o chinfrim se perguntava.

Até que um belo dia o capeta teve uma iluminação e decidiu mandar fazer umas botas fixas, permanentes, que não saíssem do corpo, e tapeassem Maria Valsa e o mundo, fazendo seu pé redondo parecer igual ao normal.

AS BOTAS DO DIABO

- Quero botas! Botas especiais! - disse o capeta, e pôs na mesa do sapateiro um desenho de como a bota deveria ser, para que seu pé de bode não aparecesse, nem escapulisse de dentro dela sem querer. Na verdade as duas botas deveriam ficar grudadas nos pés para sempre. 

Faltavam algumas medidas, e o sapateiro, sem maiores cerimônias, arregaçou as calças do diabo. Viu o pé redondo e não teve dúvidas. Já que o cliente era o capeta em pessoa, podia explorar:

"Estas botas muito raras, raras, raras, 
muito caras, caras, caras vão ficar. 
Mas a pessoa é rica, rica, rica, 
muito  rica... 
E muito caro sempre fica para quem quer tapear."

No outro dia o coisa-ruim veio pegar as botas e entregou ao homem um saco de ouro.

Recitou um versinho também:
"Um saco de ouro, ouro, ouro, muito ouro por duas botas de couro, simples couro, couro, couro!
Vire esterco esse dinheiro, antes que passe um dia inteiro!
Dinheiro é esterco, esterco, esterco. Esterco, esterco é dinheiro."

E para enfatizar a maldição, repetiu pausadamente:

"Vire esterco esse dinheiro antes que passe um dia inteiro!"

O sapateiro, que nunca tinha visto tanto  dinheiro na vida, tratou de pensar uma maneira de guardá-lo bem escondido para que a maldição do capeta não acontecesse, não desse certo. Depois de muito matutar, resolveu esconder o saco no meio de um monte de esterco, antes que virasse esterco de verdade.

Feito isso, entrou em casa. Como sempre acontecia, mal ele entrou, sua mulher começou a lamuriar que não tinha dinheiro para comprar feijão.

- Pois eu também não tenho - afirmou o homem, tratando de não levantar suspeitas da sua riqueza recente. - Mas que amolação essa história de você estar sempre pedindo dinheiro, mulher! - ele reclamou. 

E repetiu  o verso do diabo: 
- Dinheiro é esterco, esterco, esterco. 
Esterco, esterco é dinheiro.

Foi tirar um cochilo para fugir da lamúria. Quando levantou, já de tardinha, estranhou. Que cheiro bom! Além de feijão, tinha lingüiça. Afinal, a mulher tinha, conseguido fazer as compras.

Na mesa, já ia engolindo o caldo quando ela contou satisfeita:

- Sabe que você me deu uma boa idéia com aquela história de que esterco é dinheiro?  Passou um carroceiro e vendi o esterco todo!

Mas vamos continuar a história do capeta, pois é ela que nos interessa

Afinal o capeta se casou com a Maria Valsa. E deu um marido de primeira. Só tinha um problema. Não tirava as botas nem para dormir.

A sogra implicava com isso. Não queria saber de um genro que imundava os lençóis do enxoval da filha. Não adiantava Maria Valsa elogiar o marido.

- Mãe, mas ele é o máximo! Se eu pedir, ele até sobe pelas paredes. É capaz de esmagar aquela lagartixa lá no teto, com a ponta da bota. De cabeça para baixo!

- Ah, é? - pensou a sogra, e esperou o genro chegar.

- Minha filha disse que você é capaz de subir pelas paredes e, de cabeça para baixo, esmagar aquela lagartixa.

- Sobe para ela ver, meu bem! - piscou Maria Valsa cheia de dengo.

E o coisa-à-toa, para agradar sua mulher, subiu.

"Bem que eu desconfiava que meu genro é o dito-cujo", adivinhou a sogra, em silêncio, refletindo com seus botões. Saiu de mansinho, foi até a cozinha, e voltou com uma garrafa vazia.

- Subir no teto é fácil. Basta um pouco de malabarismo. Eu queria ver era seu marido dar conta de entrar nessa garrafa vazia.

- Entra para ela ver, meu bem! - sorriu Maria Valsa.

E o coisa, para não fazer feio, ficou pequenininho e entrou. A sogra, mais que depressa, pegou a rolha que tinha escondido no bolso do avental e enrolhou a garrafa.

- Você está salva! - disse para a filha.

- Salva!?

A filha, aos prantos, pedia à mãe para soltar o marido. Não adiantava. A moça podia chorar quanto quisesse.

- Isso não é marido. Isso é o próprio tinhoso, o cão, o dito-cujo - repetia a sogra do capeta.

Quando a filha afinal adormeceu de tanto chorar e soluçar, a mãe saiu pé ante pé com a garrafa e, depois de muita estrada, encontrou um lugar bem ermo. Nada ao redor, só uma árvore torta. Então a sogra cavou um buraco profundo, enterrou a garrafa e colocou uma pedra por cima.

O excomungado gritava:

- Me solta, porcaria de sogra! Sua megera desgraçada, me desenterra daqui!!!

Mas só chegava um fiapo de voz à superfície, um zumbidinho de nada. Ninguém ia ouvir.

INTERVALO

Vamos deixar o condenado gritando sem ninguém ouvir, e Maria Valsa procurando o marido sem nunca encontrar. Faremos uma pausa enquanto o tempo passa.

ZUMBIDOS

Um dia, trinta anos depois, Maria Valsa andava perto de uma árvore torta quando escutou um zumbidinho. Ela ainda procurava o marido. Não tinha se esquecido dele. Nem da sua voz. E reconheceu alguma coisa, um ritmo.

- Zum zumzum zumzumzumzum zum zumzum! Zum
zumzumzum zumzumzumzumzum, zum
zumzumzumzumzum zumzi.

- Será?

Aguçou bem os ouvidos, viu que o zumbido vinha de baixo da pedra e resolveu arrastá-la. Agora já dava para reconhecer uma ou duas sílabas.

- Zum zumzum zumzumria de sozum! Zum 
Zumzumzum.

Cavou um pouquinho.

- Zum zumzum porcaria de sogra! Sua megera zumzumzuda...

Era ele!! Cavou o mais rapidamente que pôde até avistar a rolha da garrafa. Puxou a garrafa para fora e viu o seu querido marido gritando:

- Me solta, porcaria de sogra! Sua megera desgraçada, me desarrolha daqui!!!

- Sou eu, sua mulher - disse, desapontada, Maria Valsa.

Mas o diabo continuou gritando o que já vinha gritando há anos.

- Me solta, porcaria de sogra! Sua megera desgraçada etc. etc.

Cá entre nós, com o passar dos anos, Maria Valsa tinha ficado parecida com a mãe. E era natural que, depois de tanto tempo preso, o capeta estivesse raivoso e confuso. Maria Valsa, por sua vez, escutou o marido gritando daquele jeito, miudinho dentro da garrafa, com aquelas botas esquisitas, e de repente atinou. Não é que sua mãe tinha razão? Que decepção! Seu marido era o próprio. O dito-cujo. O cão. E resolveu, antes de soltá-lo, fazer um trato sensato.

O TRATO COM O DIABO

- Divórcio! Eu quero o divórcio, e três sacos de dinheiro de indenização! Sem indenização não abro a garrafa.

- Maria Valsa, assim não é possível! Como vou arranjar dinheiro preso numa garrafa? Preciso reorganizar a vida.

- Sem essa!

Espera aí, Maria Valsa. Esperem aí, vocês também, meus queridos leitores. Dentro de uma garrafa não dava mesmo para o diabo arranjar o dinheiro. Mas ele tratou de bolar uma contraproposta que agradasse a mulher:  os dois iriam para Nápoles. Lá, a mulher se faria passar por bruxa curandeira, enquanto ele entraria no corpo da filha do rei. O rei acabaria por oferecer mais de seis sacos de dinheiro para quem curasse a princesa. A mulher então faria um teatro de ladainhas e benzeduras, e os dois meiariam o ganho.

Dessa idéia, Maria Valsa gostou. Conhecer Nápoles, ir a um palácio, e depois a recompensa...

INDO PARA NÁPOLES

A caminho de Nápoles o capeta decidiu entrar no corpo de uma moça para Maria Valsa treinar seu desempenho. Entrou no corpo da filha do dono de uma pousada onde Maria Valsa se hospedou. A moça foi ficando completamente encapetada! Quando o pai não dava mais conta, não sabia mais o que fazer, Maria Valsa ofereceu seus serviços de bruxa curandeira. De graça.

- Se é de graça, pode.

Maria Valsa pegou uma cabeça de alho e uma cebola, espremeu em um vidro com um pouco de água suja e começou a benzer a guria:

"Pela pata da barata
Vai saindo, vai saindo.
Pela baba da aranha
Vai saindo, vai saindo.
Pela gosma da lombriga
Vai saindo, vai saindo.
Pela meia com chulé
Vai saindo, vai saindo.
Pela meleca..."

- Chega! - reclamou o capeta de dentro da moça. - Que nojeira...

E tratou de escapulir assim que pôde.

E embora o pai tivesse ficado tão agradecido que deixou Maria Valsa ir embora sem pagar pela hospedagem, o demo só fez criticar a representação da mulher.

- Deu certo porque era aqui. Na Corte você me fale em inglês. Trate de impressionar. Não me venha com essa ladainha que dá vontade de vomitar. E nada desse cheiro de alho, cebola e água suja.

MAIS UMA TENTATIVA

O lá-de-baixo resolveu dar mais uma chance para Maria Valsa treinar, antes de chegarem a Nápoles de Minas.

Na parada seguinte, ele entrou na mulher do dono do hotel. A dona foi ficando endiabrada, encapetada! O homem não dava conta, não sabia o que fazer. Então Maria Valsa ofereceu os seus serviços em troca da hospedagem. E como a notícia da cura da filha do dono da pousada já tinha corrido meio mundo, o dono do hotel aceitou na hora. Maria Valsa ficou satisfeita de ver como estava famosa e caprichou na representação. Arranjou carniça e fez um saquinho de pano. Ia batendo na mulher do dono do hotel com o saquinho e recitando:

"Catinga de urubu
I love you
Carniça com tutu
I love you"
E por aí em diante.

O capeta não agüentou de nojo, tratou de sair depressa.  Maria Valsa recebeu uma bela recompensa. Mas o marido, nada de valorizá-la. Pelo contrário:

- Assim não dá. I love you!? Estava melhor em português!

A FILHA DO REI

Quando chegaram a Nápoles, o capeta entrou na princesa. A princesa ficou endiabrada, encapetada, endemoniada! Mas, desta vez, Maria Valsa, já conhecida e respeitada como bruxa curandeira, nem precisou oferecer seus serviços. Foi procurada pelo rei, que prometeu...

A PROMESSA DO REI

- Não, Maria Valsa, minha filha vale muito mais que seis sacos de ouro. Além disso, sou viúvo, e a senhora, divorciada. Se curar minha filha, caso com a senhora e lhe dou a metade do reino.

Maria Valsa fez o saquinho com carniça, alho e cebola e tratou de  caprichar um estribilho em latim:

"Verme em ferida de peste
Ite! Ite! Missa est!"

O capeta, com raiva da mulher, tapou os ouvidos, decidido a não sair do conforto do corpo da princesa. Não adiantava Maria Valsa cantar a ladainha cada vez mais alto. Não tinha sucesso. (E olha que me proibiram de repetir aqui a ladainha inteira porque é nojenta demais.) É que o capeta mantinha os ouvidos bem tapados o tempo inteiro da recitação, para não vomitar a si mesmo para fora do corpo da princesa.

Então Maria Valsa teve uma idéia. Mudou de tom. Fingiu que comentava com os seus botões:

- Ainda bem que chamei mamãe para me ajudar e ela já está quase chegando...Ah! Ainda bem que chamei mamãe para me ajudar e ela já está quase chegando...

O capeta ouviu o tom diferente e destapou os ouvidos. Vocês sabem o horror que ele tem da sogra. Escutou aquilo e pronto. Saiu correndo do corpo da princesa. A toda! Corre que corre, e ainda está correndo.

É por isso que tem tempo que ninguém dança com o Diabo Louro. E Maria Valsa? Ora! Passando muito bem.

Fonte: 
Conta que eu conto (Ana Maria Machado, Angela-Lago, Daniel Munduruku, Heloisa Prieto, Roger Mello ; apresentação de Tatiana Belinky ; ilustrações de Mariana Massarani. - 1a. ed. - São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002. (Coleção Literatura em minha casa ; v. 2)