domingo, 7 de outubro de 2018

J. G. de Araújo Jorge (Bazar de Ritmos) I


A PAINEIRA E O POENTE 

Vai desmaiando a tarde ao longe, muito em calma,
atrás de uma paineira enfeitada e florida...
Esse poente é o meu Ser... a paineira, a minha alma,
e o quadro, uma visão do fim da minha vida...

Imagino esse fim: - "os anos desfolhados   
e as folhas na lembrança em turbilhão rolando. . .   
- curvado, olhos sem luz, sozinho, vou passando
entre vagos perfis, distantes e apagados. . . "

"Silêncio... Solidão... Saudades ao redor...
No horizonte uma cruz, ponto final da estrada.
E eu passando sozinho a murmurar de cor   
um verso derradeiro à minha alma cansada... "

"Nem um olhar sequer... No entanto, em minha vida
quantas mulheres tive ao meu lado e em meus braços. . .
- mas nenhuma, sincera, soube ser querida,   
e é por isso que escuto apenas os meus passos. . . "

"Passaram uma a uma...    E afinal como flores
deixei-as para trás nas estações de outrora...
Nesse tempo o meu peito era um buquê de amores,
meus olhos tinham luz...minha alma era sonora... "

"Nesse tempo eu sabia amar e fazer versos...
Quantos sonhos sonhei... Quantos lindos desejos...
E os poemas que compus e que deixei dispersos
eram feitos de amor... e pontuados de beijos..."

Eis como vejo tudo: - "o meu vulto curvado,
a cabeça branquinha assim como o algodão...
Para trás, uma estrada imensa: - o meu passado...
Para a frente, mais nada: - uma cruz sobre o chão..."

A minha alma, no entanto, enfeitada há de estar,
florindo de lembranças e recordações,
e os seus ninhos de amor há de sempre ostentar
vazios, relembrando o tempo das canções...

E arrastando os meus pés, caminharei sorrindo,
findando esse destino errante e sonhador
e o meu poente há de ser, como esse dia lindo
morrendo por trás de uma paineira em flor!…

CARTA A UM AMOR DO PASSADO

Vou fazer este verso e o entregar. ao correio;
ele é a carta que escrevo a um amor do passado.
- Endereço não tem - e o meu maior receio
é que não chegue nunca e se perca no meio
da viagem, sem achar a quem foi destinado...

Escrevo-o muito embora - é que hoje necessito
recordar tempos bons quando eu era feliz,
- e ao pensamento vem enquanto assim medito,
um passado distante intérmino e infinito
que guardei para mim nas memórias que fiz...

Vou tentar, meu amor... (perdoa-me se ainda
quero chamar assim ao que não volta mais...)
- vou tentar revolver uma lembrança linda
que em meu peito não morre e em minha alma não finda
e ao meu viver de agora um sorriso me traz...

Não te lembras, bem sei... - não importa, no entanto,
tão feliz hás de ser que hás de julgar-me um tolo...
- mas eu que vivo sempre a amargar o meu pranto
que fiz da minha vida um grande desencanto
encontro na lembrança dele algum consolo...

Mas, não... não devo mais procurar o romance
onde este amor ficou como uma flor sem vida...
Que a minha alma sozinha e plácida descanse
e guarde a flor que lembra uma indecisa nuance
- antes que ela desfolhe essa ilusão querida...

Não devo revolver cinzas quase apagadas
nem uma brasa extinta ao meu sopro atiçar...
Depois... a minha vida e a tua, hoje afastadas,
jamais hão de se unir: são folhas desgarradas
que nunca ao mesmo ramo hão de poder tornar...

Perdoa-me portanto esta carta, se acaso
algum dia ela for parar em tuas mãos...
Ninguém sabe quem és... e assim, não faças caso,
ela é o raio de luz de uma ilusão no ocaso
e o sepulcro final dos meus desejos vãos...

DERRADEIRA INSPIRAÇÃO

Este é o último verso onde talvez
a tua imagem seja percebida,
- o instante derradeiro em que te vês
a inspirar o meu verso e a minha vida...

Guarda-o depois das linhas que tu lês
morrerás... e hás de ser sempre esquecida...
- não tornarei sequer uma só vez
a falar na lembrança mais querida...

Este é o último adeus que ainda te dou,
- termina aqui a imensa trajetória
que o teu destino sobre o meu traçou...

Daqui por diante... avançarei sozinho,
e nunca mais te encontrarás na história
dos versos que fizer em meu caminho!

SONHADORES

Há um cigarro a sonhar sobre o cinzeiro...
E eu vejo fugir seus sonhos
nas finas fitas azuis
da fumaça a subir pelo ar brincando...

Há um cigarro a sonhar - e ao vento que entra
pela janela aberta,
brilha um fogo em sua alma, e ele se acende
à proporção que em cinzas vai ficando...

Noutro cinzeiro eu sou como o cigarro abandonado
junto a uma janela aberta para o mundo,
sonhando fumaça azul que sobe no ar...
E o meu grande prazer... é, ao vento do destino,
que entra na minha vida,
- sentir essa volúpia que a minha alma sente
de se ir assim queimando, aos poucos... lentamente,
a sonhar... a sonhar...

MÚSICA
    
Silêncio... Solidão... - sinto pelo ar que existe
em surdina, no céu, tempestuoso e cinzento,
- um ritmo... um compasso... um solo muito lento...
de uma obra de Chopin... nervosamente triste...

Repentinos clarões !... Lá pelo espaço se ouvem
entre a voz dos trovões e os sons das ventanias,
os brados de aflição... de estranhas sinfonias
lembrando a orquestração da "nona" de Beethoven...

Há música nos céus... Há música em minha alma...
Ficou na natureza um Liszt interpretando
a rapsódia de amor que enche a noite de calma...

Já não há no infinito as tormentas e o caos...
- O azul, traz de Mozart o tom sereno e brando,
e o arvoredo cicia as músicas de Strauss !…

PAISAGEM DO SILÊNCIO

Tenho a janela para os céus aberta,
e entre a renda dos ramos da mangueira,
- timidamente a luz do luar se esgueira
e anda na sombra, vagamente, incerta.

A noite está de estrelas recoberta
e a "via-láctea..." a esparramar-se, inteira,
- parece uma florida trepadeira
abrindo os astros na amplidão deserta...

Sob a sombra das árvores, - no chão,
as rodelas de luz, tremeluzindo,
lembram moedas de prata em profusão...

É profundo o silêncio... tudo em calma...
Chego a ter a impressão de estar ouvindo
o rumor dos meus sonhos na minha alma!…

PRISIONEIRO

Nunca tive ninguém para entender
o meu chorar... o sofrimento meu...
Alguém que suavizasse o meu viver
onde um resto de vida se perdeu...

Ninguém pôde jamais me compreender,
porque a minha alma estranha já nasceu...
Vivo sozinho dentro do meu Ser
no cárcere infinito do meu "eu"!. . .

Adoro esse Universo em que me abismo
quando encontro ao meu lado a solidão
na mesma cela onde a sofrer eu cismo...

Sou desse mundo à parte, prisioneiro!
E a prisão onde vivo, é urna prisão
em que o preso é o seu próprio carcereiro!...

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Bazar de Ritmos. 1a. ed. RJ. 1935.

Antonio Brás Constante (Fim de semana na praia)

Eis que aí está você. Bermudão e chinelos. Um sol maravilhoso. Curtindo a brisa marinha. Veio com a esposa e os filhos para um fim de semana em família. A casa você comprou no inverno, quando os preços eram menores.

O primeiro ritual ao chegar na praia é ir molhar os pés na beira do mar. Não que dê sorte ou azar: é mais para a pessoa entrar no clima do lugar. Sentir-se como batizado, para poder aproveitar as delícias de um feriado regido por sol, areia e um mar azul e
límpido. Após a cerimônia de “lava-pés”, você volta ao carro e descarrega todas as suas tralhas, abrindo a casa para arejá-la. A manhã já está na metade. O momento certo para colocar a churrasqueira para funcionar.

Nesse momento você se sente um verdadeiro rei. O pau de mexer o carvão é seu cetro real. O banquinho de madeira, seu trono. A carne crua e temperada a sua frente e a latinha de cerveja são suas riquezas e as moscas à sua volta os ladrões, que atacam todos os reinos e devem ser repudiados com sua toalha de limpar as mãos. Mas, mesmo onde reina a paz mais intensa, acabam surgindo os piores dissabores. E eles chegam buzinando e fazendo alarde.

Você ainda não sabe quem são? Os seus parentes! Apareceram de surpresa para te fazer companhia na praia. Afinal, para eles, praia sem parentes não é praia. Costumam vir aos bandos, de forma predatória. Chegam, comem e bebem tudo que encontram e se mandam sem ajudar a pagar a conta. Os parentes são a maldição de qualquer homem casado. Ou que tenha algum irmão ou irmã casada. Pode ocorrer também em famílias com muitos tios. Ou seja, todos nós, seres humanos, estamos sujeitos a sermos vítimas dessa situação.

Até o momento, nenhum dos parentes homens foi até onde você se encontra. Alguns abanaram de longe. Eles sentiram o cheiro do serviço e irão esperar até que a carne esteja quase assada, para então se aproximar e comer os aperitivos com farofa. Nesse meio-tempo irão se saciar com as cervejas que você estocou na geladeira. Alguns já se adonaram das redes e outros colocaram as mochilas no seu quarto, perguntando de forma descarada se podem usar a cama para descansar.

Você tenta conhecer todos que estão ali presentes. Mas alguns são estranhos, pois são convidados dos seus parentes. Isto mesmo, uma mania de parente é convidar amigos deles para passar o fim de semana na sua casa de praia.

O almoço corre como o esperado, ou seja, você servindo a carne e todo resto comendo. A cerveja acaba e sua esposa lhe pede para ir comprar mais. Você se nega e acontece a primeira briga do casal. Toda a parentada fica do lado de sua esposa. Afinal, o insensível é você, que não quer atender o pedido dela. Depois de muita discussão, você finalmente vai buscar a cerveja. Vários parentes seus vão junto, porém sem levar as carteiras de dinheiro. Note que eles não vão com você por serem bonzinhos, mas sim para impedir que compre alguma marca de cerveja barata.

Chega a tarde, você pede para sua esposa lhe passar o bronzeador, mas ela te vira o rosto. Ainda está chateada com a história da cerveja. Principalmente depois de a parentada ter enchido a cabeça dela. Agora você percebe que está sozinho; sua esposa passou para o lado do inimigo.

Quando resolve ir à praia, descobre que o seu bronzeador foi totalmente utilizado, que pegaram seus calções de banho e sumiram com suas toalhas. Até seus óculos de sol desapareceram. Acaba indo de bermudão mesmo, sem nenhum protetor no corpo e sentindo o brilho do sol machucar seus olhos.

O tormento dura todo feriado. No último dia, ao final da tarde, todos vão embora, deixando a casa toda suja e bagunçada para você ajeitar. Afinal, eles não são os donos da casa. Você fica parado na frente do mar. Todo queimado de sol, endividado, cansado, chateado, de mal com a patroa e, o que é pior nessa situação toda, sem ter como dar o troco neles.

O melhor a fazer é vender a casa de praia e usar o dinheiro para viajar para outro estado, bem longe e de avião. Assim você finalmente terá férias de verdade e, quem sabe, até traga umas lembrancinhas, para que seus entes queridos morram de inveja.

Fonte:
Constante, Antonio Brás.  Hoje é o seu aniversário! “Prepare-se” : e outras histórias. Porto Alegre, RS : AGE, 2009.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Recolhidos) II




TROVADOR

Não sei se trovador já nasce feito, 
ou se ele é feito apenas por amor; 
sei que ele lembra muito o amor-perfeito,
se nos encanta, assim como essa flor.

Qualquer das duas formas, com efeito,
talvez nem interfira em seu valor,
pois na flor ou poesia vale é o jeito
encantador que o deu seu criador.

No amor-perfeito o belo é sempre assim,
quer ele nasça num nobre jardim, 
ou num  quintal bem rude e desprezado.

E o trovador em sua poesia,
tem que insuflar amor, com estesia,
para exaltar alguém apaixonado!

IDOSO   
(01 de Outubro – Dia Internacional do Idoso)

Fui chegando aos sessenta, devagar;
bem depois aos setenta, incrivelmente.
Sem saber até aonde ia chegar
alcancei os oitenta, bem contente.

Com meu Deus continuo a caminhar,
mas com olhos voltados ao presente,
que vem tomando um rumo singular,
que ao idoso é bastante diferente...

Bem próximo da casa dos noventa,
peço ao Senhor deveras  humildade
para aceitar o que inda está por vir...

Que toque o coração de quem inventa,
para que façam o bem à humanidade...
E eu só semeie amor até partir…

CARTAS DE DEUS

Meus filhos são as cartas carinhosas
que Deus constantemente me encaminha,
com advertências por demais valiosas,
tendo por intuito me manter na linha...

Seus conselhos são lindos como as rosas;
e é raro haver algum que me apezinha;
no  geral são só frases amorosas
por meio de carícia comezinha...

Os afagos e beijos dos meus filhos, 
tomando a forma até de trocadilhos
e aforismos, alegram o meu humor...

E ainda estou aos poucos entendendo
que as cartinhas de Deus que eu ando lendo,
sugerem é que eu aumente o meu amor!

JARDIM SECRETO

Eu também tenho o meu jardim secreto,
tal qual o mundo inteiro, com certeza...
Mas só porque não sou nada discreto,
o meu “secreto” some na esperteza...

Quem lê meus versos tudo sabe, exceto,
talvez o que eu não disse por lerdeza,
porque o que escrevo eu mesmo interpreto     
no meu viver de inteira singeleza.

Se eu disse que te amei, também te disse 
que tudo o mais que eu fiz foi só tolice,
pois nunca mais eu tive um outro amor .

O que faltou dizer, eu digo agora:
eu sonho com teus beijos toda hora;
és a razão de eu ser um sonhador!

DIA DA ÁRVORE
(21 de Setembro – Dia da Árvore)

Árvore, quanta beleza 
tu pões em nosso ambiente,
por isto dele és princesa
para mim e toda gente! 

És sombra na Natureza,
se faz calor inclemente, 
e às aves tu és defesa
das trevas ao sol nascente.

Com tuas flores e frutos
dás imensos contributos
para suprir nossa veia...

Por isto sempre me lembro
deste Vinte e Um de Setembro,
Data que te homenageia!

SONHOS

Não ponha, não, limites nos teus sonhos,
se queres ser feliz a vida inteira!
Não falo nos maus sonhos enfadonhos,
dos pesadelos que não há quem queira.

Refiro-me a ter sonhos tão risonhos,
que enriqueçam de ideia alvissareira... 
E por mais que sejamos inda bisonhos,
nos elevam na vida e na carreira.

Mas sonhemos,  dormindo ou acordados,  
se estivermos ou não enamorados;
nesta vida o que importa é bem sonhar...

Com um mundo melhor, com mais justiça,
muita bondade...,  e com menor cobiça,
para que Deus nos possa abençoar!

HOMEM

Um homem de verdade não despreza
o filho que gerou e pôs na terra;
pelo contrário, é genitor que preza
a bênção que essa graça em si encerra.

O homem como tal, ajoelha e reza,
pedindo a Deus, que é bom e nunca erra,
para jamais ser pai que menospreza
o filho que a família até descerra!

Um homem de verdade tem que honrar
a integridade com a qual nasceu
e dar o exemplo para o filho seu.

Não pode ser assim, por conseguinte, 
um pai que represente até um acinte,
gerando um filho e não o querer criar!

Fonte:
Poemas enviados pelo autor