domingo, 15 de abril de 2018

SÁ de Carvalho (Caminho da Luz)


Barão de Itararé (Como o Primeiro Advogado entrou no Céu)

Logo que Santo Ivo morreu, encaminhou-se ao Céu e bateu à porta, que São Pedro não se atreveu a abrir, subestimando as razões do bom santo. 

— Faço o que quiseres — repetia o porteiro do Céu —, mas não acho que deva permitir a entrada a um advogado, não só porque nem um tem assento entre os santos, mas também porque; muito ao contrário, juraria que se encontram no inferno todos os de tua profissão.

Santo Ivo não se desconcertou; antes, como bom advogado, teve tão convincentes razões para rebater as de São Pedro que este lhe permitiu finalmente entrar no Céu, mas com a condição de permanecer junto à porta.

O hóspede entrou calmamente, sentou-se no lugar indicado por São Pedro, que foi participar a Nosso Senhor o sucedido...

— Fizeste mal! Muito mal, Pedro! — respondeu Deus, quando acabou de escutá-lo. — Havia resolvido que nenhum advogado entraria no Céu, e tinha cá minhas razões para isso. Mas já que está, deixa ficar; sem embargo, não deixes que ele se misture com os outros santos, pois do contrário acabarão no Céu a paz e a boa harmonia. Não o deixes passar além da porta.

Aborrecido e cabisbaixo, voltou São Pedro aonde estava Santo Ivo e comunicou-lhe as ordens dadas pelo Senhor. O Santo advogado encolheu os ombros e, à guisa de passatempo, começou a entabular conversa com São Pedro.

— Que posto ocupas aqui no Céu? 

— Não sabes? Sou o porteiro.

— Por quanto tempo?... 

— Para todo o sempre.

— Deixa disso. Só se tiveres algum contrato firmado...

— Não há contrato nem coisa que o valha, e para dizer a verdade não há necessidade disso.

— Como assim? Então não estás vendo, grande ingênuo, que qualquer dia Deus pode ter a idéia de te destituir, sem mais nem menos, do cargo que com zelo vens desempenhando há tanto tempo, sem que possas fazer valer teus direitos?

São Pedro coçou a orelha, e, mais amofinado que antes, foi novamente falar com Deus.

— Vamos lá, que é que pensas?

— Preciso de um contrato em que se declare que sou o porteiro do Céu para todo o sempre. Até hoje temos deixado as coisas andar à vontade; mas se vos der na ideia, qualquer dia me destituís do cargo que com tanto zelo...

— Não te dizia eu? Tudo isso são trapaças daquele advogadozinho que tens na porta e que soube encher-te a cabeça.

E ajuntou depois, tomando uma resolução:

— Anda, Pedro, corre e manda-o entrar imediatamente, pois prefiro tê-lo perto de mim a vê-lo junto à porta.

Eis como entrou no Céu o primeiro advogado.

Fonte: Afonso Félix de Souza (organizador). Máximas e Mínimas do Barão de Itararé. Rio de Janeiro: Record, 1985.

Barão de Itararé (1895 – 1971)

Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, conhecido por Aporelly e pelo falto título de nobreza de Barão de Itararé, nasceu em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, no dia 29 de janeiro de 1895.

Sua mãe, Amélia, teve morte trágica, suicidou-se quando tinha 18 anos e ele 18 meses; seu pai enviou-o a um internato em 1906, no Colégio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo-RS, onde faz o seu primeiro jornal manuscrito, intitulado "Capim Seco", com tiragem de um exemplar, em 1909.

Deixa o colégio após cursar o 5o ano ginasial, em 1911. Anos depois, por pressão familiar, matricula-se na Faculdade de Medicina de Porto Alegre/RS.

"Pontas de Cigarros", o primeiro e único livro com seu nome verdadeiro, é publicado em 1916.

Em 1918, durante suas férias, sofre um derrame quando andava a cavalo na fazenda de um tio. Face ao problema surgido, abandona a Faculdade no 4o ano e inicia viagens pelo interior do estado, fazendo conferências sobre diversos assuntos. Publica sonetos e artigos em jornais e revistas, como: "Kodak", "A Máscara" e "Maneca". A partir de então, dedica-se exclusivamente ao jornalismo.  Nessa mesma época funda "A Noite e a Reação", "A Tradição" e " O Chico", seu primeiro jornal de humor. 

Casa-se com Alzira Alves, com quem tem três filhos: Ady, Ary e Arly.

Já separado, em 1925, muda-se para o Rio de Janeiro. Começa a trabalhar no jornal "O Globo" como articulista, tendo como padrinho Irineu Marinho, diretor-proprietário daquele matutino. Com sua morte, naquele mesmo ano, Aparício Torelly  desliga-se do jornal e, a convite de Mário Rodrigues (pai de Nelson Rodrigues), ex-secretário do Correio da Manhã, começa a escrever uma coluna na primeira página da que, no futuro, seria "A Manhã”.

No dia 2 de janeiro de 1926 estréia na "A Manhã” com a coluna intitulada "A manhã tem mais...", assinada sob o pseudônimo de Apporelly. Diante da boa receptividade que obteve, o humorista é levado a criar outra coluna, também na primeira página.

Aproveitando-se da data, em 13 de maio de 1926 abandona o emprego e funda seu próprio jornal, "A Manha", um tablóide de circulação nacional. O jornal é um sucesso completo, superando as fórmulas já velhas conhecidas dos leitores, como "O Malho", "Fon-Fon" e "Careta".

Em 1929 "A Manha" circula como encarte semanal do jornal "O Diário da Noite", por quatro meses. O jornal, de Assis Chateaubriand, na primeira semana dobra a tiragem, vendendo 15.000 exemplares, até atingir a marca de 125.000 exemplares na data da publicação do programa da Aliança Liberal. 

Sempre irreverente, em 1930, com a revolução, em outubro de 1930, Apparício se autodeclarara Duque nas páginas de A Manha: “O Brasil é muito grande para tão poucos duques. Nós temos o quê por aqui? O Duque Amorim, que é o duque dançarino, que dança muito bem mas não briga e o Duque de Caxias que briga muito bem, mas não dança. E agora eu, que brigo e danço conforme a música.” O autor proclama-se Duque de Itararé, herói da batalha que não houve. Semanas depois, rebaixa-se a Barão como prova de modéstia. No dia 02 de setembro de 1932 é preso pela delegacia responsável pela ordem política e social, após "delirante atividade revolucionária" mantida nas páginas da "A Manha" e constantes estocadas contra o governo instalado pela revolução. 

O ano de 1934 marca a abertura do "Jornal do Povo", em outubro, em companhia de Aníbal Machado, Pedro Mota Lima e Osvaldo Costa.  Nos dez dias, o jornal publica em fascículos a história de João Cândido, um dos marinheiros da revolta de 1910. O Barão é seqüestrado e espancado por oficiais da marinha nunca identificados. Depois do atentado retorna à redação e afixa uma placa na porta: "Entre sem bater".

Preso, novamente, em 09 de dezembro de 1935, por ser militante e um dos fundadores da Aliança Nacional Libertadora, permanece preso durante todo o ano de 1936, primeiro a bordo do navio presídio D. Pedro I, depois na Casa de Detenção do Rio de Janeiro; juntamente com Hermes Lima, Eneida de Morais, Nise da Silveira e Graciliano Ramos. 

Dona Zoraide, sua segunda mulher, falece nesse ano.

Graciliano, em "Memórias do Cárcere", referiu-se por diversas vezes  ao Barão, tendo dito: "... Ao fundo, Apporelly arrumava cartas sobre uma pequena mesa redonda, entranhado numa infinita paciência. Avizinhei-me dele, pedi notícias do livro que me anunciara antes: a biografia do Barão de Itararé Como ia esse ilustre fidalgo? A narrativa ainda não começara, as glórias do senhor barão conservavam-se espalhadas no jornal. Ficariam assim, com certeza: o panegirista não se decidia a pôr em ordem os feitos do notável personagem."

Solto em 21 de dezembro de 1936, com outros 100 presos, reabre "A Manha", que só consegue funcionar por um ano, sob severa censura do DIP. Casa-se, pela terceira vez, com D. Juracy, que lhe dá mais um filho, Amy Torelly.

Janeiro de 1938 marca sua volta ao "Diário de Notícias", do Rio de Janeiro, e da coluna "A manhã tem mais...", onde colabora por quase seis anos. 

No dia 27 de janeiro de 1939 épreso novamente por três dias. O fato se repetirá diversas vezes até o fim do Estado Novo. 

D. Juracy, sua esposa, falece em 1940, ao dar à luz àquele que seria seu segundo filho com ela. A criança também falece. Apporelly retira-se para uma chácara em Bangu, no Rio, e ali instala um laboratório onde desenvolve pesquisas sobre a vacina contra a febre aftosa, baseado em teorias de Pasteur.

Sua filha Ady morre em 1943, vítima de complicações pós-operatórias provocadas pela extração do apêndice.

Homenageado com um jantar na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), por amigos e jornalistas, em 1944, pelos seus 25 anos de jornalismo, no ano seguinte o Barão encabeça, no ano seguinte, um abaixo-assinado por liberdades democráticas. Ressurge "A Manha" com enorme sucesso, superando o que havia feito nas décadas de 20 e 30, contando com a colaboração de renomados escritores, tais como: José Lins do Rego, Sérgio Milliet, Rubem Braga, Raimundo Magalhães Jr. e Álvaro Lins. 

Arnon de Melo assume a área comercial do jornal e incentiva o aparecimento da figura do Barão como garoto-propaganda. Participa ativamente da campanha de Yedo Fiuza, candidato oficial do Partido Comunista Brasileiro (PCB) á presidência da República.

Candidata-se à Câmara do Distrito Federal pelo PCB e, provando sua popularidade, é o oitavo mais votado de sua bancada, a qual obtém maioria na Câmara de Vereadores. O slogan da campanha foi: "Mais leite, mais água, mas menos água no leite — Vote no Barão de Itararé Apparício Torelly." A convite de Luiz Carlos Prestes, passa a colaborar com a "Folha do Povo". Faziam parte da equipe Carlos Drummond de Andrade, Di Cavalcanti, Jorge Amado e o jovem Sérgio Porto (posteriormente conhecido como Stanislaw Ponte Preta). No final do ano o registro do PCB é cassado e seus representantes eleitos perdem seus mandatos.

Em virtude de problemas financeiros, "A Manha" deixa de circular, em 1948.

O Barão associa-se a Guevara e lança o primeiro "Almanhaque" ou "Almanaque d' "A Manha" em São Paulo (1949).

Com o sucesso do lançamento, anima-se o Barão e, em 1950 "A Manha" volta a circular, editada em São Paulo, onde o humorista passa a viver por algum tempo, ou seja, até setembro de 1952, quando o jornal deixa de circular, definitivamente.

Em 1955 lança dois "Almanhaques", no 1o e 2o semestres. Colabora com o jornal "Última Hora". Velho e cansado, fixa-se novamente no Rio e casa-se, pela quarta e última vez com Aida Costa, que teve fim trágico anos depois.

Viaja pela China, em 1963, a convite do governo de Pequim, com passagem por Praga e Moscou. 

Nos anos seguintes (1964/1970), foi deixando o humor de lado e passou a se interessar pela ciência, e pelo esoterismo, estudou filosofia hermética, as pirâmides do Antigo Egito e a astrologia, campo no qual desenvolveu o "horóscopo biônico". e "quadrados mágicos". Passa a maior parte do tempo estudando e vive só em um pequeno apartamento em Laranjeiras, bairro do Rio de Janeiro.

Teve dignidade por toda sua vida — respeito por todo mundo e por todas coisas. E teve dignidade ao morrer. Morreu sozinho para não sofrerem por ele enquanto estava morrendo.

No dia 27 de novembro de 1971, faleceu dormindo, em seu apartamento, aos 76 anos de idade.

Em 1985, a Editora Record publica em livro, sob o título de Máximas e Mínimas do Barão de Itararé, uma seleção de textos de humor extraídos de A Manhã, em coletânea organizada por Afonso Félix de Sousa e com prefácio de Jorge Amado. No mesmo ano, Máximas e Mínimas alcançou rapidamente quatro edições.

Em 14 de agosto de 2011, o programa De lá pra cá, da TV Brasil relembrou a vida e a obra do Barão de Itararé.

Há duas escolas com o nome "Barão de Itararé” no Rio de Janeiro: uma em Marechal Hermes e outra em Santa Cruz. Em Japeri, Baixada Fluminense, o CIEP 402 leva o nome de Apparício Torelly.

Livros Publicados:
- Pontas de Cigarros, Apparício Torelly, Rio de Janeiro - 1925
- "O Globo" - Rio de Janeiro - 1925 - artigos
- "A Manhã” - Rio de Janeiro - 1926 - artigos
- "A Manha" - Rio de Janeiro - 1926-1952 - artigos
- "Jornal do Povo" - Rio de Janeiro - 1934 - artigos
- "Avante", "Homem Livre", "O Povo" - RJ - Década de 30 - artigos
- "Diário de Notícias" - Rio de Janeiro - 1938-1942 - artigos
- "Almanhaque" - São Paulo - 1949 - 1. semestre
- "Almanhaque" - São Paulo - 1955 - 1. semestre
- "Almanhaque" - São Paulo - 1955 - 2. semestre
- "Última Hora"  - São Paulo - 1955-1959 - artigos esparsos
- "Almanhaque" - Agência Studioma Editora - São Paulo - 1989 (reedição de 1955)

Fontes: 

sábado, 14 de abril de 2018

Trova 289 - Cláudia Bergamini (Londrina/PR)

Fonte: Facebook (Bonde Trova)

Vanda Fagundes Queiroz (Resto de Sol)


APARÊNCIA E REALIDADE

O som de minha voz inutilmente
acontece, sem cor e sem motivo,
Tão diverso é o real mundo que vivo
da hora em que pareço estar presente.

É presença enganosa, que desmente
outra força suprema — a do furtivo
viver por dentro, onde, devota, arquivo
ignotos pulsares da alma ardente.

A voz que fala, o riso, a cor que é vista
é invólucro somente, e bem despista
do meu ego a essência, a vida inteira...

E, assim, esta duidade faz-me artista
na arte de viver de forma mista:
a que parece ser... e a verdadeira.

A COR DA MINHA TRISTEZA

A tristeza em meus suspiros tão frequente,
não lhe vês o ar de órfã desolada,
não entendes sua voz — brado silente,
não lhe dás nunca razão, nem cor, nem nada. .

E ela tem, nítida, a cor do riso ausente...
É triste andante de faces desbotadas,
tem a cor dos pés descalços, do inclemente 
abrigo sujo ostentado nas calçadas.

Tem a cor do pranto alheio, sofre o espinho
que a tantas flores impede de brotar.
Tem a cor da nulidade de urn caminho

que — acaso existe? —ninguém logra alcançar 
a cor de um mundo de risos tão mesquinho, 
tão farto em dor, que dá cor ao meu penar....

SUBLIMAÇÃO

Tento louvar a beleza do universo, 
cantar o céu, o infinito, o sol, a flor.
No silêncio existe som que escuto em verso, 
do matiz inexistente vejo a cor.

Numa gota d’água posso ver, submerso, 
do gigante mar azul todo o esplendor.
Penso em rosas onde o espinho mais perverso 
cresce, banindo a alegria e impondo a dor

A solidão povoei, o peito imerso
nos meus sonhos enfeitados com o verdor
da esperança, alado aroma ao céu disperso.

A viver concebo o Bem. Em meu fervor, 
sonhando a Paz, quando há guerra, quão diverso 
vê-se o mundo no altar-mor do meu Amor!...

COTA SUFICIENTE

Bendita a pérola pequena e inculta 
que fartas vezes vislumbrar logrei 
na concha humilde, a única que herdei 
do mar imenso que agiganta e avulta.

Bendito o mínimo botão que a estulta 
gente distante, nos jardins que andei, 
calcou aos pés. Pois dele me apossei, 
deixando a todos, livre, a rosa culta.

E vendo o mundo em ouro se encantar, 
busquei nas coisas simples me abrigar, 
sem ter cobiça a ventura imponente.

Fortuna tenho, imensa, a ostentar: 
pois no alto vendo o astro-rei brilhar, 
eu desejei a sombra. Simplesmente...

POLICROMIA

Nesta, profusão oculta de sentires 
que aconchego e acalento com ardor, 
não estranhes quando acaso descobrires, 
misturada a tanta cor, a tua cor.

Se entre as ânsias de minha alma um dia ouvires 
um som que possa a um lamento enfim se opor, 
é tua a voz! E feliz quando me vires, 
da alegria que eu sentir serás credor.

No cinzento do meu peito, mil nuanças, 
cor de rosa e de esperança, tentas pôr.
Com teus olhos, as tormentas são bonanças;

por tua mão, o agudo espinho é fina flor.
A mistura policroma já não cansa 
quando, em meio a tanta cor, há a tua cor.. .

ILOGISMO

Coisas simples por vezes têm magia; 
minúscula porção — eis que é bastante 
a tornar toda pequenez gigante 
e inundar o meu mundo de alegria.

A ave canta, a alma canta. A alma é poesia, 
vez ou outra: eis o amor de mim diante.
Há no ar perfumado um som cantante.
Olho o céu, vejo Deus. A noite é dia.

Arbitrário, impreciso sentimento!
Sublima meu instante, breve ou lento, 
mas se vem. .. quando vai... não dá certeza.

Bem assim acontece outro momento 
em que quero sorrir. Forcejo. Tento.
E, sem saber por que, tudo é tristeza...

IRREVERSÃO

Da terra brota a flor cada estação, 
haurindo a seiva fértil do existir. 
Nutrindo-se de vida, o coração 
da planta vibra, em cores a expandir.

Um dia... o ar sombrio, a acridão 
da quadra estéril, triste, que há de vir, 
desnuda o solo, onde, em contradição, 
terá lugar a ausência do florir.

A estação das flores retornando, 
cor de esperança a terra se enfeitando, 
a haste ostentará de novo a flor.

Murcha no peito a rosa da ilusão, 
a seiva não renova, e o coração 
passa, infecundo, à estação da dor.

A MEU FILHO

Vejo a criança de ontem em você 
que embalei nos meus braços ternamente. 
Sinto inundar-me de emoção porque 
eu vi botão a flor hoje imponente.

Ao pressentir o homem que, latente, 
eu já descubro e quase já se vê, 
tenho almejado que haja tão somente 
o bem, no mundo que se lhe antevê.

Não saber-lhe o porvir faz-se tortura 
que na alma-mãe me paira e assim perdura 
na ânsia vã de pautar-lhe a jornada.

Uma lágrima oculta, na costura 
enxugo. E rogo a Deus que faça pura 
e perfumosa a flor por mim plantada.

ANTES DE FECHAR A PORTA

Recordo, muita vez, sentada à porta 
de mim mesma, o tão nosso antigamente! 
O que espreito, bem sei, não mais importa 
que a mim só que de novo estou presente.

É a mão da saudade que transporta 
o que sou ao que fomos. De repente, 
tanta coisa, com rótulo de morta, 
vive em mim nova vida, inteiramente. ..

Julgas mera tolice a devoção 
de minha ardente peregrinação 
ao passado, E me acordas à verdade.

Volvo ao deserto de viver, então.
Mas, antes de esconder o coração, 
guardo já dentro mais uma saudade.

MALOGRO

Intenta extravasar-se em verso ardente 
a ânsia do sentir, impetuosa...
Mas vejo que a palavra é impotente 
e tem veracidade duvidosa.

Versos apócrifos — são meu presente 
ao papel onde quero, em verso ou prosa, 
retratar a minha alma, ardentemente, 
da forma como em mim apoteosa.

Tortura-me, no entanto, a rima ausente... 
Outro canto, outra luz, inutilmente 
vou tenteando em minha busca ansiosa.

Descubro que querer tornar patente 
este universo que há dentro da gente 
é uma ação sempre falha e lacunosa...

Fonte: 
Aparício Fernandes (organizador). Poetas do Brasil. Anuário de 1980. 
3. volume. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1980.

Érico Veríssimo (As Aventuras de Tibicuera) Capítulos 49 a 52

49 — SETE ANOS DE PASTOR

Quanto tempo fiquei metido com os livros, estudando, lendo, meditando? Nada menos de sete anos. O número sete me faz lembrar o famoso soneto de Luis de Camões:

“Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela...”

Sete anos servi os livros e fui por eles servido. Que foi que aconteceu no Brasil durante esse tempo? D. Pedro organizou o Império. Dominou as Províncias de Sergipe, Bahia, Maranhão e Pará, onde havia tropas portuguesas revoltadas. Muitas nações reconheceram a Independência do Brasil. Reuniu-se a Assembleia Constituinte, que mais tarde foi dissolvida violentamente, sendo presos alguns deputados.

Como consequência desse fato houve muitos protestos e motins nas províncias do Norte. Pernambuco estava exaltadíssimo. 0 povo não gostava do Governador Pais Barreto, que se viu obrigado a resignar, ficando o governo aos cuidados duma junta presidida por Pais de Andrade. Mas Pais Barreto foi mais tarde nomeado presidente da província. Não permitiram que ele tomasse posse.

Houve barulho. Tropas revoltadas. Resultado: Pais de Andrade (Pode haver confusão assim com dois Pais...) formou com as Províncias de Pernambuco, Ceará, Piauí, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba uma república que tomou o nome de Confederação do Equador.

O governo mandou forças com o fim de atacar a nova república. Pais Barreto comandou o ataque. Os confederados resistiram por algum tempo mas acabaram se entregando. Os revolucionários foram julgados. Muitos, executados. Entre estes, Frei Joaquim do Amor Divino Caneca.

De 1824 a 1825 tivemos a Guerra das Províncias Unidas do Rio da Prata. A coisa se passou assim: O governo de Buenos Aires reclamava ao Brasil a restituição da Banda Oriental. O Brasil, moita. Então, o caudilho Lavalleja e mais 33 orientais (os famosos 33 eram 34) invadiram a Cisplatina e proclamaram a sua independência. Vocês poderão dizer: Belos tempos em que 33 homens tomavam uma província! Eu lhes direi que neste nosso século de progresso dois homens num grande avião de bombardeio podem dominar sozinhos uma cidade de vários milhares de habitantes. Mas, voltando à vaca fria, que no caso presente é a Guerra do Prata — a Argentina declarou guerra ao Brasil. D. Pedro veio até o Rio Grande. O país se agitou. Houve encontros em terra e no mar. Travou-se a faladíssima Batalha de Ituzaingó, ou do Passo do Rosário cujo resultado não ficou muito claro, sendo até hoje discutido. Quem venceu? A Argentina ou o Brasil?

Não sei. Não vi. O que importa saber é que hoje Brasil e Argentina vivem em boa paz. Portanto: vamos passar uma esponja no passado.

No fim da guerra o governo do Brasil reconheceu a independência da Cisplatina, que tomou o nome de República Oriental do Uruguai. A autoridade de D. Pedro 1 enfraqueceu muito depois dessa campanha sem raízes na opinião popular. Havia muitas queixas contra o nosso Imperador. Morreu em Portugal o Rei D. João VI. Durante a guerra última faleceu também a esposa de D. Pedro I. O Imperador estava abatido. Estouravam revoltas em vários pontos. O jornalista Ferreira da Veiga dirigiu uma campanha feroz contra o governo. Entre muitas coisas, dizia-se que agora com a morte de D. João VI, D. Pedro I pretendia unir de novo o Brasil a Portugal Em Minas a exaltação de ânimos era tão forte, que D. Pedro I resolveu ir até lá em pessoa. Na volta foi recebido no Rio com festas da parte dos portugueses mas com vaias da parte dos brasileiros. Conflitos. E uma noite memorável que passou para a História com o nome de “noite das garrafadas”.

A revolta se generalizou: povo e tropa. O Imperador abdicou em favor de seu filho, o Príncipe D. Pedro de Alcântara, de 5 anos e 4 meses. Estávamos a 7 de abril de 1831.
50 — FUJA! FUJA!

Por esse tempo me aconteceu um fato curioso. De repente abandonei os livros e senti de novo uma grande vontade de voltar para a vida de aventuras. A culpa era ainda dos livros. Eu tinha lido narrativas heroicas de guerras, romances de espadachins e aventureiros, descobridores e bandoleiros. Fiquei assanhado.

Saí para a rua e procurei alguns camaradas. O Rio fervilhava de boatos. Tinha-se formado uma regência de três membros para governar o Brasil, pois o Príncipe era muito criança. Havia perturbação da ordem nas províncias. Os comentários borbulhavam. Pará, Pernambuco, Maranhão... Uma revolta na Ilha das Cobras. Andei a noite inteira inquieto. Lá por volta de meia-noite achava-me eu perdido à beira do mar, olhando as ondas, com saudade de meus tempos de índio livre. Pensei nas aventuras do passado e suspirei. O vento levou o meu suspiro, Fiquei olhando para as estrelas, como a lhes pedir conselho.

Voltei para casa muito tarde. Subi a escada que levava a meu quarto. Escuridão completa. De repente lá no alto, no patamar, surgiu uma luz. Era a dona da casa, com uma vela na mão. A luz batia no rosto enrugado da mulher. Parecia a cara dum fantasma. Não pude deixar de me lembrar de Curupira. Parei. Ela me olhou. Depois desceu alguns degraus, aproximou-se de mim com olhos arregalados e cochichou:

— Fuja!... Fuja!... Vieram os soldados... revistaram seu quarto... Eles vão voltar... Fuja!...

Eu estava embasbacado. Gaguejei:

— Mas eu não fiz nada!

A velha apertou o meu braço.

— Vá embora, meu filho. Alguém o denunciou. Decerto algum inimigo. Esteve aqui uma escolta de dragões. Fuja!... Eles voltam. Olhe a forca!

Senti na garganta a pressão da corda... A forca! Um calafrio me percorreu o corpo. Corri para o quarto. Tirei do baú a minha pistola e a minha faca. Pus-las na cintura, fiz uma trouxa com algumas roupas, juntei todo o dinheiro que tinha, paguei o alugue] do quarto, meti o resto no bolso e fugi. Mal tinha dobrado a primeira esquina, ouvi o estrépito de patas de cavalo. Espiei, com cautela. Eram os dragões que voltavam. Apearam na frente da casa onde eu morava. Deitei a correr, procurando sempre a sombra das casas. Quando o dia clareou, eu estava longe do Rio.

Com alguns dias de marcha cheguei a São Paulo. Entrei numa hospedaria barata, onde descansei por algumas horas. Pelo hospedeiro fiquei sabendo que um plantador precisava de um homem de coragem para tomar conta de suas plantações. Ofereci-me, consegui o lugar e ali passei algum tempo.

Dois anos correram. Não me pagavam mal. Mas eu andava triste. Tinha pena dos escravos. Tratava-os bem e isso de certo modo desgosta o patrão. Um dia vi o feitor chicoteando uma negra. Não me contive. Segurei-lhe o braço e arrebatei-lhe o chicote. O homem investiu contra mim, furioso. Desferiu um soco. Abaixei-me, rápido, e livrei-me do golpe. No instante seguinte minha munheca batia em cheio no queixo do feitor, que rolou pelo chão. O patrão surgiu furioso, trazendo consigo alguns caboclos armados.

— Peguem esse bandido! — gritava ele. — Peguem!

Deitei a correr. Saltei a primeira cerca, saltei a segunda, atravessei uma roça e dez minutos depois me encontrei na estrada, livre. Neste ponto minha memória me trai. Não sei que foi que me aconteceu. Lembro-me vagamente de uma carreta que entrei, carregada de fardos...

E por mais esforço que faça agora, só consigo me lembrar de um dia do ano de 1835 em que, montando num bom cavalo, eu me dirigia para o sul do Pais. A viagem foi longa e penosa. Mas eu me sentia bem ao ar livre, batido de sol, atravessando rios, cortando florestas e campos verdes.
51 — “ESTÁ PRESO!”

Uma noite me deitei debaixo dama grande figueira, conversei um pouco com as estrelas e dormi para só acordar no outro dia, já com sol. Olhei a meu redor e vi um grupo de homens mal vestidos, muito armados e de aspecto ameaçador.

Um deles se aproximou de mim, segurou-me os ombros, sacudiu-me e disse:

— Está preso. É um espião dos legalistas.

Gaguejei uma desculpa. Não me serviu de nada. Amarraram-me as mãos às costas e me fizeram caminhar a pé. Encontramos depois de marcha curta um acampamento. Levaram-me à presença do chefe. Fui submetido a um rápido interrogatório.

— Como se chama?

— Tibicuera.

— De quê?

— De nada.

O comandante resmungou.

— Que é que anda fazendo por estas bandas?

— Correndo mundo.

— Com que fim?

— Com nenhum.

— Sabe onde está?

— Não.

— No Rio Grande do Sul.

— Que bom!

— E sabe que estamos em guerra?

— Guerra? Ótimo! Ótimo!

Meus olhos chisparam: não vi, é claro, mas senti. E então fiquei sabendo que explodira no Rio Grande do Sul uma revolução. Li na cara do chefe que eu não lhe era antipático.

— Queres ser um dos nossos? — perguntou-me ele.

Minha resposta foi pronta e firme:

— Quero.

52 — TIBICUERA ENTRE “OS FARRAPOS”
Foi assim que me transformei em farrapo. Estávamos em 1835 e aquela era a Revolução Farroupilha. A pouco e pouco, no intervalo entre um combate e outro, na estrada por ocasião das longas marchas através das coxilhas, eu fui sabendo dos pormenores da revolução. O povo estava desgostoso com o presidente da província, o Dr. Antônio Rodrigues Fernandes Braga, que era acusado de simpatizar com a Sociedade Militar, que queria restaurar o trono de Pedro I. No dia 20 de setembro daquele ano de 1835 os chefes revolucionários — Onofre Pires e José Gomes de Vasconcelos Jardim tomaram conta de Porto Alegre. (Estive pensando numa coisa: Se os nossos heróis tivessem nomes mais curtos, seria mais fácil o estudo da História, do Brasil.) O Presidente Braga fugiu. A província caiu em poder dos revolucionários, E lá estava eu em cima dum cavalo, armado de lança, espada e pistola, lutando só por amor à aventura. Os meus ideais de poeta ficaram esmagados debaixo das patas dos cavalos. E depois do quinto combate comecei a gostar de meus companheiros e a amar aquela terra do Rio Grande, aquelas coxilhas que dão a impressão de um mar de ondas verdes que tivesse parado e se cristalizado de repente, por obra de um velho encantamento.

Não vou descrever os combates em que tomei parte. Foram tantos... Mas não queiram saber o que é uma carga de lanceiros, um entrevero ou o assalto a um quadrado.

Os anos passaram. Fui ferido duas vezes. Chegavam-nos notícias do Rio. A regência de três membros, que eu deixara tão forte e esperançada, não se aguentara Acharam melhor entregar o governo a um único regente. Passaram o rojão para as mãos do Pe. Diogo Feijó, que não quis ver estourar. Atirou-o para os braços de Araújo Lima. Ora, a revolução do Rio Grande parecia varíola, de tão contagiosa. Na Bahia um homem chamado Sabino provocou uma revolta que ficou com o nome de sabinada. No Maranhão houve também uma revolta cujo chefe tinha o apelido de Balaio, motivo por que esse movimento ficou na História com o nome de Revolta dos Balaios.

Chegaram os políticos à conclusão de que era melhor declarar a maioridade do príncipe e entregar-lhe o governo. Foi o que fizeram.

Em 1836, um dos nossos chefes, o Cel. Antônio de Sousa Neto proclamou a República Rio-Grandense, que teve por sede a Vila de Piratini.

Fonte:
Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Nemésio Prata (Versos Soltos) 1


A. A. de Assis (Balanço de Aniversário)


Alice Brandão (50 Trovas Seletas)


1
A doce luz da alvorada
que um novo dia anuncia
põe sobre a terra orvalhada
sobretons de poesia!
2
A essa gente faladeira
aconselho sem temor:
– Atire a pedra primeira
quem nunca foi pecador!
3
Alegria, se eu te sinto,
não obstante os sermões,
é que em todo o labirinto
Deus me aponta as direções.
4
As mágoas, os dissabores,
vê se esquece, segue em frente,
e planta, por onde fores,
do amor e paz, a semente.
5
A terna luz da alvorada
que precede o novo dia
deixa a terra iluminada
com cores de poesia!
6
Bendigo essa luz que, um dia,
em minha estrada brilhou,
e resgatou a alegria,
que o tempo quase apagou.
7
Bocadinhos de saudade
cobertos de nostalgia
são pura felicidade
com que nos brinda a magia!
8
Cumpri certinho a receita:
rima dupla em quatro versos.
Saiu a trova perfeita
onde vibram universos.
9
Da catedral da cidade,
a porta rica e dourada
discorda da caridade
que lá dentro é apregoada!
10
Desdenho a hipocrisia,
a ganância e a avareza
que alicerçam cada dia
tanto sonho de grandeza.
11
Despertar entre teus braços
foi meu desejo na vida;
do amanhecer, ver os traços,
sem que houvesse despedida!
12
Em meio aos lençóis de linho,
num abraço acolhedor,
a seiva do teu carinho
fortalece nosso amor!
13
Em silêncio, o pirilampo
cumpre essa nobre missão:
de por luzes pelo campo
qual estrelas na amplidão!
14
Enquanto as bombas da guerra
ceifam a vida inocente,
há mãos que unidas na Terra
pedem paz ao Deus clemente!
15
Enquanto a vida se enfeita
com sorrisos e amizades,
vou preparando a colheita
das lembranças e saudades.
16
Essa agridoce saudade
que faz da gente refém,
maltratada, é a verdade,
mas nos conforta também.
17
Há tanta luz na cidade
empalidecendo a lua...
e, órfãs da felicidade,
tanta criança na rua!...
18
Imploro que sobre a terra,
num gesto nobre e audaz,
em vez de bombas de guerra
se plantem flores de paz!
19
Magia é ver, finalmente,
o tempo a concretizar
aquele sonho, que a gente
passou a vida a sonhar.
20
Meu Brasil, vou declarar,
por ti, um amor sem igual:
és minha pátria, meu lar,
talvez meu leito final!
21
Na minha face, essas linhas
formam condecoração,
pois representam todinhas
as lutas do coração.
22
Nessas trovas que hoje eu faço
transparecem só fragmentos
das ideias que eu abraço,
das lutas e sofrimentos.
23
No cais, um lenço acenando
em tom de incredulidade,
aos poucos vai se afastando,
dando lugar à saudade.
24
No coração há magia
e o futuro é uma promessa...
No labor de cada dia
a esperança recomeça!
25
No recôncavo uterino
pouco a pouco, se processa,
o milagre mais divino:
– de nova vida, a promessa!
26
No refúgio de teus braços
encontro a felicidade,
porém, longe de teus abraços,
viro refém da saudade!
27
Numa colcha de retalhos
costurei nossas lembranças
e alinhavei os atalhos
com a linha da esperança.
28
Num sorriso de criança
vejo a vida amanhecer
povoada da esperança
de um eterno vir a ser...
29
O carinho revelado
sem que o olhar pressentisse,
ficou mais que comprovado,
embora a boca mentisse.
30
O mar, profundo e enganoso
se agita, cresce e se espraia;
lança-se forte e orgulhoso
e morre manso na praia.
31
O pão não tem preconceito,
é modelo de nobreza,
pois é por todos aceito,
fica bem em qualquer mesa.
32
O teu beijo sedutor
que me dá tanto prazer,
tem, do champanhe, o sabor
e as luzes do amanhecer!
33
O teu trabalho incessante
criou uma grande cidade
que te agradece, imigrante,
por toda a posteridade.
34
O trovador que se preza
ri mesmo da própria dor,
porque na trova ele reza
a força viva do amor!
35
Para esquecer a tortura
dos problemas e cansaço,
quero entregar-me à ternura
que só encontro em teu abraço!
36
Pela culpa confessada
ante o Teu imenso amor,
dou graças emocionada
pelo perdão redentor!
37
Pela maré desta vida
eu navego em solidão,
desejando achar guarida
no cais de teu coração.
38
Pelas ruas da cidade
crianças sonham em vão,
buscando a felicidade
no retinir de um tostão.
39
Pelos muros desta vida,
passa a vassoura do tempo:
vai varrendo decidida
toda a dor e contratempo.
40
Picadeiro iluminado
e a plateia a gargalhar;
é o palhaço que, inspirado,
faz graça pra não chorar!
41
Por falso amigo iludido
com dinheiro e seu valor,
o Rei dos reis foi traído
com um beijo enganador!
42
Quando a saudade atrevida
me transporta ao que passou,
nosso adeus é uma ferida
que ainda não cicatrizou.
43
Quando a vida tiver fim
hei de sempre ser lembrado,
pois deixo um pouco de mim
em cada órgão doado.
44
Quando um dedo tu apontares
ao defeito de um irmão,
verás logo, se pensares,
outros três te apontarão.
45
Quem, do cume, avista o vale
conclui, ao ver-lhe a beleza:
-Não há nada que se iguale
à força da natureza!
46
Quem é que em sonho tão vil
manchou o teu coração,
plantando em ti, meu Brasil,
violência e corrupção?
47
Revelando seus pendores,
o prisma reflete a luz
que, desfeita em sete cores
rebrilha, encanta, seduz!
48
Ser presa ou ser predador?
Essa coisa até tem graça:
quem um dia é caçador,
em outro pode ser caça!
49
Todo mundo é mesmo artista
na coragem exibida
como exímio equilibrista
na corda bamba da vida!
50
Vi passar a mocidade
de braços dados ao vento:
Deixou rastros, que a saudade
me traz a cada momento.
__________________
 
Alice Cristina Velho Brandão nasceu em Caxias do Sul/RS, em 1947. Professora aposentada, escritora, poetisa e trovadora. Pertenceu à Academia Caxiense de Letras/RS, Cadeira nº 14 e à UBT Seção Caxias do Sul, tendo presidido por vários anos as duas entidades. Pertencia também ao Movimento Aldravianista.
Obteve várias premiações em concursos literários no Brasil e no exterior. Participou de algumas antologias de trovas; é autora dos livros A Trova – Técnica e Arte, Rosas do meu jardim, O Mistério da Pedra Encantada
(conto infanto-juvenil) e O Pequeno Príncipe – Adaptação em Trovas (em parceria com a trovadora amiga Lucí Barbijan).

Faleceu em sua residência, em Caxias do Sul, em 2017, aos 70 anos, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC).


Fontes:
– União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre. Milton S. De Souza (editor). Livro de Trovas de Alice Brandão e Lia Rosa. Coleção Terra e Céu vol. XCIX. Porto Alegre/RS: Textocerto, 2016.
– União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre. Calêndula Literária.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Trova 288 - Lucília Trindade DeCarli (Bandeirantes/PR)

Fonte: Facebook Grupo Bonde Trova

Gislaine Canales (Glosando Delcy Canalles) I


CIÚMES DA FELICIDADE

MOTE:
Meu universo traduz
minhas angústias sem fim...
Sou como um cego sem luz,
perdido dentro de mim!
(Delcy Canalles)

GLOSA:

Meu universo traduz
tristeza, insatisfação...
Tentei, mas eu não transpus
as muralhas da emoção!

Sofro sozinha e tão triste,
minhas angústias sem fim...
Para mim já nem existe
o sonho, esperado, assim!

Eu carrego a minha cruz
em completa escuridão,
sou como um cego sem luz,
a viver na solidão!

Sigo nessa busca enorme,
trazendo a alma em motim,
numa revolta disforme,
perdido dentro de mim!
____________________________

COMO EU ME ENGANAVA...

MOTE:
mil promessas me fazias
e, incauta, eu acreditava,
pensando que me querias...
Meu Deus, como eu me enganava!
(Delcy Canalles)

GLOSA:

Mil promessas me fazias
que encantavam meu viver,
e as minhas horas vazias
transmutavam-se em prazer!

Mas tudo era falsidade
e, incauta, eu acreditava,
não sabia que a verdade
dos teus lábios se afastava!

Vivia mil alegrias!
O meu sonho era sem fim,
pensando que me querias...
e que gostavas de mim!

Falsos momentos de amor
em que eu tanto me apegava,
agora são só de dor...
Meu Deus, como eu me enganava!
____________________

A VIDA ME FASCINA

MOTE:
Se a alma não envelhece
e se o amor não termina,
a minha esperança cresce
e a vida mais me fascina!
(Delcy Canalles)

GLOSA:

 
Se a alma não envelhece
acalme-se, coração,
vá devagar, não se apresse,
que a vida é um mar de emoção!

Se o sonho, em nós, continua,
e se o amor não termina,
será, lá no céu, a Lua,
minha inspiração - menina!

É um milagre que acontece!
Nesse milagre de amor,
a minha esperança cresce
e faz-me esquecer a dor!

Vivendo, assim, de alegria
minha vida é uma vitrina
enfeitada de poesia...
e a vida mais me fascina!
Fonte:
Gislaine Canales glosando Delcy Canalles. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Janeiro de 2004.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

III Encontro Nacional de Escritores - Poesia na Cidade Poesia (25 A 27 de Maio)


Com o patrocínio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, a Associação de Escritores de Bragança Paulista - ASES e a União Brasileira de Trovadores - UBT - Seção de Bragança Paulista - promovem o III Encontro Nacional de Escritores - Poesia na Cidade Poesia no período de 25 a 27 de maio de 2018.

O objetivo do Encontro é uma imersão literária. Os escritores debaterão literatura brasileira, hospedados no Apart Hotel NC - Bragança Paulista. Nesta edição o enfoque principal será a poesia. Na oportunidade também ocorrerá a festa de premiação e lançamento da antologia de vencedores do V Prêmio Literário Cidade Poesia, promovido pela ASES em 2017 e do III Láurea Cidade Poesia, de trovas, promovido pela União Brasileira de Trovadores - Seção Bragança Paulista.


Programação
Dia 25 - Sexta-feira

Entrada no hotel a partir das 13 horas: Recepção aos escritores

18h30às19h30  - Jantar

20h30 - Sarau literomusical, com a participação musical da banda MPBpop.

Dia 26 - Sábado

9h00 - Roda de poesia - Discussões e debates sobre poesia

10h30 - Coffee break

10h45às12h00 - Apresentação de poemas pelos poetas presentes

12h00 - Almoço

14h00 - Roda de Prosa- Discussões e debates sobre conto/crônica

15h30 - Coffee break

16h30 - Palestra de Maria Valéria Rezende
- vencedora, dentre outros, do Prêmio Jabuti 2016. com o romance 40 dias e dos Prêmios Casa de Las Américas e São Paulo de Literatura, em 2017, com o romance Outros Cantos.

18h30 às19h30 - Jantar

20h30 - Solenidade de entrega de prêmios e lançamento da antologia de vencedores do V Prêmio Literário Cidade Poesia e do III Láurea Cidade Poesia (trovas com o tema Trajeto).
Apresentação do tenor Allan Vilchez.

Dia 27 - Domingo

9h00 - Palavra da União Brasileira de Trovadores - Discussões - debates sobre trovas

10h30 - Coffee break

10h45 - Apresentação de Isadora Prata interpretando Terpsícore, a musa da dança.

11h00 às 12h00 - Jogo Floral - apresentação de trovas pelos trovadores presentes

12h30 - Almoço de confraternização e despedida.

HOSPEDAGEM

Preços por pessoa no período incluindo: hospedagem com café da manhã, refeições (bebidas à parte) e coffee breaks.:

Apartamento single: R$ 550,00

Apartamento duplo: R$ 400,00

Apartamento triplo: RS 370,00
 
Apartamento quádruplo: RS 350.00

Os interessados deverão enviar a ficha de inscrição, juntamente com cópia do comprovante de pagamento para o e-mail asesencontro2018@gmail.com

Conta para depósito:
Associação de Escritores de Bragança Paulista
Banco Santander: 033
Agência: 0074
Conta corrente: 13001592-0
CNPJ: 67.160.747/0001-88

Informações complementares poderão ser solicitadas por intermédio do e-mail acima ou na página da ASES no Facebook.

Ficha de Inscrição:
 
Nome: ______________________________________  
CPF:_________________________    
RG: ______________________   
Endereço completo: __________________________
Telefones: (_)_____________  (_)_______________   
e-mail: _____________________________________  

Informar se deseja ficar em apartamento single/duplo/ triplo ou quádruplo!

Fonte:
Lóla Prata
Presidente da UBT Seção Bragança Paulista

Contos e Lendas do Mundo (Pérsia: A Donzela que era Irmã de Sete Gênios)

Era uma vez, no alto de uma montanha, no antigo Irã, que morava uma donzela que foi adotada por sete gênios que a encontraram na floresta, enquanto caçavam. Levaram-na ao castelo onde viviam e ali foi criada por uma velha ama até fazer 17 anos.

Era o dia de seu décimo sétimo aniversário, e estava tão formosa como a mais adorável princesa da terra. Nesse dia, ao olhar pela janela, viu alguém se aproximando pela pequena estrada que conduzia ao castelo.

– Ama! ama! Que coisa é essa que vem subindo pela colina em direção ao castelo? Nunca vi nada parecido em toda minha vida.

– Ah, Senhorita Fátima! -  gritou a criada, que era uma mulher horrorosa, com uma verruga na cara - Afaste-se da janela. Isso que estás vendo é um ser humano e não deves falar com ele porque teus sete irmãos ficariam furiosos.

– Bobagem, ama! - disse Fátima, que era bastante decidida e gostava de fazer coisas à  sua maneira. – Vou abrir a janela e o chamarei, pois parece cansado. Tenho certeza de que está perdido e faminto.

A criada começou a falar e falar, mas Fátima não lhe prestou a menor atenção e, abrindo a janela, chamou o viajante com melodiosa voz:

– Entre no castelo ser humano para que possa descansar e recuperar forças comendo e bebendo algo. Estou só, pois meus irmãos estarão todo o dia caçando.

O estrangeiro era um príncipe chamado Nureddin, que havia perdido seu cavalo ao passear pelas redondezas. Nureddin não pode evitar maravilhar-se com aquela formosa jovem que o convidava do alto do castelo. A criada abriu as portas e, meia hora depois, Nureddin se encontrava sentado com Fátima comendo uvas, queijo e delicioso pão.

Fátima estava encantada com o jovem. Fez centenas de perguntas e ele falou do mundo que havia além do castelo.

– Preciso conhecer essas maravilhas -  disse ela. – Ah... se meus irmãos desejassem partir...!

– De nenhuma forma, jovem ama Fátima -  repreendeu a criada que os servia - A senhorita sabe que meus senhores nunca a deixarão partir do castelo, pois eles são muito zelosos e dariam morte a este humano se o virem aqui.

– Então eu mesma descobrirei a maneira de fugir do castelo - declarou Fátima. – Assim verei as maravilhas do mundo descritas por este jovem.

O príncipe não cabia em si de felicidade e prometeu a Fátima que a levaria ao reino tão pronto tivesse descansado. Porém, antes que Fátima pudesse dizer algo, foram ouvidos gritos que vinham da entrada e latidos de cães, mesclados a relinchos de cavalos.

– Oh, ser humano! - gritou a criada -. Esconda-se nesta arca pois meus senhores voltaram e te farão em pedaços no momento que te virem.

Ainda que ela fosse um gênio e também detestasse os humanos, sabia que a sua jovem ama havia gostado do jovem e por isso queria ajudá-lo. Imediatamente o príncipe entrou na arca e Fátima o fechou com mão nervosa. Apenas tinha se escondido, a porta se abriu e os sete irromperam na sala.

– Irmã Fátima! Irmã Fátima, que temos para comer? - “ vociferou um deles, dando inicio a um monumental barulho de vozes e risadas, enquanto tiravam suas enormes botas. Fátima e a criada ajudaram, nervosas, a tirarem os casacos de pele.

- Ama, traga vinho. Estamos ardendo de sede!.

A velha saiu apressada para cumprir a ordem. De repente os gênios, um depois do outro, começaram a fungar com seus enormes narizes e gritaram enfurecidos:

– Um homem, um homem! sinto o cheiro de um homem!.

Fátima ficou pálida e seu coração bateu violentamente. Dentro da arca o príncipe se moveu e se cobriu com roupas para não ser descoberto.

- Alguém esteve aqui, irmã Fátima, onde está?.

Todos os gênios se levantaram e começaram a gritar furiosos. Iniciaram uma febril busca de um quarto a outro, abrindo todas as portas, cheirando e bufando como bestas selvagens. Estavam tão excitados que não lhes ocorreu, num primeiro momento, olhar a arca e Fátima, aproveitando que estavam noutra sala do castelo, castelo, ajudou o príncipe a sair.

– Depressa, depressa, vou mostrar-te um caminho secreto para sair do castelo. Se não foges, meus irmãos te farão em pedaços!

A noite estava caindo e se ouvia os gênios enfurecidos, verificando sala por sala de todo o castelo. Fátima começou a sentir medo. Os dois correram de mãos dadas em direção ao fogão e ali ela o ajudou a entrar na chaminé.

– Vem comigo Fátima!, vou te libertar deste terrível lugar - sussurrou o príncipe.

Ela assentiu silenciosamente. Assim subiram pelas pedras da chaminé, até que finalmente os recebeu uma noite carregada de estrelas.

- Onde estão os cavalos? - perguntou o príncipe com tom de urgência.

Fátima o conduziu ao estábulo. Silenciosamente, como duas sombras, eles deslizaram por detrás do castelo. Os criados das cavalariças repartiam os dinheiros dos roubos do dia e não viram como um par dos melhores alazões eram retirados por Nureddin. Quando estavam montados, o barulho dentro do castelo aumentou e os sete gênios viram, à  luz da lua, como fugiam os dois jovens, galopando através dos enormes portões de entrada.

- Atrás deles! - rugiu o mais velho - vamos trazê-los vivos e os assaremos como duas galinhas!.

Os cavalos galoparam como o vento, montanha abaixo, como animais encantados que eram. Contudo, logo, vieram os sete gênios montando cavalos igualmente ligeiros e fortes.

– Fátima volta. Perdoamos, porém deixa-nos matar este humano!

A jovem, assustada, podia ouvi-los gritando e sabia que não passaria muito tempo até que os irmãos a alcançassem. Então ela revistou seu bolso e encontrou uma semente mágica, e a lançou por cima de seu ombro esquerdo. No mesmo instante, uma enorme planície de espinhos surgiu entre os gênios e os fugitivos.

Os cavalos dos gênios não puderam correr como antes, pois os espinheiros se enroscavam em suas patas e os atrasavam, mas ao cabo de meia hora já estavam em seu encalço e Nureddin perguntou:

– Fátima! que vamos fazer? Temos que detê-los pois estamos ainda a meio caminho do reino de meu pai, no qual chegaremos ao amanhecer, se os gênios não nos alcançarem.

– Não tenhas medo! - disse Fátima com bravura, e buscando mais uma vez dentro de seu bolso - creio que posso fazer algo.

E lançou por cima de seu ombro esquerdo uma pinha. Imediatamente surgiu um incrível bosque de árvores e os fugitivos puderam galopar sem ser vistos. Os intrépidos animais os levaram cada vez mais próximos às terras do príncipe. Fátima, com os cabelos flutuando ao vento, começava a sentir-se a salvo quando o príncipe olhou para trás e gritou:

-Ah! Nos alcançam de novo. Nos apanharão dentro em pouco a menos que algo os detenha..

Fátima buscou em seu bolso, e já caía em desespero quando seus dedos se fecharam sobre um grão de sal. Jogou-se para trás e imediatamente um espumoso mar surgiu detrás dos cascos de seu cavalo e nele caíram os gênios e seus cavalos afogando-se, pois os gênios não nadam bem em água salgada.

Fátima e Nureddin cavalgaram um pouco mais e quando o dia estava nascendo chegaram à bela cidade de Nashapur.

Ali o palácio real brilhava com esplendor de ouro e turquesa, com pavões nas alamedas do jardim exibindo cheios de pompa suas esplêndidas plumas. Então os soldados das muralhas, vendo o príncipe se aproximar, fizeram soar as trombetas de prata incrustadas de raras pedras preciosas.

Fátima foi recebida como uma princesa, e casou-se com o príncipe numa esplêndida festa que durou sete dias e sete noites. Os cavalos encantados que os levaram até ali desapareceram quando a lua estava cheia. Eles sabiam que sua jovem ama era, apesar de tudo, um ser humano, e preferiam viver a serviço dos gênios, pois esta é a lei mágica estabelecida quando o mundo começou através de Salomão, rei dos magos e das bestas encantadas, sobre quem seja a paz.

Fonte:
Contos de Encantar