segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Oceano de Letras (Solidão) n. 2



Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ

No silêncio dos meus dias,
alheio a tudo e à razão,
eu vivo as noites vazias
abraçado à solidão...
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Elizabeth Misciasci
São Paulo/SP

Não Me Atrevo

Partir daqui sem olhar pra trás…
pura ilusão
levou na bagagem um passado
já bem distante.
O que restou de um futuro
incessante a questionar
é presente apenas nos teus dias
Não me atrevo a falar de dor
nem tão pouco de solidão,
as marcas se somam as mágoas e estas não
merecem reflexão.
Hospedeira de alegrias me transformo
Em repudio aos teus recalques me esquivo
Tudo posso dizer…
Respiro com a vontade de viver
Desfaço laços que um dia fora usado para unir
desamarro as cordas que em outrora,
me prenderam a ti
Nada quero das quirelas
que sem pudor me oferecestes
Estas a ti pertencem
O tempo se fez meu amigo e com este
compartilho meus momentos
Quero sorrir com a certeza da sorte
a me acompanhar
Das tuas convicções errôneas,
dos teus fracassos e insanidades
me evadi
Sou outra Mulher
Plena e audaz
Satisfeita por ver
esta porta se abrir pra você sair
e agradeço… por
Partir daqui sem olhar pra trás
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Mifori 
São José dos Campos/SP

Perdi meu sonhos e anseios...
Com a tristeza convivi
entre estranhos de entre - meios
 - solidão que não pedi.
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Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão.
Victor Hugo 
Besançon/França, 1802 - 1885, Paris/França
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Francisca Júlia
Xiririca (atual Eldorado Paulista)/SP, 1871 - 1920, São Paulo/SP

Outra Vida

Se o dia de hoje é igual ao dia que me espera
Depois, resta-me, entanto, o consolo incessante
De sentir, sob os pés, a cada passo adiante,
Que se muda o meu chão para o chão de outra esfera.

Eu não me esquivo à dor nem maldigo a severa
Lei que me condenou à tortura constante;
Porque em tudo adivinho a morte a todo instante,
Abro o seio, risonha, à mão que o dilacera.

No ambiente que me envolve há trevas do seu luto;
Na minha solidão a sua voz escuto,
E sinto, contra o meu, o seu hálito frio.

Morte, curta é a jornada e o meu fim está perto!
Feliz, contigo irei, sem olhar o deserto
Que deixo atrás de mim, vago, imenso, vazio…
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Aurora Pierre Artese
São Paulo/SP

Solidão... pautas vazias,
cantigas lentas, remotas...
solfejo marcando os dias
no descompasso das notas!
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Hernando Feitosa Herrera Chagall
São Paulo/SP

Liberdade Cativa

Voei alto nas asas da imaginação
Procurando pela liberdade
A passos lentos me alcançou a solidão
Jogando-me nos braços da saudade.
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Antonio Carlos Teixeira Pinto
Brasília/DF

O abandono era patente,
no abraço da solidão:
- duas voltas de corrente
num velho e tosco portão...
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J.G. de Araújo Jorge
Tarauacá/AC, 1914 – 1987, Rio de Janeiro/RJ

Desarvorado Navio 

 A verdade é que depois que tu partiste
vou ficando cada vez mais triste,
cada vez mais morto,
de amor em amor, como um navio
de porto em porto…

Nesta angústia em que morro,
a olhar o céu vazio,
sem uma estrela para me guiar,
tenho a impressão de que vou acabar, como esse navio,
soçobrando, sem socorro,
na solidão do mar…
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O Que é Solidão
Solidão não é a falta de gente para, conversar, passear, namorar ou fazer sexo… isto é carência. 
Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar… isto é saudades. 
Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe às vezes para realinhar os pensamentos…isto é equilíbrio. 
Tampouco é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente, para que revejamos a nossa vida… isto é um princípio da natureza. 
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado… isto é circunstância. 
Solidão é muito mais que isto… Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.
Francisco Cândido Xavier
Pedro Leopoldo/MG, 1910 - 2002, Uberaba/MG
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Marcos Assumpção
Niterói/RJ

A Porta

é sempre assim
todo dia você se prepara e sai
não esquece a bolsa as chaves os jornais
mas nunca me pergunta como vai o amor

pode ser que no momento de atravessar a porta
você pressinta o quanto nos tornamos sós
a luz do sentimento quase se apagou

ai então, vera que o amor não e´ um filme
e como as rosas de um jardim que você deve regar
solidão a dois agora mais do que parece
precisamos enxergar antes da porta fechar
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Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ

Nos momentos de perigo,
de amargura e solidão,
que conforto o ombro amigo
e o abraço de um irmão!
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Hernando Feitora Herrera Chagall
São Paulo/SP

Albatroz

Tenho as asas abertas
Tamanhas abrangem tudo
Voo por áreas desertas
Onde as cores falam
E o som fica mudo
Não participo de nada
Tudo fico a observar
Tenho a boca selada
E um discurso no olhar
Sou um pássaro grande
Desajeitado e louco
Louco para pousar
Fazer morada num ninho
Descansar um pouco
Ser um albatroz
Livre da solidão
Continuar meu caminho
Dentro de um coração.
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Aurolina Araújo de Castro 
Manaus/AM, 1933 - 2004, Rio de Janeiro/RJ

Além de dar alegria,
a música é solução,
quando se quer companhia
nas horas de solidão.
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Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Como Dizia O Poeta

Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não
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Alcy Ribeiro Souto Maior 
Rio de Janeiro/RJ, 1920 - 2006

A casa ainda é aquela...
ainda é o mesmo portão... 
na sala, a mesma aquarela
junto à mesma solidão!
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Debora Martins Fontes
São Paulo/SP

Desabafo

 Aqui estou eu, em plena madrugada,
 tentando escrever uma poesia,
 me sinto só e abandonada, 
 repleta de enorme melancolia.

 Penso em você e começo a chorar, 
 tento esquecer para me livrar do sofrimento, 
 quando penso que tudo vai passar, 
 lá está você novamente em meu pensamento.

 Me deito e procuro dormir, 
 depois de horas venho conseguir,
 mas acordo antes de amanhecer,

 e recomeça todo o meu sofrer.
 Volta toda a solidão e melancolia.
 Percebo que te amo até mesmo em poesia.
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Quando somos abandonados pelo mundo, a solidão é superável; 
quando somos abandonados por nós mesmos, a solidão é quase incurável.
Augusto Cury
São Paulo/SP
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Aparício Fernandes  
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Posso entender o martírio
da pureza junto ao mal,
vendo a solidão de um lírio
no lodo de um pantanal.
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Lilian Maial
Rio de Janeiro/RJ

Sedimento

    Recolho os seixos lisos desse rio,
    Qual lágrimas, são contas de um rosário.
    Margeio a lua, refletindo o estio,
    Conduzo estrelas frias p’ro estuário.

    Rabiscos, risco ao léu! Meu desafio
    Consiste em dar teu nome a esse cenário.
    A noite enfeita, em mim, o olhar sombrio,
    Revela a dor exposta em antiquário.

    Saudade é conterrânea do meu peito,
    Traduz em pedra a falta do teu toque,
    E deixa esse vazio a soçobrar.

Afundo nessas águas como um leito,
    Arrasto essas lembranças a reboque,
    Permito à solidão sedimentar.
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Angélica Villela Santos  
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

Tornam-se mais encurvados
os ombros de um ancião,
quando suportam, cansados,
o peso da solidão!
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Mário Quintana
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS

De Repente

Olho-te espantado:
Tu és uma Estrela do mar.
Um mistério estranho.
Não sei…

No entanto,
O livro que eu lesse,
O livro na mão.
Era sempre o teu seio!

Tu estavas no morno da grama,
Na polpa saborosa do pão…

Mas agora enchem-se de sombra os cântaros.

E só o meu cavalo pasta na solidão.
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Antonio Juraci Siqueira
Belém/PA

Num cantinho iluminado
pela luz da solidão,
um coração desprezado
espera outro coração.
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Gislaine Canales
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

E É Quase Dia…

MOTE:
No talvez da quase noite,
quando a espera me angustia,
horas batem feito açoite…
Tu não vens…e é quase dia…
Wanda De Paula Mourthé
(Belo Horizonte/MG)

GLOSA:
NO TALVEZ DA QUASE NOITE,
eu me perco em devaneios
e temo que a dor se amoite
e se instale nos meus seios!

O pranto cai devagar
QUANDO A ESPERA ME ANGUSTIA,
sentindo – não vais chegar,
morre em mim toda a alegria!

A tristeza faz pernoite
no meu pobre coração…
HORAS BATEM FEITO AÇOITE…
sem nenhuma compaixão!

Quando a solidão aumenta,
a noite perde a magia
e minha alma não aguenta,
TU NÃO VENS…E É QUASE DIA…

Fonte:
Folhetim Desiderata - n. 5 - jan. 2019 - Solidão

Monteiro Lobato (O Cão e o Lobo)



Um lobo muito magro e faminto, todo pele e ossos, pôs-se um dia a filosofar sobre as tristezas da vida. E nisso estava quando lhe surge pela frente um cão – mas um cão e tanto, gordo, forte, de pelo fino e lustroso.

Espicaçado pela fome, o lobo teve ímpeto de atirar-se a ele. A prudência, entretanto, cochichou-lhe ao ouvido: – “Cuidado! Quem se mete a lutar com um cão desses sai perdendo”.

O lobo aproximou-se do cão com toda a cautela e disse :

– Bravos! Palavra de honra que nunca vi um cão mais gordo nem mais forte. Que pernas rijas, que pelo macio! Vê-se que o amigo se trata …

– É verdade! – respondeu o cão. Confesso que tenho tratamento de fidalgo. Mas, amigo lobo, suponho que você pode levar a mesma boa vida que levo.

– Como?

– Basta que abandone esse viver errante, esses hábitos selvagens e se civilize, como eu.

– Explique-me lá isso por miúdo, pediu o lobo com um brilho de esperança nos olhos.

– É fácil. Eu apresento você ao meu senhor. Ele, está claro, simpatiza-se e dá a você o mesmo tratamento que dá a mim: bons ossos de galinha, nacos de carne, um canil com palha macia. Além disso, agrados, mimos a toda hora, palmadas amigas, um nome.

– Aceito! – respondeu o lobo. Quem não deixará uma vida miserável como esta por uma de regalos assim?

– Em troca disso – continuou o cão – você guardará o terreiro, não deixando entrar ladrões nem vagabundos. Agradará ao senhor e à sua família, sacudindo a cauda e lambendo a mão de todos.

– Fechado! resolveu o lobo – e emparelhando-se com o cachorro partiu a caminho da casa. Logo, porém, notou que o cachorro estava de coleira.

– Que diabo é isso que você tem no pescoço?

– É a coleira.

– E para que serve?

– Para me prenderem à corrente.

– Então não é livre, não vai para onde quer, como eu?

– Nem sempre. Passo às vezes vários dias preso, conforme a veneta do meu senhor. Mas que tem isso, se a comida é boa e vem à hora certa?

O lobo entreparou, refletiu e disse:

– Sabe do que mais? Até logo! Prefiro viver magro e faminto, porém livre e dono do meu focinho, a viver gordo e liso como você, mas de coleira ao pescoço.
Fique-se lá com a sua gordura de escravo que eu me contento com a minha magreza de lobo livre.

E afundou no mato.

domingo, 20 de janeiro de 2019

Ogui Lourenço Mauri (Pobre criança, num canto)


Monteiro Lobato (Júri na roça)



Não é meu este caso, mas dum tio, juiz numa Itaoca beira-mar. Homem sessentão, cheio de rabugens, pigarros e mais macacoas da velhice, nem por isso deixa de ser amigo da pulha, como diria Mestre Machado. Gosta de contar pilhérias e casos de truz, que a meio descambam em caretas reumáticas, muito de apiedar corações sobrinhos.

Os seus domínios jurídicos são o reino da própria Pacatez. Os anos ali fluem para o Esquecimento no deslizar preguiçoso dos ribeirões espraiados, sem cascatas nem corredeiras encrespadoras do espelho das águas — distúrbio, tiro ou escândalo passional. O povo, escasso como penas em frango impúbere, vive de apanhar tainhas e mariscos. Feito o que, da capo às tainhas e mariscos.

É extrema a penúria de emoções. Vidas há que ardem inteirinhas sem o tremelique duma comoção forte. Só a Morte pinga, a espaços, no cofre dos acontecimentos, o vintém azinhavrado dum velho mariscador morto de pigarro senil, ou o tostão duma pessoa grada, coletor de rendas, fiscal, agente do correio.

Em tempos deu cédula graúda, um visconde da Jamanta, último varão conspícuo de que ficou memória no lugar.

Fora disso nada mais bole com a sensibilidade em perpétua coma de excelente povo — nem dramas de amor, nem rixas eleitorais, nem coisa nenhuma destoante dos mandamentos do Pasmado Viver.

A taramelagem das más-línguas vê-se forçada, nos serões familiares, ou na venda do José Inchado (clube da ralé), ou na Botica do Cação de Ouro (aqui o escol), a esgaravatar as castanhas chochas do assunto sovado ou frívolo. Sempre conversinhas que não vão nem vêm.

A grande preocupação de todos é matar o tempo. Matam-no, os homens, pitando cigarrões de palha, e as mulheres, gestando a prole enfermiça. E assim escorregam-se para o Nirvana os dias, os meses, os anos, como lesmas de Cronos, deixando nas memórias um rastilho dúbio que rapidamente se extingue.

Nessa lagoa urbana rebentou com estardalhaço a notícia duma sessão do júri. O povo rejubilou. Vinte anos havia que o realejo da justiça popular empoeirava num desvio do Fórum, mudo à falta dum capadócio que lhe metesse no bojo o níquel dum modesto ferimento leve. Fizera-o agora o Chico Baiano, ave de arribação despejada ali por um navio da Costeira. Que regalo! Ia o promotor cantar a tremenda ária da Acusação; o Zezeca Esteves, solicitador, recitaria a Douda de Albano disfarçada de Defesa. Sua Excelência o Meritíssimo Juiz faria de ponto e contrarregra. Delícias da vida!

Ao pé do fogo, em casebre humilde, o pai explicava ao filho:

— Aquilo é que é, Manequinho! Você vai ver uma estrumela de gosto, que até parece missa cantada de Taubaté. O juiz, feito um gavião-pato, senta no meio da mesa, num estrado deste porte; à mão direita fica o doutor promotor com uma maçaroca de papéis na frente. Embaixo, na sala, uma mesa comprida com os jurados em roda. E a coisa garra num falatório até noite alta: o Chico lê que lê; o promotor fala e refala; o Zezeca rebate e tal e tal. Uma lindeza!

O assunto era o mesmo na venda do José Inchado.

— Lembra-se, compadre, daquele júri, deve fazer vinte anos, que “absorveu” o Pedro Intanha? Eh, júri macota! O doutor Gusmão veio de Pinda especialmente e falou que nem um vigário. Era só o “nobre orgo do ministério” praqui, o “meretrício doutor juiz” prali. Sabia dizer as coisas o ladrão! Também, comeu milho grosso!, pra mais de quinhentos bagos, dizem. Mas valia. Isso lá valia.

Na Botica do Cação de Ouro o assunto ainda era o mesmo.

— Não, não; você está enganado; não foi desse jeito, não! Ora! Pois se eu até servi de testemunha!… Não teime, homem de Deus!… Sabe como foi? Eu conto. O Pedro Intanha teve um bate-boca com o major Vaz, perdeu a cabeça e chamou ele de estupor bem ali defronte da Nhá Veva; e vai o major e diz: “Estupor é a avó”. Foi então o Pedro e…

Só não gostou da notícia o meu tio juiz. Maçada. Incomodarem-no por causa de um crimezinho tão à toa. E tinha razão. O delito do mulato não valia uma casca de ostra.

Chico Baiano costumava todas as noites “soverter” um martelo da “legítima” no botequim do Bento Ventania. Ficava alegrete, chasqueador, mas não passava disso. Certa vez, porém, errou a dose, e em vez do martelo do costume chamou ao papo três. A pinga era forte; subiu-lhe imediatamente à torre das ideias. A princípio Baiano destabocou. Deu grandes punhadas no balcão; berrou que o Sul é uma joça; que o Norte é que é; que baiano é ali no duro; que quem fosse homem que pulasse para fora etc. etc. O botequim estava deserto; não havia quem lhe apanhasse a luva, a não ser o Ventania; mas este acendeu o cigarro pachorrentamente, trancou as portas na cara do bêbado e foi dormir.

Chico Baiano, na rua, continuou a desafiar o mundo — que rachava, partia caras, arrancava fígados. Infelizmente também a rua estava deserta e nem sequer a minguante a pino lhe dava sombras com que esgrimir-se. Foi quando saltou do corredor da casa dos Mouras o Joli, cachorrinho de estimação da Sinharinha Moura, bicho de colo, metade pelado, metade peludo, e deu de ladrar, feito um bobo, diante do insólito perturbador do silêncio.

O Baiano sorriu-se. Tinha contendor, afinal.

— ’guenta, lixo! — berrou e, cambaleando, descreveu uma “letra” de capoeiragem, cujo remate foi o valentíssimo pontapé com que projetou o totó a cinco metros de distância. Joli rompeu num ganir de cortar a alma, e o ofensor, perdido o equilíbrio, veio de lombo no chão.

A Mourisma despertou de sobressalto, surgindo logo à porta o redondo da Câmara, Maneco Moura, de camisola, carapuça de dormir e vela na mão.

Estrovinhado, o homem não enxergava coisa nenhuma desta vida, a não ser o clarão da luz à sua frente.

— Que é lá aí? — berrou ele para a rua.

— É pimenta-cumari! — roncou o mulato já a prumo; e enquanto, esfregando os olhos, o Moura perguntava a si próprio se não era aquilo pesadelo, o facínora desenhou no chão uma figura de capoeiragem chamada “rabo de arraia”. Consequência: o pesado vereador aluiu com vela e tudo, esborrachando o nariz no cimento da calçada.

Era esse o fato sobre o qual ia a Justiça manifestar-se.

Fale o tio:

— Foi uma seca sem nome o tal do júri. O promotor, sequioso por falar, com a eloquência ingurgitada por vinte anos de choco, atochou no auditório cinco horas maciças duma retórica do tempo do onça, que foram cinco horas de pigarros e caroços de encher balaios. Principiou historiando o direito criminal desde o Pitecantropo Erecto, com estações em Licurgo e Vedas, Moisés e Zend-Avesta. Analisou todas as teorias filosóficas que vêm de Confúcio a Freixo Portugal: aniquilou Lombroso e mais “lérias” de Garófalo (que dizia Garofálo); provou que o livre-arbítrio é a maior das verdades absolutas e que os deterministas são uns cavalos, inimigos da religião de nosso país; arrasou Comte, Spencer e Haeckel, representantes do anti-Cristo na terra; esmoeu Ferri. Contou depois sua vida, sua nobre ascendência entroncada na alta prosápia duns Esteves do rio Cávado, em Portugal: o heroísmo de um tio morto na Guerra do Paraguai e o não menos heroico ferimento de um primo, hoje escriturário do Ministério da Guerra, que no Combate de Cerro Corá sofreu uma arranhadura de baioneta na “face lateral do lobo da orelha sinistra”.

“Provou em seguida a imaculabilidade da sua vida; releu o cabeçalho da acusação feita no julgamento-Intanha; citou períodos de Bossuet — a águia de Meaux, de Rui — a águia de Haia, e de outras aves menores; leu páginas de Balmes e Danoso Cortez sobre a resignação cristã; aduziu todos os argumentos do doutor Sutil a respeito da Santíssima Trindade; e concluiu, finalmente, pedindo a condenação da ‘fera humana que cinicamente me olha como para um palácio’ a trinta anos de prisão celular, mais a multa da lei.”

Aqui o tio parou, acabrunhado. Correu a mão lívida pela testa em suor. Negrejaram-se-lhe as olheiras.

— Sinto um cansaço de alma ao recordar esse dia. Como é fértil em recursos a imbecilidade humana! Houve réplica. Houve tréplica. O Zezeca bateu o promotor em asnice. Engalfinharam-se, disputando acirrados o cinturão de ouro do Ornejo. Horror… O borbotão de asneiras era caudal sem fim e o conselho já dava evidentes sinais de canseira. A tantas, um jurado levantou-se e pediu licença para ficar de cócoras no banco, porque, “com perdão da palavra, estava com escandescência”. Veja você!…

— Afinal…

— Afinal foram os jurados para a sala secreta. Noite alta já. Os candeeiros de petróleo, com os vidros fumados, modorravam funerariamente. O Fórum, deserto de curiosos, estava quase às escuras. O destacamento policial (dois praças e um cabo) cabeceava, a dormir em pé. Três horas já haviam corrido, de sonolenta expectação, quando da sala secreta saem os jurados com o papelório.

Entregam-mo. Corro os olhos e esfrio. Tudo errado! Era impossível julgar com base na salada de batata e ovos que me fizeram dos quesitos. Tive de reenviá-los ao curral do conselho. Expliquei-lhes novamente, com infinita paciência, como deveriam proceder. Façam isto, assim, assado, entenderam?

"— Entendemos, sim, senhor — respondeu um por todos —, mas por via das dúvidas era bom que o seu doutor mandasse cá dentro o João Carapina pra nos ajudar.

"Abri a minha maior boca e olhei assombrado para o escrivão:

"— E esta, amigo Chico?

"O escrivão cochichou-me que era sempre assim. Em não sorteado o João Carapina, não havia meio de a coisa correr bem na sala secreta. E citou vários antecedentes comprobatórios. Não me contive — berrei, chamei-lhes nomes, asnos de Minerva, onagros de Têmis, e fi-los trancafiar de novo na saleta.

"— Ou a coisa vem conforme o formulário, ou vocês, cambada, ficam aí toda vida!

"Decorreu mais outra hora e nada. Nenhum ruído promissor na sala secreta. Perdi a esperança e acabei perdendo a paciência. Chamei o oficial de justiça.

"— Vá desentocar-me esse Carapina e ponha-mo cá debaixo de vara, dormindo ou acordado, vivo ou morto. Depressa!…

"O oficial saiu, lépido, e meia hora depois voltava com o carpinteiro dos nós górdios a bocejar, estremunhado, de chinelas e cobertor vermelho ao pescoço.

"— Senhor João — gritei —, meta-se na sala secreta e amadrinhe-me esse lote de cavalgaduras. Com seiscentos milhões de réus, é preciso acabar com isto!

"O carpinteiro foi introduzido na sala secreta.

"Logo em seguida, porém, toc, toc, toc, batem lá de dentro. O oficial de justiça abre a porta. Surge-me o Carapina com cara idiota.

"— Que há? — perguntei, escamado.

"— O que há, senhor doutor, é que não há ninguém na sala; os jurados fugiram pela janela!…

"— !!!

"— E deixaram em cima da mesa este bilhetinho para Vossa Excelência.

"Li-o: ‘Senhor Doutor Juiz, nos desculpe, mas nós condenamos o bicho no grau máximo.’
Máximo foi a palavra que decifrei pelo sentido: estava escrito ‘maquécimo’.

"Levantei-me, possesso.

"— Está suspensa a sessão! Senhor comandante, recolha o réu à… Que é do réu?

"Firmei a vista: não vi sombra de réu no banquinho. O comandante, que estava a dormir de pé, despertou sobressaltado, esfregando o olho.

"— Senhor, que é do réu? — gritei.

"O pobre cabo, com a ajuda dos dois soldados a caírem de sono, deu busca embaixo da mesa, pelos cantos, no mictório, dentro das escarradeiras. Como nada encontrasse, perfilou-se e disse com respeitosa indignação:

"— Saberá Vossa Excelência que o safado escafedeu…

"O relógio da matriz badalava três horas — três horas da madrugada!… Era demais. Perdi a compostura e explodi.

"— Sabem duma coisa? Vão todos à… — e berrei a plenos pulmões o grande palavrão da língua portuguesa.”

— E?…

— E fui dormir.

sábado, 19 de janeiro de 2019

Oceano de Letras (Solidão) n. 1



J.G. de Araújo Jorge
Tarauacá/AC, 1914 – 1987, Rio de Janeiro/RJ

Solidão

Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: - a solidão
anda lá fora, e o vento à minha porta
passa arrastando as folhas pelo chão...

Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silêncio, que o espírito conforta,
exaspera a minha alma de aflição...

As horas vão passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vão tento conciliar o sono

A cama é fria... O quarto úmido e triste...
- Há uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste...
_______________
José Feldman
Maringá/PR

O que foi que eu fiz, meu Deus,
pra sofrer tal provação?
De todos anseios meus...
só restou a solidão
_______________

Florbela Espanca
Vila Viçosa/Portugal, 1894 – 1930, Matosinhos/Portugal

Viver Só

Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorita
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que amasse
Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
Não vivo sozinha porque gosto
E sim porque aprendi a ser só.
_______________

Olympio Coutinho
Belo Horizonte/MG

Quem cultiva uma amizade
dentro do seu coração
pode morrer de saudade,
mas nunca de solidão.
_______________

Vinicius de Moraes  
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Solidão

Desesperança das desesperanças...
Última e triste luz de uma alma em treva...
— A vida é um sonho vão que a vida leva
Cheio de dores tristemente mansas.

— É mais belo o fulgor do céu que neva
Que os esplendores fortes das bonanças
Mais humano é o desejo que nos ceva
Que as gargalhadas claras das crianças.

Eu sigo o meu caminho incompreendido
Sem crença e sem amor, como um perdido
Na certeza cruel que nada importa.

Às vezes vem cantando um passarinho
Mas passa. E eu vou seguindo o meu caminho
Na tristeza sem fim de uma alma morta.
_______________

Cláudio de Cápua
Santos/SP

Unindo a seresta ao verso
quero compor na amplidão.
Sou menestrel do universo,
em tardes de solidão.
_______________

Argemiro Garcia
São Paulo/SP

Janelas

Olho da janela e o que vejo?
Formigas de azulejo
escalam muros de pedra;
anjos de face rosada
velam santos e orixás;
outros anjos, de cara suja,
percorrem praias e ruas,
à cata de latas e lixo.
Em torno, um e outro bicho
passam também a fuçar.
Rabiscos riscam tapumes e uma garatuja
assina-se nas paredes. Solidão flutua no ar.
Janelas, sempre janelas!
Assisto através delas
o mundo que teima em passar.
Gotas escorrem do vidro:
lágrimas? Suor?
Liberdade, Paraíso, Amaralina,
Copacabana, Imbetiba, Ondina,
quantas ruas será que eu, ainda,
percorro até me encontrar?
_______________
Clarice Lispector
Chechelnyk/Ucrânia, 1920 – 1977, Rio de Janeiro/RJ

Minha força está na solidão. 
Não tenho medo nem de chuvas tempestivas, 
nem de grandes ventanias soltas, 
pois eu também sou o escuro da noite.
_______________

Jerson Lima de Brito
Porto Velho/RO

Das memórias que vasculho
vem a dura explicação:
quem vive a plantar orgulho,
colhe a flor da solidão.
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Elisa Alderani
Ribeirão Preto

Se As Flores

Se as flores sentissem solidão logo morreriam...
Nós não as deixamos sozinhas na sacada?
Às vezes até esquecemos que elas existem.

De repente a minha flor de Amarílis apontou no vaso de barro.
Olhei para ela com maravilha.
Falei com ela pedindo perdão pelo meu esquecimento,
fiz um carinho delicado com a ponta dos dedos.
Peguei o vaso e o coloquei ao centro da mesa.

Será que as flores não sentem solidão?

Elas são vivas, sentem as emoções.
Na sacada elas têm a companhia do vento,
das noites de luar, das estrelas, das belas madrugadas.
Do sol, dos pássaros, dos gritos das crianças.
Agora em minha sala, faz-me companhia.
Falo com ela e me sinto feliz.
Sua cor rubra alegra meu coração.
Lembra-me da amiga que um dia me presenteou.

Será que as flores não sentem solidão?

Solidão é para quem levanta paredes...
Melhor seria viver como as flores
Sentir como elas sentem ouvir como elas ouvem
Construindo, um arco-íris de e luzes e cores.
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Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ

Curtindo muita amargura,
trancado na solidão,
anônimo, sou figura
no meio da multidão.
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Ialmar Pio Schneider
Porto Alegre/RS

Soneto De Um Andarilho 

Eu vivo solitário e maltrapilho,
a caminhar por este mundo afora,
e levo a vida por um triste trilho,
boêmio sem amor e sem aurora.

Da solidão sou sempre um pobre filho,
e com imensa dor minh´alma chora,
quando lembro sozinho o nosso idílio,
aquele louco amor que tive outrora.

Hoje, tristonho e maltrapilho vivo,
da sociedade sempre longe, esquivo…
Apenas nas tabernas acho paz.

E lá, quando me afogo na bebida,
olvido a desventura desta vida
e penso, doido, que me amando estás.
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Mifori 
São José dos Campos/SP

Um jardim de belas flores
não permite solidão;
sob o Sol reflete cores,
perfumando o coração!
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Francisca Júlia
Xiririca (atual Eldorado Paulista)/SP, 1871 - 1920, São Paulo/SP

A Um Velho

Por suas próprias mãos armado cavaleiro,
Na cruzada em que entrou, com fé e mão segura,
Fez um cerco tenaz ao redor do Dinheiro,
E o colheu, a cuidar que colhia a Ventura.

Moço, no seu viver errante e aventureiro,
O peito abroquelou dentro de uma armadura;
Velho, a paz vê chegar do dia derradeiro
Entre a abundância do ouro e o tédio da fartura.

No amor, de que é rodeado, adivinha e pressente
O interesse que o move, o anima e o faz ardente;
Foge por isso ao mundo e busca a solidão.

O passado feliz o presente lhe invade,
E vive de gozar a pungente saudade
Das noites sem abrigo e dos dias sem pão.
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Henri Lacordaire
Soréze/França (1802 - 1861) 

É a solidão que inspira os poetas, cria os artistas e anima o gênio!
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Olga Maria Dias Ferreira 
Pelotas/RS

Na solidão do deserto,
reluz a minha esperança, 
a trazer para mais perto
os meus sonhos de criança. 
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Emiliano David Perneta
Curitiba/PR, 1866 – 1921

Dor
Ao Andrade Muricy

Noite. O céu, como um peixe, o turbilhão desova
De estrelas e fulgir. Desponta a lua nova.

Um silêncio espectral, um silêncio profundo
Dentro de uma mortalha imensa envolve o mundo

Humilde, no meu canto, ao pé dessa janela,
Pensava, oh! Solidão, como tu eras bela,

Quando do seio nu, do aveludado seio
Da noite, que baixou, a Dor sombria veio.

Toda de preto. Traz uma mantilha rica;
E por onde ela passa, o ar se purifica.

De invisível caçoila o incenso trescala,
E o fumo sobe, ondeia, invade toda a sala.

Ao vê-la aparecer, tudo se transfigura,
Como que resplandece a própria noite escura.

É a claridade em flor da lua, quando nasce,
São horas de sofrer. Que a dor me despedace.

Que se feche em redor todo o vasto horizonte,
E eu ponha a mão no rosto, e curve triste a fonte.

Que ela me leve, sem que eu saiba onde me leva,
Que me cubra de horror, e me vista de treva.
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Aurora Pierre Artese
São Paulo/SP

A solidão mais sofrida
é quando o tempo envelhece
na curva triste da vida,
onde o amor desaparece...
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Ialmar Pio Schneider
Porto Alegre/RS

Soneto

Procuro refletir num dia assim
em que a chuva prossegue sem cessar;
e encontro a solidão dentro de mim,
enquanto avisto ali bem perto o mar…

Quisera num momento navegar
os meus sonhos de amor no mar sem fim,
pra que pudesse reviver e amar
o que me falta nesta vida, enfim…

Porém, são tão inúteis estes sonhos,
quais os meus pensamentos enfadonhos,
quando não me permitem conciliar

o que desejo obter e não consigo,
embora seja um sentimento antigo,
com o que o mundo tem a me ofertar !
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Adelmo Oliveira
Itabuna/BA

Meu Natal De Sempre

Ficou na sombra a casa onde morei
As árvores do quintal, a ventania
E eu, pequeno ainda, me recordo
Quanto chorei, quando cantar devia.

Ficou no céu o tempo que sonhei:
Sapato de verniz dependurado
Num saco bem vazio de esperanças
Qual pacote amarrado pelo vento.

Não finjo o sonho em que me sustentei
No portal da janela de meu quarto:
As bolas de borracha coloridas
(Revólver de brincar de detetive).

Meus irmãos já tiveram as mesmas coisas,
Meus amigos, também, o que não tive.
A vida dá presente todo dia:
A dor que sinto agora, não sentia.

Ficou no rosto o traço que não tinha:
A solidão que sopra lá de fora.
Multiplico os minutos pelas horas
E tenho as mesmas horas repartidas.

Ganho, então, meu presente de lembranças:
Uma flor na lapela e meu cansaço.
Costuro mágoas e as transformo em ânsias
E corto a fantasia em mil pedaços.
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Clevane Pessoa
Belo Horizonte/MG

A solidão que me embala
canta-me tristes cantigas…
Será que o silêncio fala?
Serão as sombras, amigas?

Fonte:
Folhetim Literário Desiderata n. 5 - janeiro de 2019 - Tema: Solidão - p.4 a 8.

Stanislaw Ponte Preta (A Pescaria)


— Fomos uns cinco pescar — conta-nos o amigo que há muito não encontrávamos. Tinha comprado um molinete e, segundo nos confessou, desde menino sonhava em ter o seu próprio molinete. Por isso aceitou o convite.

Quando o encontramos, às 11 horas da noite de sábado, estava cansadíssimo e queria ir dormir. Mesmo assim contou como foi a pescaria.

— Eles me convidaram dizendo que estava dando muito pampo na Barra da Tijuca. Passaram lá em casa às 7, me pegaram e saímos para comprar isca.

Ficaram comprando isca e lá pelas 9 horas entraram num bar para tomar um negócio porque estava ameaçando chuva e era preciso precaução. Às 11 horas, saíram do bar e tinha um camarada na porta vendendo siris.

— Vivos? — perguntamos.

Nosso amigo diz que sim e que, por isso mesmo, era preciso preparar. Ninguém levava comida para a pescaria e, portanto, até que seria bom cozinharem uns siris para fazer o farnel.

Na casa de um deles a cozinheira foi avisada de que chegariam dentro em pouco com uma centena de siris para preparar. E de fato chegaram, lá pelas duas da tarde.

Foi tudo muito rápido. Às 5 horas os siris estavam prontinhos e todos sentados em volta da mesa, para experimentar. Trouxeram umas cervejas e foram comendo, foram comendo, até que chegou uma hora em que havia mais siris do que fome. Resolveram tomar providências e telefonaram para uns amigos.

— Venham comer siris.

Os amigos chegaram com um violão e uma garrafa de uísque. Uísque vai, uísque vem, deu fome outra vez. Eram oito horas quando a cozinheira salvou a situação com uma panelada de carne-seca com abóbora. Uns sirizinhos antes, como aperitivo, e todos caíram na carne-seca.

Então deu vontade de cantar. Um lá pegou o violão, os outros suas caixas de fósforo e começaram a lembrar sambas antigos.

E nosso amigo, ainda com o caniço e o molinete na mão, confessa:

— Saí de lá agora.

— E a pescaria?

— Pescaria? Que pescaria?

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. 10 em Humor. 
RJ: Ed. Expressão e Cultura, 1968.