terça-feira, 16 de agosto de 2016

Lenda Australiana (O Goanna e Suas Listras)

Novamente foi nos dias em que os animais andavam sobre duas pernas e eram em todos os sentidos iguais aos seres humanos. Havia duas tribos que viviam juntas, Mungoongali os Goannas (1) e Piggiebillah os Équidnas (2). Era uma associação desconfortável, pois seus antepassados, que vieram de terras distantes no oeste, eram de diferentes espécies. Os Goannas nasceram ladrões, enquanto os porcos eram uma tribo muito mais autossuficientes, e eram caçadores especializados.

Os goanas mandaram os équidnas dormir, assaram a comida e depois queriam roubar tudo, subindo com a caça nas árvores

Na planície oriental para a qual as duas tribos tinham migrado, os Piggiebillahs ou équidnas ocupavam-se da caça, mas a comida dos Mungoongalis ou goanas comiam somente os favos das abelhas nativas, que eles coletavam subindo em árvores, e comida que roubavam da aldeia dos dos Porcos.

É triste relatar que suas depredações ia além disso, pegando as crianças desprotegidas dos équidnas que eram mortas e comidas em segredo.

Em certa ocasião, os goannas convidaram seus vizinhos para se juntar a eles em uma expedição de caça. Os porcos riram com desdém.

‘Vocês se tornaram especialistas na perseguição desde ontem, ou no dia anterior? eles perguntaram ‘Obrigado por sua oferta, mas vamos fazer muito melhor sem vocês. “

“Por favor, venha com a gente”, pediram. “Nós sabemos que não podemos caçar, mas enquanto vocês estiverem ocupados, vamos reunir favos de mel das árvores,” um dos équidnas mais jovens disse ao seu povo:  “isto pode funcionar. Vamos nos juntar a eles?

“Tendo em conta o fato de que somos notoriamente mal sucedidos em subir em árvores, eu acho garoto que você está mostrando mais do que sua sagacidade habitual”, o équidna mais velho observou ao jovem sarcasticamente.

Os homens das duas tribos saíram juntas. Os équidnas fizeram uma grande matança, mas no final do dia, e os goannas não haviam catado um único favo de mel. Embora fossem hábeis em escalada de árvores, eles estavam com preguiça de trabalhar sob o sol quente. Quando eles viam que estavam sendo observados, eles fingiam fazer buracos nos troncos das árvores para subir, mas tão logo os équidnas lhes davam as costas, eles se deitavam e dormiam.

“Não importa”, os goannas disseram no final do dia. ‘Favos estão escassos neste ano. Agora é hora de vocês descansarem. Vamos cozinhar a caça. Vão dormir. Vamos chamá-lo quando a comida estiver pronta.”

“A luz do fogo piscavam sobre as folhas das árvores e sobre as formas adormecidas dos équidnas. De vez em quando um deles se virava e perguntava sonolento: “A janta não está pronta ainda?”

“Ainda não. Vão dormir. Vamos acordá-los quando estiver pronta. “

Os équidnas partiram pra cima deles pra recuperar a caça!

Quando a comida ficou pronta os goanas correram até as árvores e se esconderam nas folhagens. Um deles ficou para trás e jogou os corpos assados dos animais um por um para seus companheiros nas árvores. Mas fazendo isso ele passou muito perto do fogo, batendo contra um tronco queimado de modo que caiu sobre um sobre um équidna, que acordou com um grito. Os outros ficaram de pé e viram a comida desaparecer entre as árvores.

Um dos équidnas pegou um pedaço de lenha acesa e atacou o goana. As cinzas caíram sobre seu corpo dourado, queimando a carne e deixando um rastro de listras pretas e amarelas, que tem sido desde a coloração que distingue os goannas de outros lagartos monitores.

Não é de estranhar, portanto, que os goanas e équidnas se evitem, pois eles não tem os pensamentos mais felizes um sobre o outro.…
_________________________
Nota:

1) Tipo de lagarto monitor australiano;
2) Os équidnas são mamíferos que põe ovos que habitam a Austrália.

Fonte:
http://www.artistwd.com/joyzine/australia/dreaming/goanna.php#.UjB72z8iz5k 
in https://casadecha.wordpress.com/category/lendas/

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Nilto Maciel (O Riso do Gato)

Nunca ria o gato. Sisudo, posava dia e noite para os de casa e os de fora. Costumeiramente vivia em cima da mesinha de centro. Às vezes nas prateleiras da estante, ao lado da Bíblia, da enciclopédia, dos discos. Mil vezes escapou do fim. Quando a arrumadeira se zangava. Quando os meninos brinca­vam de bola na sala. Quando qualquer mão descuidada o aba­nava.

Não lhe faltavam elogios. Chamavam-no gato bonito, ga­tinho lindo, belo gatão. Mesmo quando percebiam sua cir­cunspecção. Talvez até vissem nela o melhor de sua beleza.

As visitas chegavam a ser impertinentes, mal-educadas. Queriam saber onde a dona da casa havia comprado tão fino bibelô. Que loja vendia adornos como aquele? Onde encon­trar enfeite tão raro? Se era de gesso, porcelana, barro.

Imune à curiosidade geral, o gato olhava muito sério para o meio da sala. Nem sequer mexia os longos fios do bigode colado às faces. Como se falassem do fim do mundo, de mor­tes e dores.

Um dia, porém, o gato amanheceu outro. Um largo sorri­so enchia seu rosto formoso. O bigode mais espalhado, os olhos mais brilhosos. Não, não se tratava do mesmo objeto. Alguém andava brincando naquela família.

A dona da casa se irritou. Queria de volta seu gato sisu­do. Ou não servia o café. O dono da casa apoiou a mulher. Ou o gato antigo, ou muita briga.

Desconfiaram da arrumadeira. Se não desse conta imediatamente do gatinho lindo, perdia o emprego. E ganhava um processo na Justiça. Por roubar um enfeite raro.

A cozinheira jurou inocência pelas chagas de Cristo. Adora­va o gato bonito. Só não falava em verdadeira paixão para não ser chamada de doida.

A moça da casa chamou os pais de idiotas. Deixassem de besteiras. Ninguém roubara o gato. Simplesmente o bicho re­solvera mudar de cara.

Terminado o café, todos já concordavam com a moci­nha. Cada um, no entanto, defendia, com unhas e dentes, sua opinião a respeito do motivo daquela tão esquisita mudan­ça de feições. Para a mãe, o gatinho lindo ria por um só motivo — estava amando. Segundo o pai, o belo gatão ria à toa. Co­mo um débil mental. O rapazinho achava o gato um gênio, que ria da imbecilidade humana.

A copeira limpava a mesa e resmungava. O gatinho sorria como qualquer pessoa. Mais tarde, talvez chorasse.

Um dos meninos achou por bem dar palpite. O bichano ria de satisfeito. Durante a noite pegara um ratinho. Só podia ser aquilo.

Houve gargalhadas em toda a casa.

Zangado, o garoto quis arriscar outra opinião. E se aproxi­mou da mesinha de centro. Seus pais e irmãos gargalhavam ainda.

Súbito agarrou e ergueu a peça. A gargalhada teve fim. Ha­via realmente um ratinho no fundo oco do objeto.

Fonte:
MACIEL, Nilto. As insolentes patas do cão. São Paulo: Scortecci, 1991.

Nemésio Prata e José Feldman (Correspondências em Versos)

NAVIOS

Ouvi falar com receio
de um cabra de muitos brios:
– Nemésio está no torneio?
Deixa-nos a ver navios!!!
(José Feldman)

RESPOSTA DO NEMÉSIO

Torneio mesmo só é
bom quando a turma é das boas;
sou grato ao amigo Zé
pelos navios de loas!

Mas, por falar em navios,
lembrei de trama passada:
eu, todo cheio de brios,
fui ao mar numa jangada.

Depois de muita marola,
quase vomitando os bofes
voltei à terra. Gabola,
hoje faço essas estrofes!
____________________
UM ADEUS NO DOMINGO

Ayllin 
(25 set 2001 - 22 mai 2016)
Ayllin... assim se chamava,
leal, doce, puro amor...
 Sua ternura encantava,
mesmo em momentos de dor!
(José Feldman)

RESPOSTA DO NEMÉSIO:
Leal, terna e encantadora,
razão de alegria e risos,
doce "Ayllin", tão sedutora,
hoje calou os seus guizos!

No sofá, o seu lugar
predileto está vazio;
silenciou seu ronronar...
a alegria fez estio!

Dura perda, caro irmão
pra você que tanto amor
tem aos bichanos, que são
razão de alegria e dor!
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NEMÉSIO PRATA
MANHÃ DE ABRIL

Nesta manhã aprilina
choveu no meu Ceará,
também veio chuva "fina"
das bandas do Paraná;
este "chover", na verdade,
que banhou a nossa herdade,
veio lá de Maringá!

Às vezes, fico a pensar
como ficará, no dia
que esta chuva nos "faltar";
vai secar toda alegria
do Trovador brasileiro,
seu chão vai virar braseiro...
- Livrai-nos desta agonia!
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MATE O TEMPO MAS NÃO MATE A TROVA

NEMÉSIO PRATA

Saiu por aí, disperso.
Tão logo se viu sozinho
buscou o caminho inverso;
perdeu-se num descaminho!

Cuidado quando sair
por aí, buscando atalho,
pois você pode cair
na armadilha de um bandalho!

 

Quando sair pra balada,
a noite, é bom se cuidar
para não ser assaltada
e "perder" seu celular!

- O celular! -Vai passando!
Pede o assaltante, peralta.
- Um momento! - Estou mandando
um "zap-zap"! Diz o internauta!
(Nemésio Prata)

JOSÉ FELDMAN DANDO CORDA

O tempo nunca é perdido...
Por mais que o tempo se vá,
mesmo sendo um foragido,
ele está aqui e acolá.

Na vida, saindo em atalhos,
nada de bom acontece,
pois eles são qual cascalhos
que sob o pé, se padece.

O celular é importante,
pois até para assaltar,
é nele que o assaltante
diz: - Alô! Vou te roubar!
(José Feldman)

RESPOSTA DO NEMÉSIO SOBRE SUA TROVA DE PÉ QUEBRADO (em itálico acima)

Neste atalho tinha um galho,
nem dei fé, dei um tropeço;
mil perdões... foi ato falho:
já botei o pé no "gesso"!

Depois de consulta "métrica"
ao "ortotrovista" Zé,
estou de bota "ortopédrica"
para consertar o "pé"!

Graças ao "esteticista"
das trovas, já consertei
a trova, que vai revista:
e mais cuidado terei:

Cuidado quando sair
à solta, buscando atalho,
pois você pode cair
na armadilha de um bandalho!

ou, numa versão mais "atualizada":

Depois de levar um malho
do meu amigo José,
não vou mais pegar atalho
para não "quebrar o pé"!
(Nemésio Prata)
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NEMÉSIO PRATA
FAZENDO TROVAS

No contexto de uma trova
deve o Trovador rimar
com cuidado, pondo à prova
a trova, pra não "melar"!

Não fazer verso "perneta"
e nem de "perna comprida"
são cuidados que o exegeta
deve tomar de saída!

E nem brincando rimar
tamarindo com limão
só porque ao paladar
ambos azedos lhes são!

Singrando o mar da poesia
o Trovador deve ter
cuidado na travessia
pra nas rimas não morrer!

Jamais se deixar levar
pelos ventos de pretextos
falsos, sem antes cuidar
de enfunar velas no texto!

Mas se o contexto o levar
a um pretexto alucinante
deve o Trovador lembrar
do leitor: o navegante!

Depois de escrever as tais
"asneiras", fico a pensar
se já não está demais
de "besteiras"... vou parar!

Folclore Japonês (Anchin e Kiyohime: O Monge e a Serpente)

Este é um velho conto japonês que inspirou gerações de poetas, e é uma das histórias mais encenadas no Japão. É uma antiga lenda a respeito do sino de Dojoji, um templo budista na província de Kishu, hoje Wakayama. Que muitas centenas de anos atrás, abrigou um belo monge com o nome de Anchin, irmão do imperador Suzyaku. Existem muitas versões literárias deste trágico conto, em que o jovem monge se envolve com uma delicada menina provocando seu ódio a ponto de transformá-la em uma terrível e vingativa serpente.

Há muitos e muitos anos, havia um jovem monge chamado Anchin. Todos os anos, ele fazia uma peregrinação nos Caminhos de Kumano. Certa ocasião, quando se dirigia a um dos templos, começou a escurecer, precavido, procurou abrigo onde pudesse passar a noite. O religioso encontrou uma aldeia chamada Hidaka e bateu à porta de uma de suas habitações. Foi atendido pelo senhorio Kiyotsugu que era o administrador da aldeia. Lá, o monge teve uma recepção calorosa, e foi convidado a passar a noite.  Kiyotsugu tinha uma bela filha adolescente chamada Kiyohime.

Anchin elogiou a beleza da garota e disse brincando que um dia viria buscá-la para se casarem. Kiyohime acreditou nele. Na manhã seguinte, Anchin seguiu em peregrinação.

Na casa de seu pai, Kiyohime esperou pacientemente pelo retorno de seu prometido amor. O tempo passou. As estações mudaram, e os crisântemos no jardim de flores desapareceram novamente, mas Anchin não retornou.

Três anos se passaram e Anchin novamente estava fazendo a peregrinação pelos Caminhos de Kumano. Por coincidência, quando passava próximo da aldeia, o tempo fechou e começou a escurecer. Lembrando que já conhecia o administrador local, foi pedir hospedagem.

O monge já nem se lembrava da menina Kiyohime, mas, ao vê-la na casa do administrador, a lembrança voltou à mente do monge. Ao mesmo tempo, o religioso ficou  surpreso ao constatar que ela havia se transformado em uma bela mulher.

O coração de Anchin ansiava pela calma do templo ao som dos sinos da noite e o canto suave dos sutras. Mas a noite caía rapidamente e ele estava cansado. Então Anchin retirou-se para o quarto ofertado pelo senhorio.

Anchin já havia pegado no sono quando foi despertado pela presença de Kiyohime ao lado de seu leito. Ela se atirou em seus braços e disse emocionada: – Obrigada por ter vindo me buscar. Esperei tanto por esse momento que, durante três longos anos, fiquei contando os dias à sua espera. O monge não protestou… foi uma noite de volúpia.

Ao despertar, na manhã seguinte, Anchin, caiu em si. Como bonzo (Sacerdote budista), estava proibido de se casar. Mas não teve coragem de contar a verdade para a inocente Kiyohime. Prometeu a ela que iria até o templo em Kumano e na volta passaria em sua casa para assumir seu compromisso matrimonial.

Na tarde deste dia, Anchin chegou ao templo. Como estava com a cabeça nas nuvens, Osho-san, o monge superior, logo percebeu que ele poderia estar pensando em alguma mulher. Por isso, aconselhou-o que meditasse bastante antes de fazer alguma bobagem. Anchin meditou muito e finalmente disse para si mesmo: – Eu sou um bonzo. Não posso querer Kiyohime. Regressarei por outro caminho para não me encontrar com ela. E assim fez.

Enquanto isso, Kiyohime, preocupada, se perguntava: – Por que Anchin não volta do templo? Ela decidiu ir ao seu encontro. Perguntou para um peregrino que passava por ali se ele não havia visto um monge e fez a descrição de seu tipo físico. – Sim, eu o vi no templo, ele tomou outro caminho para retornar a sua cidade.

– Não posso crer. Ele havia prometido que viria ao meu encontro – disse Kiyohime surpresa e quase chorando.

Ela então correu muito para alcançar Anchin e chegou a vê-lo na travessia do Rio Hidaka.

– Anchin, me espere! Anchin, me espere! – ela gritou com toda a força de seus pulmões.

Ao vê-la, Anchin disse: – Remador, rápido, zarpe o bote.

Kiyohime surpreendeu-se e ficou sem entender porque ele estava fugindo. Ela ficou muito triste, desesperada e cega de raiva, seu amor transformou-se em ódio. – O rato entrou no rio e desapareceu. Somente uma serpente aquática pode acabar com um rato da água.

Kiyohime estava com tanto ódio, que mergulhou no rio para tentar atravessá-lo a nado. Pessoas que estavam na beira do rio ficaram pasmas com o gesto impensado de Kiyohime. Naquele rio, a correnteza era tanta que era impossível atravessá-lo nadando. Testemunhas contaram mais tarde que a moça atravessou o rio nadando e, quando surgiu na outra margem, havia se transformado em uma enorme serpente.

Dizem que o desejo de sua mente moldou seu corpo, transformando-a numa serpente aquática. A jovem transformada pela ira, mergulhou no rio e foi nadando atrás do bote onde estava o monge.

Anchin desembarcou do bote e refugiou-se no Templo Dodoji. – Socorro, socorro, escondam-me por favor! Os monges do templo, mesmo sem saber de que se tratava, abaixaram um enorme e pesado sino, ocultando Anchin em seu interior.

A serpente subiu a escadaria e encontrou o sino. Anchin rezava desesperadamente. Enfurecida, ela se enrolou no grande sino, jorrando chamas de sua enorme boca como um dragão serpente.

O sino começou a esquentar, esquentar, até que o metal avermelhou completamente e deformou-se, derretendo um dos lados, matando Anchin  em seu interior.

Os monges de Dodoji fizeram o enterro do jovem Anchin. Após a tragédia, encomendaram a fundição de um novo sino e determinaram que nenhuma mulher poderia se aproximar novamente de sua plataforma.

O tempo passou, e o novo sino chegou ao Templo Dodoji. Foi preparada uma grande festa para instalação do sino com a participação da comunidade local, porém a cerimônia de entronização estava proibida para mulheres. Entretanto, durante a cerimônia, uma encantadora jovem finamente vestida aproximou-se, e se atirou-se tocando o sino e, para espanto de todos reunidos, desapareceu sem deixar vestígios, como se engolida pelo gongo.

A partir desse acontecimento, o sino ao ser tocado, não soava  como os sinos dos templos, mas gemia como uma voz terrível. E cada vez que ele tocava, desastres aconteciam. Até finalmente, por não mais suportarem, o sino foi levado para baixo, e enterrado.

Ele permaneceu enterrado durante 200 anos, até que Toyotomi Hideyoshi ordenou que fosse cavado e levado para o santuário Myomanji, onde as cinzas de “Sakyamuni Buddha” foram consagradas pelo Imperador Asoka. E lá, dizem que o som da “Sutra de Lótus” incessantemente entoada pelos monges do templo, finalmente trouxe o descanso para as almas atormentadas de Kiyohime e Anchin.

Com o tempo, o som do sino adquiriu uma beleza irresistível, tingida com sabedoria e consciência de dukkha (o sofrimento necessário à mudança).

Ainda hoje, o sino permanece em Myomanji, como um tesouro do templo, junto com as cinzas sagradas de Sakyamuni.

Dizem que, muito tempo depois, Anchin e Kiyohime apareceram abraçados e felizes em sonhos dos monges do Templo Dodoji, eles finalmente encontraram seu destino nos caminhos da Sutra de Lótus.

Fontes:
Wikipedia
Caçadores de Lendas

domingo, 14 de agosto de 2016

Paulo Leminski ("das coisas")


Ialmar Pio Schneider (Download do livro da Coleção Terra e Céu)


Coleção Terra e Céu, publicado pela Editora Texto Certo, de Porto Alegre, lança a Coleção Terra e Céu, com  um trovador vivo e um falecido de diversos estados do Brasil, em seus 100 livros, homenageando os 100 anos de nascimento de Luiz Otávio . São cerca de 40 páginas repletas de trovas.

Neste, de número 94, trovas do gaúcho Ialmar Pio Schneider, o qual homenageia o falecido Rei das Trovas, Adelmar Tavares.


Palavras Iniciais do Livro

Para bem comemorar o centenário de nascimento de Luiz Otávio, idealizador e fundador da maior entidade congregadora de cultores do gênero poético TROVA do mundo, a seção de Porto Alegre da mesma criou a coleção “LUIZ OTÁVIO É CEM”, com o intuito de editar cem livros de trovas até o final do ano.
E agora, em cima disso, uma outra, complementando-a: “TERRA E CÉU”. Ou seja, os trovadores vivos homenagearão os falecidos, seus amigos, com a edição de um livro duplo, com trovas de um e de outro.
A ideia é sempre a mesma, mudou um pouquinho a forma. E, com certeza, teremos uma porção de belos livros, uns virtuais, outros físicos, mas serão sempre livros. Dessa forma, lavra-se mais um tento nesta busca incansável, nesta verdadeira cruzada de que os trovadores brasileiros participam, qual seja a de ver, um dia, este gênero poético devidamente valorizado e divulgado, inclusive pela chamada grande mídia.

Flávio Roberto Stefani
Presidente da UBT Porto Alegre

Para baixar o livro clique sobre um dos links abaixo, que será encaminhado para nova página para fazer o download.


ou


Ou se preferir ou estar com dificuldade para fazer o download, escreva para pavilhaoliterario@gmail.com, pedindo o livro.

Virgínia Woolf (Um Diálogo no Monte Pentélico)

“Aconteceu, e não há muitas semanas, que um grupo de turistas ingleses desceu a encosta do Pentélico. Eles porém teriam sido os primeiros a retificar esta frase e a assinalar o quanto de inexatidão e injustiça se continha nessa descrição de seu grupo. Porque chamar um homem de turista, quando o encontramos no exterior, é definir não apenas suas circunstâncias, mas também sua alma, e suas almas inglesas, teriam dito — mas os burros assim tropeçam nas pedras —, não estavam sujeitas a limitações desse tipo. Os alemães são turistas e os franceses são turistas, mas os ingleses são gregos. Tal era o sentido da conversa entre eles, e devemos ouvir suas palavras, que nisso, de fato, eram de muito bom senso. O monte Pentélico, como sabemos nós que o lemos, traz porém em seu plano a nobre cicatriz dos ferimentos sofridos nas mãos dos canteiros gregos que o malhavam, recebendo de Fídias um sorriso, quando não um insulto, como recompensa por seu trabalho.

Assim, para fazer justiça ao monte, deve-se meditar sobre vários temas à parte e combiná-los da melhor maneira possível. Não se deve tomá-lo apenas por aquele contorno que passava por tantas janelas gregas — Platão erguia os olhos da página, nas manhãs ensolaradas —, mas também como oficina de trabalho e local de moradia onde inumeráveis escravos iam perder a vida. Para o grupo, quando ao meio-dia eles desmontaram, foi salutar ter de cambalear penosamente por entre os blocos de mármore em bruto que, por alguma razão, tinham sido esquecidos ou deixados de lado quando as carretas desciam para Atenas. Foi salutar porque na Grécia pode-se esquecer que as estátuas sejam feitas de mármore, foi benéfico ver como se opõe o mármore, sólido e fragoso e intratável, ao cinzel do escultor.

“Assim eram os gregos!” Quem ouvisse tal grito poderia supor que cada um dos falantes tinha alguma conquista pessoal a celebrar, sendo ele mesmo o generoso vencedor da pedra. Que outrora a forçara, com suas próprias mãos, a entregar seus Hermes, seus Apolos. Mas então os burros, cujos ancestrais tinham sido estabulados na gruta, deram fim à meditação e os cavaleiros, seis em fila, foram descendo gravemente pelo flanco do monte. Tinham visto Maratona e Salamina, e Atenas, se não houvesse uma nuvem que a acariciava, também teria sido deles, de alguma forma sentiam-se municiados de ambos os lados por presenças tremendas. E, para mostrarem-se devidamente inspirados, não só repartiram sua garrafa de vinho com o séquito de jovens gregos do campo, imundos, mas até condescenderam em dirigir-se a eles na própria língua local, como a falaria Platão, se tivesse aprendido grego em Harrow. Que outros decidam se foram justos ou não, mas o fato de palavras gregas faladas em solo grego serem mal compreendidas por gregos destrói de um só golpe toda a população da Grécia, homens, mulheres e crianças. Uma palavra apropriada, em face da crise, lhes veio aos lábios, uma palavra que Sófocles poderia ter dito e que Platão teria sancionado - eles eram “bárbaros”. Denunciá-los assim era não só desincumbir-se de um dever em relação aos mortos, mas também proclamar os legítimos herdeiros, e as pedreiras de mármore do Pentélico, por alguns minutos, estrondearam a notícia a todos que pudessem dormir debaixo dos seus calhaus ou ocupar as cavernas. O povo espúrio foi condenado, a raça escura e tagarela, de língua solta e instável de intenções, que por tanto tempo havia parodiado a fala e surrupiado o nome dos grandes, foi pega e condenada.

Obediente ao grito do arrieiro ao descer aos locais de sua guarda — uma mula branca puxava a fila — com a boa vontade de alguém que livra as próprias costas a cada golpe que aplica sobre costas alheias. Pois o inglês, quando gritou, julgou que era melhor ir mais rápido. Não poderia ter-se mostrado mais feliz como crítico, o momento possuía sua própria palavra, poeta algum faria mais do que isso, e a um prosador seria fácil ter feito menos. Assim, com aquele simples grito, os ingleses saíram aos tropeções de seu clímax para descer a montanha em algazarra, tão despreocupados e jucundos como se a terra fosse deles. Mas a descida do Pentélico a certa altura se aplaina numa chapada verde onde a natureza parece soerguer-se um momento antes de mergulhar novamente encosta abaixo. Há grandes plátanos de mãos benevolentes abertas, e há cômodas moitinhas, dispostas em estrita ordem caseira, há um riacho do qual se pode pensar que cante loas e as delícias do vinho e da canção. Poder-se-ia ouvir a voz de Teócrito, na queixa que fazia nas pedras, e alguns dos ingleses a ouviram mesmo, embora o texto, nas prateleiras em casa, andasse bem empoeirado. Aqui, seja como for, a natureza e o cantar do espírito clássico impulsionaram os seis amigos a desmontar e descansar um pouco. Seus guias se recolheram, mas não tão longe que não pudessem ser vistos em seus trejeitos de bárbaros, pulando e cantando, puxando-se uns aos outros pela manga e falando das uvas já maduras que pendiam nos campos. Mas se há coisa que sabemos dos gregos é que eram gente tranquila, muito expressiva ao gesticular e falar, e aqueles, ao sentarem-se à beira do riacho, sob um plátano, dispuseram-se como um pintor de vasos teria certamente gostado de retratá-los: o rosto escuro do velho, quando seu queixo caiu sobre o cajado, virou-se para cima do jovem estendido no gramado a seus pés. Mulheres sérias, caladas, passavam de roupa branca por trás, equilibrando ânforas nos ombros. Nenhum especialista da Europa poderia recompor esse quadro, nem convencer nossos amigos de que algum teria mais direito de construir tais visões do que eles mesmos. Estenderam-se pois na sombra, e não foi culpa deles, nem dos antigos, se seu discurso não esteve à altura, na concepção pelo menos, de seu nobre modelo. Mas como, em se tratando de diálogos, escrever é ainda mais difícil do que falar, como é duvidoso se diálogos escritos foram jamais falados ou se diálogos falados jamais foram escritos, trataremos de salvar tão-somente fragmentos concernentes à nossa história. Não deixaremos de dizer todavia que a conversa entre eles era a melhor conversa do mundo.”

Lenda Inca (Viracocha e a Chegada dos Incas)

Os nativos destas terras afirmam que, no início, e antes que deste mundo ser criado, havia um ser chamado Viracocha . Ele criou um mundo escuro, sem sol, lua ou estrelas . Devido a esta criação foi nomeado Viracocha Pachayachachi, que significa "Criador de todas as coisas". E quando ele criou o mundo , ele formou uma raça de gigantes de grandeza desproporcional pintados e esculpidos, para verificar se ele fiaria bem fazer os homens reais daquele tamanho. Ele, então, criou o homem à sua semelhança como são agora, e viveram na escuridão.

Viracocha ordenou que estas pessoas que vivessem sem brigas, e que eles deveriam conhecê-lo e servi-lo. Ele deu-lhes certas regras que eles precisavam observar sob pena de serem confundidos se eles as quebrassem. Mantiveram esses preceitos, por algum tempo, mas não foi mencionado o que eram. Mas, como surgiu entre eles os vícios do orgulho e da cobiça, eles transgrediram o preceito de Viracocha Pachayachachi e caíram, através deste pecado, vítimas de sua fúrias, ele confundiu todos e os amaldiçoou . Em seguida, alguns foram transformados em pedras, outros em outras coisas, alguns foram engolidos pela terra, outros pelo mar, e sobre tudo , veio uma inundação geral que eles chamaram unu pachacuti, que significa “água que engole a terra” Dizem que choveu 60 dias e noites  que se afogaram todas as criaturas da criação, e que só permaneceu alguns vestígios daqueles que foram transformadas em pedras, como um memorial do evento, e como exemplo para a posteridade, os edifícios de Pucara , que estão a 60 léguas de Cuzco.

Algumas das nações, além da Cuzcos, também dizem que alguns foram salvos desta inundação para deixar descendentes para uma época futura . Cada nação tem sua fábula especial que é contada por seu povo, de como os seus primeiros antepassados ??foram salvos das águas do dilúvio. Que as ideias que criaram em sua cegueira podem ser entendidas, vou apresentar apenas uma, contada pela nação dos Cañaris, uma terra de Quito e Tumibamba, a 400 léguas de Cuzco e muito mais.

Dizem que na época do dilúvio chamado unu pachacuti havia uma montanha chamada Guasano na província de Quito e perto de uma cidade chamada Tumipampa. Os nativos ainda a encontram. Para esta montanha foram dois dos Cañaris chamados Ataorupagui e Cusicayo. A medida que as águas aumentavam, a montanha também continuava subindo e se mantendo acima da inundação, de tal maneira que nunca seria coberta pelas águas do dilúvio. Desta forma, os dois Cañaris escaparam. Estes dois, que eram irmãos, quando as águas diminuíram depois do dilúvio, começaram a semear. Um dia, quando eles estavam no trabalho, no retornar à sua casa, encontraram nele alguns pequenos pedaços de pão e uma jarra de chicha, que é a bebida usada nesse país em lugar de vinho, feito de milho cozido. Eles não sabiam quem havia trazido, mas eles deram graças ao Criador, comeram e beberam dessa provisão. 

No dia seguinte, a mesma coisa aconteceu. Como eles se maravilhou com esse mistério, eles estavam ansiosos para descobrir quem trouxe as refeições. Então, um dia eles se esconderam para espiar os provedores de seus alimentos. Enquanto eles estavam vigiando eles viram duas mulheres Cañari preparar os alimentos e colocá-los no lugar de costume. Quando estavam prestes a ir embora, os dois homens tentaram pegá-las, mas elas evitaram seus captores e fugiram. Os Cañaris, vendo o erro que cometeram em molestar aquelas que os haviam feito o bem, ficaram tristes e oraram a Viracocha pelo perdão dos seus pecados, pedindo-lhe para deixar as mulheres voltarem e dar-lhes as refeições habituais . O Criador concedeu seu desejo. As mulheres voltaram e disseram aos Cañaris :”O Criador pensou que seria bom que retornássemos para vocês, para evitar que vocês morressem de fome.” Elas trouxeram-lhes comida. Em seguida, se iniciou uma amizade entre as mulheres e os irmãos Cañari, e um dos irmãos Cañari tinha uma conexão com uma das mulheres. Então, como o irmão mais velho, morreu afogado em um lago que estava próximo, o sobrevivente se casou com uma das mulheres, e fez da outra sua concubina. Através delas, ele teve dez filhos, que formaram duas linhagens de cinco cada, e aumentando em números chamaram uma linhagem de Hanansaya que é o mesmo que dizer que é a casta superior, e a outra era Hurinsaya, ou a casta menor. Destas linhagens descendem todos os Cañaris .

Da mesma forma todas as outras nações têm fábulas de como algumas de suas pessoas foram salvas, de quem eles têm sua origem e descendência. Mas os Incas e a maioria daqueles de Cuzco, entre aqueles que se acredita saber mais, dizem que ninguém escapou da inundação, e que Viracocha criou os homens de novo, como será explicado mais à frente. Mas uma crença é comum entre todas as nações desta parte do mundo, todos eles falam de um grande dilúvio, que eles chamam de unu pachacut. A partir daí podemos entender claramente que, se, por estas bandas eles têm uma tradição da grande inundação, que falam de uma grande massa das ilhas flutuantes que mais tarde chamaríamos de Atlândita, quer dizer que nas Índias de Castela, ou América, chegou uma população que veio de longe, logo após o dilúvio, embora, do seu jeito, os detalhes que ele contam são diferentes daqueles que as Escrituras nos ensinam. Isto deve ter sido feito pela Providência divina, através dos primeiros colonos chegadas à terra da ilha do Atlântico (Américas). Então os nativos, embora bárbaros, deram as razões para a origem desse antigos assentamentos, ao relatar do dilúvio.

Fontes:
http://www.sacred-texts.com/nam/inca/inca01.htm in https://casadecha.wordpress.com/category/lendas/

sábado, 13 de agosto de 2016

Paulo Leminski (rosa rilke raimundo correia)


Juan Pablo Villalobos (1973)

“A influência dos espaços na produção literária”, com Juan Pablo Villalobos, dia 16/09, às 19h30, na 3ª FLIM - Festa Literária Internacional de Maringá, no Centro de Convivência Comunitária Renato Celidônio, ao lado da prefeitura.
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Juan Pablo Villalobos nasceu em Guadalajara, México, em 1973.

Casado com uma brasileira, com quem tem dois filhos “meio mexicanos, meio brasileiros”, foi residir em Campinas (SP), onde se dedicou a concluir a trilogia sobre seu país natal. Na Espanha, com uma bolsa de estudos da União Europeia, fez o doutorado em Teoria Literária.

Autor dos romances Fiesta en la madriguera (Anagrama, Espanha), publicado no Brasil como Festa no covil (Companhia das Letras, 2012), traduzido para 15 idiomas, e Si viviéramos en un lugar normal (Anagrama, Espanha), publicado no Brasil como Se vivêssemos em um lugar normal (Companhia das Letras, 2013), traduzido para 8 idiomas. A edição inglesa de Festa no covil, Down the Rabbit Hole (And Other Stories), foi finalista do prêmio First Book Award do jornal londrino The Guardian e selecionada como livro do ano nas listas de The Daily Telegraph e The New Statesman. Festa no covil foi adaptado para o teatro em São Paulo e seus direitos foram vendidos para o cinema. A edição inglesa de Se vivêssemos em um lugar normal, chamada Quesadillas (And Other Stories), recebeu o Pen Club Award e foi selecionada como livro do ano nas listas de The Guardian e Financial Times.

Escreve para diferentes revistas, jornais e blogs do México, Brasil, Espanha, Colômbia, Argentina, Reino Unido e Estados Unidos. É colunista do Blog da Companhia das Letras e do Blog do Pen Club do Reino Unido. Seus livros estão publicados no Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Holanda, Hungria, Turquia, Estados Unidos, Japão, Rússia, Israel, Romênia, Bulgária e Portugual.

Traduziu para o espanhol os romances brasileiros Todos os cachorros são azuis, de Rodrigo de Souza Leão, e O drible, de Sérgio Rodrigues. É bolsista do Sistema Nacional de Creadores de Arte de México.

Fontes:
Facebook
CELPCYRO

Folclore Japonês (Neko-no-Hi: Dia dos Gatos no Japão)

Os gatos são um dos bichos mais estimados na “Terra do Sol Nascente”. Tanto é verdade que existem lugares e lendas que o tem como sagrado. São Santuários, amuletos, mascotes, cafés e até ilhas, isso mesmo, ilhas conhecidas como “Ilha dos Gatos”, onde o bichano é reverenciado. Nestas duas ilhas japonesas, a de Aoshima e Tashirojima, os gatos, rodeados por um pequeno grupo de humanos, é que reinam. O amor por esses pequenos felinos é tamanho que existe até um dia dedicado a homenageá-los, é o dia 22 de fevereiro, conhecido no Japão como “Neko-no-hi”, ou “O dia dos gatos”.

Neko-no-Hi: Origens

A escolha da data tem uma razão, na língua japonesa o número 2 é pronunciado como “ni” e 22 de fevereiro pode ser escrito 22/2, ou seja, “Ni Ni Ni”. Portanto, se repetida três vezes a data, a pronúncia: “Nyan Nyan Nyan” se assemelha ao miado de um gato.

Considerada uma jogada de marketing, a data foi criada em 1987, por uma fabricante de ração para pets, a “Japan Pet Food Association”. Neste dia os donos celebram seus bichanos queridos com presentes, passeios especiais como a ida a um Santuário dedicado ao felino. Acontecem ainda diversos eventos e campanhas no arquipélago, seguida de atividades educativas sobre os gatos.

Inspirados por esse apego dos japoneses ao gato, no Japão existem Santuários Xintoístas destinados exclusivamente a rezar por saúde e vida longa de seus animais de estimação, os “Nekogami Jinja” (Santuário dos Gatos). Localizados em Kagoshima e Kannushi, os Santuários Xintoístas tem uma fonte de água, onde os visitantes jogam moedas e fazem pedidos logo em seu “Toril” (Portal de entrada). Existe até uma lenda que justifica a criação dos Santuários:

Origem do  Santuário dos Gatos

Segundo a lenda, por volta do ano de 1572, Yoshihiro Shimazu, um grande samurai, viajou certa vez de Kyushu para a Coreia, para a “Batalha de Kizakibaru”. Junto com sua comitiva, ele levou sete gatos, porém não como animais de estimação.

Contam que, o samurai conseguia decifrar as horas ao longo do dia através das pupilas dos olhos dos 7 gatos, que mudavam de acordo com a posição do sol, especificamente 6:00 am, 8:00 am, 10:00 am, meio-dia, 2:00 pm, 4:00 pm e 6:00 pm. O que possibilitou Yoshihiro ter uma maior precisão do tempo durante sua longa batalha, permitindo vencer seu inimigo. A vitória contra o clã Ito, é tida com grande contribuição para a unificação de Kyushu.

Sendo um budista devoto, Yoshihiro construiu um monumento para as tropas inimigas durante a “Segunda Guerra dos Sete Anos”. A participação de Yoshihiro foi essencial para o clã Shimazu, tornando-se o 17 º Senhor de Shimadzu.

Por fim, ao final da batalha, apenas dois dos sete gatos sobreviveram e foram levados de volta à Kagoshima. Como forma de gratidão ao serviço e lealdade prestados, em 1602, o senhor Shimadzu construiu um santuário dedicados exclusivamente a eles.

Após a Restauração Meiji (1868), a família mudou-se para a Vila Shimadzu e o Santuário dos Gatos foi transferido para lá, tornando-se um local de devoção a todos os gatos.

Ainda relacionado ao evento, no Santuário foi criado o “Toki no kinenbi” (Dia do Tempo) comemorado no dia 10 de junho.

Nessa data, no Templo, relojoeiros e apreciadores de gatos, prestam homenagem a estes dois gatos sobreviventes da lenda, os “gatos do tempo”. No local também são feitas orações para os gatos que tenham morrido ou que estejam doentes, ou para encontrar seus bichos perdidos. Ou simplesmente, agradecer e celebrar seu animal de estimação, com mensagens escritas em plaquinhas de madeira (emás) que são penduradas nas paredes do Santuário.
A paixão pelos felinos é tamanha, que no Japão existem locais onde, pessoas que não tenham oportunidade de manter esses bichanos em seu lar, possam passar um tempo com seus animais preferidos, os chamados “Cat Cafe”.

Ou, se preferir, pode adquirir um amuleto com o gato da sorte, o “Manekineko” ou um exemplar do mascote do Castelo de Hikone, província de Shiga, muito popular no Japão o “Hikonyan” também chamado de “Gato Samurai”. Ou ainda, a gatinha mais famosa do Japão, a “Hello Kitty”.

Enfim, gatos não faltam na “Terra do Sol Nascente” e são, sem sombra de duvidas, um dos animais mais queridos dos japoneses.

Fonte:
Caçadores de Lendas

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Paulo Leminski (" O poema")


Ana Maria Machado (Era uma Menina do seu Tamanho)

Era uma vez uma menina. Não era uma menina deste tamanhinho. Mas também não era uma menina deste tamanhão. Era uma menina assim mais ou menos do seu tamanho. E muitas vezes ela tinha vontade de saber que tamanho era esse, afinal de contas. Porque tinha dias que a mãe dela dizia assim:

- Helena, você já está muito grande para fazer uma coisa dessas. Onde já se viu uma menina do seu tamanho chegar em casa assim tão suja de ficar brincando na lama? Venha logo se lavar.

Que já era bem grande.

Mas às vezes, também, o pai dizia assim:

- Helena, você é muito pequenina para fazer uma coisa dessas. Onde já se viu uma menina do seu tamanho ficar brincando num galho de árvore tão alto assim? Desça já daí. Se não, você pode cair

Ai Helena achava que era mesmo uma bebezinha que não podia fazer nada sozinha.

E era sempre assim. Na hora de ir ajudar no trabalho da roça, ela era bem grande. Na hora de ir tomar banho no rio e nadar no lugar mais fundo, ela ainda era muito pequena. Na hora que os grandes ficavam de noite conversando no terreiro até tarde, ela era pequena e tinha que ir dormir. Na hora em que espetava o pé com um espinho e queria ficar chorando no colo de alguém, só com dengo e carinho, sempre dizia que já estava muito grande para ficar fazendo manha. Se ela tivesse um espelho mágico, que nem rainha madrasta da Branca de Neve, bem que podia perguntar:

- Espelho meu, espelho meu, que tamanho tenho eu?

Fonte:
Ana Maria Machado. Bem do seu tamanho. RJ: Brasil – América, 1982

Sandra Regina Moura* (O Processo de Investigação de Caco Barcellos como Ato Comunicativo)

*(UFPB/PUC-SP)

Quando pensamos na investigação jornalística de Caco Barcellos com tendência para a comunicação, faz-se necessário ressaltar que estamos lidando com conceitos explorados pela pesquisadora Cecília Almeida Salles, que, a partir da semiótica peirciana, olha para o processo de criação como um ato comunicativo.

Em termos peircianos, todo pensamento é dialógico na forma, seja externamente, ocorrendo entre duas pessoas ou mais, seja internamente, ocorrendo no próprio pensamento de uma pessoa. Cecília Almeida  Salles coloca a questão nos seguintes termos:

Cabe nos relembrar que essa recepção criativa do pensamento não é limitada, para Peirce , à presença de um  interlocutor externo. Pode se tratar de um diálogo que se dá na mente de um mesmo indvíduo — é o diálogo entre diferentes fases do ego de que Peirce fala — o interlocutor  é interno, é o próprio indivíduo.
Em sua fase de gestação, o pensamento do criador mostra ser dialógico. É o seu pensamento dialogando com diferentes fases do ego. É o escritor não como um individual  — seus  pensamentos são o que ele está dizendo a ele mesmo (inesperadamente e intrometidamente ele está, também dizendo aquele que observa seu processo criativo)
”(1990: 77).

A nossa proposta toma como base a ideia de que a investigação de Caco Barcellos surge  como diálogo do jornalista com ele mesmo, com seus pesquisadores, com seus amigos e com suas fontes de informação. Para estudo, tomamos como referência o livro de sua autoria, Rota 66, lançado em 1992.

Rota 66 é resultado de um trabalho investigativo em que o jornalista Caco Barcellos denuncia que a maioria das pessoas assassinadas por policiais militares, no período de abril de 1970 a junho de 1992, durante o patrulhamento no município de São Paulo, constitui-se de inocentes. A obra  desvenda os métodos de extermínio da PM, traça o perfil dos matadores e das vítimas e mostra as circunstâncias em que foram assassinadas. O balanço final revela que  a polícia mata mais jovem, negro ou pardo, migrante, principalmente da região Nordeste, e morador da periferia da cidade.

NO JORNALISMO:

Antes de adentramos no processo de investigação de Caco Barcellos, optamos por apontar a presença do ato comunicativo no processo de produção jornalística, mais especificamente na relação do jornalista com três dos principais processos de captação da informação: entrevista, fonte e pauta.

Nossa opção justifica-se tendo em vista que Caco Barcellos traz para a reportagem em livro, no caso Rota 66, esses três recursos de obtenção da informação jornalística.

Em linhas gerais, podemos dizer que está na própria natureza da entrevista a necessidade de ser compartilhada. Um dos seus objetivos é exatamente o da comunicação humana. Nesse sentido, evidenciamos que a relação do jornalista com as fontes de informação é um ato comunicativo, que se manifesta nas perguntas e respostas ou até mesmo  nas perguntas sem respostas, na busca da confiança recíproca, nas interferências, no gesto, no olhar e na atitude corporal.

Ao apontar a evolução do processo de captação da informação, no jornalismo, Cremilda Medina (1982) sugere que, mais do que extrair informações do entrevistado, o repórter deve estabelecer elos de confiança para que se instaure o diálogo de fato na entrevista. “É justamente neste ponto do processo jornalístico que se define uma situação comunicacional e não apenas, como insistem os teóricos, depois que o produto é veiculado e ocorre ou não a reação de feedback” (1982: 146).

Ao nosso ver, Medina  constata que o processo jornalístico se manifesta com uma tendência para a comunicação. Neste trajeto o jornalista já encontra-se imerso na rede comunicativa. A autora mostra, ainda, que “na feitura da reportagem existe uma situação comunicativa básica: as fontes de informação são parte da própria realidade e a relação do repórter com essa realidade pode se processar de forma dinâmica, interativa, ou estática, unilateral” (1982: 146).

No âmbito das preocupações do processo jornalístico, a pauta mantém relações estreitas com a entrevista e a fonte. Apresenta-se também como espaço de comunicação em que repórter, pauteiro, chefias, editorias e diretorias  se interagem sobre a feitura das edições jornalísticas. Clóvis Rossi (1988) atribuiu à pauta duas funções básicas: a de orientar repórteres para a cobertura jornalística e a de manter chefias e direção a par de tudo que está sendo planejado e executado pela redação.

A pauta concentra em si força determinante no processo comunicativo. Desde o momento em que é planejada, até a sua execução, ela é construída com tendência para a comunicação. A começar pelas chamadas reuniões de pauta, em que editores discutem os prováveis fatos a serem noticiados. Sem falar que ela poderá decorrer também de sugestões do repórter e do leitor.

Ronaldo Henn (1996) observa que, dependendo da estatura de cada redação, uma série de reuniões de menor porte são desenvolvidas nas editorias específicas, que poderão delinear novas pautas em função das pulsões do cotidiano ou mesmo da inadequação do que foi proposto inicialmente. O autor lembra, ainda, que, quando a edição entra em processo final de fechamento, nova reunião de pauta é realizada, com o intuito de se fazer um balanço do que foi apurado no decorrer do dia.

Inserindo o estudo de Ronaldo Henn na nossa discussão, podemos dizer que as observações do autor reforçam a ideia de que a pauta é um processo com tendência comunicativa. Nas rotinas dos periódicos e meios eletrônicos, a pauta funciona como uma espécie de elo entre repórteres, pauteiros, chefias e editores. Ela praticamente obriga os produtores do jornalismo a permanecerem ligados durante todo o dia. Motivados pela pauta, é comum encontrar nas redações editores indagando seus repórteres durante o processo de produção jornalística: “Conseguiu falar com o ministro?”, “Localizou o senador?”. E por aí vai.

A INVESTIGAÇÃO:

As formas de registro do processo investigativo de Caco Barcellos revelam a investigação como um percurso com tendência para a comunicação. Observando o  trajeto de Barcellos, flagramos instantes em que o jornalista dialoga com ele mesmo, com sua equipe de pesquisadores, com suas fontes de informação e com seus amigos.

Essas marcas da comunicação na questão processual, no caso de Caco Barcellos,  se manifestam, por exemplo, em uma das cartas localizada no emaranhado dos documentos que nos foi entregue para estudo. Nesta correspondência, que supomos, pelo teor,  tratar-se de um interlocutor da confiança do jornalista, há uma voz que elogia e comenta o estilo de Barcellos em Revolução das Crianças: sobre a revolução sandinista na Nicarágua, um livro anterior a  Rota 66.

Esta carta é um dos elementos que nos permite flagrar o incentivo que o jornalista recebeu dos amigos para a realização de Rota 66 e também permite revelar momentos de fragilidade do jornalista diante de seu objeto. “Não tenho certeza, mas acho que é Conrad quem diz que o objetivo de um escritor é fazer o leitor enxergar. Acho seu livro um bom exemplo disso. Há uma sinceridade, um compromisso, uma urgência, uma espécie de ‘febre’ humanista”, diz um dos trechos da correspondência referindo-se à Revolução das crianças. Logo a seguir, temos entre parênteses: “Lembrei-me de você falando que, às vezes, ficava desanimado para escrever Rota 66 por achar que isso só interessaria a você e tive vontade de te telefonar, em plena madrugada, para dizer que  você tem o compromisso moral de escrever este livro. Hoje eu tenho certeza que a tarefa do romancista contemporâneo é exatamente esta, colher pedaços de vida e dispôs-los no papel”. É o que diz a carta quando Barcellos ainda esboçava a idéia de escrever o seu segundo livro.

    Seguindo na linha do aspecto comunicativo, observamos que alguns amigos têm um papel fundamental no processo de Caco Barcellos. “Quando escrevi as primeiras linhas de Rota 66, enviei o texto para um amigo meu em Porto Alegre.   Ele leu e devolveu dizendo que gostou do texto”, revela o jornalista em depoimento à autora deste trabalho.

    Essa necessidade de uma  quase que “aprovação” dos seus leitores particulares, quando a obra encontra-se ainda em processo, pode ser apontada em outro momento do trajeto de Barcellos. Na fase de redação, são dadas sugestões pela editora e amiga Eliana Sá, a quem o jornalista confiou a sua obra. “Acabei não cortando nenhum dos textos dos processos. Achei que procedem e que, afinal de contas, um dos capítulos pode ser mais ‘preciso’. Fiz algumas pequenas mudanças e enxuguei algumas outras laudas. Veja o que você acha”. Em outra anotação, a mesma leitora acrescenta: “Caco, devolvendo já lido. Gostei. Veja algumas propostas de mudanças”.

PESQUISADORES:

Além dos amigos, identificamos também diálogos entre Caco Barcellos e seus pesquisadores. Nesse sentido, as fichas, criadas para armazenar informações sobre assassinatos divulgados pelo Notícias Populares, jornal diário de SP, envolvendo civis e policiais militares, desempenham um papel fundamental na investigação. Além de servirem para abrigar o resumo dos principais dados de cada caso, as fichas registram boa parte da comunicação travada pelo jornalista com seus colaboradores.

A ficha, criada  para dar praticidade a anotação dos dados principais de cada caso, traz informações sobre a vítima, como nome, idade, cor da pele, endereço, profissão, local e motivo da morte. Também armazena dados dos matadores, além dos nomes da delegacia da área do tiroteio e do delegado que escreveu o boletim de ocorrência.

No espaço destinado nas fichas às observações do pesquisador, há manifestação do aspecto comunicativo. São idéias registradas em anotações de Barcellos para os seus colaboradores e vice-versa. Nas fichas, do período de 1970 a 1979,  correspondente ao resumo das matérias do Notíciais Populares, em boa parte se localizam as expressões: “Investigar na ficha IML”, “Procurar na ficha IML” ou “Ver  ficha IML”. São termos utilizados por Barcellos para dar continuidade a investigação dos casos noticiados pelo jornal.

Um exemplo dessa comunicação entre Barcellos e seus colaboradores está na ficha datada de 10 de abril de 1979. No resumo dos dados, o pesquisador Sidnei Marques Silva escreve o nome e a idade de dois mortos, a partir das informações colhidas no NP. Na mesma ficha, Caco Barcellos faz a seguinte anotação: “Não consta IML? Checar”.

Os pesquisadores atuam como interlocutores. Sidney Silva mantém com Caco Barcellos o seguinte diálogo: “Hoje faz quatro meses que estou lendo esse jornal. Você já notou que não tem notícia de tiroteio com sobrevivente?”. Em outro momento, o pesquisador sugere: “Tiroteio na Penitenciária. Placar: 31 mortos. PM zero. Nenhum. Isso é um massacre, Caco Barcellos. Tem que ser denunciado”. São observações que oferecem rumo à investigação: “Mais um morto no meu bairro. Sempre negro ou pardo, está percebendo”, diz Sidnei em um outra anotação, chamando a atenção de Caco Barcellos para a hipótese de que a PM mata mais negro ou pardo.

FONTES:

Outro aspecto interessante, do ponto de vista processual, é a comunicação que Caco Barcellos estabelece com as fontes  de informação. Para o trabalho de identificação dos matadores e de suas vítimas, Barcellos tentou, durante anos, obter informações sobre o andamento de processos na Auditoria Militar de São Paulo. Os juízes negavam esses pedidos, alegando dificuldades na localização  dos processos porque o jornalista nem sempre tinha identificação dos envolvidos no crime.

Depois  que conseguiu identificar os principais matadores pelo banco de dados que criou no início da pesquisa, juntamente com sua equipe, Barcellos conseguiu obter no distribuidor criminal da Auditoria os números dos processos que desejava. Na documentação de Rota 66 que tivemos acesso, encontramos vários pedidos, por escrito,  em que Barcellos solicita ao órgão responsável bloco de folhas para requerer certidões no poder judiciário, alegando que o objetivo era a realização de uma longa pesquisa sobre antecedentes criminais para a sua empresa Pena Branca Produções de Vídeo.

No seu percurso, Barcellos se defronta com outros entraves burocráticos. De posse dos números obtidos no distribuidor criminal, o jornalista tentou consultar os processos nos cartórios da Justiça Militar. Em 1987, alguns juízes não permitiram. Cinco anos depois, o jornalista, em  pedido encaminhado ao juiz da primeira Auditoria, Paulo Antônio Prazak, solicita autorização para consultar os processos de sete policiais militares. Desta vez, alega que o objetivo da pesquisa é o levantamento de dados para a produção de futuros trabalhos jornalísticos.

    Entre os documentos submetidos à nossa análise, localizamos esta solicitação,  acompanhada da resposta do juiz, com data de 10.02.92.

“1 — D. O signatário a formular pedidos distintos para  cada qual dos processos aos quais serão juntados apresentando qual: filiação(...),incluindo seu(s) endereço(s)
2 — em conta dos objetivos, o signatário deverá responsabilizar-se, por eventuais lesões causadas, notadamente quanto ao que dispõe o artº 5º, inciso X da Constituição Federal, aliás expressamente referido pelo art. 220, parágrafo 1º da mesma Carta Magna”.

     A relação de Caco Barcellos com as suas fontes vem se revelando a todo momento tratar-se de um ato comunicativo. Deparamo-nos com um documento, datado de 24 de abril de 1992, dirigido ao Diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo, em que Barcellos solicita autorização para Sidnei Marques Silva, da sua equipe de pesquisadores, prosseguir no levantamento de dados, junto ao fichário desta Instituição, para o complemento da pesquisa de sua autoria sobre “morte por causa violenta”. E esclarece: “Nesta parte do trabalho sua tarefa será a de conferir dados já obtidos. Portanto, poderá ser realizada num período aproximado de dez dias”.

Esse processo comunicacional entre jornalista-fonte é reforçado por um outro documento localizado no material que nos foi apresentado. Trata-se de um questionário encaminhado por Caco Barcellos a pessoas que perderam parentes, vítimas da violência na cidade de São Paulo. O documento, redigido em uma única folha, divide-se em dois tópicos: o primeiro, com cinco perguntas, refere-se à hipótese de a pessoa não ter recebido indenização pela morte do parente; o segundo, com seis indagações, destina-se aos casos de pessoas que não foram indenizadas.

Na comunicação com suas fontes, Barcellos esclarece o objetivo da sua pesquisa. “Meu interesse nesse trabalho é saber exatamente qual é o tamanho do seu drama. O seu caso já está registrado no nosso Banco de Dados. Mas ainda nos faltam algumas informações, que são fundamentais para conseguirmos melhores resultados nesse trabalho”.

Esse recurso comunicativo permeia todo o processo. Encontramos Caco Barcellos dialogando com ele mesmo. Seu caderno de anotações esboça algumas indicações desse momento dialógico. É o jornalista mergulhado na sua tarefa de conhecer melhor cada caso. “Checar caso Dirley e Hoffman (17 anos) Favela Heliópolis - Liga Martinez”. Em outra anotação: “Ir ao Paulistano”. Ou: “Nomes  PMs averiguar”.

Os trechos das anotações do jornalista, em seu caderno, revelam a preocupação constante de investigar cada vez mais os casos envolvendo crimes de policiais militares. Evidencia a necessidade de checagem das informações, o cuidado com a apuração dos assassinatos, a atenção a detalhes dos casos investigados e a busca por um aprofundamento dos fatos.

Em determinado momento, flagramos Barcellos numa conversa, na qual evidencia essas preocupações: “Fiz pesquisa no distribuidor criminal sobre alguns PMs”. Em outra folha do caderno, temos: “A fazer auditoria. Caso Pixote. Caso Zezinho. Caso Casa de Detenção”. De certo modo, os registros desses instantes vão deixando transparecer o método de investigação do jornalista.

Nas fichas do NP, também identificamos marcas dessa comunicação íntima. Nesse diálogo, Barcellos vai fazendo conexão com outros casos. Na ficha NP, datada de oito de abril de 1979, encontramos essa ligação. “Atenção Diadema - lembrei Lázaro”.

CONSIDERAÇÕES:

A intromissão no processo investigativo de Caco Barcellos permite apontar que a rede comunicativa se instaura no sentido de oferecer pistas à investigação, colaborar na apuração de dados e auxiliar o jornalista em suas decisões.

Com base no que foi analisado, até o momento, percebemos que esses documentos revelam as estratégias criadas por Caco Barcellos para ter acesso à informação. Como vimos, ora o jornalista justifica que os dados servirão para a realização de uma longa pesquisa sobre antecedentes criminais para a sua empresa Pena Branca Produções de Vídeo, ora o levantamento de dados destina-se à produção de futuros trabalhos jornalísticos. Uma terceira possibilidade apresentada é de que a pesquisa é sobre morte por causa violenta.

O mergulho no mundo processual do jornalista vai revelando, a cada documento, a complexidade do processo de investigação dos casos de Rota 66. Cada vez mais, nos deparamos com uma rede comunicativa, que vai revelando uma série de mediações entre o acontecimento e a investigação.

Como vimos, são mediações ancoradas nas fontes, na pauta, nos pesquisadores, nos amigos etc. Uma anotação de uma das pesquisadoras,  Luciana Burlamaqui, para Barcellos, após o cumprimento de uma das pautas preparadas pelo jornalista, exemplifica bem  esse desencadeamento de signos interpretantes que irá redundar em Rota 66. Vejamos o registro: “Procurei reproduzir a entrevista, dando as minhas impressões no que julguei mais importante, para tentar lhe passar qual a postura dele diante do caso 66 e de outros conceitos”. Vale lembrar que Burlamaqui refere-se à entrevista feita por ela com o sargento Antônio Sória, um dos envolvidos nos casos de assassinatos.

Eis outro trecho que registra as impressões de Burlamaqui:

Sobre o caso de Rota 66, ele não disse nada de muito revelador, acho que você sabe tudo. O mais interessante são as suas opiniões, o que pensa da polícia, bandidos e como se coloca no caso com a sua ‘falta de memória’ e o seu medo de falar. Achei o mais importante de tudo o fato dele não se arrepender de nada e que faria tudo novamente”.

         Tal constatação evidencia a complexidade do processo investigativo de Caco Barcellos. No caso citado acima, os acontecimentos (os assassinatos) já passam pela mediação de um signo produzido pela pauta (elaborada por Barcellos), pela fonte (no caso, o militar Antônio Soria), e pela repórter (encarregada de executar a entrevista, transcrevê-la e selecionar o que julga mais importante).

 BIBLIOGRAFIA

BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. 18ª ed. São Paulo: Globo, 1993.
HENN, Ronaldo. Pauta e Notícia: uma abordagem semiótica. Canoas-RS: Ulbra, 1996.
MEDINA, Cremilda. Profissão jornalista: responsabilidade social. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
________________. Entrevista: o diálogo possível. São Paulo: Ática, 1986.
ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 1988.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998.
_____________________.Uma criação em processo, Ignácio de Loyola Brandão e Não Verás País nenhum. Tese de Doutorado apresentada na PUC de São Paulo, 1990.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Paulo Leminski ("Pense depressa")


Lenda Russa (A Cobra D’Água)

Era uma vez uma senhora que tinha uma filha, uma dia a garota desceu à lagoa para tomar banho com outras meninas. Elas se despiram e caíram na água. Então uma cobra surgiu e se escondeu em suas roupas. Depois de um tempo, todas saíram, e começaram a se vestir, bem como a filha da anciã, mas quando ela quis botar as roupas descobriu a cobra deitada sobre elas. Ela tentou se livrar do animal, mas ele agarrou as roupas e não se moveu. Então, a serpente disse: “Se você casar comigo,  devolvo suas roupas.”

Ela não estava nem um pouco inclinada a se casar com ele, mas as outras meninas disseram, “Como se fosse possível você se casar com ele! Diga que vai!”

Então ela disse: “Muito bem, caso.” Então, a serpente largou as roupas e foi direto para a água. A menina vestiu-se e foi para casa. E logo que ela chegou lá, ela disse à sua mãe, “Mãe! Mãe! Aconteceu isso e isso, e então uma serpente pegou minhas roupas e disse: - Case comigo ou não vou deixar você mudar suas roupas! e eu disse: Caso!”

“Que besteira você está dizendo, sua bocó! Como se fosse possível você casar com uma cobra!” E assim tudo voltou ao normal e o assunto foi esquecido.

Uma semana se passou por, e um dia elas viram muitas cobras, como nunca tinham visto antes, uma enorme tropa se arrastando até a casa delas. “Ah, mãezinha! Salve-me! Salve-me!” chorava a menina e sua mãe bateu a porta e barrou a entrada o mais rapidamente possível. As cobras correram até a entrada, mas a porta foi fechada. Elas teriam corrido até a fresta, mas essa foi fechada também. Então, em um momento elas se enrolaram até formar uma bola, se arremessaram contra a janela, que foi feita em pedaços e formaram um só corpo que entrou na sala. A menina chegou junto ao fogão, mas eles a seguiram, se arrastaram para baixo dela, a puxaram para fora da casa, atravessando as portas. Sua mãe correu atrás dela, chorando como louca.

Elas levaram a menina até a lagoa e mergulharam direto na água com ela. E lá se transformaram em homens e mulheres. A mãe permaneceu durante algum tempo sobre o dique, lamentou-se um pouco, e depois foi para casa.

Três anos passaram. A moça vivia lá e tinha dois filhos, um filho e uma filha. Agora ela frequentemente pedia ao seu marido para que deixar ela ir ver a mãe. Então, finalmente, um dia em que ele levou ela até a superfície da água, e a deixou em terra. Mas ela perguntou-lhe antes de sair ele, “O que devo dizer quando quiser que você venha?”

“Diga, Osip, [Joseph] Osip, vem aqui! E eu virei" , ele respondeu.

Então ele mergulhou novamente debaixo de água, e ela foi ver a mãe, carregando a menina no seu braço e levando seu menino pela mão. Logo saiu a mãe para recebê-la. Ela ficou tão feliz por vê-la!

“Bom dia, mãe!” Disse a filha.

“Você está bem, vivendo lá embaixo?” Perguntou a mãe.

“Muito bem, mãe. Minha vida lá é melhor do era aqui.”

Eles sentaram e conversam um pouco. Sua mãe tinha o jantar pronto para ela, e ela jantou. “Qual é o nome do seu marido?” Perguntou a mãe.

“Osip”, ela respondeu.

“E como é que vocês vão voltar para casa?”

“Vou ir à represa, e aí chamo: - Osip, Osip, vem aqui! -  E ele vai vir.”

“Deite um pouco, filha, e descanse”, disse a mãe.

Assim, a filha deitou e dormiu. A mãe imediatamente pegou um machado e o amolou, descendo até a represa com ele. E quando ela chegou, começou a chamar: “Osip, Osip, vem aqui!”

Nem bem Osip mostrou sua cabeça a velha mulher pegou o machado e cortou ela fora. E água do lago ficou escura com o sangue.

A anciã foi para casa. E quando a velha chegou, sua filha acordou. “Ah! Mãe”, diz ela, “Estou ficando cansada de ficar aqui, quero voltar para minha casa.”

“Durma esta noite aqui, filha; talvez você não tenha outra chance de ficar comigo.”

Assim, a filha resolveu passar a noite ali. Pela manhã ela acordou e sua mãe aprontou um pequeno lanche para ela. Ela comeu e em seguida disse adeus para a mãe e foi embora, carregando sua menina em seu braço, enquanto o menino seguiu atrás dela. Ela chegou à represa e gritou: - “Osip, Osip, vem aqui!”

Ela chamou e pediu, mas ele não veio. Então ela olhou para a água e lá viu uma cabeça flutuando. Então ela adivinhou o que tinha acontecido.

"Ai! Minha mãe o matou! ” Ela chorava.

Lá na margem ela chorou e lamentou. E em seguida, para sua filhinha ela gritou “Voe como uma andorinha, agora e para sempre!”

E o seu menino chorava com ela, “Voe como uma cotovia, meu menino, agora e para sempre!”

“Mas eu”, disse ela, “voarei como um cuco, chorando “Cuckoo!” Agora e para sempre!

Fonte:
W. R. S. Ralston, Russian Folk-Tales (London, 1873) . Ralston’s source: A. A. Erlenvein. in https://casadecha.wordpress.com/tag/russia/

Voltaire (O Carregador Zarolho)

Os dois olhos que temos em nada melhoram a nossa condição, serve-nos um para ver os bens, e o outro para ver os males da vida. Muita gente possui o mau hábito de fechar o primeiro, e poucos fecham o segundo, eis por que há tantas pessoas que prefeririam ser cegos a ver, tudo o que veem. Felizes os zarolhos que só são privados desse olho mau que estraga tudo quanto a gente olha! Era o caso de Mesrour.

Seria preciso ser cego para não ver que Mesrour era zarolho. Era-o de nascença, mas era um zarolho tão satisfeito com a sua condição que jamais se lembrara de desejar outro olho. Não eram os dons da fortuna que o consolavam dos malefícios da natureza, pois não passava de um simples carregador e não tinha outro tesouro senão os seus ombros, mas era feliz, e mostrava que mais um olho e menos trabalho pouco contribuem para a felicidade. O dinheiro e o apetite lhe vinham sempre em proporção com o exercício que fazia, trabalhava de manhã, comia e bebia de tarde, dormia de noite, e considerava cada dia como uma vida à parte, de modo que a preocupação do futuro jamais lhe perturbava o gozo do presente. Era (como o vedes) ao mesmo tempo zarolho, carregador e filósofo.

Viu por acaso passar numa suntuosa carruagem uma grande princesa que tinha um olho mais do que ele, o que não o impediu de achá-la muito bela, e, como os zarolhos não diferem dos outros homens senão em que têm um olho de menos, apaixonou-se perdidamente pela princesa. Dirão talvez que, quando se é carregador e zarolho, o melhor é a gente não se apaixonar, principalmente por uma grande princesa e, o que é mais, uma princesa que tem dois olhos; no entanto, como não há amor sem esperança, e como o nosso carregador amava, ousou esperar.

Tendo mais pernas que olhos, e boas pernas, seguiu durante quatro léguas o carro da sua deusa, que seis grandes cavalos brancos puxavam velozmente. Era moda, naqueles tempos, entre as damas, viajar sem lacaios e sem cocheiro, conduzindo elas próprias o carro, queriam os maridos que elas andassem sempre sozinhas, para ficar mais seguros da sua virtude, o que é diametralmente oposto ao parecer dos moralistas, que dizem que não há virtude na solidão.

Mesrour continuava a correr junto às rodas do carro, voltando seu olho bom na direção da dama, espantada de ver um zarolho com tamanha agilidade. Enquanto ele provava assim o quanto se é infatigável quando se ama, um animal selvagem, perseguido por caçadores, atravessou a estrada, espantando os cavalos, que tomaram o freio nos dentes e já arrastavam a bela para um precipício. Seu novo apaixonado, ainda mais assustado do que ela, embora a princesa o estivesse bastante, cortou as correias com maravilhosa habilidade, somente os seis cavalos deram o salto mortal, e a dama, que não estava menos branca do que eles, apenas passou por um grande susto.

— Quem quer que sejas – disse-lhe ela – jamais esquecerei que te devo a vida; pede-me o que quiseres: tudo o que tenho está a teu dispor.

 — Ah! com muito mais razão – respondeu Mesrour – posso eu oferecer-vos outro tanto; mas, assim fazendo, sempre vos oferecerei menos, pois só tenho um olho, e vós tendes dois, mas um olho que vos contempla vale mais que dois olhos que não veem os vossos.

A dama sorriu, pois as galanterias de um zarolho são sempre galanterias, e as galanterias sempre fazem sorrir.

— Eu desejaria dar-te um outro olho – disse ela – mas só a tua mãe podia dar-te esse presente; mas continua a acompanhar-me.

Dizendo essas palavras, desce ela do carro e prossegue o caminho a pé, seu cãozinho também desceu e marchava ao lado da dona, ladrando para a estranha figura do seu escudeiro. Faço mal em lhe dar o título de escudeiro, porque, por mais que ele lhe oferecesse o braço, não quis a dama aceitá-lo, sob o pretexto de que o braço estava muito sujo, e ides ver agora como a princesa foi vítima de seu próprio asseio. Tinha ela uns pequeninos pés, e uns sapatinhos ainda menores, de maneira que não era feita para longas caminhadas, nem estava devidamente calçada para isso.

Lindos pezinhos consolam de ter pernas débeis, quando se passa a vida numa espreguiçadeira, em meio de uma porção de janotas, mas de que servem sapatos bordados e lantejoulados em um caminho pedregoso, onde só podem ser vistos por um carregador e, ainda por cima, por um carregador que só tem um olho?

Melinade (é este o nome da dama, que tive minhas razões para calar até agora, visto que ainda não fora inventado), Melinade avançava como podia, amaldiçoando o seu sapateiro, escorchando os pés, e dando um mau jeito a cada passo. Fazia hora e meia que ela marchava como as grandes damas, isto é, já fizera perto de um quarto de légua, quando tombou de fadiga.

Mesrour, cujos serviços ela recusara enquanto estava de pé, hesitava em lhos oferecer, por medo de a macular com o seu contato, pois bem sabia que não estava limpo (a dama claramente lho dera a entender), e a comparação que fizera em caminho entre a sua pessoa e a da sua amada ainda lho mostrava com maior clareza. Tinha ela um leve vestido cor de prata, semeado de guirlandas, que lhe ressaltava a beleza do talhe; e ele, um blusão pardacento, todo manchado, rasgado e remendado, e de tal maneira que os remendos ficavam ao lado dos buracos e não por baixo, onde estariam mais no seu lugar. Havia comparado as suas mãos musculosas e cobertas de calos com as duas pequenas mãos mais brancas e delicadas do que lírios. Vira enfim os lindos cabelos loiros de Melinade, que se entre mostravam através de um véu de gaze, penteados em tranças e cachos, e ele, para colocar ao lado disso, não tinha mais que umas eriçadas crinas negras, cujo único ornamento era um turbante roto.

No entanto Melinade tenta erguer-se, mas tomba em seguida, e tão desastradamente, que o que ela deixou ver a Mesrour tirou-lhe o pouco de razão que a vista de seu rosto pudera deixar-lhe. Esqueceu que era carregador, que era zarolho, e não mais pensou na distância que a fortuna pusera entre ambos, mal se lembrou que amava, pois faltou à delicadeza que dizem inseparável de um verdadeiro amor, e que às vezes lhe constitui o encanto, e muitas vezes o aborrecimento, serviu-se dos direitos à brutalidade que lhe dava a sua condição de carregador, foi brutal e feliz. A princesa, então, estava, sem dúvida desmaiada, ou lamentava a sua sorte, mas, como tinha um espírito justo, abençoava decerto o destino pelo fato de todo infortúnio trazer consigo o seu próprio consolo.

A noite estendera os véus no horizonte, e ocultava na sua sombra a verdadeira felicidade de Mesrour e a pretensa desgraça de Melinade. Mesrour desfrutava os prazeres dos perfeitos amantes, e desfrutava-os como carregador, quer dizer (para vergonha da humanidade) da maneira mais perfeita, os desmaios de Melinade voltavam-lhe a cada momento, e a cada momento o seu amante recuperava forças.

— Poderoso Maomé – disse ele uma vez, como homem arrebatado, mas como péssimo católico – só o que falta à minha felicidade é ser sentida por aquela que a causa, enquanto estou no teu paraíso, divino profeta, concede-me ainda um favor, o de ser para os olhos de Melinade o que ela seria para os meus olhos, se houvesse luz.

Acabou de rezar e continuou o prazer. A aurora, sempre demasiado diligente para os amantes, surpreendeu a ambos na atitude onde ela própria poderia ter sido surpreendida um momento antes, com Titono. Mas qual não foi o espanto de Melinade quando, abrindo os olhos aos primeiros raios do dia, viu-se num lugar encantado, com um homem de nobre estrutura, cujo rosto se assemelhava ao astro cuja volta a terra aguardava! Tinha faces de rosa, lábios de coral, seus grandes olhos, ao mesmo tempo ternos e vivos, exprimiam e inspiravam volúpia; sua aljava de ouro, ornado de pedrarias, pendia-lhe do ombro e só o prazer fazia ressoar as suas flechas; sua longa cabeleira, presa por um cordão de diamantes, flutuava-lhe livremente sobre os rins, e um tecido transparente, bordado de pérolas lhe servia de veste, sem nada ocultar da beleza do seu corpo.

— Onde estou, e quem és – exclamou Melinade no auge da surpresa.

— Estais – respondeu ele – com o miserável que teve a ventura de vos salvar a vida, e que tão bem cobrou o seu trabalho.

Melinade, tão satisfeita quanto espantada, lamentou que a metamorfose de Mesrour não tivesse começado mais cedo. Aproxima-se de um magnífico palácio que lhe atraíra o olhar e lê esta inscrição na porta: “Afastai-vos, profanos; estas portas só se abrirão para o senhor do anel.” Mesrour aproxima-se por sua vez para ler a mesma inscrição, mas viu outros caracteres e leu estas palavras: “Bate sem receio.” Bateu, e em seguida as portas se abriram por si mesmas com fragor. Os dois amantes entraram, ao som de mil vozes e de mil instrumentos, num vestíbulo de mármore de Paros; dali passaram para uma sala soberba, onde os esperava há mil duzentos e cinquenta anos um festim delicioso, sem que nenhum dos pratos houvesse esfriado: puseram-se à. mesa e foram servidos cada um por mil escravas da maior formosura; a refeição foi entremeada de concertos e danças; e, quando terminou, todos os gênios vieram, na maior ordem, em diferentes grupos, com vestuários tão suntuosos quão singulares, prestar juramento de fidelidade ao senhor do anel, e beijar o dedo sagrado que o carregava.

Ora, havia em Bagdad um muçulmano muito devoto que, não podendo ir lavar-se na mesquita, fazia a água da mesquita vir à sua casa, mediante uma pequena retribuição que pagava ao sacerdote. Acabava ele de fazer a quinta ablução, a fim de se preparar para a quinta prece. E a sua criada, rapariga insensata e muito pouco devota, desembaraçou-se da água santa lançando-a pela janela. A água caiu sobre um infeliz profundamente adormecido junto a um marco que lhe servia de apoio. Acordou-se com o choque. Era o pobre Mesrour que, voltando do seu passeio encantado, perdera na viagem o anel de Salomão. Deixara as soberbas vestes e retomara o seu blusão; sua bela aljava de ouro havia-se transformado num porta fardos de madeira e, para cúmulo da desgraça, tinha deixado um dos olhos no caminho. Lembrou-se então de que bebera na véspera grande quantidade de aguardente, que lhe adormecera os sentidos e aquecera a imaginação. E Mesrour, que até aquele instante amara essa bebida por gosto, começou a amá-la por gratidão, e voltou alegremente ao trabalho, resolvido a empregar o salário daquele dia na aquisição dos meios para tornar a ver a sua querida Melinade. Qualquer outro ficaria desolado de ser um mísero zarolho depois de ter tido dois lindos olhos; de sofrer as recusas das varredoras do palácio depois de haver gozado os favores de uma princesa mais bela do que as amantes do califa; e de estar a serviço de todos os burgueses de Bagdad depois de haver reinado sobre todos os gênios; mas Mesrour não possuía o olho que vê o lado mau das coisas.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Paulo Leminski ("O olho da rua vê")


Nilto Maciel (A Fala dos Cães)

O cervo conseguiu escapar à fúria de seus perseguidores e meteu-se na selva. Acteão talvez tivesse tido pena dele. Chamara de volta seus terríveis cães. Descansassem um pouco. Havia tempo de sobra. O dia mal começava.

O caçador avistara uns corpos nus à beira do rio. E tra­tou de impor silêncio. Nada de gritos, nem latidos, nem gemi­dos.

Agachado atrás de moitas, pôs-se a espiar as banhistas. Todas muito belas, cheias de curvas, dengosas. Sim, Diana e suas ninfas, em total nudez.

Os cães farejavam o chão, imunes a qualquer volúpia. Que o caçador satisfizesse seus mais caros desejos.

Acteão só via os corpos nus em contorções sensuais. Seus olhos pareciam poucos e pequenos para tanta beleza. Nada existia além daquele pedaço de rio. Nem cervos, nem cães. E muito menos serpentes.

Havia, porém, uma serpente à sua volta. E escorregava pelo chão, maliciosa.

Um cão ladrou e correu para o réptil. Irritado, Acteão apanhou uma pedra e, de olho no rio, quis calar o animal. No entanto a rocha atingiu a cobra, que fugiu.

Diana e as ninfas apenas se banhavam, como se no mun­do não existissem caçadores, cães e serpentes. E parlavam, riam e se faziam mais belas.

Havia, porém, outra serpente a dois passos de Acteão. E outro cão ladrou.

Furioso, o caçador de cervos atirou outra pedra contra o latido inoportuno. E, como da vez anterior, houve erro de pontaria.

No rio, as águas banhavam ainda as formosas fêmeas. E o lascivo Acteão gemia de prazer.

A terceira serpente apareceu. Terceiro latido, terceira pedrada.

A mesma cena repetiu-se pela quinta, sexta ou sétima vez. E os cães perderam a paciência. Aquele maldito Acteão ia terminar picado e morto. E adeus cervos.

Um dos cães propôs deixarem o caçador à mercê das cobras. Não, não podiam trair o amo. Apesar das pedradas que haviam recebido.

Outro sugeriu o mais difícil: falariam a Acteão da exis­tência de serpentes naquele local. Falariam, em vez de latir.

Não, os deuses jamais dariam voz humana aos cães.

E se pedissem ajuda a Diana?

Acteão ouviu os sussurros caninos. Aqueles malditos cães só serviam para estragar prazeres.

E atirou-lhes mais pedras.

Nota: Naquele mesmo dia (ou noutro), Diana surpreendeu Acteão detrás das moitas e o transformou em cervo. Ato contínuo, os cães o devoraram.

Fonte:
MACIEL, Nilto. As insolentes patas do cão. São Paulo: Scortecci, 1991.