segunda-feira, 10 de março de 2008

Antonio Facci (15/2/1941 - 10/03/2008)


O escritor Antonio Facci é natural de Cedral, Estado de São Paulo, nasceu no dia 15 de fevereiro de 1941 e faleceu em Maringá, PR, a 10 de março de 2008. É o sétimo filho de Vergílio Facci e de Maria Morroni, o qual, somado aos três que vieram após seu nascimento, faz parte da prole de dez descendentes de colonos italianos.

Serventuário da Justiça, cidadão benemérito de Maringá, cidadão honorário de Floresta e Sarandi e menção de homenagem do Estado do Paraná. Vereador (Maringá). Deputado estadual (Paraná) Presidente da Academia de Letras de Maringá. Publicou 14 obras. Secretário do Distrito LD-6 do Lions Internacional. Autor de Mantenha acesa a chama da vida, Ex-passos, Do cio ao sombrio, Alento, Governadores 30 anos, O soldado, Memórias de prata, Queixas, Grafiteiro, Sem palavras, Parlamentar e Meus passos no leonismo.

· Membro fundador da Academia de Letras de Maringá, titular da Cadeira nº 20, que tem como patrono Humberto de Campos.

· Titular da Cadeira nº 6 da Academia Brasileira de Leonismo.

· Titular da Cadeira nº 20 da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias.

· Patrono da Cadeira nº 8 da Academia Umuaramense de Letras e Artes.

· Sócio da UBT – seção de Maringá.

· Medalha de Ouro - Concurso Nacional de Contos, promovido pela Revista Brasília, com o texto “Alípio e Isabel”.

· Medalha de Prata – Concurso Nacional de Poesia, promovido pela Revista Brasília, com o poema “Poros”.

· Diploma de Honra ao Mérito, pelos serviços prestados à literatura nacional, outorgado pela Academia Goiânia de Letras.

· Medalha de Mérito Acadêmico, pelos serviços prestados à literatura, outorgada pela Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias.

· Medalha Juscelino Kubstchek de Oliveira, outorgada pela Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias.

· Medalha de Mérito Cultural Arcádico – Euclides Pery Rodrigues, outorgado pela Arcádia de Artes e Ciências Estéticas do Rio de Janeiro.

Fonte:
http://www.afacci.com.br/autor.php

Antonio Facci (Entrevista concedida em junho de 2005)

Entrevista concedida pelo escritor Antonio Facci à estudante e escritora Suelen Ariane Campolo Trevizan, do Colégio Marista de Maringá, série 3ª B, no dia 7 de junho de 2005.

1. Como o senhor iniciou na literatura?
R. Construindo os primeiros textos poéticos ainda na adolescência, sem publicá-los. Durante minha vida pública, fiz editar dezenas de pronunciamentos e pareceres produzidos como parlamentar. Tais documentos deram origem ao mais recente livro publicado, intitulado “Parlamentar”.
Quando da fundação da Academia de Letras de Maringá, em 1997, o poeta Antonio Augusto de Assis, que tinha entre seus guardados diversos poemas de minha lavra, incentivou-me a editar um livro para preencher os requisitos de ingresso como fundador da novel entidade. Veio à luz “Ex-passos” e daí para frente aventurei-me, trazendo a lume mais dez títulos.

2. Qual o escritor a quem o senhor mais admira?
R. Humberto de Campos, patrono da Cadeira nº. 20 da qual sou fundador, mas não apenas pelo seu talento literário. Mas também por sua luta pela vida e pelas causas sociais que sempre nortearam seu talento como homem publico. Desde seu magnífico “Poeira” até seu famoso “Diário Secreto” publicou 40 títulos, entre contos, crônicas e poesias, dos quais onze sob o pseudônimo “Conselheiro XX”.

3. Já aconteceu de o senhor receber uma crítica desconcertante? Se sim, como reagiu? Se não, o senhor acha que a crítica impiedosa amedronta o escritor de se expor?
R. Sim, várias vezes. A que mais marcou aconteceu por ocasião do lançamento do livro “Ex-passos”, minha primeira aventura na área da literatura, após algumas incursões com a publicação de textos leonísticos (relativo a Lions Clube Internacional) e políticos. Partiu de uma convidada, escritora conhecida e com bons serviços prestados à literatura, a qual comentou em voz alta com um interlocutor, também escritor: “Isso aqui não vale nada. Não são trovas e tampouco poemas. Apenas algumas quadrinhas rimadas e outras bobagens”. Confesso que senti um “friozinho na barriga”, porém providenciei para que ela fosse servida com distinção. Parece que percebeu que seu comentário fora por mim ouvido e logo se retirou da festa. Não guardei mágoa ou ressentimentos. Procurei, isto sim, conhecer a obra dessa autora e passei a elogiá-la toda vez que posso.
Quanto à crítica impiedosa, não me amedronta. Escrevo o que posso produzir, sempre pensando no leitor e não no crítico. Cada um de nós entende literatura a sua maneira e isso me basta.

4. Quais são suas metas enquanto escritor?
R. Sem muita ambição. Em meus onze títulos publiquei poesias, contos, crônicas, coletâneas, os quais simplesmente chamo de “textos livres”. Sonho em escrever um romance, ao menos.

5. O senhor saberia distinguir o seu eu-escritor do seu eu longe da literatura?
R. O meu eu-escritor é fruto da constante dedicação à leitura, apesar de dedicar poucas horas em cada semana a esse mister. Longe da literatura, são aproximadamente dez horas de serviço diário, adicionando-se ainda participação efetiva na vida comunitária e na defesa da cidadania.

6. Quais são as compensações de sua profissão?
R. Lá se vão quarenta anos na profissão como Serventuário da Justiça... A principal compensação é haver ingressado nela muito jovem, e os frutos desse labor, haver–me proporcionado condições de dar a minha família conforto e possibilidade de boa formação acadêmica.

7. O senhor acredita que os livros feitos para vender – os best-sellers – estão distanciando a leitura da literatura?
R. A arte e a literatura estão inseridas nesse contexto, e não sobreviveriam sem “os livros feitos para vender”. Os grandes nomes da literatura escolhem temas e desenvolvem suas tramas, mesmo as poéticas, de forma a atingir o grande público. Dizem até que, se quisermos conhecer um escritor, devemos ler seu primeiro livro. Esse sempre nasce verdadeiramente de seu “eu” interior.

8. Considerando que a sociedade vigente prega a cultura da imagem, quais são as estratégias da Academia para que o público prefira ler a assistir a televisão, por exemplo?
R. A mídia eletrônica não pode ser considerada inimiga dos livros. Ela, na verdade, é uma aliada. O que se faz necessário é a constante orientação aos jovens na escola, nas igrejas, no lar, para que se utilizem da mídia para conhecer superficialmente a universalidade da cultura, e, a seguir, criar condições de acesso aos livros. Nada substitui a leitura de um livro impresso, a alegria em acariciá-lo folha-a-folha, em reler cada texto e enfim adormecer tendo-o sobre o peito. É a intimidade plena com o autor!

9. Na Internet há inúmeros sites em que escritores amadores expõem seus trabalhos protegidos por pseudônimos. Por que é tão difícil sair do anonimato mesmo quando se tem talento?
R. A utilização de pseudônimos não se restringe à era da Internet. Respondendo a sua segunda pergunta, informo que Humberto de Campos – o mais jovem escritor a ingressar na Academia Brasileira de Letras – fez editar onze títulos sob o pseudônimo de “Conselheiro XX”. Muitos adotam essa prática desde o início da atividade literária, enquanto outros o fazem em busca de uma melhor identificação com o público leitor.

10. O senhor acha que o Brasil já proclamou sua independência literária?
R. Associo-me ao pensamento de que “A escola nacionalista, filha da Semana de 1922, alcançou seu clímax após 1945 quando procurou rebater a enxurrada de escritores estrangeiros. Xenófoba, conseguiu manter incólume uma literatura já definida em termos de brasilidade. Foi, aquela obsessão nacionalista em prol do folclore, do regionalismo, de um palavrear que identifica-a as áreas do país, a mais benéfica influencia por que passou a literatura. Se, por outro lado, o alcance dessa formação nacionalista não atingiu todos os escritores modernos, por motivos particulares a cada um, a verdade que a atmosfera cultural foi criada e vicejou, fazendo escola e estabelecendo um importante marco na trajetória em prol de uma cultura própria, definida, bem brasileira. (in Literatura Brasileira Contemporânea – Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias -)”

11. E Maringá?
R. Maringá talvez seja a cidade que conta com o maior número de títulos retratando sua história. Na ficção, em prosa e em verso, estão catalogados mais de 200 escritores, segundo estudo realizado na Universidade Estadual de Maringá. Podemos afirmar, porém, que não se trata de um relatório incontestável ou completo. Na catalogação não consta, por exemplo, Jorge Ferreira Duque Estrada e seus dois títulos: “Terra Crua” e “Isto é você, Maria”: o primeiro relata os movimentos políticos iniciais em nossa terra, e o segundo é o mais belo romance tendo como cenário o período de colonização da região norte/noroeste de nosso estado.

12. A Prefeitura dá algum tipo de incentivo à atividade literária?
R. No que compete ao poder público, sim. Disponibiliza infra-estrutura, tais como teatro Callil Haddad para grandes eventos; recursos financeiros por meio de alocação de verbas atendendo ao determinado pela Lei de Incentivo à Cultura; convida e aceita convite para parcerias em diversos eventos. É preciso ressaltar que a literatura e a arte sempre foram apoiadas e/ou financiadas por Mecenas.

Fonte:
http://www.afacci.com.br/autor.php

Antonio Facci (Ode à Maringá)

Ode a Maringá

Caminhemos todos,
caminhemos por nossa Maringá.
Admiremos seus edifícios
permaneçamos em silêncio
perante nossos templos,
observemos os ensinamentos
de nossas escolas,
apliquemos as técnicas desenvolvidas
em nossa Universidade.

Cantemos nossos bosques
nossos parques
nossos jardins
nosso verde,nossas flores.
Respiremos profundamente...
Sintamos os eflúvios positivos
de nossa terra, de nossa gente.
Visitemos o Maringá velho
berço da nossa civilização,
observemos que todos cantam
o nosso progresso,
admiram nossas vidas.
As largas avenidas
os canteiros centrais emoldurados
por majestosas palmeiras imperiais,
a modernidade da nossa gente.

O poeta esqueceu-se das origens,
o Maringá velho está a margem da notícia
mas não à margem da história.
Não se canta o seu brilho
está à margem do progresso.
Mas você Maringá velho
é a raiz de tudo.
Em seu seio, plantaram-se
as primeiras sementes.
Mas você permanece como dantes...
Sem enfeites,
luzes fosforescentes,
grandes edifícios...
canteiros centrais ajardinados.

Ah! Maringá velho!
Não chore, tudo é assim mesmo...
É preciso conservar as raízes
escondidas no solo,
por vezes maltratadas.
Mas... absorvendo sempre
de nossa terra dadivosa
a energia, para que
a árvore chamada Maringá
possa florescer!
Todos cantam o tronco,
por sua firmeza, rigidez estrutura...
Os galhos, que levam a seiva até as folhas...
As flores... Ah! as flores
com seu perfume,
confundem-se com o perfume
dos cabelos da mulher amada,
envolvendo nossas vidas, nosso ser...

Maringá velho não é cantado
pouco admirado, quase esquecido!
Mas vibre, exalte-se,
você é a base de tudo,
você é a raiz.
Jamais qualquer poeta cantou raízes,
contempla pois a rigidez de seu tronco,
a formosura de seus galhos e ramos
a fragilidade de suas folhas,
o perfume de suas flores,
estas, cantadas em prosa e verso...
Por toda a gente.

Ah! Maringá...
Os mais sensíveis de sua gente
os que têm amor e fé
buscam os momentos
de maior tranqüilidade,
talvez em alta madrugada...
Respiram o ar purificado por nossas árvores,
sentem o perfume das flores
e embalados por seus sonhos,
verão, mesmo que imaginariamente
uma grande orquestra formada
com suas trombetas,
tendo como moldura as estrelas cintilantes
a entoar os versos imortais
de nosso poeta Ari de Lima:
“Quem te avista nos dias de agora,
acenando ao porvir da esperança,
advinha a floresta de outrora
que embalou tua vinda em criança”.

Ah! Maringá!
Insisto em denominá-la
CIDADE CANÇÃO!
Já a chamaram menina,
verde, ecológica!
Mas seu nome tem a canção
como inspiração,
o poeta a imortalizou.
E somos todos poetas que te amamos!
Alguns fazem versos,
poemas e crônicas.
Outros plantam árvores,
semeiam flores,
perfumam os caminhos!

Por isso, Maringá,
você é
CIDADE CANÇÃO!

Fonte:
Minhas Pérolas / Maringá / Sul do Brasil
http://www.minhasperolas.com/poesias/facci.htm

Antonio Facci (Poemas)

01
Adormeceu suave,
alma pura.
Semblante sereno,
ternura.
Acordou feliz,
candura.

02
Viaja suave como a
pluma,
Sem temer do mar,
a espuma,
Feliz, feliz, feliz,
em suma.

03
Pedra pontiaguda,
ameaçadora
em seu delírio,
realça o suave deslizar
das mansas águas do rio.

04
Ouço o farfalhar das folhas
tocadas de forma suave
pelo vento da madrugada.

05
O bem-te-vi estridente
me desperta
ainda na madrugada.
De novo adormeço
acariciado pelo
suave cantar do sabiá.

06
Suave é o amanhecer
em um jardim
perfumado pelas rosas.

07
Valsear é flutuar suave
qual pluma ao vento
nas manhãs de primavera.

08
Suave é o planar das gaivotas
sobrevoando a orla do mar
verde-azul de verão.

09
Suave é ouvir a cigarra
saudar o entardecer
e sonhar com o silêncio
do anoitecer.

10
Suave é ouvir
a voz de Deus
no silêncio do templo.

11
Suave é banhar as mãos
nas águas claras
do riacho.

12
Suave é a paz de espírito
recebida em estado
de graça como recompensa
por suas boas ações.

13
Veja como é suave
o olhar dos que têm fé.

14
Suave é a esperança
de se encontrar
com o Criador na eternidade.

15
Ande devagar, menino!
Não vê que o pássaro
plana suave no ar?

16
Veja como é suave
o nascer do olho d`água
no sopé do morro.

17
Laranjeiras em flor
exalam suave perfume.

18
O beija-flor beija
suave
a flor da alamandra
em meu jardim.

19
A madrugada
rega suave a relva
com suas lágrimas
feitas sereno.

20
Suave é ouvir
flauta doce na
madrugada fria.

Fonte:
http://www.afacci.com.br

Quais as dez obras essenciais para a formação intelectual e humanista?


por Antonio Ozaí da Silva

Não sou dos mais organizados em relação às leituras que faço. Sou disperso e pragmático! Em geral, leio motivado pela necessidade imediata, guiado pelos temas e autores que trabalho nas aulas. Muitas vezes, retomo leituras e procuro novos livros que contribuam para melhor entendimento e discussão do conteúdo. No início do ano letivo – ou semestre – revejo os livros que tenho, aproveito as “férias” para visitar os sebos e pesquiso na biblioteca, com o objetivo de encontrar novidades ou mesmo aquela obra que passou despercebida.

As minhas leituras não se limitam às obras teóricas, sociológicas, políticas etc. Adoro literatura e adoto nos cursos que trabalho. Isso faz com que as leituras sejam ainda mais diversificadas. Porém, ainda vinculadas às disciplinas da vida acadêmica. Vez ou outra leio algo apenas por curiosidade, para distrair-me ou simplesmente porque vi na estante da biblioteca, onde ficam expostas as “novidades”, e me chamou a atenção. Também leio por indicação de amigos e os livros que resenho para a Revista Espaço Acadêmico.

Ler é parte do meu ofício. Mas leio sem planejamento. Olho para a estante e me angustio diante dos livros que ainda não li – e nem sei se lerei. O tempo urge e me consome. É melhor, portanto, planejar. Decidi, então, fazer um plano de leituras para este ano – já que começou um novo tempo!

Mas, o que ler? Como escolher diante de tantas opções? Quais critérios utilizar para fazer uma lista de obras essenciais? Resolvi pedir a ajuda dos amigos, colegas da universidade e aqueles com os quais me correspondo por email (colaboradores da REA e da Revista Urutágua, leitores do blog, amigos virtuais etc.). Formulei uma pergunta: “Em sua opinião, quais as dez obras essenciais para a formação intelectual e humanista (independente da área de conhecimento e gênero)?”

De início, pareceu-me uma questão simples. Afinal, bastava relacionar dez livros. Logo me dei conta de que as minhas dificuldades eram compartilhadas. Como fazer uma relação tão estrita diante da vasta imensidão de obras produzidas pelo conhecimento humano em todos os tempos? Alguns se limitaram a indicar autores; outros extrapolaram o número solicitado; houve quem justificasse sua “lista”; e quem simplesmente indicou a partir de projeto de pesquisa em andamento ou recém concluído. E, lógico, houve os que não responderam.

Foram 889 livros indicados. É uma lista imensa (18 páginas). Um dado interessante: 711 (80%) obras tiveram apenas uma indicação. Pelos números, observamos que o conceito de “essencial” é muito relativo. Eis os mais indicados (considerando-se 12, devido ao empate):


Um dos aspectos mais positivos desta experiência foi a possibilidade de conhecer mais e melhor os colegas e amigos – em especial aqueles que não se limitaram a citar as obras. Este diálogo foi muito instrutivo, instigante e prazeroso. Mais do que uma lista de obras a ler (ou reler), ficou o aprendizado.


Sábado, 19 de Janeiro de 2008

domingo, 9 de março de 2008

Postagens de Domingo

Este domingo não houve postagens em virtude de eu estar publicando o novo Boletim, de numero 12, com um certo atraso, o qual distribuirei por e-mail amanhã.
Conto com vossa compreensão.
José

sábado, 8 de março de 2008

Boi Caprichoso

O boi-bumbá, brincadeira que no século 19 já havia chegado à Amazônia, incorporou, em Parintins, elementos da cultura regional. O índio está sempre presente. A brincadeira original absorveu influências e elementos característicos de diversas outras culturas, em especial as culturas cabocla e indígena.

Desde o início do século passado até hoje, os bois-bumbás parintinenses estão em constante processo de transformação. O Boi Bumbá Caprichoso passou a inserir influências e elementos característicos de diversas outras culturas, em especial as culturas cabocla e indígena.

O auto do boi-bumbá original essencialmente narra a história de um casal de trabalhadores que mata o boi mais querido pelo fazendeiro e sua filha, a sinhazinha. Os fazendeiros pedem ajuda aos índios, e o boi é ressuscitado graças a um pajé.

No boi-bumbá de Parintins, o elemento indígena começou a crescer na década de 60, com a introdução das tribos indígenas, das lendas e dos rituais. Outros personagens passaram a fazer parte da narrativa, entre eles a Rainha do Folclore, a Porta-Estandarte e a Cunhã-Poranga, sendo esta última uma evolução das "misses" surgidas no início da década de 80.

Outras culturas também deram sua contribuição aos bumbás de Parintins. Exemplo disso foi a escola de artes plásticas fundada pelos religiosos italianos a Parintins, que está na raiz da sofisticação estética do espetáculo.

No aspecto musical, as brincadeiras inicialmente eram baseadas apenas no surdo e nas palminhas. Com o tempo, o ritmo foi se sofisticando e novos instrumentos foram introduzidos, entre eles a caixinha e o roncar. No início dos anos 80, foram introduzidos também o charango e o violão, e nos anos 90, foi a vez do teclado se tornar parte da trilha sonora da festa, mais uma colaboração do Boi Bumbá Caprichoso para os sons da floresta.

Surgidos nos primeiros anos do século 20, Caprichoso e o contrário (como denominamos o outro boi, o Garantido) começaram a se destacar entre seus pares nos anos 40. À medida que os bois-bumbás cresciam, crescia também a rivalidade entre eles. Nas décadas de 50 e 60, a oposição dos dois grupos folclóricos se manifestou em confrontos violentos e terríveis entre seus torcedores nas ruas da cidade. As brigas começaram a diminuir após a criação do Festival Folclórico de Parintins, mas a rivalidade entre os fãs dos dois bumbás permaneceu e se cristalizou na geografia e na própria paisagem da cidade. Há casas de famílias, bares, ruas e até bairros inteiros que são redutos de um ou outro boi. Boa parte das ruas do Centro da cidade, em especial a Loris Cordovil, mais o Bar Chapão, são considerados redutos do Caprichoso em Parintins

O Boi-Bumbá Caprichoso tem sua história atrelada a uma família. A professora e folclorista parintinense Odinéia Andrade afirma que o bumbá foi fundado em 1913 pelos irmãos Raimundo Cid, Pedro Cid e Félix Cid. Os três teriam migrado do município de Crato, no Ceará, passando pelos estados do Maranhão e Pará, até chegarem à ilha, onde fizeram uma promessa a São João Batista para obterem prosperidade na novo município. Isso foi motivado pelas influências recebidas pelos Cid durante a trajetória até a ilha, quando puderam conhecer vários folguedos juninos por onde passaram. Duas manifestações folclóricas chamaram a atenção: o Bumba-Meu-Boi, maranhense, e a Marujada paraense. Andrade (2006) acredita que o Boi Caprichoso assimilou elementos desses dois folguedos, uma vez que o bumbá adotou como cores oficiais o azul e o branco, usadas nos trajes dos marujos, e denominou seu grupo de batuqueiros, responsáveis pelo ritmo na apresentação do boi de Marujada.

Valentin (1999) traz em sua obra um relato do compositor parintinense Raimundinho Dutra, que conta uma história diferente sobre a criação do boi. Ele diz ter ouvido dos pais que o nascimento do boi azul teria acontecido no mês de março de 1925. Segundo Dutra (2006), o boi teria nascido num sábado à noite, por volta das vinte horas, na casa de João Roque, onde se reuniram, à luz de lamparinas, o comerciante Emídio Vieira, seu Vitário e Dona Fé, os irmãos Cid, Meireles e Nina, João Ribeiro, seus pais, entre outras pessoas que tinham como objetivo criar um novo boi no município. Durante a reunião, o coronel João Meireles, que era fã de um certo Boi Caprichoso existente em Manaus, sugeriu ao grupo denominar o novilho de Caprichoso. A sugestão teria sido imediatamente aceita, ficando acertado que o amo seria Félix Cid, repentista famoso na época por sua voz poderosa.

A versão adotada como oficial pela agremiação afirma que o Bumbá nasceu de um briga interna no Boi Garantido, criado por Emídio Vieira. Em razão de um desentendimento, o fundador deixa o boi e em seu lugar assume os irmãos Cid, que teriam feito uma promessa de colocar um boi na rua caso obtivessem sucesso em Parintins. Os novos dirigentes da brincadeira construíram uma nova carcaça para o boi e trocaram seu nome para Caprichoso. Todos esses fatos teriam acontecido em 20 de outubro de 1913, data oficial de fundação do bumbá.

Fontes:

Boi Garantido

A história do Garantido começou em 24 de junho de 1913, quando o filho de pescador Lindolfo Monteverde resolveu por em prática uma das histórias que ouvia de seu avô, ex-escravo de origem maranhense que veio para a ilha de Parintins em busca de um espaço para a sua família viver e produzir.
.
Dentre as inúmeras histórias, Lindolfo ouviu a história de um boi que dançava visitando famílias e alegrando as pessoas. Havia muitas lendas em torno deste boi contado pelo avô. A que mais chamava a atenção do neto era sobre o roubo da língua do boi e os versos cantados durante o ritual do boi que envolvia Pai Francisco, Mãe Catirina, o Amo do Boi, o Pajé e outras figuras. Antes de concretizar a idéia para lembrar as histórias do avô, foram realizados vários ensaios, até chegar o momento da primeira apresentação que começou como uma simples brincadeira junina. Contam os mais antigos que a apresentação foi antecedida de uma ladainha e depois houve distribuição de Aluá, bolo de macaxeira, tacacá e, no final, muito forró.

Mais tarde, ao servir o exército, Lindolfo Monteverde adoeceu e a gravidade de sua doença o levou a fazer promessa a São João Batista, prometendo que, se ficasse bom e enquanto tivesse vida, seu bumbá jamais deixaria de sair nas ruas. Foi então que o Garantido passou a ser chamado de “Boi da Promessa”.

A partir de então, todos os anos os torcedores do Boi se reúnem na noite de 24 de junho para rezar a ladainha e festejar São João Batista e em seguida saem pelas ruas da cidade, dançando em frente às casas que tiverem fogueiras acesas. Segundo os mais antigos, esta saída do Garantido pelas ruas da cidade era normal durante a época das festas juninas.

Contam que Lindolfo Monteverde era um cantador e repentista que causava admiração em quem o ouvia cantar, por causa do timbre de voz que dominava os terreiros e era ouvido à distância sem utilizar nenhum tipo de aparelho sonoro mecânico. Lindolfo também incomodava os torcedores do boi contrário com sua firmeza de voz e a inteligência dos desafios que criava. Até hoje, é considerado o melhor compositor de toadas que o boi-bumbá de Parintins registrou.

Desde a sua criação, o Garantido se apresenta com um coração na testa, e suas cores, vermelha e branca, foram adotadas pela torcida. A cor do coração na testa do boi costumava ser preta até meados dos anos 60 quando Dona Maria Ângela Faria, até hoje conhecida como madrinha do Boi, deu a idéia de este ser pintado de vermelho. Idéia que foi executada pelo artista Jair Mendes.

O nome Garantido surgiu do próprio criador, Lindolfo Monteverde, que em suas toadas sempre lembrava aos bois contrários que seu bumbá sempre saía inteiro dos confrontos de ruas que, na época, eram rotineiros. Dizia Lindolfo que nas “brigas” com os contrários a cabeça de seu boi nunca quebrava ou ficava avariada, “isso era garantido”.

Em sua história, lhe foram atribuídos vários slogans carinhosos, como: “Boi da Promessa”, “Boi do Coração”, “Brinquedo de São João”, “Boi do Povão” , "Boi Goiaba" , "Boi ola" e outros. O mais popular é “Brinquedo de São João”, de autoria de Lindolfo Monteverde para homenagear o santo a quem se apegou para curar a doença que o ameaçava quando servia o exército. Os dirigentes preservam até os dias atuais este slogan como forma de reconhecimento a Lindolfo, o poeta maior da Nação Vermelha e Branca.

O Garantido surgiu na antiga estrada Terra Santa, hoje Av. Lindolfo Monteverde, na tradicional Baixa do São José. Atualmente, um complexo arquitetônico da antiga Fabriljuta, localizado no Km 1 da Rodovia Odovaldo Novo, adquirido pela agremiação, abriga toda a estrutura de galpões, a diretoria e demais coordenadorias que fazem parte da administração do boi que, hoje, é a brincadeira mais séria dos habitantes de Parintins, a Ilha do Boi-bumbá.

Fontes:
http://www.sitecurupira.com.br/ze/caprichoso.htm
http://pt.wikipedia.org/

sexta-feira, 7 de março de 2008

Gabriel Garcia Marquez (1928)


Gabriel García Marquez (Aracataca, Magdalena, 6 de março de 1928) é um importante escritor colombiano, jornalista, editor e ativista político, que em 1982 recebeu o Nobel de literatura por sua obra, que entre outros livros inclui o aclamado cem anos de solidão. Foi responsável por criar o realismo mágico na literatura latino-americana.Viajou muito pela Europa e vive actualmente no México a lutar contra o cancro. É pai do realizador Rodrigo Garcia.

Gabriel García Márquez, também conhecido por Gabito, filho de Eligio Garcia e de Luiza Santiaga Márquez Iguaran, que tiveram onze filhos.Tinham uma pequena farmácia homeopática. E seu avô materno Nicolás Marquez, que era um veterano da Guerra dos Mil Dias, cujas histórias encantavam o menino, e sua avó materna Tranquilina Iguarán exerceram forte influência nas histórias do autor, um exemplo são personagens de cem anos de solidão.

Tinha 8 anos (1936) quando esse avô morreu. A família deixou então Aracataca, devido à crise da plantação bananeira, e Gabriel estudou em Barranquilla e no Liceu Nacional de Zipaquirá, passou a juventude ouvindo contos das Mil e Uma Noites; sua adolescência foi marcada por livros, em especial A Metamorfose, de Franz Kafka. Ao ler a primeira frase do livro, Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso, pensou então eu posso fazer isso com as personagens? Criar situações impossíveis?. Em 1947 muda-se para Bogotá para estudar direito e ciências políticas na universidade nacional da Colômbia, mas abandonou antes da graduação. Em 1948 vai para Cartagena das Indias, Colômbia, e começa seu trabalho como jornalista.

Seu primeiro trabalho como jornalista foi para o jornal El Universal. Em 1949 vai para Barranquilha e trabalha como repórter para o jornal El Heraldo. Neste mesmo período participa de um grupo de escritores para estimular a literatura. Em 1954 passa a trabalhar no El Espectador como repórter e crítico.

Em 1958 trabalha como correspondente internacional na Europa, retorna a Barranquilha e casa-se com Mercedes Barcha com quem tem dois filhos, Rodrigo e Gonzalo.Em 1961 vai para Nova Iorque para trabalhar como correspondente internacional, mas suas críticas a exilados cubanos e suas ligações com Fidel Castro o fizeram ser perseguido pela CIA e com isso muda-se para o México. Em 1994 funda juntamente com seu irmão Jaime Abello a Fundação Neo Jornalismo Iberoamericano.

Teve como seu primeiro trabalho o romance "La Hojarasca" publicado em 1955. Em 1961 publica "Ninguém escreve ao coronel". A obra Relato de um náufrago, muitas vezes apontada como seu primeiro romance, conta a história verídica do naufrágio de Luis Alejandro Velasco e foi publicado primeiramente no "El Espectador", somente sendo publicada em formato de livro anos depois, sem que o autor soubesse .

O escritor colombiano possui obras de ficção e não ficção, tais como Crônica de uma morte anunciada e Amor nos tempos do cólera. Em 1967 publica Cem Anos de Solidão, livro que narra a história da família Buendía na cidade fictícia de Macondo, desde sua fundação até a sétima geração. Este livro foi considerado um marco da literatura latino-americana e exemplo único do estilo a partir de então denominado "Realismo Fantástico". Suas novelas e histórias curtas - fusões entre a realidade e a fantasia - o levaram ao Prêmio Nobel de literatura em 1982.Em 2002 publicou sua autobiografia Viver para contar, logo após ter sido diagnosticado um câncer linfático.

Têm simpatia por movimentos revolucionários da América Latina. Em 2006 apoiou juntamente com outras figuras públicas a independência de Porto Rico. Em algumas ocasiões foi mediador entre governo colombiano e as guerrilhas.

Tem interesse por cinema e trabalha principalmente como diretor.Em 1950 estudou no Centro experimental de cinema em Roma.Participou diretamente de alguns filmes tais como Juego peligroso,Presságio, Erendira, entre outros.Em 1986 funda Escola Internacional de Cinema e Televisão em Cuba, para apoiar a carreira de jovens da América Latina, Caribe, Ásia e África. Em 1990 conhece Woody Allen e Akira Kurosawa, diretores pelos quais tem admiração.

Obras

La Hojarasca - 1954
Memória dos prazeres
Relato de um náufrago
A sesta de terça-feira
Ninguém escreve ao coronel
Os funerais da mamãe grande
O enterro do diabo:A revoada
Má hora: o veneno da madrugada
Cem anos de solidão
A última viagem do navio fantasma
Entre amigos
A incrível e triste história de Cândida Eréndira e sua avó desalmada
Um senhor muito velho com umas asas enormes
Olhos de cão azul
O outono do Patriarca
Como contar um conto (1947-1972)
Crônica de uma morte anunciada
Textos do caribe
Cheiro de goiaba
O verão feliz da senhora Forbes
O Amor nos tempos do cólera
A aventura de Miguel Littín Clandestino no Chile
O general em seu labirinto
Doze contos peregrinos
Do amor e outros demônios
Notícia de um seqüestro
Textos Andinos
Da Europa e América
Viver para contar
Memórias de minhas putas tristes
Crónicas, 1961-1984

Prémios e condecorações

Premio de Novela ESSO por "má hora:o veneno da madrugada" (1961)
Doutor Honoris Causa da Universidade de Columbia em Nova Iorque (1971)
Medalha da Legião Francesa em Paris (1981)
Condecoração Águila Azteca no México (1982)
Prémio Nobel de Literatura (1982)
Prémio quarenta anos do Circulo de jornalistas de Bogotá (1985)
Membro honorário do Instituto Caro y Cuervo em Bogotá (1993)
Doutor Honoris Causa da Universidade de Cádiz (1994)

Fonte:

Gabriel García Márquez (O avião da bela adormecida)

Era ela, elástica, com uma pele suave da cor do pão e olhos de amêndoas verdes, e tinha o cabelo liso e negro e longo até as costas, e uma aura de antiguidade que tanto podia ser da Indonésia como dos Andes. Estava vestida com um gosto sutil: jaqueta de lince, blusa de seda natural com flores muito tênues, calças de linho cru, e uns sapatos rasos da cor das buganvílias. "Esta é a mulher mais bela que vi na vida", pensei, quando a vi passar com seus sigilosos passos de leoa, enquanto eu fazia fila para abordar o avião para Nova York no aeroporto Charles de Gaulle de Paris. Foi uma aparição sobrenatural que existiu um só instante e desapareceu na multidão do saguão.

Eram nove da manhã. Estava nevando desde a noite anterior, e o trânsito era mais denso que de costume nas ruas da cidade, e mais lento ainda na estrada, e havia caminhões de carga alinhados nas margens, e automóveis fumegantes na neve. No saguão do aeroporto, porém, a vida continuava em primavera.

Eu estava na fila atrás de uma anciã holandesa que demorou quase uma hora discutindo o peso de suas onze malas. Começava a me aborrecer quando vi a aparição instantânea que me deixou sem respiração, e por isso não soube como terminou a polêmica, até que a funcionária me baixou das nuvens chamando minha atenção pela distração. À guisa de desculpa, perguntei se ela acreditava nos amores à primeira vista. "Claro que sim", respondeu. "Os impossíveis são os outros" Continuou com os olhos fixos na tela do computador, e me perguntou que assento eu preferia: fumante ou não-fumante.

— Dá na mesma — disse categórico — desde que não seja ao lado das onze malas.

Ela agradeceu com um sorriso comercial sem afastar a vista da tela fosforescente.

— Escolha um número — me disse. — Três, quatro ou sete.

— Quatro.

Seu sorriso teve um fulgor triunfal.

— Nos quinze anos em que estou aqui — disse —, é o primeiro que não escolhe o sete.

Marcou no cartão de embarque o número do assento e me entregou com o resto de meus papéis, olhando-me pela primeira vez com uns olhos cor de uva que me serviram de consolo enquanto via a bela de novo. Só então me avisou que o aeroporto acabava de ser fechado e todos os vôos estavam adiados.

— Até quando?

— Só Deus sabe — disse com seu sorriso. O rádio avisou esta manhã que será a maior nevada do ano.

Enganou-se: foi a maior do século. Mas na sala de espera da primeira classe a primavera era tão real que havia rosas vivas nos vasos e até a música enlatada parecia tão sublime e sedante como queriam seus criadores. De repente pensei que aquele era um refúgio adequado para a bela, e procurei-a nos outros salões, estremecido pela minha própria audácia. Mas na maioria eram homens da vida real que liam jornais em inglês enquanto suas mulheres pensavam em outros, contemplando os aviões mortos na neve através das janelas panorâmicas, contemplando as fábricas glaciais, as vastas plantações de Roissy devastadas pelos leões. Depois do meio-dia não havia um espaço disponível, e o calor tinha-se tornado tão insuportável que escapei para respirar.

Lá fora encontrei um espetáculo assustador. Gente de todo tipo havia transbordado as salas de espera e estava acampada nos corredores sufocantes, e até nas escadas, estendida pelo chão com seus animais e suas crianças, e seus trastes de viagem. Pois também a comunicação com a cidade estava interrompida, e o palácio de plástico transparente parecia uma imensa cápsula espacial encalhada na tormenta. Não pude evitar a idéia de que também a bela deveria estar em algum lugar no meio daquelas hordas mansas, e essa fantasia me deu novos ânimos para esperar.

Na hora do almoço havíamos assumido nossa consciência de náufragos. As filas tornaram-se intermináveis diante dos sete restaurantes, as cafeterias, os bares abarrotados, e em menos de três horas tiveram de fechar tudo porque não havia nada para comer ou beber. As crianças, que por um momento pareciam ser todas as do mundo, puseram-se a chorar ao mesmo tempo, e começou a se erguer da multidão um cheiro de rebanho. Era o tempo dos instintos. A única coisa que consegui comer no meio daquela rapina foram os dois últimos copinhos de sorvete de creme numa lanchonete infantil. Tomei-os pouco a pouco no balcão, enquanto os garçons punham as cadeiras sobre as mesas na medida em que elas se desocupavam, olhando-me no espelho do fundo, com o último copinho de papelão e a última colherzinha de papelão, e com o pensamento na bela.

O vôo para Nova York, previsto para as onze da manhã, saiu às oito da noite. Quando finalmente consegui embarcar, os passageiros da primeira classe já estavam em seus lugares, e uma aeromoça me conduziu ao meu. Perdi a respiração. Na poltrona vizinha, junto da janela, a bela estava tomando posse de seu espaço com o domínio dos viajantes experientes. "Se alguma vez eu escrever isto, ninguém vai acreditar", pensei. E tentei de leve em minha meia língua um cumprimento indeciso que ela não percebeu.

Instalou-se como se fosse morar ali muitos anos, pondo cada coisa em seu lugar e em sua ordem, até que o local ficou tão bem-arrumado como a casa ideal, onde tudo estava ao alcance da mão. Enquanto fazia isso, o comissário trouxe-nos o champanha de boas-vindas. Peguei uma taça para oferecer a ela, mas me arrependi a tempo. Pois quis apenas um copo d'água, e pediu ao comissário, primeiro num francês inacessível e depois num inglês um pouco mais fácil, que não a despertasse por nenhum motivo durante o vôo. Sua voz grave e morna arrastava uma tristeza oriental.

Quando levaram a água, ela abriu sobre os joelhos uma caixinha de toucador com esquinas de cobre, como os baús das avós, e tirou duas pastilhas douradas de um estojinho onde levava outras de cores diversas. Fazia tudo de um modo metódico e parcimonioso, como se não houvesse nada que não estivesse previsto para ela desde seu nascimento. Por último baixou a cortina da janela, estendeu a poltrona ao máximo, cobriu-se com a manta até a cintura sem tirar os sapatos, pôs a máscara de dormir, deitou-se de lado na poltrona, de costas para mim, e dormiu sem uma única pausa, sem um suspiro, sem uma mudança mínima de posição, durante as oito horas eternas e os doze minutos de sobra que o vôo de Nova York durou.

Foi uma viagem intensa. Sempre acreditei que não há nada mais belo na natureza que uma mulher bela, de maneira que foi impossível para mim escapar um só instante do feitiço daquela criatura de fábula que dormia ao meu lado. O comissário havia desaparecido assim que decolamos, e foi substituído por uma aeromoça cartesiana que tentou despertar a bela para dar-lhe o estojo de maquiagem e os auriculares para a música. Repeti a advertência que a bela havia feito ao comissário, mas a aeromoça insistiu para ouvir de sua própria voz que tampouco queria jantar. Foi preciso que o comissário confirmasse, e ainda assim a aeromoça me repreendeu porque a bela não havia colocado no pescoço o cartãozinho com a ordem de não ser despertada.

Fiz um jantar solitário, dizendo-me em silêncio tudo que teria dito a ela, se estivesse acordada. Seu sono era tão estável que em certo momento tive a inquietude que aquelas pastilhas não fossem para dormir e sim para morrer. Antes de cada gole, levantava a taça e brindava.

— À tua saúde, bela.

Terminado o jantar, apagaram as luzes, mostraram um filme para ninguém, e nós dois ficamos sozinhos na penumbra do mundo. A maior tormenta do século havia passado, e a noite do Atlântico era imensa e límpida, e o avião parecia imóvel entre as estrelas. Então contemplei-a palmo a palmo durante várias horas, e o único sinal de vida que pude perceber foram as sombras dos sonhos que passavam por sua fronte como as nuvens na água. Tinha no pescoço uma corrente tão fina que era quase invisível sobre sua pele de ouro, as orelhas perfeitas sem os furinhos para brincos, as unhas rosadas da boa saúde e um anel liso na mão esquerda. Como não parecia ter mais de vinte anos, me consolei com a idéia de que não fosse a aliança de um casamento e sim de um namoro efêmero. "Saber que você dorme, certa, segura, leito fiel de abandono, linha pura, tão perto de meus braços atados", pensei, repetindo na crista de espuma de champanha o so neto magistral de Gerardo Diego.

Em seguida estendi a poltrona na altura da sua, e ficamos deitados mais próximos que numa cama de casal. O clima de sua respiração era o mesmo da voz, e sua pele exalava um hálito tênue que só podia ser o próprio cheiro de sua beleza. Eu achava incrível: na primavera anterior havia lido um bonito romance de Yasumari Kawabata sobre os anciões burgueses de Kyoto que pagavam somas enormes para passar a noite contemplando as moças mais bonitas da cidade, nuas e narcotizadas, enquanto eles agonizavam de amor na mesma cama. Não podiam despertá-las, nem tocá-las, e nem tentavam, porque a essência do prazer era vê-las dormir. Naquela noite, velando o sono da bela, não apenas entendi aquele refinamento senil, como o vivi na plenitude.

— Quem iria acreditar — me disse, com o amor-próprio exacerbado pelo champanha. — Eu, ancião japonês a estas alturas.

Acho que dormi várias horas, vencido pelo champanha e os clarões mudos do filme, e despertei com a cabeça aos cacos. Fui ao banheiro. Dois lugares atrás do meu, jazia a anciã das onze maletas esparramada mal-acomodada na poltrona. Parecia um morto esquecido no campo de batalha. No chão, no meio do corredor, estavam seus óculos de leitura com o colar de contas coloridas, e por um instante desfrutei da felicidade mesquinha de não os recolher.

Depois de desafogar-me dos excessos de champanha me surpreendi no espelho, indigno e feio, e me assombrei por serem tão terríveis os estragos do amor. De repente o avião foi a pique, ajeitou-se como pôde, e prosseguiu voando a galope. A ordem de voltar ao assento acendeu. Saí em disparada, com a ilusão de que somente as turbulências de Deus despertariam a bela, e que teria de se refugiar em meus braços fugindo do terror. Na pressa estive a ponto de pisar nos óculos da holandesa, e teria me alegrado. Mas voltei sobre meus passos, os recolhi, os coloquei em seu regaço, agradecido de repente por ela não ter escolhido antes de mim o assento número quatro.

O sono da bela era invencível. Quando o avião se estabilizou, tive que resistir à tentação de sacudi-la com um pretexto qualquer, porque a única coisa que desejava naquela última hora de vôo era vê-la acordada, mesmo que estivesse enfurecida, para que eu pudesse recobrar minha liberdade e talvez minha juventude. Mas não fui capaz. "Que merda", disse a mim mesmo, com um grande desprezo. "Por que não nasci Touro?" Despertou sem ajuda no instante em que os anúncios de aterrissagem se acenderam, e estava tão bela e louçã como se tivesse dormido num roseiral. Só então percebi que os vizinhos de assento nos aviões, como os casais velhos, não se dizem bom-dia ao despertar. Ela também não.

Tirou a máscara, abriu os olhos radiantes, endireitou a poltrona, pôs a manta de lado, sacudiu as melenas que se penteavam sozinhas com seu próprio peso, tornou a pôr a caixinha nos joelhos, e fez uma maquiagem rápida e supérflua, o suficiente para não olhar para mim até que a porta foi aberta. Então pôs a jaqueta de lince, passou quase que por cima de mim com uma desculpa convencional em puro castelhano das Américas, e foi sem nem ao menos se despedir, sem ao menos me agradecer o muito que fiz por nossa noite feliz, e desapareceu até o sol de hoje na amazônia de Nova York.

Fonte:
http://www.releituras.com