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quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Poetas Africanos (2)

(As fotos correspondem aos poetas desta postagem)
MORGADO MBALATE
(Moçambique)

Um Sonho Africano

Um sonho se guarda em volta dos meus passos.
África sonha quando escrevo.
Escrevo para incentivar o povo africano a sonhar.
Todos os meus escritos
são tentativas de renascer-me África.
Ser africano é ser invadido pelo sonho de liberdade.
Sou um pouco da África que nasce.
Sou um pouco da África que morre.
Sou muito da África que sonha.
_______________________________

ANTÓNIO CARDOSO 
(Angola) 

Árvore de Frutos
  
Cheiras ao caju da minha infância 
e tens a cor do barro vermelho molhado 
de antigamente; 
há sabor a manga a escorrer-te na boca 
e dureza de maboque a saltar-te nos seios. 

Misturo-te com a terra vermelha 
e com as noites 
de histórias antigas 
ouvidas há muito. 

No teu corpo 
sons antigos dos batuques á minha porta, 
com que me provocas, 
enchem-me o cérebro de fogo incontido. 

Amor, és o sonho feito carne 
do meu bairro antigo do musseque! 
_______________________

ARMANDO ARTUR
(Moçambique)

A arte de viver

Habito no halo
dos meus versos
onde incansavelmente
rimo palavras sem rima
e seco lágrimas sem pranto

é a arte de viver...

como lacrar a vida e o amor
sem cantar?
como vencer o tédio e o temor
sem bailar?
eis a razão
porque sonho sem sono
    porque voo sem asas
    porque vivo sem vida

no avesso dos versos escondo
o tesouro da minha contrariedade
o mistério da minha enfermidade
e o feitiço da minha eternidade
____________________________

GERALDO BESSA VICTOR 
(Angola) 
  
As raízes do nosso amor
  
Amo-te porque tudo em ti me fala de África, 
duma forma completa e envolvente. 
Negra, tão negramente bela e moça, 
todo o teu ser me exprime a terra nossa, 
em nós presente. 

Nos teus olhos eu vejo, como em caleidoscópio, 
madrugadas e noites e poentes tropicais, 
- visão que me inebria como um ópio, 
em magia de místicos duendes, 
e me torna encantado. (Perguntaram-me: onde vais? 
E não sei onde vou, só sei que tu me prendes...) 

A tua voz é, tão perturbadoramente, 
a música dolente dos quissanges tangidos 
em noite escura e calma, 
que vibra nos meus sentidos 
e ressoa no fundo da minh'alma. 

Quando me beijas sinto que provo ao mesmo tempo 
o gosto do caju, da manga e da goiaba, 
- sabor que vai da boca até às vísceras 
e nunca mais acaba... 

O teu corpo, formoso sem disfarce, 
com teu andar dengoso, parece que se agita 
tal como se estivesse a requebrar-se 
nos ritmos da massemba e da rebita. 
E sinto que teu corpo, em lírico alvoroço, 
me desperta e me convida 
para um batuque só nosso, 
batuque da nossa vida. 

Assim, onde te encontres (seja onde estiveres, 
por toda a parte onde o teu vulto for), 
eu te descubro e elejo entre as mulheres, 
ó minha negra belamente preta, 
ó minha irmã na cor, 
e, de braços abertos para o total amplexo, 
sem sombra de complexo, 
eu grito do mais fundo da minh'alma de poeta: 
- Meu amor! Meu amor! 
____________________________

REIS VENTURA
(Angola)

Baião de Luanda

Tão velhinha e tão linda, e tão presa
nos mistérios das ondas do mar,
é Luanda uma flor, uma beleza
com perfume e encantos sem par.

De S. Paulo à Marginal
- Vem ver , meu amor! -
Luanda ao sol-pôr,
Como é sem favor, divinal!

Raparigas do Bungo e da Samba,
do Cruzeiro e da Sé, do Balão,
na Paris, Polo Norte ou Mutamba,
são a nossa maior tentação.

Nesta terra onde eu nasci
eu quero casar
e ter o meu lar
e rir e chorar
só por ti.

Pelos bailes seletos da Alta,
nos batuques tão ricos de cor,
é Luanda que dança e que salta,
numa festa de vida e amor.

Bungo, Samba e Sambizanga
ou Portas do Mar
- Tudo isto é Luanda,
cidade e quitanda
ao luar...

Tão velhinha e tão bela e fagueira,
debruçada nas ondas do mar,
É Luanda sagaz, feiticeira.
Quem cá chega, cá quer ficar!
___________________________

JULIÃO SOARES SOUSA
(Guiné-Bissau)

Cantos do meu País

Canto as mãos que foram escravas
nas galés
corpos acorrentados a chicote
nas Américas

Canto cantos tristes
do meu País
cansado de esperar
a chuva que tarde a chegar

Canto a Pátria moribunda
que abandonou a luta
calou seus gritos
mas não domou suas esperanças

Canto as horas amargas
de silêncio profundo
cantos que vêm da raiz
de outro mundo
estes grilhões que ainda detêm
a marcha do meu País
__________________________

ANTÓNIO JACINTO
(Angola)

Declaração

As aves, como voam livremente
num voar de desafio!
Eu te escrevo, meu amor,
num escrever de libertação.

Tantas, tantas coisas comigo
adentro do coração
que só escrevendo as liberto
destas grades sem limitação.
Que não se frustre o sentimento
de o guardar em segredo
como liones, correm as águas do rio!
corram límpidos amores sem medo.

Ei-lo que to apresento
puro e simples -  o amor
que vive e cresce ao momento
em que fecunda cada flor.

O meu escrever-te é
realização de cada instante
germine a semente, e rompa o fruto
da Mãe-Terra fertilizante.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Poetas Africanos I


ANTÓNIO PINTO DE ABREU
(Moçambique)

"Milagre obstétrico”

As lâmpadas da cidade
fundiram-se todas

e numa das esquinas
da grande aldeia de cimento
um latão urbanizado
pariu um pirilampo...

Glória ao novo ser
que nasceu ao anoitecer.

O jornal não deu a grande notícia
- os fotografos tinham as máquinas
aguardando o plano superior.

Contudo
no velho latão urbanizado
o pirilampo brinca e chora
(como alguns meninos)
luzindo com o satírico brilho
da esvaziada lata de sardinhas
da "ração de combate".

MÁRIO ANTÓNIO
(Angola)

Uma Negra Convertida

Minha avó negra, de panos escuros,
da cor do carvão...
Minha avó negra de panos escuros
que nunca mais deixou...

Andas de luto,
toda és tristeza...
Heroína de ideias,
rompeste com a velha tradição
dos cazumbis, dos quimbandas...

Não xinguilas, no óbito.
Tuas mãos de dedos encarquilhados,
tuas mãos calosas da enxada,
tuas mãos que preparam mimos da Nossa Terra,
quitabas e quifufutilas - ,
tuas mãos, ora tranquilas,
desfilam as contas gastas de um rosário já velho...

Teus olhos perderam o brilho;
e da tua mocidade
só te ficou a saudade
e um colar de missangas...

Avózinha,
as vezes, ouço vozes que te segredam
saudades da tua velha senzala,
da cubata onde nasceste,
das algazarras dos óbitos,
das tentadoras mentiras do quimbanda,
dos sonhos de alambamento
que supunhas merecer...
E penso que... se pudesses,
talvez  revivesses
as velhas tradições!

JOSÉ CRAVEIRINHA
(Moçambique)

A Boca

Jucunda boca
deslabiada a ferozes
júbilos de lâmina
afiada.

Alva dentadura
antónima do riso
às escâncaras desde a cilada.

Exotismo de povo flagelado
esse atroz formato
da fala.

ARNALDO SANTOS  
(Angola)

A vigilia do pescador

Na praia o vulto do pescador
É mais denso que a noite...

E enquanto espera
A sua ânsia solidifica em concha
E sonoriza os ventos livres do mar.

E enquanto espera
A sua ânsia descobre
os passos da maré na praia
e o sono do borco das canoas.

É manhã
e o pescador
ainda espera

e enquanto o mar
Não lhe devolve o seu corpo de sonhos
Num lençol branco de escamas
                                                   
Um torpor de baixa-mar
Denuncia algas nos seus ombros.

MALANGATANA VALENTE NGWENYA
(Moçambique)

A coruja

A coruja agoira-me
e diz-me que nunca chegarei
além onde o desejo me leva
e assim evapora-se o sonho;

O tambor foi tocado
na noite densa do feitiço
enquanto Kokwana* Muhlonga
apitava o Kulungwana** mortal;

Na noite sem estrelas
dois gatos pretos iluminaram
a cabana da Kokwana Hehlise
que morreu depois dos gatos terem miado.

Eu lutando comigo só
é impossível vencer as ondas
que feitiçeiramente me esboçam
as corujas, gatos e tambores.
________________
NOTA 
*kokwana = avo'
**kulungwana = ulular

JOÃO  MELO
(Angola)

A Lagartixa Frustrada

Um dia
a lagartixa
quis ser dinossauro

Convencida
saltou pra rua
montada em blindados
pra disfarçar a sua insignificância

Tentou mobilizar as formigas
que seguiam
atarefadas
pro trabalho

"Ó pobre e reles lagartixa
condenada
à fria solidão
das paredes enormes e nuas
tu não sabes que os dinossauros
são fósseis
pré-históricos?"

domingo, 13 de agosto de 2017

Conto Africano (O Bicho Folharal)

A onça estava cansada de ser enganada pela raposa, e mais irritada ainda por não conseguir pegá-la para poder fazer um bom guisado.

Um dia teve uma ideia: deitou-se na sua toca e fingiu-se de morta.

Quando os bichos da floresta souberam da novidade, ficaram tão felizes, mas tão felizes que correram na toca da onça para ver se a sua morte era mesmo verdade.

Afinal de contas, a onça era uma bicho danado!

Vivia dado sustos nos outros animais!

Por isso estavam todos muitos felizes com a noticia de sua morte.

A raposa porém, ficou desconfiada e como não é boba nem nada,ficou de longe, apreciando a cena.

Atrás de todos os animais, ela gritou:

- Minha avó quando morreu, espirrou três vezes. Quem tá morto de verdade, tem que espirrar.

A onça ouviu aquilo e para demonstrar para todos que estava mesmo mortinha da silva, espirrou três vezes.

- É mentira gente! Ela tá viva!- gritou a raposa

Os bichos correram assustados, enquanto a onça levantava furiosa.

A raposa fugiu rindo da cara da sua adversária.

Mas a onça não desistiu de apanhar a raposa e pensou num plano.

Havia uma grande seca na floresta, e os bichos para beberem água tinham que ir num lago perto da sua toca.

Então ela resolveu ficar ali.

Deitada. Quieta. Esperando... Espreitando a raposa dia e noite, sem parar.

Um dia, irritada e com muita sede, a raposa resolveu dar basta naquela situação. E também elaborou um plano.

Lambuzou-se de mel e espalhou um monte de folha seca por seu corpo cobrindo-o todo.

Chegando ao lago encontrou a onça.

Sua adversária, olhou-a bem e perguntou:

–  Que bicho é você que eu não conheço?

Cheia de astúcia, a raposa respondeu:

– Sou o bicho folharal!

- Então, pode beber água.

Vendo que a raposa bebia água como se tivesse muita sede, a onça perguntou desconfiada;

– Está com muita sede, hein?

Nisso, a água amoleceu o mel e as folhas foram caindo do corpo da raposa. Quando a última folha caiu, a onça descobrindo que foi enganada,pulou sobre ela. Mas nisso, a esperta raposa já tinha fugido rindo às gargalhadas.

Fonte:
Contos de Encantar

sábado, 12 de agosto de 2017

Conto Africano (A Árvore que falava)

Longe, muito longe… bem no coração da savana, vivia uma árvore maior e mais velha do que qualquer outra.

Abrigava, sob a sua corcha toda a sabedoria de África.

A seus pés, por entre as altas ervas, a leoa espiava o antílope ou a zebra que se tinham afastado do grupo. Como era a única árvore das redondezas, os pássaros, que se empoleiravam nos ramos mais altos, conheciam-na bem. Também as girafas, que comiam as folhas dos ramos do meio, a conheciam. E os leões, que se estendiam sob os ramos baixos para fazerem a sesta…

E assim a árvore conhecia todos os segredos dos pássaros, dos leões, das girafas, das zebras e de muitos outros animais. É que ela escutava com todas as suas folhas.

Até os homens vinham sentar-se debaixo da árvore no momento das grandes decisões, discutindo os assuntos sérios à sombra dos seus ramos.

A árvore sabia mais sobre o povo dos homens do que o mais velho dos anciãos e o mais sábio dos sábios. Porque ela sabia calar-se, enquanto eles gostavam de falar.

Mas a árvore não guardava para si o seu saber: àqueles que tinham os ouvidos atentos, ela murmurava, em confidência, a resposta a muitas questões.

Quando os seus filhotes estavam suficientemente grandes para voar, as andorinhas, as cotovias e os estorninhos tinham por hábito levá-los até à árvore. Ao cair da noite, a árvore enchia-se de chilreios. Passado algum tempo, com três bicadas, os pais faziam calar os mais palradores. E cada um escutava o murmúrio que subia da raiz mais profunda até ao raminho mais alto.

No dia seguinte, os jovens sabiam um pouco mais da arte de voar em ziguezague para enganar as aves de rapina que mergulham sobre as presas. E a águia ou o milhafre regressavam às montanhas de mãos a abanar, perguntando-se por que milagre todos os passarinhos daquele canto da savana se tinham tornado, de repente, tão espertos!

E cada girafinha que partia a mascar um punhado de folhas da árvore ficava a saber um pouco melhor como evitar a leoa que caçava. E, misteriosamente, cada leãozinho, depois da sesta ao pé da árvore, desconfiava um pouco mais do riso da hiena que rondava à procura de uma presa fácil.

Mas os homens, esses, partiam tão sisudos e estúpidos como tinham vindo, e a sua tagarelice nada lhes tinha ensinado porque não sabiam escutar.

Eram orgulhosos e arrogantes. Incendiavam a savana com os seus fogos e matavam mais animais do que aqueles que precisavam para se alimentar. Matavam-se até uns aos outros. E chamavam a isso «a guerra». A árvore falava-lhes, como a todos, mas os homens não a escutavam. Por causa deles, a árvore ficou triste. Pela primeira vez, sentiu-se velha e cansada. Se pudesse, ter-se-ia deitado para esquecer. Mas quando se é uma árvore, é preciso ficar de pé a recordar…

Foi então que as suas folhas amareleceram e secaram e, em breve, ficou nua no meio da savana. Os pássaros começaram a desdenhar dos seus ramos e os leões e as girafas também, porque ela deixou de lhes falar.

E todos diziam que ela estava morta.
* * *

Por muito tempo a árvore seca ficou de pé. E parecia que nada viria alguma vez a mudar… O milhafre da montanha estava contente e as hienas riam-se. A leoa perdeu um leãozinho, a girafa, uma girafinha e a andorinha, três passarinhos que mal sabiam voar.

Mas, uma manhã, veio um pequeno homem com um ar decidido. Tinha o olhar de uma criança, e esse olhar não refletia nem fogo nem sangue. As suas mãos não agarravam nem arco nem zagaia. Contudo, era um homem.

Parou ao pé da árvore seca, estendeu os braços e, com as pontas dos dedos, tocou no tronco, muito devagar, ao de leve, como se acordasse alguém que dorme. A corcha estremeceu. E a voz do pequeno homem subiu ao longo da árvore, terna como um cântico muito antigo. O homem falava à árvore, cheio de simplicidade. Depois, calou-se. E encostando a orelha ao tronco, escutou. O vento nos ramos parecia formar palavras e frases. E quanto mais a árvore falava, mais a expressão do homem se iluminava.

Quando a árvore terminou, o homem partiu. Quando voltou, trazia um machado aos ombros. Uma vez perto da árvore, levantou a cabeça em direcção aos ramos e murmurou algumas palavras em tom de desculpa. Depois, firme nas suas pernas, com o cabo do machado bem preso nas mãos, começou a cortar o tronco.

E a madeira ressoou na savana, até aos limites do deserto e das montanhas.

Cada pássaro, cada leão e cada girafa reconheceram a voz da velha árvore.

Em conjunto, acorreram para junto dela, mas apenas encontraram um cepo e algumas aparas espalhadas pelo solo.

É que o pequeno homem, ajudado por alguns da sua aldeia, tinha levado a árvore até casa. E, com medo dos homens, os animais não se atreveram a segui-lo.

Uma vez chegados à aldeia, o homem pôs-se a trabalhar. Tinha uma grande ideia: para que a voz de madeira da velha sábia percorresse de novo a savana, iria fazer um tantã.

Um tantã mais sonoro e maior do que qualquer outro. Suficientemente longo para que todos os homens da tribo pudessem tocar em conjunto.

Como o homem pegava de novo no machado para podar os ramos e deixar, assim, o tronco livre, aqueles que tinham carregado a árvore com ele fizeram -lhe sinal que parasse:

― Pequeno homem, nós ajudámos-te ― disseram os homens fortes com as suas vozes grossas. ― O nosso trabalho deve ser pago.

― Mas… com que é que vos vou pagar? Eu não tenho nada, bem sabem!

― Deixa-te disso! ― insistiram os homens fortes. ― Trouxemos a tua árvore, dá-nos a nossa parte.

― Não pode ser ― protestou o homem. ― É preciso que o tronco fique inteiro para este tantã. Se não, como é que a tribo poderá tocar?

Os homens obstinavam-se a reclamar a sua parte da madeira e o assunto foi levado ao Conselho dos Anciãos.
* * *

Era uma assembleia de homens muito velhos e muito tagarelas. Sempre prontos a pronunciar uma sentença ou um julgamento, tanto a propósito do que conheciam como do que ignoravam. Nada lhes agradava mais do que reunirem-se quando lhes pediam um conselho, e também quando não lho pediam! Ora, o Conselho tinha por hábito reunir-se debaixo da grande árvore, e os velhos sentiam-se desamparados… pois a árvore tinha sido cortada! O mais velho dos Anciãos, um pequeno velhinho com a face enrugada como uma ameixa seca, agitou o cachimbo por cima da cabeça e tomou a palavra:

― O Conselho não se pode reunir por falta de um lugar adequado.

E expeliu uma baforada do seu cachimbo.

Os outros membros do Conselho, sentados em círculo, aprovaram com um movimento de cabeça, expeliram, cada um, uma baforada do seu cachimbo e guardaram silêncio.

Os homens fortes, que queriam a sua parte da árvore, e o pequeno homem, que nada queria, não sabiam o que fazer.

Impaciente por começar o trabalho, o homem avançou para dentro do círculo, curvou-se respeitosamente diante do mais velho dos Anciãos:

― Digam-me apenas se posso começar o meu trabalho, já que estais aqui reunidos.

― Ah, não! É verdade que estamos aqui ― respondeu o Ancião.

— Mas o Conselho não está reunido. Por isso, não pode dar a sua opinião.

Expeliu uma outra baforada e calou-se.

Os homens fortes, impacientes por levar a madeira que lhes cabia, inclinaram-se, por sua vez, diante dos Anciãos e disseram:

― Digam-nos apenas se podemos pegar na nossa parte.

O Ancião nem se deu ao trabalho de responder. Limitou-se a expelir uma baforada do cachimbo e permaneceu em silêncio.

Mas o mais forte, que também era o mais impaciente, deu um passo em frente.

De imediato, o velho homem largou o cachimbo e, com uma voz trémula, acrescentou precipitadamente:

― O Conselho vai reunir… para decidir onde terá lugar o próximo Conselho.

O discurso enfadonho que se seguiu poderia ter durado até ao final dos tempos, se o Conselho não tivesse acabado por decidir… que decidiria mais tarde!

De seguida, os velhos aconselharam o pequeno homem a dar aos homens fortes o que eles pediam. Depois, reclamaram, por sua vez, um pedaço da árvore como recompensa pelo sábio conselho. E o pequeno homem assim o fez porque era costume dar uma prenda aos Anciãos, como agradecimento pelos seus conselhos.

E cada um se apressou a serrar, a rachar e a atar.

E o pedaço de árvore não tardou a transformar-se em achas, toras e feixes para queimar. Os homens acendiam fogueiras à volta da aldeia para manter afastados os animais selvagens. Ignoravam que os animais tinham ainda mais medo deles do que das suas fogueiras.
* * *

Um pouco desiludido, o pequeno homem reparou na diminuição do tronco, mas disse para si mesmo que, apesar de tudo, ainda chegava para fazer um bom tambor para a tribo.

Lançou-se ao trabalho, cheio de coragem. O machado, no entanto, não era muito adequado para o descortiçamento, por isso decidiu ir a casa de um vizinho pedir emprestado um podão, cuja lâmina curvada faria melhor o serviço. Como era hábito, o vizinho estava a fazer a sesta e o pequeno homem acordou-o para lhe fazer o pedido.

― Ah! És tu? ― disse o vizinho, bocejando como um hipopótamo. ― O que queres de mim?

― Se fazes favor, podias emprestar-me o teu podão? ― perguntou muito educadamente o pequeno homem.

― Eh! ― respondeu o vizinho, tão amável quanto um crocodilo a quem interromperam a digestão. ― Não me deixas dormir com esse barulho todo… E ainda por cima queres que te empreste o meu podão! E se eu precisar dele?

― Mas… é só por um dia! Amanhã já terei acabado!

― O que me dás em troca?

― Sabes bem que não tenho nada de meu.

― Ah não? E essa árvore? É tua, não é?

― Sim, mas… ― começou o pequeno homem.

― Pois bem, dá-me um pedaço para alimentar a minha fogueira e emprestar-te-ei o meu podão.

Assim se fez, já que mais ninguém na aldeia tinha a ferramenta de que o pequeno homem precisava.

Um pouco desiludido, atentou no tronco, agora mais pequeno. No entanto, havia ainda madeira para fazer um tantã para a tribo.

Lançou-se ao trabalho, cheio de coragem. E o descortiçamento depressa terminou.

Mas, quando quis cavar o tronco, apercebeu-se de que não tinha cinzel para o fazer.

De certeza que o vizinho tinha um, mas será que lho emprestaria sem reclamar mais um pedaço da árvore?

Infelizmente, mais ninguém da aldeia tinha cinzel. E era preciso acordar novamente o hipopótamo, amável como um crocodilo.

― Tu, outra vez! ― bocejou o vizinho. ― O que queres?

― Desculpa ― disse o pequeno homem com a sua voz gentil. ― Vim devolver-te o podão… e pedir-te, em troca, um cinzel, se fazes o favor.

― Em troca? ― zombou o vizinho. ― Não há troca nenhuma porque o podão é meu. Dá-me um pedaço de madeira para a minha fogueira e emprestar-te-ei o meu cinzel.

Assim foi feito. E o pequeno homem, um pouco desiludido, atentou no tronco muito curto. Ainda podia fazer um bonito tantã, não para toda a tribo, mas, mesmo assim, um bonito tantã. Cheio de coragem, meteu mãos à obra e depressa cavou o tronco. Faltava apenas endurecê-lo ao lume, para que fosse mais sólido e para que o seu som chegasse mais longe. Mas o pequeno homem não tinha fogueira e já havia dado tanta madeira aos outros que não possuía o suficiente nem para atear uma fogueira. Claro que a fogueira do vizinho crepitava, um pouco mais longe, mas não ousava acordá-lo pela terceira vez.

Foi então pedir aos homens fortes, que faziam uma grande fogueira, a permissão de passar o seu tantã pelo fogo.

― De acordo, ― disseram eles ― mas com a condição de pores uma acha na nossa fogueira, como todos fazem.

― Mas… já não tenho madeira, já vos dei tudo! ― respondeu.

― Ah sim? E isto, não é madeira? ― perguntou o mais forte dos homens fortes, indicando o pequeno tantã.

Com a morte na alma, o pequeno homem teve de se resolver a cortar um pedaço do tantã antes mesmo de lhe ter ouvido a voz.

E quando pensou naquilo que lhe restava do imenso tronco que a árvore lhe tinha dado, esteve quase para se sentar a chorar e abandonar o seu belo projeto.

Mas caiu de novo em si e disse para si mesmo que, apesar de tudo, se não chegasse para um tantã, chegaria para fazer um grande tambor.

Cheio de coragem, meteu mãos à obra e o que restava do tantã foi rapidamente convertido em djembé. (Djembé é o nome que se dá a esta espécie de tambor, em África). Mas o pequeno homem apercebeu-se de que lhe faltava uma pele de cabra para o tambor.

Partiu então à procura do rebanho de cabras. A rapariga que as guardava era ainda quase uma criança, e o pequeno homem pensou que seria mais fácil falar com ela.

― Bom dia ― disse à criança.

― Bom dia ― respondeu ela. ― És tu que dás madeira a toda a gente em troca de uma ferramenta ou de lume?

― Sim, quer dizer… ― começou ele.

― O que queres de mim? ― interrompeu a criança.

― Apenas uma pele de cabra, uma daquelas que tens por aí. Mas já não tenho madeira para te dar.

― É pena ― disse a rapariga. ― Justamente, também eu necessito de um pouco de madeira. Para afastar os leões do meu rebanho não há nada melhor do que uma boa fogueira, disseram-me os Anciãos.

― Oh, por favor, dá-me uma pele. Bem vejo que não te fazem falta ― suplicou o pequeno homem.

― Pelo contrário, as minhas peles, troco-as por madeira! ― retorquiu a criança.

E, como mais ninguém na aldeia tinha peles de cabra, o homem foi obrigado, uma vez mais, a cortar um pedaço do tambor.

A pele de cabra era dura e seca, frágil como uma corcha. Antes de a colocar no tambor, era preciso macerá-la, fervê-la, esticá-la, batê-la para a tornar mais suave e tão sólida como o couro.

Só faltava levá-la ao curtidor.

Aquele que curtia todas as peles da tribo morava sozinho fora da aldeia, perto do rio. O seu trabalho requeria muita água. E os outros não teriam querido que ele se instalasse perto, devido ao cheiro insuportável das peles molhadas.

Mas, por mais longe que o curtidor morasse, também ele tinha ouvido falar da árvore abatida. Por sua vez, reclamou uma parte, como prêmio do seu trabalho.

― Mas já não há nenhuma árvore! ― lamentou-se o pequeno homem. Ficou apenas um tambor!

― De acordo ― concluiu o curtidor. ― Contentar-me-ei com um bocado do tambor.

E o pequeno homem cortou e deu-lhe a madeira, e a pele foi curtida, seca e ficou pronta a ser colocada no djembé.

Quando quis esticá-la, deu-se conta de que lhe faltava uma corda para o fazer.

Foi então à procura daquele que na aldeia melhor sabia entrançar cordas. É que a corda que estica a pele de um djembé tem de ser sólida.

Tal como os outros, o entrançador de cordas pediu um pouco de madeira. Apesar dos seus protestos e lamentos, o pequeno homem nada conseguiu. E o tambor ficou ainda mais pequeno.

O pequeno homem regressou a casa perturbado, com a corda ao ombro. Ao ver o tambor tão pequeno, perguntou-se se teria valido a pena o trabalho.

Depois, recordou a árvore que se erguia no meio da savana. Lembrou-se da promessa que lhe tinha feito e a coragem voltou-lhe. Depressa a pele de cabra foi colocada no djembé, em arco, e muito esticada por uma rede de nós sólidos e complicados.

O homem olhou para o seu djembé, finalmente pronto! Claro que era um djembé muito pequenino, bem diferente daquele tantã que ele quereria ter talhado e no qual toda a tribo teria tocado em conjunto. No entanto, o homem não ficou decepcionado, porque era um belo djembé: esculpido, polido, suficientemente largo para as suas pequenas mãos, e suficientemente grande para lhe caber entre os joelhos. Então, o homem quis experimentá-lo. Com as palmas e os dedos pôs-se a tocar. E a voz que saía deste tambor, tão pequenino que mais parecia um tambor de criança, era ampla e vasta e profunda como a floresta.

O homem sentiu-se arrebatado e as suas mãos continuaram a tocar… E a voz imponente do pequeno djembé estendeu-se a toda a aldeia e à savana inteira.

Um por um, todos os da tribo se aproximaram dele. Tinham vindo todos: desde o mais ancião dos Anciãos à pequena guardadora de cabras, do mais forte dos homens fortes ao vizinho crocodilo. Tinham deixado as suas fogueiras, as suas conversas enfadonhas e as suas sestas, para formar um círculo em redor do pequeno tambor. E faziam silêncio.

Do pequeno djembé elevavam-se palavras e frases que diziam toda a savana: o medo da zebra que foge à azagaia do caçador ávido, o sofrimento da erva que curva perante a chama acesa pelo homem, a doçura do vento que murmura nos ramos da árvore… E os homens escutavam. Eles, que só pensavam na caça, na guerra e nas fogueiras, faziam silêncio.

Assim, até aos limites da montanha e do deserto, cada pássaro, cada leão e cada girafa reconheceram a voz da velha árvore. E, graças às mãos do pequeno homem, todos partilharam de novo o seu saber, por muito tempo ainda. Porque, ao som do djembé, o cepo da antiga árvore germinou. Do jovem rebento brotou uma nova árvore.

E, sob a sua corcha de árvore, corria a seiva da sabedoria de África.

A seus pés, por entre as ervas altas, a leoa espiava o antílope ou a zebra que se tinham afastado do grupo. Os pássaros, que se empoleiravam nos ramos mais altos, conheciam-na bem. E as girafas, que comiam as folhas dos ramos do meio, e os leões, que se estendiam sob os ramos baixos para fazerem a sesta.

Até os homens…

Fonte:
Do Spillers. L’arbre qui parle. Toulouse, Milan Poche, 1999. Disponível em Contos de Encantar

sábado, 5 de agosto de 2017

Conto Africano (Tamina, cor do sol)

Hoje, o céu desabou sobre o coração de Tamina. À volta dos olhos de azeviche, pairam duas nuvens e, nas faces de ébano, dois pequenos riachos deslizam silenciosamente e pousam nos lábios um beijo com sabor a sal. Tamina corre a refugiar-se atrás do loureiro, ao fundo do jardim. Por detrás da folhagem espessa, os ramos abrem os braços para acolherem todos os segredos. Escondida no meio da ramagem, Tamina explica ao arbusto de onde vem este seu desgosto. Ela não compreende por que é que não tem a pele clara das manhãs de Inverno, como as outras crianças.

O arbusto não sabe o que responder. Conhece bem os amigos de Tamina, que vêm muitas vezes brincar no jardim. Acha que são todos parecidos: as roupas coloridas, os rostos alegres e os olhos travessos. Diferente, talvez apenas a cor da pele, mas não vê em que é que isso poderia ter importância.

Um melro curioso deslizou por entre a folhagem. Ao esgravatar a terra à procura de algum bichinho para comer, de saltinho em saltinho acabou por se aproximar. Tamina reconhece-o, é ele que costuma vir regalar-se com os frutos caídos, debaixo da macieira.

Em poucas palavras, o arbusto explica-lhe o problema da pequena. O melro declara que, quanto a ele, está totalmente satisfeito com a cor da sua plumagem porque o amarelo do bico sobressai muito mais no preto do que no branco.

Tamina ficou na mesma. Não tem nenhum bico amarelo para justificar a vantagem de ter a pele negra. E depois, é muito bonito, pensa ela, mas todos os melros são pretos. Se fosse o único melro branco no meio de melros pretos, talvez pensasse de outra maneira!

A poucos batimentos de asas do local, o pássaro conta à sua amiga pega o que viu e ouviu debaixo do loureiro.

A pega vai contar ao gaio, o gaio repete-o à gralha-das-torres, a gralha-das-tores presta contas ao corvo, o corvo transmite-o imediatamente à toutinegra.

Correndo assim de bico em bico, de ramo em ramo e de nuvem em nuvem, o assunto depressa chegou aos ouvidos do sol.

Com a ponta dos dedos de luz, o sol ergue delicadamente uma folha do silvado, afaga o rosto de Tamina e, uma a uma, bebe todas as pérolas do seu desgosto.

— Quando vieste ao mundo — diz-lhe o sol — eras linda, tão linda… Acho que eras o bebê mais lindo que a terra algum dia conheceu. Eu passava dias inteiros a olhar para ti mas, de tanto te admirar, a tua pele ficou dourada, tal como acontece com a espiga de trigo. À noite, não conseguia ir deitar-me, mantinha-me na linha do horizonte, porque os meus olhos não eram capazes de te deixar. Quanto mais fixava o meu olhar na tua beleza, mais a tua pele tomava a cor do café. Se eu imaginasse todo o sofrimento que isso viria a causar-te, teria pedido às nuvens que te protegessem. Foi tudo culpa minha, serás capaz de me perdoar?

Na palma das mãos, Tamina faz uma grinalda de beijos. Pede ao vento que a leve.

E no rosto de Tamina, um sorriso desenha finalmente a curva da felicidade, porque o segredo da sua cor brilha agora bem dentro do seu coração.

Fonte:
Ghislaine Biondi; Laurent Corvaisier. Tamina Couleur Soleil. Paris, Hachette Livre/Gautier-Languereau, 2001. Disponível em Contos de Encantar

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Conto Africano (Os Pequenos Acrobatas do Rio)

Na aldeia de Sakata, os meninos brincam à volta da árvore. Mas isso não os impede de estarem atentos a qualquer pequeno ruído que venha do Congo, o grande rio que corre perto dali. Estão à espera de que o barco passe.

— Ei! Olha o barco! Já lá vem o barco-correio!

Para Kembo é um dia importante. Quando o barco que transporta tantas mercadorias maravilhosas abrandar a velocidade, ele vai aproximar-se e pôr as mãos no casco. Até há de subir a bordo. A manobra é arriscada, mas Kembo está decidido.

— Mido, Eloni, vamos! Temos de ser os primeiros a acostar!

Enquanto Mido e Eloni pegam nos remos do pangaio, Kembo grita:

— Cuidado! A piroga vai meter água! Vejam que tem um buraco à frente!

Kembo tapa o buraco com um pouco de barro.

— Agora podemos ir. A minha mãe quer que lhe traga sabão e uma camiseta.

As folhas dos nenúfares agitam-se à passagem deles. Escondido debaixo da umbela de um cogumelo, um sapo está quase a apanhar um inseto. Que sossego! Mas, de repente, o sapo esconde-se, e os pássaros levantam voo com grande alarido. O que terá causado toda aquela agitação, pregando um susto de morte às crianças? A serpente negra que assombra o rio. Ela acaba de escapulir-se por entre as ervas altas. Kembo começa então a entoar a canção de Sakata, a Nossa Aldeia, uma canção que dá coragem.

No rio agitado, eh! eh!
É preciso remar com força eh!
No rio agitado
É preciso remar com força.

Ao longe, outras crianças pescadoras retomam o refrão. Kembo e os amigos voltam a subir a corrente com mais vigor. Em breve, a piroga sai das águas calmas da floresta e entra nas do rio. No sítio em que os dois braços de água se encontram, as ondas fervilham, formam um turbilhão. Mido e Eloni gritam:

— Temos medo! Kembo, voltemos para trás!

— Nem pensar — diz Kembo. — Não vamos desistir!

Um vento forte arrasta a piroga. O pânico apodera-se dos amigos de Kembo. Mas Kembo sabe desviar-se dos perigos, ultrapassar as armadilhas da água, e diz:

— Quietos! Nada de fazer força. Temos de nos deixar levar pela corrente.

A piroga é sacudida por todos os lados. E depois, de repente, ei-la que sai do turbilhão.

Kembo e os amigos esperam com impaciência a aproximação do barco, que abranda mas não para.

Os passageiros olham para as crianças, admirados. Alguns gritam:

— Afastai-vos! Os redemoinhos são perigosos

À primeira onda, a piroga sobe até à crista. Os passageiros do barco ficam embasbacados perante a destreza de Kembo e dos amigos, que, certos do sucesso da sua proeza, cantam com toda a força.

Da margem, os pais seguem o espetáculo.

— Oh! Que habilidade! Que acrobatas corajosos! Será que vão conseguir encostar o barco? Eu nem me atrevo a olhar!

Alguns pais gritam, manifestando o seu medo.

— Os nossos filhos trazem os amuletos, consigo ver daqui as fitas vermelhas!

Os rapazes não conseguiram a acostagem. O choque contra o flanco do barco foi duro e a emoção forte quando as crianças ouviram rebentar o pedaço de barro que tapava o buraco da piroga. Mas Kembo e os amigos mantiveram o sangue-frio.

— Depressa, a outra piroga — grita Kembo.

A outra piroga pertence, seguramente, a um pescador que já entrou no barco-correio.

Kembo salta para dentro, pega numa amarra e atira-a para as mãos que se agitam acima dele. De repente, a corda estica.

— Consegui! – grita Kembo, que já está a bordo.

Mas Eloni e Mido têm menos sorte, a piroga volta-se e ei-los na água. Falharam.

A bordo do barco-correio era um autêntico mercado. Vendia-se lá de tudo. Vê-se uma coisa amarela e preta a brilhar na penumbra. Será um brinquedo? Kembo aproxima-se. O produto à venda é uma jibóia.

— Nioka! Nioka! (Serpente!Serpente!) — grita Kembo, cheio de medo. E foge a correr.

Cheira muito bem debaixo da claraboia de madeira. Os passageiros saboreiam mandioca que as mulheres acabam de fritar em óleo de palma.

Fazem-se trocas e conversa-se.

Os habitantes ribeirinhos acabam de acostar, trazem peixe e banana para fritar. Mas Kembo não pode atrasar-se, tem compras a fazer.

Kembo escapa por entre as mercadorias. Chega diante da exposição de conservas, de vestidos e de tangas, onde, finalmente encontra o que procurava. Enquanto espera que o sabão e a camiseta sejam embrulhados, Kembo vê, ao fundo do barco, um carro carregado de caixotes.

- São medicamentos para um hospital da Cruz-Vermelha, explica o comerciante.

— Pega! Aqui estão as compras para a tua mãe!

A sirene apitou. Rápido, rápido! Temos de sair depressa, que o barco vai ganhar velocidade! Kembo esconde o embrulhinho com segurança dentro do calção e, splash!, mergulha. Nada como um peixe até chegar junto de Eloni e Mido, que estão na água.

O barco afasta-se. Balançados pelo turbilhão dos redemoinhos, as crianças disputam entre si a agilidade para saltarem para a piroga virada. Mido e Eloni estão desiludidos. Mas não passa de uma oportunidade perdida. Da próxima vez que o barco-mercado passar, subirão a bordo com o Kembo. Dessa vez, é certo que vão conseguir.

Fonte:
Dominique Mwankumi. Les petits acrobates du fleuve. Paris, l’école des loisirs, 2000. Disponível em Contos de Encantar 

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Lenda Africana (A Mensagem Perdida)

A formiga teve desde tempos imemoriais muitos inimigos, e porque ela é muito pequena e destrutiva, tem havido um grande número de mortes entre elas. Não só a maioria das aves são suas inimigas, mas o tamanduá se alimenta quase que exclusivamente só de formigas, e a centopeia ficava tocaiando elas em todas as oportunidades e lugares que tivessem chance.

Então entre algumas delas surgiu a ideia de fazer um conselho e juntos eles imaginarem uma solução para ver se eles podiam ser mudar para um lugar seguro, quando atacados por pássaros e animais ladrões.

Mas na conferência as opiniões foram as mais discordantes possíveis, e eles não chegavam a nenhuma decisão.

As formigas não se entendiam e cada uma resolveu fazer sua casa onde bem entendesse.

Lá estavam a formiga vermelha, a formiga do arroz, a formiga preta, a formiga alvéola, a formiga cinza, a formiga brilhante, e outras variedades. A discussão foi uma verdadeira babel de diversidades, que continuou por um longo tempo e não deu em nada.

Uma parte desejava que todos fossem morar em um pequeno buraco na terra, e viver lá, outra parte queria ter uma casa grande e forte construída no chão, onde ninguém pudesse entrar, além de formigas; ainda outros queriam morar nas árvores , de modo a se livrar do tamanduá, esquecendo completamente que eles seriam a presa das aves; outra parte parecia inclinada a ter asas e voar.

E, como já foi dito, não houve acordo quanto a nada, e cada partido resolveu ir trabalhar de sua própria maneira, e sob sua própria responsabilidade.

As facções se dividiram em pequenas partes separadas e se espalharam em todo lugar do mundo, e cada um tinha a sua própria tarefa, e cada uma fez o seu trabalho de forma regular e bem. E todos trabalharam juntos no mesmo caminho. Dentre eles, escolheram um rei, e devemos dizer que alguns dos grupos fez e eles dividiram o trabalho para que tudo corresse tão bem como podia.

Mas cada grupo fez de sua própria maneira, e nenhum deles pensou em se proteger contra o ataque de pássaros ou tamanduá.

As formigas vermelhas construíram sua casa sobre a terra e viveram sobre ela, mas o tamanduá jogou no chão em um minuto o que lhes custou muitos dias de trabalho precioso. As formigas do arroz viviam debaixo da terra, e, com eles, não houve sorte melhor. Pois quando eles saíram, o tamanduá apareceu, tirando eles do buraco e metendo numa mochila. As formiga alvéola fugiram para as árvores, mas em muitas ocasiões a centopeia estava esperando por eles, ou os pássaros os devoravam. As formigas cinza tinha a intenção de salvar-se de extermínio, alçando voo, mas isso também não lhes valeu de nada, porque o lagarto, a aranha caçadora, e as aves foram muito mais rápidos do que eles.

Quando a formiga rei ouviu que não chegariam a acordo nenhum, ele lhes mandou uma unidade de formigas em segredo, com a mensagem de trabalharem em conjunto. Mas, infelizmente, ele escolheu o besouro como mensageiro, e até hoje ele não chegou às formigas, de modo que eles ainda hoje são a personificação da discórdia e, consequentemente, a presa dos inimigos.

Fonte:
http://www.sacred-texts.com/afr/saft/ Disponível em https://casadecha.wordpress.com/category/lendas/

domingo, 21 de agosto de 2016

Lenda Africana (O Violino do Macaco)

A fome e a necessidade de satisfazê-la forçou o macaco a abandonar a sua terra e procurar outro lugar entre estranhos para o tão necessário trabalho. Bulbos, feijões da terra, escorpiões, insetos, e estavam completamente extintas em sua própria terra. Mas, felizmente, ele recebeu, por enquanto, abrigo com um tio-avô dele, Orangotango, que morava em outra parte do país.

Quando ele tinha trabalhado durante certo tempo ele quis voltar para casa e, como recompensa seu tio deu-lhe um violino e um arco e flecha e lhe disse que com o arco e flecha, ele poderia acertar e matar qualquer coisa que ele desejasse, e com o violino ele poderia obrigar qualquer coisa a dançar.

O primeiro que ele encontrou em seu retorno para a sua terra foi o irmão lobo.  Este velho companheiro disse-lhe todas as novidades e também que ele estava desde cedo tentado perseguir um cervo, mas tudo em vão.

Então macaco disse para ele todas as maravilhas do arco e flecha que ele carregava nas costas e lhe garantiu que se avistasse o cervo, ele iria acertá-lo para ele. Quando o lobo mostrou-lhe o veado, o macaco estava pronto e derrubou o cervo.

Eles fizeram uma boa refeição juntos, mas em vez do lobo ser grato, o ciúme se apoderou dele e ele pediu o arco e flecha. Quando o macaco recusou-se a lhe dar, ele usou sua força para ameaçá-lo, e assim, quando passaram pelo chacal, o lobo disse que o macaco tinha roubado o seu arco e flecha. O chacal tendo ouvido falar do arco e flecha, declarou-se incompetente para resolver o caso sozinho, e ele propôs que eles levassem a questão para o Tribunal do Leão, Tigre, e os outros animais. Nesse meio tempo, ele declarou que iria ficar tomando conta do que tinha sido a causa de sua discussão, de modo que seria mais seguro, como ele disse. Mas o chacal imediatamente atirou em tudo o que era comestível,  e isso gerou um longo período de matança, antes que o macaco e o lobo concordassem em levar o caso para o tribunal.

As evidências do macaco era frágeis, e para piorar, o testemunho de chacal foi contra ele.  Ele pensou que desta forma seria mais fácil obter o arco e flecha para si mesmo.

E assim a sentença foi contra macaco. O roubo foi encarado como um grande crime: ele seria enforcado.

O violino ainda estava ao seu lado, e ele recebeu como um último desejo do tribunal o direito de tocar uma música nele.

Ele era um mestre dos truques de sua época, e além disso, tinha o maravilhoso poder de sua rabeca encantada. Assim, quando ele emitiu a primeira nota do “Canto do Galo” no violino, o tribunal começou logo a mostrar uma vivacidade incomum e espontânea, e antes de terminar a primeira estrofe da valsa da velha canção toda a corte estava dançando como um redemoinho.

Mais e mais, mais rápido e mais rápido, tocou a melodia do “Canto do Galo” no violino encantado, até que alguns dos bailarinos, exaustos, caíram, embora ainda mantendo seus pés em movimento. Mas o macaco, músico como ele era, ouvia e não via nada do que tinha acontecido à sua volta. Com a cabeça colocada carinhosamente contra o instrumento, e seus olhos meio fechados, ele tocou, mantendo a cadência com o seu pé.

O lobo foi o primeiro a gritar em tom suplicante, sem fôlego, “Por favor, pare, primo macaco! Pelo amor de Deus, por favor, pare!”

Mas o macaco nem conseguiu sequer ouvi-lo. Mais e mais a valsa “Canto do Galo” parecia irresistível.

Depois de um tempo o leão mostrou sinais de fadiga e, quando ele rodava mais uma vez com a leoa, ele rosnou quando passou do macaco, “Todo o meu reino é vosso, macaco, se você parar com essa música!”

“Eu não quero isso”, respondeu macaco “, mas retire a sentença e devolva o arco e flecha, e você, lobo, reconheça que você o roubou de mim!”

“Eu reconheço, reconheço!” gritou o lobo, e o leão no mesmo instante, chorou anulando a punição.

O macaco ainda deixou-os girando mais uma vez ao som da valsa, e depois recolheu seu arco e flecha, e sentou-se no alto da árvore de espinhos mais próxima.

A corte e outros animais estavam com tanto medo que ele pudesse começar de novo que apressadamente correram para outras partes do mundo.

Fonte:
http://www.sacred-texts.com/afr/saft/sft05.htm in https://casadecha.wordpress.com/category/lendas/