segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

A Literatura em evidência (A verossimilhança na Literatura Fantástica)

Anéis mágicos, mortos-vivos, viagens no tempo, objetos falantes, seres humanos que voam. A literatura fantástica está cheia deles. Não raro, narrativas assim costumam ser ambientadas em universos regidos por leis próprias, que não podem ser explicadas pela racionalidade convencional.

Sabemos que nada disso existe na vida real, mas podemos acusar de mentira uma história que contenha esses elementos? A resposta é: não. Isto porque a função da literatura não é enganar o leitor. Segundo, porque no mundo do "pode ser" a existência de universos e seres mágicos torna-se possível graças à verossimilhança. Você já deve ter ouvido falar nela, mas qual o seu significado?

De acordo com o dicionário Aurélio (2010), verossímil significa algo "semelhante à verdade, que parece verdadeiro, provável". Portanto, a verossimilhança indica a qualidade daquilo que é verossímil. Teóricos a classificam como:

– Interna: quando há coerência entre a estrutura narrativa e seus elementos internos, como em "O Senhor dos Anéis", de J.R.R. Tolkien.

– Externa: quando o universo ficcional guarda relações com o tempo e/ou espaço da vida real, expandindo a sensação de realidade. Por exemplo, em "Batman", de Bill Finger e Bob Kane, Gotham City é uma cidade fictícia que enfrenta problemas reais de uma cidade real (corrupção, criminalidade etc).

Na literatura fantástica, a verossimilhança é um dos pilares organizadores, digamos assim, do universo ficcional, no qual o enredo, personagens, tempo, espaço e narrador precisam estar em harmonia para a história fazer sentido.

Vale lembrar que, por mais fantástica que uma narrativa seja, o mundo real será sempre o ponto de partida, um referencial. Esse paralelismo com a realidade precisa existir para que haja verossimilhança.

De acordo com o filósofo e teórico da literatura, Tzvetan Todorov, autor de "Introdução à Literatura Fantástica" (2004), o fantástico ganha vida justamente quando o leitor sente dúvida, hesitação e ambiguidade ao entrar em contato com um mundo que parece o seu, mas que ao tempo é tão diferente. Sobre verossimilhança, Todorov diz que:

"A verossimilhança não se opõe [...] absolutamente ao fantástico: o primeiro [item] é uma categoria que se relaciona com a coerência interna, com a submissão ao gênero, o segundo se refere à percepção ambígua do leitor e da personagem. No interior do gênero fantástico, é verossímil a ocorrência de reações `fantásticas` (TODOROV, 2004, p. 52)".

Na Grécia Antiga, Aristóteles já falava em verossimilhança ao pensar a relação entre o mundo real e a sua representação por meio da arte. Em "Arte Poética", o filósofo defendeu que a literatura, assim como as demais manifestações artísticas, seria uma imitação, uma representação da realidade, o que ele chamou de mimese, e estaria no limite entre o real e o imaginário, ou ainda entre a verdade e a mentira. Quando falamos de narrativas fantásticas, esse limite se expande para o natural (as leis físicas que conhecemos) e o sobrenatural (leis desconhecidas), como elucida Todorov (2004):

"Há um fenômeno estranho que pode ser explicado de duas maneiras, por tipos de causas naturais e sobrenaturais. A possibilidade de vacilar entre ambas é que cria o efeito fantástico".

Todorov (2004) divide a literatura fantástica em três segmentos: fantástico puro, estranho e maravilhoso. É comum um gênero se sobrepor ao outro, o que muitas vezes dificulta uma classificação precisa. Segundo o autor, a forma como o elemento mágico é explicado ou não dentro da história é o que vai estabelecer essa definição.

Por fim, tão logo o leitor compreenda o funcionamento do universo ficcional criado, perceberá a narrativa como verossímil. Basta ver que no enredo criado por Mary Shelley e Bram Stoker, Frankenstein e Conde Drácula são tão reais e coerentes quanto eu e você vivendo no Planeta Terra. Nesse sentido, ao escrever uma história fantástica avalie se há verossimilhança, reveja as possíveis inconsistências narrativas e verifique se todos os elementos internos estão coerentes entre si.

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Filemon Martins (Aquarela de Trovas) 29

 



Mensagem na Garrafa = 103 =

Mia Couto
Beira/Moçambique

Antigamente, não havia senão noite. E Deus pastoreava as estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a sua pança abarrotava de luz. 

Nesse tempo, todas as estrelas comiam, todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento no infinito firmamento! Até que no rebanho do pastor, nasceu uma estrela com ganância de ser maior que todas as outras. 

Essa estrela chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando para longe as outras estrelas que começaram a definhar. 

Pela primeira vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo escuro. Mais e mais o Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus domínios e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do universo. 

Não tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus. O que aconteceu na verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o Dia. 

A Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, já cansado, se ia deitar. Com o Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a lição da Noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar. 
(Mia Couto. A Confissão da Leoa)

Mitos indígenas (Mavutsinim)

A mitologia indígena é importante para nós por estar ligada à compreensão da  cultura dos povos que habitavam nosso país, sua mística e conceitos de espiritualidade. Estamos intimamente ligados a estes nossos ancenstrais, sejam diretos ou indiretos, temos algo dos índios em nós. 

MAVUTSINIM - O PRIMEIRO HOMEM

No principio existia apenas Mavutsinim, que vivia sozinho na região do Morená. Não tendo família nem parentes, possuía apenas para si o paraíso inteiro. 

Um dia sentiu-se muito, muito só. Usou então de seus poderes sobrenaturais, transformando uma concha da lagoa em uma linda mulher e casou-se com ela. Tempos depois, nasceu seu filho. 

Mavutsinim, sem nada explicar, levou a criança à mata, de onde não mais retornaram. 

A mãe, desconsolada, voltou para a lagoa, transformando-se novamente em concha. Apesar de ninguém haver visto a criança, os índios acreditam que do filho de Mavutsinim tenham se originado todos os povos indígenas. 

Foi também Mavutsinim que criou de um tronco de árvore a mãe dos gêmeos Sol ( Kuát) e Lua ( Iaê,) responsáveis por vários acontecimentos importantes na vida dos Xinguanos, antes de se tomarem astros.

MAVUTSINIM  E O XINGU - A FORMAÇÃO DAS TRIBOS

Foi Mavutsinim quem tudo criou; fez as primeiras panelas de barro e as primeiras armas; a borduna, o arco preto, o arco branco e a espingarda. 

Tomando quatro pedaços de tronco, resolveu criar as tribos Kamayurá, Kuikuro, Waurá e Txukahamãe. 

Cada uma delas escolheu uma arma, ficando a tribo Waurá com a panela de barro. Mavutsinim pediu à Kamayurá que tomasse a espingarda, mas esta preferiu o arco preto. Os Kuikuros ficaram com o arco branco e os Txukahamães preferiram a borduna. 

A espingarda sobrou para os homens brancos. A população aumentou em demasia e Mavutsinim resolveu separar os grupos. Mandou que os Txukahamães fossem para bem longe, pois eram muito bravos. Os homens foram para as cidades, bem distantes das aldeias, pois tinham muitas doenças e com as armas de fogo viviam a ameaçar a vida dos outros grupos. Desta forma, as tribos puderam viver em paz.

MAVUTSINIM - O PRIMEIRO KUARUP, A FESTA DOS MORTOS

Mavutsinim, o grande pajé, desejava fazer com que os mortos revivessem e voltassem ao convívio de seus familiares. Cortou dois troncos e deu-lhes a forma de um homem e de uma mulher, pintando-os e adornando-os com colares, penachos e braçadeiras de plumas. Cravou-os no centro da aldeia. Preparou então uma festa e distribuiu alimentos a todos os índios, para que esta não fosse interrompida. 

Pediu aos membros da tribo que cobrissem seus corpos com uma pintura que expressasse apenas alegria, pois aquela seria uma cerimônia em que, ao som do canto dos maracá-êp (cantadores), os mortos iriam reviver: os Kuarups criariam vida. 

No outro dia a festa continuava; os índios deveriam cantar e dançar, embora proibidos pelos pajé de olharem para os troncos. Aguardariam de olhos cerrados a grande transformação. 

Naquela mesma noite, as toras começaram a mover-se, tentando sair das covas onde foram colocadas. Ao amanhecer já eram metade humanos, modificando-se constantemente. Mavutsinim pediu então aos índios que se aproximassem dos Kuarups sem parar de festejar, cantando, rindo e dançando. Apenas os que haviam passado a noite com mulheres não poderiam se integrar à cerimônia, permanecendo afastados do local. 

Um destes, porém, com irresistível curiosidade, desobedeceu às ordens do pajé e aproximou-se, quebrando o encanto do ritual. E os Kuarups voltaram à sua forma original de troncos. 

Contrariado, Mavutsinim declarou que, a partir daquele instante, os mortos não mais reviveriam no ritual do Kuarup! Haveria somente a festa. Ordenou que os troncos fossem retirados da terra e lançados ao findo das águas, onde permaneceriam para sempre.
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continua…

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

Cassiano Ricardo (Poemas Escolhidos) = 2


A DOR DA TERRA

Esta montanha sofre um íntimo tormento.
Arremessada para o azul do firmamento,
parece que o seu mal é o viver, invocando,
no seu pétreo mutismo, o ouro vivo dos astros,
sobre a desolação deste mundo execrando,
como o perdão da altura aos que vivem de rastros. . .

Toda a tinta da aurora escorre-lhe no dorso,
sobre a hedionda nudez do seu vulto retorço.
Dá-me a vaga impressão de que a montanha verte
luz e sangue, no seu torpor de cataclismo,
monstro azul que dormiu, acorrentado e inerte,
grito que emudeceu na garganta do abismo!

Onda que foi rolar, criniverde e bravia,
e parou! vagalhão absorto, penedia
descondensada, dor da Terra, hirta montanha!
O homem pensa, e pergunta ao sofrimento absurdo,
como, sendo o teu mal de grandeza tamanha,
pode um deus existir tão bárbaro e tão surdo!

Esse filões de luar, que te rolam dos flancos,
são, no horror da velhice, os teus cabelos brancos;
pois, desde o alvorecer deste mundo maldito,
nessa imobilidade em que o teu sonho medra,
nessa imortalidade obscura, sem um grito,
vives acorrentada ao teu ideal de pedra.

Do teu negro silêncio, a água viva que nasce,
(fria transudação pelas rugas da face)
que nas pedras ressuma e escorre a umedecê-las,
é o teu suor de montanha! ajoelhada no fundo
da Terra, agrilhoada ao cárcere do mundo,
como um gesto de dor ao clarão das estrelas!
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A GRAÇA TRISTE

Só me resta agora
Esta graça triste
De te haver esperado
Adormecer primeiro.
Ouço agora o rumor
Das raízes da noite,
Também o das formigas
Imensas, numerosas,
Que estão, todas, corroendo
As rosas e as espigas.

Sou um ramo seco
Onde duas palavras
Gorjeiam. Mais nada.
E sei que já não ouves
Estas vãs palavras.
Um universo espesso
Dói em mim com raízes
De tristeza e alegria.
Mas só lhe vejo a face
Da noite e a do dia.

Não te dei o desgosto
De ter partido antes.
Não te gelei o lábio
Com o frio do meu rosto.
O destino foi sábio:
Entre a dor de quem parte
E a maior — de quem fica —
Deu-me a que, por mais longa,
Eu não quisera dar-te.
É a sua noiva que vem vindo. . .
É o cafezal que, no barranco,
e sob o céu ainda estrelado
lembra um vestido de noivado
de tanta flor e de tão branco.
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A LANTERNA MÁGICA

E foi
tão grande o seu desespero
na encruzilhada
e a noite era tão escura
na floresta e nos campos,
que o próprio Currupira
ficou com pena
e lhe arranjou uma lanterna
de pirilampos.

“Pouco importa
que a noite seja escura,
porque foi apanhar água
no ribeirão
e quebrou seu pote branco
numa pedra do barranco
fazendo esta escuridão.

Vá por aqui, direitinho,
com esta lanterna
na mão, alumiando o caminho...
e você encontrará o que procura!”

E ele saiu pelo sertão,
procurando o Sol da Terra
com uma lanterna de pirilampos
na mão.
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AMOR ORBITAL

Não preciso
fugir para a Lua
numa viagem
nupcial
na noite sideral.
Ela brilha como
um fruto branco
ao alcance de minha
mão.
O amor move o sol
e “l'atre stelle”
em torno
de nós dois.
Pra que um voo
orbital?
já os teus olhos
são dois satélites
azuis

em órbita.
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A ROSA LOUCA

É a rosa louca, uma rosa vermelha,
mais um grito de cor do que flor.

A que nasceu no galho arrancado a roseira
e jogado no chão, sem nenhum endereço.

Rosa agressiva, pela cor tão viva.
Que faz pensar num homicídio, pelo sangue;
e no céu, pelo aroma.

E que, no entanto – inexplicavelmente –
floriu no galho já depois de morto.
Única rosa que ainda te ofereço.

É esta, a rosa louca, em mim nascida.
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A SINTAXE DO ADEUS

O frio que a morte traz
quem o sente não é o morto.
O morto apenas esfria.
É o frio do calafrio...

E são os vivos que o sentem.
Também os vivos têm medo
de olhar nos olhos do morto.
Ah, o terrível segredo.

E alguém, com dedos de rosa
vem e automaticamente
pra que o morto não nos veja,

lhe fecha as pálpebras como
a duas pétalas e adeus.
A-deus quer dizer sem Deus.

1º Concurso de Trovas Cidade de Astolfo Dutra-MG (Prazo: 31 de Maio)

ÂMBITO NACIONAL (Brasil e demais países de língua portuguesa. Excetuando-se Minas Gerais).

Veterano e Novo Trovador: PLATEIA (lírica/filosófica) 

Veterano e Novo Trovador: CELULAR (humorística)

Âmbito nacional deverão ser encaminhadas para:   jloures67@gmail.com
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ÂMBITO ESTADUAL (Minas Gerais):

Veterano e Novo trovador: CORTINA (lírica/filosófica) 

Veterano e Novo trovador : DEDO (humorística)

Âmbito Estadual  encaminhar para: jersonbrito.pvh@gmail.com


1 – É obrigatório que conste a palavra tema no corpo da trova,

2 - Será considerado Novo Trovador aquele trovador que não obteve até a divulgação deste regulamento classificação entre os 5 (cinco) primeiros colocados em 3 (três) concursos de trova oficiais em nível nacional.

3 – As trovas deverão ser no máximo de 02 (duas) por participante, inéditas e de autoria do próprio concorrente.

4 – Enviar por e-mail, aos cuidados do Fiel depositário segundo o tema do Concurso. Não serão aceitos anexos.

5 – As trovas, bem como, a categoria pela qual concorre o trovador deverão constar no corpo do e-mail.

6 – É obrigatória a informação pelo participante, sob pena de desclassificação, do nome e endereço postal completo (inclusive CEP, Telefones e e-mail se houver).

7 – Do Prazo: Todos os Âmbitos: Serão consideradas as trovas que chegarem até 31 de maio de 2024

8 – Da Premiação: A premiação acontecerá em data, local e horário a ser definido. Será concedido Diploma, medalhas e troféu para os classificados.

9 - As trovas premiadas serão publicadas em livreto ou livro a ser editado pela entidade promotora ou por seus representantes, bem como divulgadas em exposições, e redes sociais 

10 – Os autores dos trabalhos premiados ao inscrever suas obras no concurso autorizam sua publicação, sem ônus de nenhuma espécie.

Maiores informações pelo e-mail: zegute@yahoo.com.br

sábado, 10 de fevereiro de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 22

 

Mensagem na Garrafa = 102 =

Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo/SP

UM BRINDE À VIDA

A pergunta me pegou de surpresa: — Bisa, você é velha ou idosa? Sorri... e, com a mesma paciência com que respondi a centenas de alunos, em trinta anos de magistério, expliquei ao bisneto que as duas palavras têm o mesmo significado, porém para sermos educados com as pessoas em idade avançada, as chamamos de idosas. A explicação o convenceu... deu-me um beijo e voltou ao jogo de videogame. Mas, a mim não convenceu!...

Um estudo recente que causou polêmicas, concluiu que: Velho é aquele que não tem mais planos futuros e, com resignação, espera o seu fim. Idoso é aquele que, apesar da idade, é ativo, sente prazer na leitura, ouve e lê notícias para manter-se atualizado, tenta adaptar-se à tecnologia moderna, acredita no amor e ainda sonha!

A conversa levou-me a vigiar meu comportamento no convívio com os quatro filhos, sete netos, seis bisnetos, dois genros, a nora e dezenas de amigos.

Tenho a idade da Revolução Constitucionalista de 1932. É claro que pela idade – 89 anos – eu sou de ontem!... Sou do tempo em que o meio de transporte era o trole. Acomodei-me nos bancos das jardineiras, em estradas poeirentas, experimentei a emoção do bonde elétrico, em trilhos nas ruas calçadas com paralelepípedos e encantei-me com a magia do trem, em vagões puxados pela máquina a vapor, a Maria Fumaça.

Vivi o tempo do rádio, as notícias dadas pelo Repórter Esso “o primeiro a dar as últimas” e ouvindo e cantando as músicas cujas letras sabia de cor.

Sou do tempo do telefone preso à parede e da vitrola, com discos de vinil – Long Plays e Compactos... ambos os aparelhos movidos a manivelas. Do circo mambembe, que alegrava nossos finais de semana. Do fotógrafo de rua, o Lambe-lambe e das idas aos estúdios fotográficos, para as fotos em preto e branco, registrarem os eventos sociais.

Dancei as cirandas, na praça da cidade, com a banda militar tocando dobrados, no coreto e, depois, as valsas e os boleros, em clubes, ao som de conjuntos musicais. Frequentei quermesses, à espera do “correio elegante” (uma declaração de amor, velada), alegrei-me com a Dança da Quadrilha, em festas juninas... Vesti a roupa da moda para fazer o “footing”, viver a emoção do flerte, do primeiro amor, do namoro de mãos dadas...

Morei em casas térreas, com portas e janelas abertas para a rua, em um tempo em que o contrato de locação era a palavra dada.

À noite, após o trabalho, os vizinhos se reuniam na calçada – as cadeiras em roda – e comentavam os acontecimentos do dia. As crianças corriam pelas ruas brincando de esconde-esconde, de boca de forno, de roda... Os brinquedos eram feitos por nós: a peteca, a boneca de pano, a bola de meia, as pipas coloridas...

E a alegria para se preparar para fazer ou receber visitas! O lanche feito com carinho, o pão quentinho, assado no forno de pedra construído no quintal, os bolinhos de chuva, o suco para as crianças e o café para os adultos, feito no fogão a lenha e servido no bule de ágata.

Ah, nossos Natais! O presépio com as figuras principais, os patinhos de celuloide sobre os cacos de um espelho, imitando lagos, montado na sala de visitas, onde nos reuníamos com os vizinhos para a novena do Advento. A inocência de acreditar em Papai Noel...

A chegada do Carnaval era uma festa! Os pais levavam as crianças para apreciar os corsos carnavalescos, com Pierrôs e Colombinas, em carros abertos, as marchinhas “na ponta da língua”.

Sou de um tempo em que se pedia a bênção aos pais, tios, avós e padrinhos. Em que os alunos se levantavam quando o professor entrava na sala de aula e em que a professora era “a segunda mãe”.

A chegada da televisão já havia revolucionado o mundo, quando assistimos emocionados o homem pisar no solo da Lua, em 1969. Anos depois, a televisão em cores e o programa do Chacrinha, com suas chacretes, era líder de audiência e usava e abusava do meu nome: Alô, alô Terezinha...

O rádio foi desligado e esquecido. Em compensação, a minha máquina Remington trabalhava sem parar, quando datilografava meus escritos para os concursos de trovas, crônicas, contos e haicais.

Um dia, ouvi falar que o computador viera para agilizar esse trabalho mas, não me interessei... Até o momento em que recebi da filha e genro um presente que foi ligado à tomada e me explicaram que as mensagens chegariam em meu e-mail.

Pediram que eu lesse um que já havia sido enviado e que dizia: “Agora vai ter que aprender”.

E aprendi: por telefone fixo, com o monitor ligado e ouvindo as explicações: — Mãe, está vendo aquele botão lá no alto, à direita? Aperte e me diga o que apareceu na tela... Pouco tempo depois já sabia o que chamo de “o básico do básico”.

Meus trabalhos, agora, são digitados. Assim editei meu livro de trovas e sonetos “À Procura de Estrelas”, aos 80 anos.

Hoje tenho uma senha, um e-mail, recebo e envio textos... E quando tenho dúvidas, as pesquisas são feitas no Google.

A máquina Remington foi guardada, com o carinho que merece e ainda a uso quando a Internet falha.

Não satisfeitos, a filha e o genro, me “presentearam” com um celular e que trabalho me deu! Guardei, ao lado da Remington, as três máquinas fotográficas, desliguei o telefone fixo e empilhei meus álbuns de fotografias na estante – as fotos agora ficam “armazenadas” no computador e quando quero vê-las basta abrir a pasta onde estão. E aqui estou eu tentando adaptar-me a um mundo completamente diferente para poder dialogar, principalmente, com netos e bisnetos.

O ritual começa logo cedo, antes das 6 horas da manhã. Coloco água para o café, no fogão a gás e ligo o celular na tomada. Pronto, já estou on-line... Mando e respondo as mensagens mais urgentes pois, de manhã, sou “dona de casa. Após o almoço, ligo a TV para as notícias e fico a par do que acontece lá fora. Ouvi falar que alguns idosos fazem a sesta – um cochilo após o almoço – mas não faz parte da minha agenda. À tarde quem trabalha é a mente: leio, escrevo, faço trovas, navego na Internet...

Faço parte de quatro grupos que se comunicam, diariamente, pelo WhatsApp: dois de Recife e dois da UBT porque sou a Secretária Nacional da entidade. Da memória não me queixo e lembro-me, com facilidade, de datas históricas, números de telefones e aniversários.

Ao completar 89 anos concluí que, apesar de “ser de ontem” eu não sou velha, e sim, idosa: amo a vida, tenho sonhos e vivo com alegria o momento presente, porque como disse Mia Couto: “A vida passa tão depressa que, às vezes, a alma não tem tempo de envelhecer”.

Fonte: Flávia Suassuna (coord.).Rede Solidária. Coletânea de textos. Recife/PE: 2021. Enviado pela Therezinha.

Cantiga Infantil de Roda (O ba-be-bi-bo-bu)


É uma roda de meninas e uma delas no meio. Cantam as da roda:

O ba-be-bi-bo-bu }
Vamos todos aprender } bis
Soletrando o b-a-bá, }
Na cartilha do a-b-c } bis

A menina que está no centro da roda escolhe, mentalmente, a primeira letra do nome de uma das amiguinhas, como por exemplo o B, e canta:

O b é uma letra }
Que se escreve no a-b-c } bis
Fulana você não sabe }
Quanto eu gosto de você } bis

A menina do centro abraça a escolhida, que passa para o meio da roda. Então, recomeçam todas a cantar o primeiro verso, etc.

Fonte: Veríssimo de Melo. Rondas infantis brasileiras. São Paulo: Departamento de Cultura, 1953.

Eduardo Martínez (O Leitor)

Lia tudo! Sempre leu, antes mesmo de ser alfabetizado, quando ainda desconhecia a ordem certa das letras nas palavras. Era desse tipo que gostava de ler até nas entrelinhas, mesmo que elas fossem apenas espaços vazios para a maioria. Mesmo aquelas letras minúsculas nos rótulos de cosméticos eram minuciosamente exploradas. 
    
Ele se entretinha com tudo que possuía letras, palavras, frases pequenas e enormes. Não que ligasse para o tamanho delas, haja vista conseguia vislumbrar beleza em qualquer bula de remédio. Sua mãe não se conformava, parecia até falta de educação. Quantas e quantas vezes havia sido repreendido por ela: "Largue esse livro, menino! Não vê que temos visita?"

As crianças na rua corriam de um lado para outro, enquanto a sua mente viajava o mundo nas páginas, muitas vezes amareladas, dos livros da estante da avó. Não que ele também não brincasse com a galerinha, pois o suor chegava a pingar da sua testa, caía nos olhos e ardia. Ele esfregava as vistas com o dorso da mão, balançava a cabeça e, então, algo parecia guiá-lo para a leitura, mesmo que na imaginação. Nessa idade já trocava algumas figurinhas com o Machado de Assis, com o Lima Barreto, arriscava até umas investidas na Clarice Lispector.

A adolescência foi entrando, os interesses aumentaram, começou a namorar. Quando ia ao cinema com a namorada, ele não queria sair após o final da película. Ah, os letreiros eram o máximo para ele. A namorada tentava arrastá-lo pelo braço, mas ele, firme, resistia. "Quem é que se importa com os créditos de um filme?", insistia a namorada. Ah, para ele era a parte principal, seus olhos corriam a tela na frustrada tentativa de captar todas as palavras. 
    
Tanto é que, já caminhando pela calçada, ele tentava adivinhar o que era aquilo que ele deixou de ler. "George de quê? Produzido por quem?" Nem prestava atenção no som que cismava em continuar saindo da boca da namorada. Ele apenas olhava aqueles lábios vermelhos se abrindo e se fechando, pois, pensava, talvez as respostas para os seus questionamentos pudessem sair dali a qualquer momento. Mas nada! 

Quando já estava na sua cama, muitas vezes a madrugada lhe fazia companhia. Todavia, a sua mãe, sempre a sua mãe, lembrava-o que a hora de ir para a escola havia chegado. "Que sono!!!" Seus pés, quase pregados, arrastavam-no até o banheiro, já que os olhos pareciam que ainda estavam fincados no cinema na frustrada tentativa de captar todas as letrinhas, por mais miúdas que fossem, cismavam em correr pela telona.

Chegou a vida adulta! E como chegou rápido esse tempo de tantos compromissos inadiáveis! Não tinha carro, ia a pé pro trabalho. Lia todas as placas, todas as ruas, mal entrava no trabalho, uma montanha de papéis lhe eram atiradas na mesa pela chefe: "Leia tudo e me faça um relatório!". Ela era carrancuda, ele se divertia com a montanha de palavras espalhadas à sua frente. Todos os outros empregados olhavam com pena para aquele infeliz. Nem desconfiavam que aquilo era seu oásis.

Acabou se casando. Não foi com aquela namorada que cismava em puxá-lo pelo braço. Não que ligasse para isso. Os filhos vieram com o tempo, seus cabelos foram perdendo a cor, sua barriga não cresceu como a da maioria dos maridos, pois ele se alimentava principalmente de palavras, frases, orações subordinadas, verbos transitivos e intransitivos, vocativos. Até que um dia, sentado na cadeira de balanço da varanda, suas mãos fraquejaram e soltaram o volume, que despencou sem qualquer cerimônia no piso gelado. A cabeça pendeu para o lado, seus óculos escorregaram até a ponta do nariz. 

O enterro foi breve, não havia muita gente, a chuva era fina. Todos foram embora antes mesmo do coveiro começar a jogar a terra sobre o caixão. O silêncio tomou conta do cemitério São João Batista, até mesmo os passarinhos pararam de cantar. Lá embaixo, seu corpo rijo e gelado parecia se incomodar com algo. Tentou se mexer, mas sem sucesso. "Cadê meus óculos?", A angústia o tomava por inteiro. Ele não conseguia decifrar as palavras na sua lápide.

Poetas amigos entre versos - 1


 Antonio Castilho
Avaré/SP

A CHUVA 

Bendita a chuva que cai
Para molhar a poeira e a poluição
Para melhor a gente respirar

Bendita a chuva que cai
Para evitar as secas
Salvar as lavouras
Para termos arroz e feijão
Para se alimentar

Bendita a chuva que cai
Para salvar as matas
Para os bichos
Não exterminar

Bendita a chuva que cai
Para os rios não secarem
Para termos água
Para beber e o banho tomar

Bendita a chuva que cai
Que é para nos refrescar
E o planeta não acabar

Bendita a chuva que cai
Pode até demorar
Mas nunca deixe de aparecer
Pois sem você
Todos nós vamos deixar de viver

Bendita a chuva que cai
Bendita a chuva que cai
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Célia Evaristo
Lisboa/Portugal

Quem ousou?
Um abraço teu
calar-me-ia a saudade,
alimentar-me-ia a alma
e sossegar-me-ia esta ansiedade.

Mas quem ousou afastar-te de mim?
Se eu não o queria,
tu não o pedias
e, de repente, ditou-nos o fim?

Quem ousou levar-te para longe
nesta estranha condição?
Deixando frio e ferido
o meu pobre coração.

Quem ousou?
Quem nos ditou tamanha maldição?
Quem nos afastou?
Quem atirou as nossas vidas ao chão?

Quem ousou intrometer-se
nos destinos já traçados
de dois seres inacabados
que estavam a conhecer-se?

Quem? Quem ousou?
Quem teve tal atrevimento?
Quem tanta dor nos causou,
deixando-nos neste sofrimento?

Mas quem?
Quem?
Quem ousou?
Não sei quem se antecipou ao tempo
e matou o nosso amor.
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Cris Anvago
Lisboa/Potugal

Uma pétala,
um beijo,
arrepio de desejo.

Rosa que navega
num desconhecido rio,
gargalhadas na rua
piso escorregadio.

A minha mão na tua
Já não existe frio…
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Daniel Maurício
Curitiba/PR

SARA RUS
(Homenagem a Sara Rus, nascida em Lodz - Polônia em 25/01/1927 e falecida em Buenos Aires – Argentina em 24/01/2024.)

Schejne Miriam Laskier de Rus,
Mas o mundo a conheceria
Por Sara Rus
Que se fosse cristã,
Diriam que carregou uma pesada cruz
Sem nunca envergar a alma
Mesmo quando perdia a calma
Pois havia nela,
Algo mais do que luz.
Por certo um anjo forte a protegia
Senão como ela sobreviveria
Aos horrores do holocausto
Onde um caminhar em falso
Era motivo para vida perder.
Teve a adolescência roubada
E quando pensava ter as feridas fechadas
Outro golpe tomou.
Da Praça de Maio,
Uma daquelas mães se tornou.
Em Auschwitz
Carregou a estrela de Davi no peito
Sobreviveu à dor e aos maus feitos
Como um crente
Se apegando na fé.
Dona de um sorriso terno
E lágrimas lentas
Contava a sua história inteira e intensa
Pois falar lhe trazia a libertação.
Sonhava em tocar violino
Mas como um sinistro hino
Nunca esqueceu o ruído
Do seu violino sendo esmagado
Por um soldado alemão.
Como “todo dia tem uma vida”
No gueto descobriu o amor
Bernardo, com quem se casaria
E para a Argentina,
O filho Daniel daria
Sem nunca poder uma flor
Em seu túmulo levar.
Ah, Sara!
Quem lhe sara?
A sua memória
Viverá para sempre entre nós.
(Fonte: Bonde
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Isabel Furini
Curitiba/PR

MEDO PRIMITIVO

às vezes a luz da Lua
sobre o cabelo da Medusa

às vezes o olho da Lua
sobre os túmulos

ora o coração acelera
seu passo noturno

ora os olhos ficam fixos
na linha do horizonte

sempre os ponteiros do relógio
e o renovado medo
de permanecer na margem 

da página do ontem

para observar as letras de um poema
e perceber a barca de Caronte
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Izabel Rodrigues
Americana/SP

Poetizando...
Dotada
 do dom da imaginação 
 Nunca chego ao fundo do poço 
Afinal
Sempre posso tirar uma flor do bolso
Abastecendo assim de alegria
Meus dias
Que nem sempre são perfeitos
Pois as inquietações e as angústias 
Vão entrando em nossa vida
Quase sempre sem pedir licença..
É nessa hora que a poesia chega voando por ser alada
Para sarar e curar as dores da alma
Que são grandes e tantas...
Quase sempre imensuráveis …
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Maria Antonieta Gonzaga Teixeira
Castro/PR

Minha Inspiração
Minha maior inspiração é o teu sorriso.
Teu sorriso é farol
que me potencializa a ter esperança.
Teu sorriso… É a ponte do TU…
E a ponte do EU…
É a ponte do nosso bem-querer.
Teu sorriso… É a melhor fonte
É a luz da minha inspiração.
Teu sorriso é a flor mais atraente
do jardim de meu coração.
Com teu sorriso planto flores.
Perfumo as estradas dos caminhos.
Teu sorriso, é a bússola certa para o meu versejar.
Teu sorriso, minha inspiração, que me enche de amor.
É o vento bom abastecendo as velas do nosso barco.
O nosso barco de sonhos.
Para o nosso amor
o teu sorriso é a melhor música na partitura da vida.
Com teu sorriso,
a inspiração para meus versos nunca será desafinada
Será sempre!
No ritmo!
E
No compasso envolvente.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Sonia Cardoso
Curitiba/PR

LUTA 

Se você não luta 
Diariamente, você 
É sim invisível 

Seja qual for o 
Motivo para se 
Armar e de pé ficar 

Enfrentamento é o 
Grande trunfo que 
Nos torna dignos 

Da vida, então luto 
Com a palavra, às
Vezes flor, na maioria, pedra.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
Fonte> Grupo do Facebook: Poetas amigos de Isabel Furini

Silmar Bohrer (Croniquinha) 105

Viver a pureza dos dias.  Verdade. Mas lembrar que ela vem junto com a gente no dia a dia .  Abrimos o pote de pureza logo cedo com um sorriso em frente ao espelho.

Quem faz a pureza somos nós. Os ingredientes são variados e variáveis.

Um bom dia com os olhos quase rindo, aperto de mão caloroso, entusiasmo no trabalho, aquele bom humor que atravessa paredes onde alguém houve conversas saudáveis, ou atraentes, ou hilariantes.

Porque os dias são puros na sua essência, eles chegam com o olhar que damos em nossa volta, onde vemos uma natureza que entrega de graça pedacinhos de fundamentos. Somos "purificados" pela mãe-natureza, passemos adiante o nosso "puro".  A vida será melhor.

Fonte: Enviado pelo autor 

Calendário Trovadoresco = Fevereiro

 

Hinos de Cidades Brasileiras (Guarapari/ES)


Quer viver o sonho lindo
Que eu vivi?
Vá viver a maravilha
De Guarapari.

Um recanto que os poetas
E os violões
Não conseguem descrever
Nas mais lindas canções.

Pelas suas noites claras,
A lua serena
Vem brindar os namorados
Na areia morena.

Ninguém poderá sonhar
Nem viver o que eu vivi
Longe desta maravilha
Que se chama Guarapari.