domingo, 13 de maio de 2018

Jardim de Trovas (Mãe)


Com que suave ternura
tece a canária o seu ninho!
– Mãe é assim, dengosa e pura,
a nossa e a do passarinho…
A. A. de Assis

Depois que, mãe tu partiste, 
como uma Santa em seu véu, 
o céu que eu via tão longe, 
ficou mais perto, e mais céu... 
Adelmar Tavares

Não sei de maior tristeza,
nos caminhos que palmilho,
que a da mãe que vela, à mesa,
o corpo morto do filho.
Agmar de Guedes Vaz

Na saudade me acarinha
este consolo de luz:
- para ser melhor que a minha,
somente a Mãe de Jesus.
Alberto Fernando Bastos

Mãe, por mais que eu me concentre 
na importância do que faço, 
não esqueço que o teu ventre 
foi o meu primeiro espaço. 
Almerinda Liporage

Quando se diz mãe, se beija
o ar que dela nos separa...
Mãe, seja e que língua seja,
é sempre a expressão mais cara!
Amadeu Fontana Lindo

Minha mãe sempre ao meu lado, 
é amiga na dor, no riso; 
não reclama do seu fado, 
finge sempre um paraíso... 
Amarillys Schloenback

Mamãe! Que grande poder!
De você, de dentro eu vim...
Agora, mãe, é você
que vive dentro de mim!
Amaury Miranda

Mãe, retrato de ternura, 
de pura abnegação, 
é a mais doce criatura 
a quem Deus deu coração. 
Amilton Maciel Monteiro

Amor de mãe é semente 
que germina em qualquer chão, 
é feito só de ternura, 
é feito só de perdão. 
Anfrísio Lima

Quantos filhos, sem carinho
de pais e mães anormais.
Quantas mães sem um filhinho,
quantos filhinhos sem pais...
Anis Murad

Há rosas na primavera,
no estio, no outono, no inverno;
mas não há rosas mais lindas
que as rosas do amor materno!
Antonieta Borges Alves

Nas vidraças do orfanato
quantos olhinhos à espreita,
buscando ver o retrato
da mamãezinha perfeita.
Antônio Bispo dos Santos

Ao perdê-la, Mãe querida,
algo estranho sucedeu:
Eu não sinto mais a vida!
Sinto que o morto sou eu!
Antonio Werneck

O filho, se for dar paga
ao grande bem que a mãe traz,
pagando tudo, não paga
metade do que ela faz.
Antônio Zoppi

Ó mãe, que tudo perdoas,
corrige teus pequeninos!
Às vezes, de intenções boas,
nascem ladrões e assassinos...
Aparício Fernandes

Minha mãe, bondosa e bela,
este milagre operou:
vivi bem mais junto ela
depois que a morte a levou!
Aristheu Bulhões

Mãe não rima certamente... 
Mas vejo, lembrando a minha, 
que há muitas rimas, se a gente 
quiser chamá-la mãezinha! 
Archimimo Lapagesse

Que grande amor verdadeiro 
o da mãe pelo seu filho. 
Amar é doar-se inteiro, 
e vencer todo o empecilho. 
Arlene Lima

Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria.
Era uma Santa escutando
o que outra santa dizia.
Barreto Coutinho

A mãe que a filho acalenta
- tal o seu amor profundo -
tem a impressão que sustenta
em seus braços todo um mundo.
Belmiro Braga

Mãe – presente do Senhor, 
que a humanidade conduz 
num barco cheio de amor, 
singrando mares de luz! 
Benedito Camargo Madeira

Vais ser mãe... Tua figura
perdeu a graça infinita...
Mas revelas tal ventura
que pareces mais bonita.
Carlos Guimarães

Mãe é ternura infinita
e ainda que a alma lhe doa,
ante um filho não hesita,
enxuga o pranto e…perdoa!
Carolina Ramos

Tão pequenino e, no entanto,
traduz o amor mais profundo;
que nome existe, mais santo,
do que o teu, mãe, neste mundo?
Cecília Cerqueira Cavalcanti

A ternura se descobre
em seus mais profundos traços,
através de uma mãe pobre
ninando o filho nos braços.
Cezário Brandi Filho

A Deus dirijo esta prece,
no ermo das noites sem fim:
- A dor que é para meus filhos,
quero-a toda para mim.
Circe Moreira Rosa

A Mãe, por ser indulgente, 
tudo em seu coração cabe. 
A mãe é aquilo que a gente 
quer definir mas não sabe. 
Clarindo B. Araújo

Mãe não é só quem procria. 
nos diz velho ditado. 
Ser mãe é também quem cria 
com amor um filho adotado. 
Claudyra Dias da Rocha

Minha mãe! Quanta saudade 
de quem deixou-me, na Terra, 
lições de total bondade 
e de paz em plena guerra... 
Clevane Pessoa

"Emes", de Mãe e Maria,
eu escondo em cada mão.
E, ao juntá-los, todo dia,
eu faço a minha oração.
Colbert Rangel Coelho

No mês de Nossa Senhora,
que é teu lindo mês também,
mamãe, dizer-te eu queria
o quanto te quero bem!
Colombina

Mãe viva, mãe que partiu... 
Todas merecem louvores; 
seu amor sempre floriu 
na rima dos trovadores. 
Conceição A. C. de Assis

Devoção de mãe parece
mesmo, um amor diferente.
Sempre que o filho adoece,
ela fica mais doente.
Dalva de Araújo

Mãe! criatura querida, 
santa heroína sois vós; 
quando nos destes a vida, 
destes o sangue por nós. 
Décio Valente

Era uma santa em verdade, 
mais santa que outra qualquer, 
a  mulher,  hoje,  saudade, 
que foi mais mãe que mulher! 
Delcy Canalles

Amor de mãe é tão grande,
tão profundo na expressão,
tão sincero, tão sublime,
que não tem definição!
Delmar Barrão

A beleza de um momento
jamais se esquece na vida,
é a lembrança de um alento:
o beijo da mãe querida!
Dercy Alonso de Freitas

Eu sou rica, meu amigo!
Vivo cercada de ouro,
pois tendo mamãe comigo,
possuo o maior tesouro.
Deyse C. Gotardello

Quando a mãe beija seu filho
– tesouro herdado de Deus –
quanto fulgor! Quanto brilho
espelha nos olhos seus!
Diamantino Ferreira

A expressão triste no rosto 
desfigurado, sem brilhos, 
é a maquiagem do desgosto 
que a mãe recebe dos filhos. 
Djalma Mota

Tricotando o sapatinho,
a mamãe para um momento
e acaricia o pezinho,
no seu ventre, em movimento…
Domitilla Borges Beltrame

Se “Mãe” não tem com que rime,
não desistas, trovador…
Troca a palavra sublime
pelo sinônimo “Amor”!
Dorothy J. Moretti

Sente a mãe, maravilhada,
da ventura o doce enleio,
vendo a boquinha adorada
sugando a vida em seu seio!
Durval Mendonça

Lampadário de bonança,
luzente, formoso e terno,
nada supera a esperança
que existe no olhar materno!
Elen De Novais Felix

A certeza que me encanta,
e a ti também, certamente,
é saber que a mãe mais santa
será sempre a mãe da gente.
Eliana Dagmar

Toda luz na diretriz 
deste meu viver austero 
é um bilhetinho que diz: 
- "Mamãe, querida, eu te quero"!! 
Elisabeth Souza Cruz

Minha mãe, foram teus braços,
refúgio dos meus segredos,
onde deitei meus cansaços
e adormeceram meus medos!
Ercy M. Marques Faria 

De minha mãe, a ternura
sempre recordo chorando...
Não sei de imagem mais pura,
nem de sorriso mais brando.
Eugênio de Freitas 

Mãe merecia um presente
que Deus não dá a ninguém:
o viver eternamente
e, com ela, nós também!
Eulália Spinelli

Não caminha nos abrolhos
da incerteza e da traição,
quem tem mãe - no altar dos olhos!
quem tem Deus - no coração!
Francisco de Matos

Mamãe! que ternura doce, 
tem teu canto de ninar! 
Teu canto é como se fosse 
voz de uma santa a cantar! 
Francisco Garcia

Se Deus atendesse, um dia,
minha prece ingênua e doce,
quem fosse mãe não morria,
por mais velhinha que fosse!
Francisco Luzia Netto

Deus, em toda sua glória,
com tanta grandeza e brilho,
pra completar sua história,
quis ter mãe e quis ser filho!
Gislaine Canales

Para a mãe que se desvela
junto a um berço e não se cansa,
não há música mais bela
que o choro de uma criança.
Guiomar Machado

Creio em Deus desde menino.
Creio no céu que me encanta,
e no desvelo divino
de minha mãe, que é uma santa.
Hélio Garcia de Mattos

Ser mãe é trabalho insano
que tal carinho irradia
e te faz, por todo o ano,
ser a mãe de cada dia!...
Hermoclydes S. Franco

A mãe é essência divina 
que todo amor nela encerra; 
é luz que a estrada ilumina 
para os filhos nessa terra. 
Horácio Ferreira Portella

A mãe que nós hoje temos
é como a luz, meu rapaz:
só quando falta é que vemos
a falta que ela nos faz!
Ildefonso de Paula

Amor de mãe não se embaça,
é flor que nunca fenece,
quanto mais o tempo passa,
com mais vigor ele cresce.
Isabel Moraes de Aguiar

Tenho minha mãe querida,
um amor todo especial.
Ela vale em toda a vida
como alguém em potencial.
Isaías Teves

Mãe, com respeito profundo
é que esta verdade escrevo:
Toda a riqueza do mundo
não paga o bem que eu te devo!
Ivo dos Santos Castro

Minha mãe partiu e agora
na saudade que me envolve,
eu sou criança que implora:
– Por favor, Senhor... devolve...
Izo Goldman

Por teu sonho já concreto,
minha mãe, por teu louvor,
guarda esta rosa de afeto
no vaso do teu amor.
Jandira Grillo

Surpreendente maravilha
a que agora me acontece:
- Minha mãe é minha filha
à medida que envelhece.
Jesy Barbosa

Ó minha mãe! em meus cantos,
num grato e eterno estribilho,
bendigo a Deus que, entre tantos,
me escolheu para teu filho!
J. G. de Araújo Jorge

Que o teu nome não tem rima
sempre alega o trovador.
Trovar com ele me anima,
pois sempre rima com amor.
J. L. Leôncio

Ora a mãe sorri feliz...
ora o olhar preocupado...
seu semblante sempre diz
o que há no peito guardado.
Jorge Fregadolli

Minha Mãe. Minha alegria.
Meu amor. Minha santinha.
Deu-me tudo o que eu queria
mas levou tudo o que eu tinha.
José Gilberto Gaspar

Minha mãe verteu mais pranto
que a Mãe de Nosso Senhor.
- A Virgem chorou um santo;
minha mãe - um pecador!
José Maria Machado de Araújo

Minha mãe era tão boa!
Deus a levou. Mesmo assim,
por qualquer mal que me doa,
sempre está junto de mim!
Junquilho Lourival

Eu não vi quadro mais lindo, 
nem em Londres ou Paris 
que uma criança sorrindo 
no colo da mãe feliz! 
Lacy José Raymundi

Mãe! Que é da rima sublime
para este nome invulgar?
- Nenhum vocábulo exprime
sua grandeza sem par!
Lauro de Azevedo Rolim

São três letras tão pequenas,
sem rima para meu verso:
mãe - uma sílaba apenas,
e nela, cabe o universo.
Leonardo Henke

- "Não há mãe melhor que a minha"
diz a filha à mamãezinha.
E a mãe, sorrindo: - "Filhinha,
melhor que a tua era a minha"...
Lia Pederneiras de Faria

Sua cruz que eu sei, pesada,
minha mãe leva sozinha.
Mesmo assim, velha e cansada,
me ajuda a levar a minha.
Lilinha Fernandes

Para mãe, não há uma rima, 
no idioma português, 
pois ser mãe é obra prima, 
- foi assim que Deus a fez. 
  Luiz Hélio Friedrich

Mãe é uma luz diferente!
Esplende com tanto brilho
que aclara, continuamente,
toda a estrada de seu filho!
Luiz Otávio

Maria, Mãe do Senhor!
Mãe dolorosa, é verdade.
Mãe sublime! Mãe de amor,
que salvou a humanidade!
Maria Helena Cantelli

As mães são divinas plantas 
que deram flores, sementes... 
Para Deus são todas santas, 
com milagres diferentes ... 
Maria Nascimento

Mais parece um estribilho,
o ranger de uma porteira,
para a mãe que espera o filho,
pela madrugada inteira...
Maria Nelsi Sales Dias

Mamãe: tuas mãos pequenas
que souberam trabalhar,
parecem aves serenas,
já cansadas de voar!
Maria Thereza Cavalheiro

Coração de mãe - canteiro
em perene floração,
onde um santo jardineiro
planta as rosas do perdão.
Marilita Pozzoli

Vou ser mãe… ela murmura…
e o seu ventre, com nobreza,
aos poucos, forma a figura
de um templo da natureza…
Marina Bruna

Quando beijo, mãe, a palma
sedosa de tua mão,
eu também sinto a minha alma
beijar o teu coração!
Mário Braga

A mãe é esta criatura 
que mil vezes dá perdão. 
E tem paciência e ternura 
sobrando no coração. 
Milton Souza

Louvo as mães, o sol caindo,
vão à igreja, levam velas,
à Virgem sempre pedindo
pelos filhos…não por elas.
Moacyr Figueiredo

Grande símbolo de afeto, 
toda mãe, por nos dar vida, 
faz do amor seu predileto 
gesto que ninguém olvida. 
Nei Garcez

Quanta mãe que, mal casada,
não vê mais da vida o brilho,
mas padece resignada,
pelo amor que tem no filho!
Nicomedes Arruda

Das dores que o tempo aguça,
a mais triste, eu desconfio,
ser a da mãe que soluça
junto de um berço vazio...
Nilo Aparecido Pinto

Minha mãe, flor entre abrolhos,
que se desfolha, num ai.
Cada lágrima em seus olhos
é uma pétala que cai...
Orlando Brito

Mãe, com divina bondade, 
inteligência e com brilho, 
faz tudo que ao filho agrade, 
sem nada exigir do filho. 
Orlando Woczikosky

Em paz o mundo estaria
se governassem a terra
somente mães que, algum dia,
perderam filhos na guerra...
Osmar Godinho

Mãe - é palavra sem rima,
buscá-la é inútil, não tente,
pois mãe está muito acima
de tudo, coisas e gente.
Otávio Babo Filho

Outra luz não há tão pura,
nem olhar com tanto brilho,
como o fitar com ternura
da mãe namorando o filho.
Paula Faria

A minha mãe, que descansa
lá no azul da eternidade,
deixou-me como lembrança
esta perene saudade...
P. de Petrus

Na sala nobre do peito,
minha mãe, a tua imagem
é o quadro que mais respeito
e ao qual mais rendo homenagem.
Pedro Guedes

Te amando, mãe, desde o berço,
eu nem te amei tanto assim,
pois não te dei nem um terço
do amor que tu deste a mim!
Regina Célia de Andrade

Fecunda o ventre rosado
do amor, a fértil semente
e, a mãe, abriga um legado
que é futuro em seu presente…
Relva do Egypto R. Silveira

Minha mãe, do amor escrava,
com seu carinho e constância,
era a fonte que irrigava
o jardim de minha infância!
Renata Paccola

Mamãe foi feliz morrendo, 
foi feliz porque morreu! 
pois se me visse sofrendo, 
sofria mais do que eu ! 
Renato Caldas

Amor de mãe é tão puro,
tão sublime e tão fecundo,
que, comovido, asseguro
ser o primeiro do mundo.
Renato de Lacerda

Não chores, Mãe, se em teu peito
não posso mais me abrigar:
- o rio deixa o seu leito
e cai nos braços do mar.
Roberto de Medeiros

Quando piso, descuidado
as trilhas do coração,
sinto, a cada passo dado,
minha mãe me dando a mão!
Roberto Resende Vilela

À minha mãe que voou, 
nas asas de um querubim, 
pedindo hoje aqui estou 
que do céu vele por mim. 
Sara Furquim

Fiz-te rainha, entretanto,
errei, minha mãe, perdoa...
- Era o teu halo de santa
que eu julguei uma coroa!
Sérgio Fonseca

Mamãe, eras diferente 
das outras Mães, para mim. 
De ti sinto bem presente 
esta saudade sem fim. 
Sinésio Cabral

Penso ouvir teu acalanto,
minha mãe, lá de onde estás,
querendo enxugar meu pranto
e ninar-me, em horas más.
Thereza Costa Val

É noite!… E, num desvario,
na dor que a sufoca e invade,
chorando – o berço vazio –
a mãe embala a saudade!
Therezinha Dieguez Brisolla

Eu sei, mãe, que minha estrada
tem de seus olhos o brilho...
Toda mãe é uma alvorada
no amanhecer de seu filho!
Tiago Azevedo

Além de toda a alegria
de ser mãe, eu penso assim:
– Que bênção lembrar que, um dia,
anjos moraram em mim…
Vanda Fagundes Queiroz

Hoje órfã de seu afeto, 
carente de seu carinho, 
queria você por perto... 
a iluminar meu caminho! 
Vânia Ennes

Eu rememoro a saudade 
de minha mãe, as carícias: 
serena necessidade 
de seu carinho e delícias... 
Vidal Idony Stockler

Não chores, ó mãe querida,
acalma as dores, acalma!
Teu filho fugiu da vida,
porém ficou em tua alma!
Vital Bizarria

Almejo trilhas sem fim, 
ornamentadas de rosas!... 
Mãe, vais à frente de mim, 
cultivando as mais formosas! 
Wagner Marques Lopes

Em meu tempo de estudante,
se algum mal me acontecia,
não sei como, tão distante,
minha mãe logo sabia.
Waldemar Pequeno

Transcendo o sonho e refaço 
minhas rotas do passado, 
para ter de novo o abraço 
do ventre em que fui gerado. 
Wandira Fagundes Queiroz

Céu com três letras se escreve,
mãe também se escreve assim,
e neste nome tão breve
existe um céu para mim!
Wilson Dantas

Mãe é puro sentimento 
que se mistura à razão. 
Mãe é tudo num momento, 
e... muito mais: coração. 
Zeni de Barros Lana

sábado, 12 de maio de 2018

Trova 301 - Lourdes Gutbrod (Rio de Janeiro/RJ)

Fonte: Facebook (Meus Irmãos Trovadores)

André Kondo (Pequenas Poesias do Dia a Dia)


1
uma folha
brinca sozinha
dando cambalhotas
de outono

2
um semáforo quebrado
piscando amarelo
no cruzamento dos erros
atenção

3
um livro fechado
e nunca lido
na escuridão guarda
iluminados segredos

4
na fotografia da sala
a infância dorme
eterna
e terna

5
um bilhete
na porta da geladeira
aquece a relação:
fiz pudim

6
brancas nuvens
se libertam da paineira
chovendo
úmidas lembranças

7
uma gaiola
vazia
guarda voos

8
uma geladeira aberta
pausa para pensar
geladeira cheia
esvazia a mente

9
uma garrafa vazia
com uma ébria mensagem
jogada ao mar 
em ressaca

10
um menino 
brinca de guerra
enquanto outro de verdade
morre em outro ponto da Terra

Fonte:
André Kondo. Cem pequenas poesias do dia a dia. 
Jundiaí/SP: Telucazu Ed., 2016.

Contos e Lendas do Mundo (Palestina: O Caçador)

Era uma vez um homem quem era caçador, e seu nome era Caçador, também. Um dia, ele estava caçando quando encontrou um cervo. Quando mirou no animal, o cervo desapareceu. Ele mirou novamente e de repente o cervo se transformou num homem. 

Caçador ficou apavorado. O homem chegou perto dele e disse: 

– "Por que você sempre caça cervos e pássaros? Você não sabe que eles têm um dono?" 

– "Eu tenho que alimentar minha família, e esta é sua única forma", replicou Caçador.

– "Qual o tamanho de sua família?" perguntou o homem. 

– "Dois meninos, uma menina, minha mulher e eu", respondeu Caçador, "e isso é o que nos mantêm vivos".

– "Bem", disse o homem, "se eu lhe der dinheiro, você para com isso?" 

– "É claro", disse Caçador, "assim que eu tiver dinheiro, nunca mais caçarei". 

Neste momento, o homem pegou cinquenta dinares e deu-os a Caçador. 

– "Antes que você vá, qual é seu nome?" o homem perguntou. 

– "Sou Caçador, e você?" disse Caçador.

– "Chamo-me Abdala", respondeu o homem, "e eu tenho uma família, como você".

Caçador chegou em casa, limpou sua arma e encostou-a na parede. Ele disse a sua mulher que nunca mais iria caçar e que Deus lhe tinha dado uma fonte de dinheiro. Porém, não muito depois, o dinheiro acabou, e Caçador pegou novamente sua arma e saiu para caçar. Quando ele chegou na mata, encontrou o cervo no mesmo lugar e na mesma hora. Ele mirou, e imediatamente o animal transformou-se em Abdala. 

– "Não tínhamos um acordo?" perguntou Abdala. 

– "Mas o dinheiro acabou", disse Caçador, "e nós quase morremos de fome". 

– "Você vê aquela rocha?" disse Abdala, "Sempre que você precisar de mim, apenas vá até ela e diga 'Ei irmão Abdala', e virei imediatamente." 

Então ele deu ao caçador outros cinquenta dinares.

Caçador voltou feliz para casa. Quando ele deu o dinheiro a sua esposa, ela exigiu saber onde ele o tinha conseguido. Ele disse que tinha encontrado um amigo que lhe prometera ajuda todas as vezes que necessitasse; Caçador somente tinha que ir à  rocha e chamá-lo. 

"Você é um homem pão-duro!" disse a esposa de Caçador, "Você deveria convidá-lo a vir a nossa casa, nós poderíamos comer juntos e reforçar essa amizade." 

Então Caçador voltou à rocha e chamou Abdala. Após se desculpar por não convidá-lo, Abdala insistiu para que primeiro a família de Caçador fosse a sua casa. Após combinarem para às oito da manhã, Caçador voltou para casa para contar à esposa as novidades.

Caçador e sua família compraram um presente e se dirigiram à rocha com as crianças. Quando eles lá chegaram, encontraram Abdala e sua família esperando.
Cada um da família Abdala deu boas-vindas a um membro da família Caçador e eles sacudiram as mãos. Num piscar de olhos, eles estavam num mundo diferente.

A família Abdala preparou um banquete e convidou todos os vizinhos que trouxeram presentes e dinheiro para Caçador e sua família. Após ficarem algum tempo, Caçador e sua família juntaram os presentes e o dinheiro e foram para casa. Eles tinham dinheiro suficiente para construir uma boa casa. Poucos meses depois, num feriado, Caçador foi visitar seu amigo. Quando Abdala apareceu, ele segurou a mão de Caçador e num piscar de olhos, eles estavam um lugar diferente.

Abdala deu mil dinares a Caçador. Caçador pegou o dinheiro e foi para casa. Sua esposa disse que eles tinham o suficiente para casar seu filho mais velho. Eles encontraram uma boa garota para ele e marcaram a data do casamento. É claro que Caçador convidou Abdala e sua família. Abdala disse a Caçador que preparasse uma sala separado para ele e outras vinte pessoas e não deixar ninguém se aproximar deles. 

No dia do casamento, todos da cidade foram convidados e Caçador fez o que Abdala pediu. As pessoas podiam ver Caçador entrar na sala separada com bandejas cheias e sair com elas vazias, sem no entanto poderem ver o que estava lá dentro.

Após todos irem embora, Abdala perguntou a Caçador se eles poderiam dar o presente da noiva, e cada um deu um linda joia. Antes de Abdala ir, ele disse a Caçador que todos estavam convidados para sua casa a semana toda.

Uma dupla de ladrões da cidade sabiam onde a noiva tinha colocado sua caixa de joias, então entraram na casa e levaram. Quando Caçador e sua família voltaram para casa, descobriram o roubo. O Caçador pediu ajuda a Abdala, que o confortou e lhe disse que abrisse novamente a caixa das joias. Ele encontrou o dobro de joias que havia inicialmente. 

Abdala virou-se para Caçador e disse: "Na próxima vez, meu irmão, quando você for nos visitar, nós protegeremos sua casa".

Fonte:

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Célio Grunewald (Jardim de Trovas)


1
A chuva fina não passa!
Quase a medo o sol reluz,
e, nesse instante, a vidraça
chora lágrimas de luz!…
2
À criança eu rendo um culto
que eu não rendo a mais ninguém
pois ela transforma o adulto
numa criança também.
3
A criança quando chora
até no pranto seduz!
É como se a própria aurora
chorasse gotas de luz!...
4
A estrada é longa, é comprida,
é tortuosa demais.
E eu vou dirigindo a vida
sem olhar para os sinais!
5
Ai de quem foge, no mundo,
dos caminhos da verdade
que a fuga dura um segundo
e o remorso... a eternidade.
6
A mulher que eu desejava,
meu sonho de perfeição,
tinha tudo que eu sonhava.
Só não tinha coração!...
7
Anoitece... A Terra dorme.
Há sombras em quase tudo
e uma lua branca enorme
brinca num céu de veludo!
8
Apesar de sempre alerta,
o carapina Marcelo,
quando o dedo, acaso, acerta,
muda o nome do martelo!
9
Caim, irado, inclemente,
no seu despeito profundo,
foi a primeira semente
de toda a inveja do mundo.
10
Choveu... fez sol e, em resposta,
surge um arco de beleza:
festa de luz decomposta
nos prismas da natureza!
11
Comprido, fino, dengoso,
o rio é um traço de prata
que alinhava, preguiçoso,
a saia verde da mata!
12
Com seu açoite, o destino
fustiga os corcéis da aurora
e num carro purpurino
arranca o sol para fora!
13
Desde os tempos de menino,
apesar das restrições,
na cartilha do destino,
vou soletrando ilusões!
14
Dona Benta, a minha sogra,
a mim nunca convenceu:
se foi benta, não me logra,
- o diabo é quem benzeu!
15
Eu venho sempre tentando
ser feliz e não consigo.
O destino anda brincando
de cabra-cega comigo.
16
É verão... no dia enorme
de ar parado e de mormaço,
parece que a mata dorme
e o sol cochila no espaço!
17
Jangada... filhos com fome
e Maria a me esperar.
Senhor Deus, em Vosso nome,
eu lanço as redes no mar.
18
Meu afilhado e sobrinho,
um capeta sempre foi.
Ao dizer: - Bênção, padrinho,
respondo: - Deus te perdoe!...
19
Meu coração tinha fama
de ter um sopro qualquer,
fiz eletrocardiograma
e meu mal era mulher…
20
Minha sogra é macumbeira.
Fez feitiço e acendeu vela.
Me “benzeu” de tal maneira,
que eu casei co’a filha dela!
21
Minha sogra idolatrada
é uma uva, anjo moreno,
mas daria, se esmagada,
em vez de vinho... veneno!...
22
Meu violão, tuas cordas,
dispensam qualquer compasso
se as minhas mágoas acordas
nas serenatas que faço.
23
Minha vida amarga e tosca
parece a aranha que passa
e tenta pegar a mosca
do outro lado da vidraça.
24
Na alvorada loira e mansa,
o sol, em doirado afago,
espanta a lua que dança
na superfície do lago!
25
Na clave do sol crescente,
nas asas da melodia,
a semibreve é semente
que produz a sinfonia.
26
Na eternidade indolente
multiplicam-se as auroras
e o “segundo” é uma semente
na dança eterna das horas.
27
Não chores se na existência
calejaste os ombros nus:
muitas vezes a consciência
pesa mais que qualquer cruz!
28
Não julgues nunca a pobreza,
nem desmereças ninguém
que a porcelana chinesa
saiu do barro também.
29
Não julgues teu inimigo,
não julgues, enfim, ninguém.
Quem julga corre o perigo
de ser julgado também!
30
Nesta casinha modesta
que é coberta de sapê,
imagine só que festa
eu faria com você!...
31
Nos idos da mocidade,
talvez dos sonhos desperto,
rimei amor com saudade
e juro que estava certo!..
32
Num prenúncio de Evangelho,
tu pões, no olhar feiticeiro,
ternura de preto velho
em macumba de terreiro.
33
Os poetas foram criados,
por capricho do Senhor
com seus destinos traçados
por algum lápis de cor!...
34
O tempo, força estupenda,
sempre em cada alvorecer,
abre as páginas da Agenda
para o Destino escrever!...
35
Por mais que a vida nos traia,
multiplique os nossos ais,
nós somos da mesma laia:
dois orgulhosos iguais!
36
Por muito, muito que valha,
nossa vida é, na verdade,
nada mais do que migalha
na mesa da eternidade.
37
Por ter ciúmes da Rita,
em seu lar, temendo um "cacho",
Zé não deixa entrar visita
e nem mamão (quando é macho).
38
Por ver-te com olhos cúpidos,
por querer-te, por amar-te,
na procissão dos estúpidos,
eu fui o porta-estandarte.
39
Quando a tristeza se acalma
e me permite sonhar,
eu abro as vidraças da alma
e deixo a saudade entrar!
40
Quando está junto da cria
que procura agasalhar,
até a fera mais bravia
Possui ternura no olhar!
41
Quanta ternura brotava
daqueles olhos divinos
quando Jesus exclamava:
-Vinde a mim os pequeninos!
42
Que importa se em teu caminho
haja presença da dor?
No ramo, também, o espinho
nasce primeiro que a flor!
43
Regenerei-me, mãezinha,
como você sempre quis.
E a doce mentira minha
fez mamãe morrer feliz.
44
Sabem os sábios profundos,
sabem os crentes e ateus,
que a dissonância dos mundos
tem a regência de Deus!
45
Se rosa branca é pureza
e a pureza é doce e franca,
na terra, tenho certeza,
minha mãe foi rosa branca.
46
Só duas vezes a Estela
traiu o pobre do João:
- uma vez com o sentinela,
outra vez, com o batalhão!...
47
Sol e chuva e, em resplendores,
fez a luz, com seus arranjos,
tobogã de sete cores
para o folguedo dos anjos.
48
Somente o vaqueiro triste
entende de uma só vez
a nostalgia que existe
no mugir de cada rês.
49
Tecendo nuvens de prata,
Dona Lua, tecelã,
para ouvir-me em serenata
ficou até de manhã!
50
Telegrafista do espaço,
o vaga lume reluz
e escreve com ponto e traço
suas mensagens de luz!
51
Teu beijo de despedida
carregou dentro do adeus
os sonhos da minha vida
e a vida dos sonhos meus!
52
Teus olhos, contas divinas,
por falsos, minha alma os teme.
São iguais às turmalinas
no caminho de Pais Leme!
53
Teu sorriso me bastava,
muito embora hoje me baste,
a ternura que faltava
no beijo que me negaste!
54
Todos os picos da serra,
dos Andes aos Pirineus,
são dedos grandes da Terra
mostrando a casa de Deus.
55
Tua ternura é carinho
que não diz nada e diz tudo
pois é tecida de arminho
num coração de veludo!
56
Vai o sol, pintando agora,
na ternura que seduz,
os lábios rubros da aurora
com pinceladas de luz!
57
Veleiro de vela panda,
perdeste o rumo e, a bailar,
vais brincando de ciranda
nas águas verdes do mar.
58
Vi minha sogra, pelada,
saindo do quarto escuro.
Sonambulismo que nada...
Sem vergonhice no duro!…
59
Voltaste enfim e eu confesso
que já prevejo, querida,
na alegria do regresso,
novo adeus de despedida.
___________________________________________________

Célio Belmiro Grunewald nasceu em Juiz de Fora em 1923 e faleceu nesta mesma cidade em 1991. Formado em Ciências Comerciais e Contabilidade, foi funcionário do antigo Departamento de Correios e Telégrafos, por onde se aposentou. Pertencia à Academia Juizforana de Letras, cadeira número 07 (Patrono Oscar da Gama) e à União Brasileira de Trovadores, seção de Juiz de Fora, sendo seu Presidente de Honra.

Publicou, em parceria com outros três poetas, o livro "Quatro Caminhos".  Foi inúmeras vezes premiado em concursos nacionais e internacionais de poesias e trovas.

Fonte Principal:
UBT-Porto Alegre/RS. Arlindo Tadeu Hagen e Célio Grunewald. 
Coleção Terra e Céu vol. LII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2017.

Stanislaw Ponte Preta (O Grande Mistério)

Há dias já que buscavam uma explicação para os odores esquisitos que vinham da sala de visitas. Primeiro houve um erro de interpretação: o quase imperceptível cheiro foi tomado como sendo de camarão. No dia em que as pessoas da casa notaram que a sala fedia, havia um soufflé de camarão para o jantar. Daí...

Mas comeu-se o camarão, que inclusive foi elogiado pelas visitas, jogaram as sobras na lata do lixo e — coisa estranha — no dia seguinte a sala cheirava pior.

Talvez alguém não gostasse de camarão e, por cerimônia, embora isso não se use, jogasse a sua porção debaixo da mesa. Ventilada a hipótese, os empregados espiaram e encontraram apenas um pedaço de pão e uma boneca de perna quebrada, que Giselinha esquecera ali. E como ambos os achados eram inodoros, o mistério persistiu.

Os patrões chamaram a arrumadeira às falas. Que era um absurdo, que não podia continuar, que isso, que aquilo. Tachada de desleixada, a arrumadeira caprichou na limpeza. Varreu tudo, espanou, esfregou e... nada. Vinte e quatro horas depois, a coisa continuava. Se modificação houvera, fora para um cheiro mais ativo.

À noite, quando o dono da casa chegou, passou uma espinafração geral e, vitima da leitura dos jornais, que folheara no lotação, chegou até a citar a Constituição na defesa de seus interesses.

— Se eu pago empregadas para lavar, passar, limpar, cozinhar, arrumar e ama-secar, tenho o direito de exigir alguma coisa. Não pretendo que a sala de visitas seja um jasmineiro, mas feder também não. Ou sai o cheiro ou saem os empregados.

Reunida na cozinha, a criadagem confabulava. Os debates eram apaixonados, mas num ponto todos concordavam: ninguém tinha culpa. A sala estava um brinco; dava até gosto ver. Mas ver, somente, porque o cheiro era de morte.

Então alguém propôs encerar. Quem sabe uma passada de cera no assoalho não iria melhorar a situação?

- Isso mesmo — aprovou a maioria, satisfeita por ter encontrado uma fórmula capaz de combater o mal que ameaçava seu salário.

Pela manhã, ainda ninguém se levantara, e já a copeira e o chofer enceravam sofregamente, a quatro mãos. Quando os patrões desceram para o café, o assoalho brilhava. O cheiro da cera predominava, mas o misterioso odor, que há dias intrigava a todos, persistia, a uma respirada mais forte.

Apenas uma questão de tempo. Com o passar das horas, o cheiro da cera — como era normal — diminuía, enquanto o outro, o misterioso — estranhamente, aumentava. Pouco a pouco reinaria novamente, para desespero geral de empregados e empregadores.

A patroa, enfim, contrariando os seus hábitos, tomou uma atitude: desceu do alto do seu grã-finismo com as armas de que dispunha, e com tal espírito de sacrifício que resolveu gastar os seus perfumes. Quando ela anunciou que derramaria perfume francês no tapete, a arrumadeira comentou com a copeira:

— Madame apelou para a ignorância.

E salpicada que foi, a sala recendeu. A sorte estava lançada. Madame esbanjou suas essências com uma altivez digna de uma rainha a caminho do cadafalso. Seria o prestigio e a experiência de Carven, Patou, Fath, Schiaparelli, Balenciaga, Piguet e outros menores, contra a ignóbil catinga.

Na hora do jantar a alegria era geral. Mas restavam dúvidas de que o cheiro enjoativo daquele coquetel de perfumes era impróprio para uma sala de visitas, mas ninguém poderia deixar de concordar que aquele era preferível ao outro, finalmente vencido.

 Mas eis que o patrão, a horas mortas, acordou com sede. Levantou-se cauteloso, para não acordar ninguém, e desceu as escadas, rumo à geladeira. Ia ainda a meio caminho quando sentiu que o exército de perfumistas franceses fora derrotado. O barulho que fez daria para acordar um quarteirão,quanto mais os da casa, os pobres moradores daquela casa, despertados violentamente , e que não precisavam perguntar nada para perceberem o que se passava. Bastou respirar.

Hoje pela manhã, finalmente, após buscas desesperadas, uma das empregadas localizou o cheiro. Estava dentro de uma jarra, uma bela jarra, orgulho da família, pois tratava-se de peça raríssima, da dinastia Ming.

Apertada pelo interrogatório paterno Giselinha confessou-se culpada e, na inocência dos seus 3 anos, prometeu não fazer mais.

 Não fazer mais na jarra, é lógico.

Fonte: 
Stanislaw Ponte Preta. “Primo Altamirando e Elas”, 
Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1961

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Trova 300 - João Paulo Ouverney (Pindamonhangaba/SP)

Fonte: Facebook (Meus Irmãos Trovadores)

Arnaldo Forte ((Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol. 2) II

ENVOLTA NO "MANTON" DAS ROSAS VERMELHAS...

Hás de ser minha, eu quero, é quanto basta!
Um dia, quando for, não o procuro.
E é o desejo ardente que me arrasta,
Aquel' que há de fazer vibrar-te, eu juro!

Um dia, quando for... hei de deixar
Nos seios que tu tens, beijos aos molhos!
Nodoas de lírios roxos a sangrar...
E olheiras cor da noite nos teus olhos!

Não tenhas ilusões! Nunca a tua Raça
Me vencerá a mim por mais que faça!
Quero-te. Eu sinto a ânsia de beijar!

Queimada pelo fogo dos meus beijos
Heide sentir-te louca de desejos...
Um dia, quando for... sem eu te amar!

NA PRAIA-MAR DO SONHO

Decerto tu já viste ao sol-poente,
O mar beijar a areia de mansinho.
Parado, a olha-la docemente,
Num grande sonho, louco, de carinho.

Depois é densa a treva. O mar é louco.
E briga com a areia, encapelado.
Embravecido cansa, e pouco a pouco,
Soluça a grande dor dum revoltado!

Assim, houve luar e noite escura,
Naquela doce noite de amargura,
Mistério indefinido que profundo!

Assim, é a tu'alma p'ra minh'alma,
--Ó minha maré-viva e maré-calma,
Do grande mar, da Dor em que me afundo!

A MÁSCARA LOIRA

Ó minha viciosa, estérica e perversa,
De linhas sensuais; teu corpo eterizado,
Tem frases de requinte, em lubrica conversa!
Tem lume de cigarro, loiro e opiado!

Teus olhos a boiar, são taças d'absinto.
E a tua silhuete loira e desgrenhada,
Tem risos de cristais partidos, que eu bem sinto,
Em noites de volúpia, á luz da madrugada!

Á noite, as tuas mãos, são gumes de punhal,
Depois de terem morto - alguém sem fazer mal...
Tua voz é o Fado... eu ouço-o quando passa!

No Mundo és o Drama, a Farsa, és a Comedia!
Ás vezes também és - palhaço - na Tragédia!
És a figura loira e linda da Desgraça!

ABANDONO

Decerto tu sentiste o abandono,
Que vai acompanhando o sol-poente,
Nas tardes tristes, lividas, do outono,
E quando chora o coração da gente!

Tardes pedindo ao sol a Extrema-Unção,
Numa ancia doentia de mais luz!
Decerto tu sentiste a sensação,
De ajoelhar-se em frente d'uma cruz!

Tu entraste á tarde na Igreja,
Á hora de rezar's - bendita seja,
A cor tão doentia do Outono!-

Tudo sentiste... e os olhos rasos d'água!
Que pena não sentir's a minha mágoa!
A vaga incompreensão d'este abandono!

13 LÍRIOS

Atei-os com os fios d'oiro daquela taça de
crystal «bohème» que partiste...

Encheste a minha vida d'amargura.
Encheste a minha vida de martírios.
Enchi a tua vida de ternura,
E vou encher o teu coval de lírios.

São 13 os lírios roxos que levei.
- Meus versos de saudade são p'ra ti.
Amor, num dia 13 te encontrei!
Num dia 13, Amor, eu te perdi.

Meu doce Amor perdido... hei de te ver,
Na luz que tem o céu amanhecer,
Na cor do sol-poente em que reparo!

E o nome que tiveste, ó loira e linda,
Que certa rosa branca fala ainda...
Será p'la vida fora o meu amparo!

Fonte:
Arnaldo Forte. 13 Sonetos. Lisboa: Edição do Autor, 1921