sexta-feira, 9 de maio de 2008

Rodamundinho 2008 (Relação dos Participantes)

Escolhidos os 25 participantes do Rodamundinho 2008

O Rodamundinho já está indo pro forno, galerinha! Quem se inscreveu para a coletânea e foi um dos 25 escolhidos espera ansioso para o grande dia! O Rodamundinho será lançado no dia 24 de julho, durante a Semana do Escritor, e reúne contos, redações, poemas e poesias de jovens de Sorocaba e região.

Confira os nomes dos 25 participantes do livro:

André Borges Dias, André Felipe Camargo Bruni, Beatriz Rodrigues Soares, Beatriz Silvério da Rocha, Bianca Marques Milanda, Carolina Arakaki de Camargo, Felipe Giacomin, Isabela Rodrigues Rigo, Jaqueline Andressa Oliveira Manão, José Estevão Pinto de Oliveira, Joyce Souza da Conceição, Júlia Mira dos Santos, Juliana Guimarães Terse, Katherine Martins de Oliveira, Laís Castro Franco de Almeida, Larissa da Silva Vendrami, Laura de Oliveira Marchetti, Laura Mattucci Tardelli, Lucas Geraldo de Milanda Miranda, Luiz Alberto Braga Stopa, Maria Giulia Jacção Alves, Matheus Dantas, Rafaela Moreno Lopes Benevides, Roberta Rodrigues Giudice e Verônica Rodrigues S. Lima.

Fonte:
Colaboração de Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece
Notícia publicada na edição de 20/04/2008 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 10 do caderno Cruzeirinho.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Graciliano Ramos (São Bernardo)

Desdobramento e Busca

A obra São Bernardo, de Graciliano Ramos, apesar de pertencer à Segunda Geração Modernista, cujos propósitos, em prosa, ligam-se à denúncia social, à apresentação questionadora e crítica do Brasil, afasta-se, ao mesmo tempo, da mesma.

Notamos, ao analisar o romance, que, se há denúncia, esta fica em segundo plano. Todo o romance envolve a tensão psicológica de Paulo Honório, que se desenvolverá, aqui, em dois planos: o Paulo Honório narrador e o Paulo Honório personagem.

Paulo Honório causa-nos o "estranhamento" por ser um herói problemático, buscando o entendimento na avaliação de si mesmo. A história é contada num tempo posterior aos fatos, ou seja, Paulo Honório, no passado, vivenciou uma série de experiências, que, agora, num tempo atual (já com cinqüenta anos), pretende relatar em livro. Toda a narrativa se envolverá num processo de circularidade e alternâncias : no enredo central, teremos Paulo Honório personagem; na narração, aparecerá o Paulo Honório avaliativo, distante dos fatos, buscando entender a si, ao mundo e até mesmo ao seu processo de criação.

Inicialmente, o narrador explica ao leitor todo o seu processo de escritura, fazendo-o participar da obra. Em todo o primeiro capítulo do livro, Paulo Honório narrador expõe seu projeto de fazer a obra pela "divisão do trabalho". Para tanto, "Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do ‘Cruzeiro’."(p.7).

Percebe-se que, por meio de um processo de metalinguagem, coloca-se o processo da escritura em discussão. Junto com ele, descobrimos que o processo de elaboração é falho ("O resultado foi um desastre."- p. 8), pois mascara seu autor: ele é um homem rústico, e não aquilo que estavam fazendo que ele parecesse (...está pernóstico, está safado, está idiota. Há lá quem fale dessa forma!- p.9).

Desta maneira, Paulo Honório coloca-se como alguém simples, não afeito a técnicas narrativas normalmente consideradas sofisticadas, daí as referências à "língua de Camões". É por isso que assumirá a escritura do romance que tratará de sua história, desde guia de cegos a proprietário da fazenda São Bernardo: narrativa que se pretende escrita de forma rústica para tratar de uma "alma agreste", conforme ele se autoqualifica.

Porém, engana-se o leitor se imagina encontrar um texto desconexo, escrito por alguém que se diz semi-analfabeto; ao contrário, deparamo-nos com um texto, que, em termos de linguagem, poderia, inclusive, ser classificado como clássico: a linguagem é "enxuta", sem preocupação descritiva ou abuso de linguagem figurada; é a nítida preferência pelo substantivo, pela informação direta, aproximando-se de uma linguagem referencial, bastante afastada daquilo que chamaríamos, tradicionalmente, de poético. Neste sentido, poderíamos fazer uma comparação com Machado de Assis, pois é a mesma preferência pela análise psicológica, por conseguinte ocupando maior espaço na obra.

É aí que encontramos a iconicidade: é a linguagem reveladora da personagem, ambos agrestes, áridos. Todavia, essa simplicidade toda não nos leva a uma narrativa primitiva, linearmente organizada. O texto é carregado de digressões e processos metalingüísticos.

O narrador quer criar a ilusão de que está escrevendo o texto sem planejamento, sem cálculo prévio, forjando um primitivismo literário num livro de memórias: Paulo Honório narrador conta a história de Paulo Honório personagem. Seu método seria algo semelhante à técnica narrativa impressionista, contando os fatos conforme vão surgindo na memória, daí a "desordem", a falta de linearidade cronológica; por exemplo, ficamos sabendo que o filho de Madalena já havia nascido, porque o narrador o apresenta chorando:

O pequeno berrava como bezerro desmamado. Não me contive: voltei e gritei para d. Glória e Madalena:
- Vão ver aquele infeliz. Isso tem jeito? Aí na prosa , e pode o mundo vir abaixo. A criança esgoelando-se!
Madalena tinha tido um menino.
(p.123).

Agora, sem dúvida, um dos pontos mais altos desse processo de digressão é o capítulo 19. Ele é todo digressão: Paulo Honório - já com seus cinqüenta anos, em seu tempo presente - interrompe o desenrolar dos fatos para escrever um capítulo fluxo de consciência, que o leitor, que entra em contato com a obra pela primeira vez, só vai entender quando acabar de ler o romance. No auge do seu conflito psicológico, com Madalena já morta, Paulo Honório a vê aproximar-se dele:
- Madalena!
A voz dela me chega aos ouvidos. Não , não é aos ouvido. Também já não a vejo com os olhos
." (p. 102).

Ele só a vê em suas lembranças, em sua consciência, mas é como se ela se materializasse diante de si; é aí que ele faz algumas conjecturas sobre ela e ele:

A voz de Madalena continua acariciar-me. Que diz ela? Pede-me naturalmente que mande algum dinheiro a mestre Caetano. Isto me irrita, mas a irritação é diferente das outras, é uma irritação antiga, que me deixa inteiramente calmo. Loucura uma pessoa estar ao mesmo tempo irritada e tranqüila. Mas estou assim. Irritado contra quem? Contra mestre Caetano. Não obstante ele ter morrido, acho bom que vá trabalhar. Mandrião!
A toalha reaparece, mas não sei se é esta toalha sobre que tenho as mãos cruzadas ou a que estava aqui há cinco anos
. (p. 102 e 103).

A contradição o assola ("... é uma irritação antiga que me deixa inteiramente calmo."); o desejo de compreender acentua-se, daí as constantes referências às contradições: é o desejo de rever Madalena, mas, simultaneamente, o não entendimento de suas atitudes, o que ainda o irrita, como no passado:
Agitam-se em mim sentimentos inconciliáveis: encolerizo-me e enterneço-me; bato na mesa e tenho vontade de chorar.
Aparentemente, estou sossegado: as mãos continuam cruzadas sobre a toalha e os dedos parecem de pedra. Entretanto ameaço Madalena com o punho. Esquisito
. (p. 103).

Este capítulo traz o mesmo Paulo Honório do final da obra: sozinho, triste, convivendo com seus fantasmas, como o senhor Ribeiro e d. Glória, já distantes no momento presente:

Apesar disso a palestra de seu Ribeiro e d. Glória é bastante clara. A dificuldade seria reproduzir o que eles dizem. É preciso admitir que estão conversando sem palavras. (p.103 e 104).

Todo esse momento do enredo nos revela tanto os conflitos de Paulo Honório quanto a consciência técnica do narrador; afinal, esse fluxo de consciência é extremamente bem feito para alguém que se diz semi-analfabeto. Por conseguinte, enxergamos, por trás de Paulo Honório, o escritor Graciliano Ramos, consciente pleno do processo narrativo, capaz de criar uma "desordem" apenas aparente, reveladora, na verdade, do tempo atual da personagem.

Após o capítulo 19, o texto retoma o seu desenvolvimento normal. É interessante observar que, apesar de o narrador deixar claro que tem consciência de tudo o que se passou, inclusive antecipando fatos, cria o suspense em citações de intensa emoção, como no momento da "despedida" de Madalena, preparando já o seu suicídio, por meio de um diálogo rápido e vigoroso:
- O resto está no escritório, na minha banca. Provavelmente esta folha voou para o jardim quando eu escrevi.
- A quem?
- Você verá. Está em cima da banca. Não é caso para barulho. Você verá.
- Bem.

Respirei. Que fadiga!
- Você me perdoa os desgostos que lhe dei, Paulo?
- Julgo que tive minhas razões.
- Não se trata disso. Perdoa?

Rosnei um monossílabo.
- O que estragou tudo foi esse ciúme. Paulo. (p. 160).
A metalinguagem também tem o papel de apresentar o narrador avaliativo. Paulo Honório coloca-se na posição de quem, além de auto-avaliar os dois primeiros capítulos como "inúteis", avalia as atitudes da personagem, com uma visão adiantada dos fatos:

Já viram como perdemos tempo com padecimentos inúteis? Não era melhor que fôssemos como os bois? Bois com inteligência. Haverá estupidez maior que atormentar-se um vivente por gosto? Será? Não será? Para que isso? Procurar dissabores! Será? Não será?
(p. 148).

O de que sempre temos certeza é da dúvida de Paulo Honório. Ele é alguém que jamais fechará um raciocínio sequer, como veremos no desfecho.

Todo o foco central da ação desse personagem se liga à posse de São Bernardo e ao relacionamento com Madalena, e até nisso o narrador se utiliza das digressões, numa pretensa "desorganização natural" das lembranças. No capítulo dois, por exemplo, temos exposto seu grande objetivo na vida: "O meu fito na vida foi apossar-me das terras de São Bernardo, construir esta casa, plantar algodão, plantar mamona, levantar a serraria e o descaroçador, introduzir nestas brenhas a pomicultura e a avicultura, adquirir um rebanho bovino regular. " (p.11)

Porém, no capítulo 3, observamos um retrocesso temporal, pois o narrador apresenta-nos a sua história de vida - o menino de origem humilde, que vendia doces para a velha Margarida, e o guia de cegos; a prisão, o aprendizado mínimo da leitura na cadeia e a posterior saída, pensando já em "ganhar dinheiro" (p.13). Tal processo digressivo é flagrante tentativa de autojustificação; Paulo Honório usará de meios pouco lícitos para conseguir São Bernardo (aproveita-se da miséria e vício de Padilha, para conseguir a fazenda por valor baixo); sua infância sofrida, a falta de oportunidades, as dificuldades, tudo para "justificar" suas atitudes e a falta de remorsos.

Na verdade, não se conforma com o descaso de Padilha para com tão boa propriedade; era realmente muito injusto vê-la nas mãos de um farrista, e não em suas mãos, que, como veremos, trabalharão essa terra:

Trabalhava danadamente, dormindo pouco, levantando-se às quatro da manhã, passando dias ao sol, à chuva, de facão, pistola e cartucheira, comendo nas horas de descanso um pedaço de bacalhau assado com um punhado de farinha. (p.29).

Claro que não podemos dizer que o narrador queira envolver, emocionalmente, o leitor. Não há interesse em deixar o leitor penalizado, justificando-se frente a ele, como se o estivesse fazendo frente à sociedade.

Se há alguém frente a que Paulo Honório queira justificar-se, esse alguém é ele mesmo, na busca do autoconhecimento.

A posse de São Bernardo, para ele, será fundamental. Adquiri-la significa adquirir respeito. A criança humilde aprendera que só os poderosos são respeitados, daí a obsessão por ganhar dinheiro, por mandar; nota-se tal procedimento já na posse da fazenda:

Pensei que, em vez de aterrar o charco, era melhor mandar chamar mestre Caetano para trabalhar na pedreira. Mas não dei contra-ordem, coisa prejudicial a um chefe. (p.28).

Paulo Honório personagem está-se acostumando a ser chefe, daí a necessidade de se impor para ser respeitado. Para isso São Bernardo chegará a ter objetos de que ele sequer se utiliza:

Comprei móveis e diversos objetos que entrei a utilizar com receio, outros que ainda hoje não utilizo, porque não sei para que servem. (p.39). Paulo Honório acredita que ter é fundamental. Sendo assim, tudo será válido para conseguir seu objetivo:

A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir as terras de São Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las . (p . 39).
E é por isso que tudo será avaliado pelo valor monetário que possui, até mesmo a velha Margarida:

A velha Margarida mora aqui em São Bernardo, numa casinha limpa, e ninguém a incomoda. Custa-me dez mil-réis por semana, quantia suficiente para compensar o bocado que me deu. (p.12 e 13).

É a isso que Alfredo Bosi, em sua História Concisa da Literatura Brasileira, chamará de "universo do ter", que se amplia a cada atitude sua. A instrução, a cultura, para ele, é uma das coisas mais inúteis - são supérfluas, frente à necessidade maior, que é a da posse. Mesmo assim, chegará a construir uma escola na fazenda, buscando, em troca, "a benevolência do governador" (p.44); assim será também com a igreja ("A escola seria um capital. Os alicerces da igreja eram também capital" - p. 44 e 45).

A filosofia do ter endureceu Paulo Honório. Ao pensar, por exemplo, em relacionamento entre homem e mulher, vê-os como "machos e fêmeas" (p.65).

Por isso, no casamento, buscará, inicialmente, o "herdeiro para São Bernardo", alguém capaz de herdar sua obsessão pelo ter.

Madalena parece adequada. Cogitando a possibilidade de casar-se com ela, imagina, de imediato, a reprodução dos "bons espécimes"; reproduzir filhos não é diferente de reproduzir animais:

Se o casal for bom, os filhos saem bons; se for ruim, os filhos não prestam. A vontade dos pais não tira nem põe. Conheço o meu manual de zootecnia. ( p. 87).

Sendo assim, também acredita que atrairá Madalena, mostrando-lhe o que há em São Bernardo, desde as aves até a extensão das terras. Chega a, inclusive, colocar a Madalena o casamento como uma espécie de negócio, como algo que lhe possa "garantir o futuro":

- O seu oferecimento é vantajoso para mim, seu Paulo Honório, murmurou Madalena. Muito vantajoso. Mas é preciso refletir. De qualquer maneira, estou agradecida ao senhor, ouviu? A verdade é que sou pobre como Job, entende?
- Não fale assim, menina. E a instrução, a sua pessoa, isso não vale nada? Quer que lhe diga? Se chegarmos a um acordo, quem faz negócio supimpa sou eu
. (p. 90).

Madalena não se revelará, mais tarde, como alguém que valorize os bens materiais (vemos, por exemplo, sua dedicação aos pobres e funcionários que viviam na fazenda), o que torna difícil acreditar que se tenha casado por dinheiro. Porém, não se podem fazer, por outro lado, colocações fechadas em relação ela; o narrador, em relação a Paulo Honório, mantém distância mínima, pois trata-se de um processo de desdobramento, mas, em relação a Madalena, a distância é máxima.

Tudo isso significa que o leitor não tem acesso direto à consciência dela, o que reforça a ambigüidade - será que não haveria, por parte de Madalena, nenhum interesse financeiro, nenhuma necessidade de adquirir segurança por meio do casamento? O diálogo acima transcrito permite essa análise. Para dificultar ainda mais as coisas, não nos podemos esquecer de que quem conta essa história é Paulo Honório, diretamente envolvido com ela.

Por conseguinte, o foco narrativo é dele, o que gera uma visão parcial da história. O próprio narrador dará subsídios para este tipo de enfoque; vejamos, por exemplo, os comentários dele sobre a transcrição de um de seus diálogos com d. Glória:

Essa conversa, é claro, não saiu de cabo a rabo como está no papel. Houve suspensões, repetições, mal entendidos, incongruências, naturais quando a gente fala sem pensar que aquilo vai ser lido. Reproduzo o que julgo interessante. Suprimi diversas passagens, modifiquei outras. O discurso que atirei ao mocinho do rubi, por exemplo, foi mais enérgico e mais extenso que as linhas chochas que aqui estão. A parte referente à enxaqueca de d. Glória (a enxaqueca ocupou, sem exagero, metade da viagem) virou fumaça. Cortei igualmente, na cópia, numerosas tolices ditas por mim e por d. Glória. Ficaram muitas, as que as minhas luzes não alcançaram e as que me pareceram úteis. É o processo que adoto; extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço. (p.77 e 78).

Se ele expurgou seu diálogo com ela, por que não faria o mesmo em sua conversa com Madalena, ou mesmo contaria tudo como lhe conviesse?

Mas por que Madalena? Ela não se revelará como alguém que se harmonize, em nada, com Paulo Honório; para ele, ela tem defeitos irremediáveis, como, por exemplo, ser culta, instruída, altruísta, ou pior, escreve artigos:
- Mulher superior. Só os artigos que publica no Cruzeiro!

Desanimei:
- Ah! Faz artigos!
- Sim, muito instruída. Que negócio tem o senhor com ela?
- Eu sei lá! Tinha um projeto, mas a colaboração no Cruzeiro me esfriou. Julguei que fosse uma criatura sensata. (p. 85).

Porém, ele a escolheu. A justificativa que parece mais lógica é o fato de ela ser exatamente aquilo que ele não é. Paulo Honório - como já anteriormente citado - busca o respeito alheio, busca estabilizar-se e ser reconhecido. Uma esposa professora seria mais respeitável do que qualquer cabocla comum.

De início, ele imaginou-a como uma menina frágil, fácil de dominar. Enganou-se: Madalena tem iniciativa, quer trabalhar, ajuda aos outros sem pedir autorização e não dá importância às aparências:

Tive, durante uma semana, o cuidado de procurar afinar a minha sintaxe pela dela, mas não consegui evitar numerosos solecismos. Mudei de rumo. Tolice. Madalena não se incomodava com essas coisas. Imaginei-a uma boneca da escola normal. Engano. (p.95).

O protagonista sente necessidade de adaptar-se a ela, tenta de tudo, porém todas as tentativas são infrutíferas.

O grande problema é que as energias que regem a vida dos dois são diferentes: ele é regido pela posse, pelo ter; ela, pelo ser.

São diretrizes de vida muito diversas, daí a dificuldade de compreensão de Paulo Honório. A conseqüência será um ascendente ciúme; os alvos desse sentimentos serão vários: Padilha, seu Ribeiro, Gondim, Padre Silvestre, chegando ao ponto de imaginar que o amante vinha encontrá-la à noite, dentro de sua própria casa ("Três anos de casado. Fazia exatamente um ano que tinha começado o diabo do ciúme."- p. 164).

Madalena, apesar de forte, será destruída por tudo isso. Seu suicíidio é o auge disso tudo:
"Arredei-as e estaquei: Madalena estava estirada na cama, branca, de olhos vidrados, espuma branca nos cantos da boca. Aproximei-me, tomei-lhe as mãos, duras e frias, toquei-lhe o coração, parado. Parado. No soalho havia mancha de líquido e cacos de vidro. (p.165).

E, assim, chegamos ao momento presente. Justificativas e justificativas... no final, um Paulo Honório que escreveu um livro e só consegue ter certeza de sua solidão, seu estado de abandono, sua inutilidade:

"Cinqüenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! Comer e dormir como um porco! Como um porco! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levar tudo?" (p.181).

A seqüência de exclamações é icônica; temos, diante de nós, um homem revoltado, reconhecendo a inutilidade de sua vida. Isso o redime?:

Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo. Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. É a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda parte! A desconfiança é também conseqüência da profissão. (p.181).

Enfim, a circularidade da narrativa acontece: o mesmo Paulo do início, que reconhece, parcialmente, seu erro, mas a culpa é jogada aos fatores externos. Meio possível de acalmar a consciência, mas que não elimina a dor do reconhecimento e da perda. Quem queria acumular bens acumulou perdas: destruiu a si e aos outros.

Assim, Paulo Honório torna-se apenas um ser humano, não típico espacialmente, mas um ser humano universal, capaz de refletir, mas incapaz de chegar a respostas definitivas.

Fonte:
Biblioteca Eletrônica vol. III. Magister. (CD Rom)
http://www.ciashop.com.br (imagem)

José Lins do Rego (1901 - 1957)

José Lins do Rego Cavalcanti (Pilar, 3 de julho de 1901 — Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1957) foi um escritor brasileiro, considerado um dos grandes nomes da literatura regionalista brasileira.

Nascido no Engenho Corredor, município paraibano de Pilar, filho de João do Rego Cavalcanti e de Amélia Lins Cavalcanti, fez as primeiras letras no Colégio de Itabaiana, no Instituto N. S. do Carmo e no Colégio Diocesano Pio X de João Pessoa. Depois estudou no Colégio Carneiro Leão e Osvaldo Cruz, em Recife. Desde esse tempo revelaram-se seus pendores literários. É de 1916, por exemplo, o primeiro contato com O Ateneu, de Raul Pompéia. Em 1918, aos dezessete anos portanto, José Lins travou conhecimento com Machado de Assis, através do Dom Casmurro. Desde a infância, já trazia consigo outras raízes, do sangue e da terra, que vinham de seus pais, passando de geração em geração por outros homens e mulheres sempre ligados ao mundo rural do Nordeste açucareiro, às senzalas e aos negros rebanhos humanos que a escravidão foi formando.

Após passar sua infância no interior e ver de perto os engenhos de açúcar perderem espaço para as usinas, provocando muitas transformações sociais e econômicas, foi para João Pessoa, onde fez o curso secundário e depois, para Recife, onde matriculou-se, em 1920, na faculdade de Direito.

Nesse período, além de colaborar periodicamente com o Jornal do Recife, fez amizade com Gilberto Freyre, que o influenciou e, em 1922, fundou o semanário Dom Casmurro. Formou-se em 1923. Durante o curso, ampliou seus contatos com o meio literário pernambucano, tornando-se amigo de José Américo de Almeida, Osório Borba, Luís Delgado, Aníbal Fernandes, e outros. Gilberto Freyre, voltando em 1923 de uma longa temporada de estudos universitários nos Estados Unidos, marcou uma nova fase de influências no espírito de José Lins, através das idéias novas sobre a formação social brasileira.

Ingressou no Ministério Público como promotor em Manhuaçu, em 1925, onde entretanto não se demorou. Casado em 1924 com d. Filomena (Naná) Masa Lins do Rego, transferiu-se em 1926 para a capital de Alagoas, onde passou a exercer as funções de fiscal de bancos, até 1930, e fiscal de consumo, de 1931 a 1935. Em Maceió, tornou-se colaborador do Jornal de Alagoas e passou a fazer parte do grupo de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, Valdemar Cavalcanti, Aloísio Branco, Carlos Paurílio e outros. Ali publicou o seu primeiro livro, Menino de engenho (1932), chave de uma obra que se revelou de importância fundamental na história do moderno romance brasileiro. Além das opiniões elogiosas da crítica, sobretudo de João Ribeiro, o livro mereceu o Prêmio da Fundação Graça Aranha. Em 1933, publicou Doidinho, o segundo livro do "Ciclo da Cana-de-Açúcar".

Perfil da obra e trajetória literária

O mundo rural do Nordeste, com as fazendas, as senzalas e os engenhos, serviu de inspiração para a obra do autor, que publicou seu primeiro livro - Menino de engenho - em 1932.

Como vimos, em 1926, decidiu deixar para trás o trabalho como promotor público no interior de Minas Gerais e transferiu-se para Maceió, Alagoas. Lá conviveu com um grupo de escritores muito especial: Graciliano Ramos (o autor de Vidas Secas), Rachel de Queiroz (a jovem cearense, que já publicara o romance O Quinze), o poeta Jorge de Lima, Aurélio Buarque de Holanda (o mestre do dicionário), que se tornariam seus amigos para sempre. Convivendo neste ambiente tão criativo, escreveu os romances Doidinho (1933) e Bangüe (1934). Daí em diante a obra de Zélins, como era chamado, não conheceu interrupções: publicou romances, um volume de memórias, livros de viagem, de conferências e de crônicas. E Histórias da Velha Totônia, seu único livro para o público infanto-juvenil, lançado em 1936.

Em 1935, mudou-se para o Rio de Janeiro. Homem atuante, participava ativamente da vida cultural de seu tempo. Gostava de conversar, tinha um jeito bonachão e era apaixonado por futebol, ou melhor, pelo Flamengo. Seus livros são adaptados para o cinema e traduzidos na Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Estados Unidos, Itália, entre outros países. Em meados dos anos 50, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

Em 1957, o Brasil perdia um de seus grandes escritores. A obra de José Lins do Rego é publicada pela editora José Olympio.

A criação literária de José Lins do Rego (Zé do Rego), como ele próprio afirma, foi baseada, fundamentalmente, nas histórias de trancoso, contadas pela velha Totônia e pela leitura de Os doze pares da França, de Carlos Magno, que ele leu aos doze anos, ainda no internato de Itabaiana, tendo recebido, também, influências de Victor Hugo, Proust, Hardy, Stendhal e os que ele chamava de "os grandes russos da minha vida: Tolstói, Tchecov e Dostoievski". Entre os nacionais, ele cita Raul Pompéia, Machado de Assis, Gilberto Freyre e Olívio Montenegro.Participou do movimento regionalista de 33 organizado por Gilberto Freyre no Recife .

A obra dele caracteriza-se, particularmente, pelo extraordinário poder de descrição. Reproduz no texto a linguagem do eito, da bagaceira, do nordestino, tornando-o no mais legítimo representante da literatura regional nordestina. À Menino de Engenho, seguiram-se Doidinho, 1933; Bangüê, 1934; Moleque Ricardo, 1935; Usina, 1936; Fogo Morto, 1936, fechando, com este, o Ciclo-da Cana-de-Açúcar. Em 1937, publicou Pedra Bonita e, em 1953, Cangaceiros que formaram o Ciclo do Cangaço. Outras publicações: Pureza; Riacho doce; Água mãe (prêmio da Fundação Felipe de Oliveira); Eurídice (Prêmio Fábio Prado); Meus verdes anos (memórias); Histórias da velha Totônia; Gordos e magros; Poesia e vida; Homens, seres e coisas; A casa e o homem; Presença do Nordeste na literatura brasileira; O vulcão e a fonte, (1958, póstuma). Conferências: Pedro Américo; Conferência no Prata; Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. Viagem: Bota de sete léguas. Em colaboração com Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos Brandão entre o mar e o amor.

Obras
Menino de engenho (1932)
Doidinho (1933)
Bangüê (1934)
O moleque Ricardo (1935)
Usina (1936)
Pureza (1937)
Pedra bonita (1938)
Riacho doce (1939)
Água-mãe (1941)
Fogo morto (1943)
Eurídice (1947)
Cangaceiros (1953)
Meus verdes anos (1953)
Histórias da velha Totonha (1936)
Gordos e magros (1942)
Poesia e vida (1945)
Homens, seres e coisas (1952)
A casa e o homem (1954)
Presença do Nordeste na literatura brasileira (1957)
O vulcão e a fonte (1958)
Dias idos e vividos (1981)

Academia Paraibana de Letras
É patrono da cadeira 39 da Academia Paraibana de Letras, que tem como fundador Luciano Ribeiro de Morais. Atualmente ocupada por Sérgio de Castro Pinto.

Academia Brasileira de Letras
Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1956, para a cadeira número 25.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org
http://www.academia.org.br

José Lins do Rego (Fogo Morto)

José Amaro vivia de consertar sela, arreios, mexer com o couro, com a sola. Passava o dia trabalhando em sua tenda na frente da casa. Muitos eram os que passavam pela estrada e cumprimentavam-no, paravam para um conversa rápida, ou então para pedir algum conserto, entre eles Seu Laurentino, o pintor, Torquato, o cego, Alípio, o aguardenteiro, que mais tarde entrou para o bando do Capitão Antônio Silvino, Vitorino, seu compadre, e o negro José Passarinho. Alguns ele atendia com certa satisfação, fazia até consertos de graça, mas recusava-se a atender o pessoal do Santa Rosa, engenho do Coronel José Paulino, com quem tinha suas diferenças. Dizia que o coronel gritava com todos e que ele não era homem de levar grito. Sentia orgulho nessa sua atitude. Fora sempre um homem de trato duro, áspero, mas ultimamente tinha piorado muito, estava sempre bravo com todos, sempre com críticas, qualquer coisa que alguém dizia ele retrucava.

Também dera para ter raiva de sua família. Sinhá tinha se casado com José Amaro para não ficar moça velha, como ia ficando sua filha, solteira e já com trinta anos. Toda a vida Sinhá passou sem exercer sua vontade, obedecendo em tudo ao marido. A única coisa que lhe dava motivo de viver era sua filha Marta. Defendia-a dos ataques do marido que a cada dia que passava ia ficando mais ríspido, mais duro no tratamento com elas. As atitudes destemperadas do seleiro foram também, pouco a pouco, criando um sentimento de medo em Sinhá, percebia que o marido estava ficando diferente, ensimesmado, mais agressivo, distante. E ainda havia a história de ele ser lobisomem.

Sinhá cuidava da casa, da criação, mas não tinha dado ao seleiro um filho. Ao invés disso, deu-lhe uma filha, Marta, que por qualquer coisa chorava. Nunca tinha se casado, apesar de ser moça estudada: sabia ler, tinha letra bonita, bordava e costurava. Não era moça feia, outras menos bonitas tinham conseguido marido. Agora com trinta anos dera para chorar baixinho o dia todo, tinha uma aflição que a comia por dentro. Um dia Marta teve uma crise, foi encontrada deitada no chão da sala, grunhindo. Por algum tempo depois da crise parecia que estava melhor, mais animada, até que um dia saiu da casa gritando e rindo sem parar. José Amaro pegou um pedaço de sola na mão e deu uma surra em Marta. A partir de então, Marta começou a falar coisas sem sentido e a dar risadas medonhas. Tinha endoidado de vez.

A angústia com a vida que José Amaro levava foi aumentando e num ímpeto de tentar aliviá-la, o mestre começou a dar uns passeios pela redondeza à noite. Isto e mais sua aparência descuidada, sua pele amarelada pelo trabalho com o couro motivaram o falatório do povo e alimentaram a crença em que José Amaro tinha se transformado em lobisomem.

O sofrimento de José Amaro só era amenizado pelas histórias do bando do Capitão Antônio Silvino, que enfrentava as tropas do Tenente Maurício e os coronéis de engenho a favor dos pobres. Alípio é quem trazia as notícias da movimentação do bando, e começou a pedir a ajuda do mestre para arranjar provisões para o bando e para saber onde andava o tenente. Isso deu ao mestre um sentimento de utilidade, de orgulho, agora ele tinha um novo motivo para viver.


Mestre Amaro vivia no engenho Santa Fé desde os tempo em que o Capitão Tomás era o proprietário. Depois da morte do Capitão Tomás, seu genro, Coronel Luís César de Holanda Chacom é quem passou a tomar conta do Santa Fé _ .

Coronel Lula de Holanda passava sempre pela porta de mestre José Amaro com seu cabriolé. José Amaro gostava de ver o cabriolé enchendo a estrada, com seus cavalos, suas lamparinas, suas campainhas. Só não gostava da soberba do coronel. Não era homem de andar a pé pelo engenho, não gostava de tomar conta da propriedade, que a cada dia estava mais abandonada. Não era como no tempo do Capitão Tomás. Entre sua criadagem tinha o negro Floripes, que o Coronel Lula apadrinhou. Fazia questão que o negro acompanhasse as rezas da família todo final de tarde.

Aproveitando-se da doença do Coronel e da estima que este lhe tinha, Floripes inventou uma intriga a respeito de José Amaro. Isto porque o seleiro não gostou de um recado que o coronel havia mandado pelo negro e enxotou-o de sua casa. O Coronel mandou chamar o mestre e pediu para ele sair de suas terras. No dia seguinte, Sinhá, ajudada pelo compadre Vitorino, levou Marta para um hospital no Recife. O mestre sentiu um enorme vazio, medo de voltar para casa, e, debaixo de uma pitombeira, abaixou a cabeça e chorou.

O engenho do Seu Lula

"O Capitão Tomás Cabral de Melo chegara do Ingá do Bacamarte para a Várzea do Paraíba, antes da revolução de 1848, trazendo muito gado, escravos, família e aderentes." Comprou umas terras perto do Santa Rosa e se instalara ali. Era homem trabalhador, ele mesmo, junto com seus homens, foi levantando o Santa Fé. No começo, não sabia nada de açúcar, criava gado, plantava algodão. Mas era homem obstinado, levantou o engenho, comprou o que foi necessário para dar início à produção e dois anos depois colhia sua primeira safra. O povo, que não tinha botado fé naquele camumbembe, via com espanto o engenho crescer, tomar corpo. Depois de algum tempo, o Santa Fé produzia mais que outros engenhos de mais recursos.

Diziam que os negros do Santa Fé eram maltratados, que recebiam castigos tremendos. "Negro no Santa Fé era de verdade besta de carga." Sua escravatura não participava das festas do Pilar, "não vivia no coco como a do Santa Rosa." O capitão achava que negro tinha nascido para o trabalho e, mesmo ele, que não era negro, trabalhava de sol a sol. O resultado disso é que o Santa Fé era um engenho triste.

Quando a filha Amélia voltou dos estudos no Recife, mandou buscar um piano. Este fato foi motivo de festa para o povo, que nunca tinha visto um piano de cauda, maior que todos da região. Mais de dez negros trouxeram o piano na cabeça pela estrada e o capitão vinha atrás dando ordens. Neste mesmo ano o Capitão Tomás mandou pintar a casa-grande e registrou o ano de 1850 no frontão da casa.

Nos finais das tardes de domingo, o prazer do capitão era ouvir sua filha tocar valsas. A mulher, cansada dos trabalhos da cozinha, com as mãos grossas de debulhar milho para negro, enchia-se de alegria. D. Amélia tocava suas varsovianas com alma. Aquele era um momento especial no Santa Fé. Pai, mãe e a escravatura experimentavam uma existência muito diferente dos dias normais, embalados pela música.

O capitão estava no auge de sua vida, com o engenho produzindo como nunca, tinha voz de comando no Partido Liberal, era respeitado por todos. Mas o fato de sua filha mais velha , tão prendada, educada no Recife, não ter se casado enchia o coração do velho de tristeza. Ali na Ribeira não havia homem para ela. Queria homem educado, de bons modos, que a tratasse bem. Até que apareceu, vindo de Pernambuco, o primo Luís César de Holanda Chacom. Homem de boa aparência, educado. O Capitão Tomás gostou logo do rapaz e foi-lhe chamando de Lula. D. Amélia também se engraçou dele, e as varsovianas passaram a ter mais sentimento. Entretanto, tempos depois o rapaz foi em viagem para o Recife, sem fazer o pedido tão esperado, e o silêncio reinou naquela casa.

Ao mesmo tempo, chegaram notícias do Recife sobre Olívia, a filha mais nova do Capitão Tomás, dizendo que ela se encontrava com uma doença de difícil cura. Foi com muita tristeza que o capitão foi visitá-la. Não pôde trazê-la para casa como queria. Voltou para o Santa Fé completamente abalado, era outro homem. Passados meses, todos na casa já tinham se conformado com a doença de Olívia, menos ele. Ia de dois em dois meses visitar a filha e quando voltava não falava com ninguém. Sofria calado, abandonou o Partido Liberal, não tinha mais gosto pelo trabalho, ficava horas deitado no marquesão da sala. Nem sua filha Amélia conseguia tirar o pai daquele estado. Até que um moleque escravo fugiu. O Capitão levantou-se atrás do negro fujão, voltou com ele e mandou dar-lhe um corretivo. Um outro fato que o ajudou a sair daquele estado foi a chegada de uma carta do Recife, com o pedido de casamento do primo Lula.

O Capitão Tomás quis que sua filha continuasse morando no engenho com o marido. Entretanto, conforme o tempo ia passando, o capitão notou com tristeza que o genro não tinha o menor interesse pelo engenho. Tentou de todas as maneiras motivar o primo Lula, mas este só andava engravatado, vestido para visita. Assustou-se por pensar que um dia tudo aquilo seria do marido de sua filha, e que o rapaz não tinha gosto pelo trabalho. O que o conformava é que Lula tratava bem de sua filha, era carinhoso, tinha boa figura, sua filha parecia feliz.

Um dia, entrou pelo Santa Fé o cabriolé de Luís César de Holanda Chacom, vindo do Recife. Tiveram que mandar consertar os caminhos para que o cabriolé pudesse passar. A família ia agora de carro para a missa no Pilar, quando passavam todos olhavam com admiração. O capitão gostou da "importância que lhe vinha de tudo".

O moleque Domingos foge novamente, desta vez levando dois cavalos de sela. Seu Lula foi junto com o Capitão Tomás atrás do negro. Seguiram as pistas que um ou outro indicava e deram numa fazenda. O dono sentiu-se ofendido por desconfiarem que escondia negro fugido e ladrão. Cercados por mais dois de punhal, o capitão e o primo tiveram que engolir as ofensas e voltaram sem Domingos. Esta situação motivou novo desânimo no capitão. Ficou como se estivesse doente, como quando soube da doença da filha Olívia. Durante dias ficou deitado na rede da varanda, sem ânimo para nada. Escutava sua filha Olívia, que tinha mandado buscar, falando coisas sem nexo. Aquilo doía-lhe a alma.

Lula tentou assumir o engenho, mas mostrou seu lado mau ao mandar castigar um negro sem razão. D. Mariquinha, mulher do Capitão Tomás, brigou com o genro e tomou as rédeas do engenho. Era ela quem dava as ordens agora. O genro e a filha ficaram magoados e o Santa Fé ficou ainda mais calado, triste. Numa tarde, no alpendre da casa, faleceu o Capitão Tomás.

Houve briga pelo inventário. Lula fez exigências, Mariquinha não concordou. D. Amélia, de início, foi contra o marido, mas acabou cedendo. A partir de então, quando o povo via o Seu Lula passando de cabriolé com a família, via um homem ambicioso, que queria roubar a sogra. D. Amélia sofria com a situação entre sua mãe e o marido, quis morar em outro lugar, mas Seu Lula não quis por causa da filha. A menina era mimada, chorava muito à noite. D. Mariquinha queria ajudar, a neta era a única alegria de sua vida de viúva; entretanto, Lula fez de tudo para que a sogra não se apegasse à neta, proibiu-a até de segurar a criança. Ela passou a detestar aquele homem sem sentimento e só abrandou seu ódio quando a neta ficou doente e o genro, ao contrário de todo homem que ela conhecia, cuidou noite e dia da menina, não saía do seu lado. D. Mariquinha teve de reconhecer que ele era um bom pai e amava aquela criança e, assim, embora triste, conformou-se com a situação.

Depois da morte de D. Mariquinha, Lula reuniu os negros, dali para a frente não haveria mais vadiação e todos deveriam rezar as ave-marias das tardes. Nada mais de S. Cosme e S. Damião. "Aquilo era feitiçaria." Seu Lula, agora Capitão Lula de Holanda, passava o dia na rede brincando com a filha, lendo jornal, o feitor vinha buscar as ordens e dar conta do serviço. Olívia andava de um lado para o outro, no seu mundo particular e Amélia assumiu o lugar da mãe na cozinha.

O Capitão Lula tratava mal seus negros, castigava-os por qualquer coisa, deixava-os à míngua. O feitor é que levava adiante o engenho como podia. Lula só se preocupava com suas orações e com a filha. "E o Santa Fé foi ficando assim o engenho sinistro da várzea." Quando chegou a abolição, todos os negros foram para outros engenhos. Só o boleeiro Macário ficou porque tinha paixão por seu trabalho. Ninguém queria trabalhar no Santa Fé por causa das história de tortura. O Santa Rosa acudiu o Santa Fé, que aos poucos foi definhando, perdendo as plantações.

No dia da abolição os negros foram para a frente da casa, acenderam fogueira, cantaram. O Capitão Lula teve medo deles invadirem a casa e armou-se com o clavinote. Quando os negros se foram D. Amélia viu, pela primeira vez, seu marido empalidecer e cair no sofá retorcendo-se todo, com uma baba branca escorrendo de sua boca.

Por esses tempos, Lula e Amélia orgulhavam-se da filha Neném, que estudava no Recife. Quando podia, a menina vinha em visita ao Santa Fé e todos iam à missa de cabriolé, o Capitão Lula parecia que levava uma princesa. D. Neném era moça bonita, prendada. Era ela quem tocava o piano da casa agora. D. Amélia se ressentia da relação pai-filha, tinha ficado de lado, isolada. Não tinha conversa com sua filha, o marido já não dava importância a ela desde que perdera o segundo filho.

Quando soube que sua filha estava se engraçando de um promotor do Pilar, Lula ficou furioso. Não queria que sua filha se casasse com um camumbembe qualquer. Gritou com a mulher, a filha trancou-se no quarto chorando. Lula teve outro ataque. A mulher e a filha correram para ajudar. Lula passou dias deitado no marquesão, onde antes ficava o sogro, pensando que de forma alguma deixaria sua filha se casar com um homem de rua. Antes vê-la morta. Fez-se silêncio novamente no Santa Fé.

Às seis horas o Coronel Lula mandava Floripes tocar o sino no alpendre de trás chamando para a reza. O moleque agora rezava na sala dos santos com a família, tratava o Coronel com devoção. D. Amélia não gostava da fala mansa de Floripes. Neném vivia cuidando do jardim, não falava com ninguém, nem com o pai com quem era tão ligada. O Coronel, por seu lado, passou a ignorar a filha desde o ocorrido por causa do promotor.

O Coronel Lula parecia não ver o que estava ocorrendo no Santa Fé. Só D. Amélia sabia da condição de ruína do engenho. Mal havia comida que desse para eles. Ela passou a vender ovos para a Paraíba, escondida do marido. Mas continuavam indo à missa do Pilar de cabriolé. D. Neném e D. Amélia colocavam as jóias ganhas no tempo de riqueza e que o coronel fazia questão que elas usassem.

Numa noite apareceram uns safados cortando caixão na frente da casa do Coronel Lula, que saiu de clavinote, xingando todo mundo. Teve novo ataque, D. Amélia socorreu sozinha, a filha chorava no quarto. A doença de Lula parecia irreversível e a decadência do Santa Fé era completa.

O Capitão Vitorino

Uma noite Antônio Silvino atacou o Pilar, "soltaram os presos, cortaram os fios do telégrafo da estrada de ferro e foram à casa do prefeito Napoleão para arrasá-lo." Entre outras coisas, pegou dois caixões cheios de moedas e abriu-os no meio da rua para o povo se servir à vontade.

No dia seguinte, José Amaro soube que o grupo de Antônio Silvino havia arrasado a vila. Ficara feliz com o ataque dos cangaceiros. Capitão Silvino era o seu herói, fazia o que ele não tinha coragem para fazer.

Havia uma semana que o Coronel Lula tinha mandado que ele saísse de suas terras. Sua mulher foi passar uns dias na casa da comadre Adriana. José Amaro sabia que ela não queria mais vê-lo, aquilo era desculpa. Sentia-se muito só. Nunca pensou que ligasse para sua casa, para as árvores, para o chiqueiro, para as flores. José Passarinho é quem cuidava dele, fazia comida. Todos os outros estavam contra ele: sua mulher, o Coronel Lula e aquele povo, que agora tinha medo dele, desviavam-se de seu encontro, olhavam-no com suspeita. De onde tinham tirado aquela idéia de ele ser lobisomem?

Apareceu Vitorino na casa do mestre. O Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, casado com D. Adriana, era compadre de José Amaro. Sempre foi considerado uma pessoa desprezível, todos chamavam-no Papa-Rabo, por acharem que ele só andava atrás dos grandes. Por várias vezes é abordado por pessoas que têm prazer em xingá-lo, provocá-lo. Por seu lado Vitorino, gosta de contar vantagem, de se fazer de valentão. No fundo é "uma criança de cabelos brancos". Fala o que pensa, provoca os outros com sua conversa, mostra ter influência junto às pessoas importantes. Quando implica com alguém, puxa para briga, diz desaforos. Mas ninguém o leva a sério. Riem dele. É o bobo do lugar. Um Dom Quixote do sertão.

Sua mulher sofre com seus desatinos, com a vida de ir para lá e para cá sem nada fazer, sem trazer dinheiro para casa. Ela é quem sustenta a família, castrando frangos para as fazendas vizinhas, era a única que tinha ciência dessa arte por ali. Era muito amiga de Sinhá e por diversas vezes ajudou-a com a filha Marta.

O seleiro também tem desprezo pelo compadre. Acha-o um fraco, incapaz de acabar com aquela história de xingamentos, de se fazer respeitar. Vitorino também não tem muita consideração pelo mestre devido ao fato de ser seleiro, um trabalho pouco respeitado por Vitorino.

Na última parte da narrativa, Vitorino aparece na casa do mestre com sua burra velha. Agora, depois de tudo que aconteceu em sua vida, o mestre teve prazer na visita do amigo. Vitorino fala das eleições, está no partido de Rego Barros, tenta convencer o mestre a votar em seu partido, diz que tudo vai mudar, que os coronéis não vão mais fazer o que querem por ali. O mestre não fala mas já se decidiu a votar em Antônio Silvino. Vitorino se propõem a ajudar o mestre na questão com o Coronel Lula. Na estrada, o Capitão Vitorino sofre xingamento de um moleque e, pela primeira vez pegou o menino e quase lhe partiu a cabeça.

Capitão Silvino tomou o partido do mestre José Amaro na questão com o Coronel Lula. Enviou uma carta ao Santa Fé, mandando dizer que era para o coronel deixar José Amaro em paz nas suas terras. Para surpresa de D. Amélia, o coronel mostrou-se calmo com a notícia. Lula procurou ajuda no Santa Rosa, mas ninguém queria se meter com Antônio Silvino. Mesmo assim, insistiu e deu prazo de três dias para o mestre abandonar o lugar.

Vitorino chegou ao Santa Fé para falar de política com seu primo, o coronel. Lula ouviu calado e depois deu uma resposta malcriada. Vitorino se ofendeu, mas entrou na conversa sobre a expulsão do mestre. Os dois discutiram, o coronel pôs Vitorino para fora de sua casa e teve outro ataque.

Indo de madrugada para o Pilar com o intuito de defender seu amigo seleiro, Vitorino encontrou o Tenente Maurício que perguntou se o outro tinha alguma notícia do bando de Antônio Silvino. Vitorino respondeu duvidando da capacidade do tenente em pegar o bando. Eles discutiram, Vitorino enfrentou o tenente e foi preso, com a testa sangrando. O primo José Paulino, o juiz municipal, Dr. Samuel e outros senhores de engenho vieram em auxílio de Vitorino, contra o tenente, que não arredou pé de sua decisão. A partir disso, Vitorino passou a ser olhado com outros olhos pelo povo, como homem cheio de coragem, que não tinha medo de nada nem de ninguém. Correu a notícia pelo estado de que o ocorrido era por questões políticas. Vitorino era contra o governo, a favor do candidato Rego Barros. O Coronel Rego Barros mandou telegrama congratulando Vitorino por enfrentar a oposição.

O filho de Vitorino, Luís, chegou na Paraíba. Havia algum tempo, a mãe Adriana fez de tudo para enviar seu filho para a Marinha, queria que tivesse vida diferente do pai, longe dali evitaria que o filho sofresse humilhação pelos desatinos de Vitorino. Agora ele voltava como suboficial da Armada. Vitorino estava orgulhoso de apresentá-lo a todos. Era um homem diferente, não gritavam mais Papa-Rabo para ele. Luís queria que os pais fossem morar com ele no Rio. Vitorino, porém, se recusou, dizendo que sua vida estava ali naquele lugar. Adriana, entretanto, sentiu que aquele poderia ser o momento de se livrar da vida incerta que tinha com o marido.

O Capitão Antônio Silvino invadiu o Santa Fé. Amarraram o Floripes, que chorava de medo. O Capitão tinha ouvido as histórias sobre as moedas de ouro que o Capitão Tomás tinha deixado de herança e queria que Lula entregasse a botija. Mal sabia ele que nos últimos tempos o Santa Fé só sobrevivia porque o Coronel Lula ia, a cada ano, trocando as moedas no Recife. Não havia mais ouro nenhum, viviam na miséria. O Capitão não acreditou, vasculhou a casa, viraram o piano de pernas para o ar. O Coronel, já muito doente, não entendia bem o que estava acontecendo, parecia meio fora de si, quem respondia para o capitão era D. Amélia.

Foi quando apareceu Vitorino, pedindo que parassem com aquilo. Puxou o punhal em posição de ameaça, mas foi derrubado por uma coronhada de rifle. O Coronel José Paulino chegou e conseguiu convencer o Capitão Silvino de que seu vizinho não tinha dinheiro nenhum. Na sala, o Coronel Lula tinha tido mais um dos seus ataques e estava inconsciente.

A notícia do assalto do Santa Fé correu logo. Vitorino mais uma vez foi considerado herói. "Agora Vitorino podia dizer que furava de punhal, que eles acreditavam."

O Tenente Maurício prendeu o cego Torquato, queria que ele revelasse onde estava o bando dos cangaceiros. Na prisão o cego apanhou muito. Vitorino gritava do lado de fora contra a atitude do tenente. A casa de José Amaro foi cercada pela força policial. Sinhá tinha ido embora de vez naquele dia, para grande tristeza do mestre, que passou o dia largado na rede. Levaram o negro Passarinho e o mestre presos.

A sela da prisão do Pilar fedia com seus mais de dez presos. Vitorino não se conformou com a prisão do cego, do negro e de seu compadre. Pediu ajuda do juiz. No outro dia apresentaram-se para audiência e o juiz deu habeas-corpus aos presos. Vitorino saiu comemorando, mas o tenente disse que não soltaria os presos. Houve novo confronto entre Vitorino e o Tenente. Alguns homens da tropa cercaram Vitorino e o levaram para a cadeia. Lá, passaram-lhe o cipó-de-boi, mas Vitorino não parava de xingar o tenente, de gritar que tudo aquilo era uma canalhice.

Quem novamente resolveu a situação foi o Coronel José Paulino, do Santa Rosa. Adriana tratou de Vitorino. Pela primeira vez sentiu orgulho de seu marido. Deitado no quarto, o velho Vitorino pôs-se a imaginar o que faria quando eleito. Ia botar as coisas para funcionar direito. Todos teriam que obedecer à lei, não haveria mais regalias para os grandes, delegado não poderia mais fazer o que quisesse, nem estar a mando dos coronéis. Começou a imaginar quem iria colocar neste ou naquele cargo. Imaginou-se entrando na casa da Câmara com o povo dando vivas a ele. "Todos ficariam contentes com o seu triunfo."

No dia seguinte, o negro Passarinho chegou correndo à casa de Vitorino. Contou que durante a noite tinha escutado o seleiro chorar e chorou também. De manhã encontrou o mestre perto da tenda com a faca de cortar sola enfiada no peito.

Vitorino foi com Passarinho cuidar do defunto. Lá da estrada viram a chaminé do Santa Rosa soltando fumaça. Da chaminé do Santa Fé, coberta de plantas, nada saía: o engenho já não funcionava, estava de fogo morto.

Fonte:
Biblioteca Eletrônica. Magister Tecnologias. Bandeirantes Industria Gráfica. (CD ROM)

Monteiro Lobato (Cidades Mortas)

biografia de Monteiro Lobato postada em 20 de janeiro de 2008
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO ESCRITOR
- Escritor combativo e arrojado.
- Autor de contos, ensaio e crítica polêmica.
- Primeiro escritor a elaborar um projeto editorial para crianças.
- Defensor de uma língua sem a “gramatiquice” – o velório da língua.
- Defensor ardoso das riquezas brasileiras; famoso é o seu grito de guerra: O Petróleo é Nosso!
- Um aristocrata (menino de tempo do império) republicano.

ESPAÇO
Itaoca é uma cidadezinha qualquer do interior paulista onde o escritor ambienta suas histórias; nela, aparecem casas de tapera, ruas mal iluminadas, políticos corruptos, patriotas, ignorância, miséria. Representa todas as cidadezinhas que Lobato viu se afundarem no vale do Paraíba.

ESTRUTURA DA OBRA
Cidades Mortas, A vida em Oblivion, Os Perturbadores do Silêncio, Vidinha Ociosa, Cavalinhos, Noite de São João, O Pito do Reverendo, Pedro Pichorra, Cabelos Compridos, O Resto de Onça, Por Que Lopes se casou, Júri na Roça, Gens Ennyyeux, o Fígado Indiscreto, O Plágio, O Romance do Chopin, O Luzeiro Agrícola, A Cruz de Ouro, De Como Quebrei a Cabeça à Mulher do Melo, O Espião Alemão, Café Café, Toque Outra, Um Homem de Consciência, Anta que Berra, O Avô de Crispim, Era no Paraíso, Um Homem Honesto, O Rapto, A Nuvem de Gafanhotos, Tragédia de um Capão de Pintos.
ENREDOS

1. CIDADES MORTAS
Primeiro conto e nome da coletânea faz um retrato das cidades do Norte de São Paulo, no vale do Paraíba, nos áureos tempos do café: “Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas dantes”. Nos soberbos casarões, vivem plantas, umedecidas pelas goteiras; os móveis empoeirados ainda guardam o esplendor da época com seus candelabros azinhavrados, cujas dezoito velas não se acendem e tudo cheira a bolor e velhice: “São os palácios mortos da cidade morta”. Largado numa praça, encontra-se o antigo teatro, que nos áureos tempos recebeu grandes artistas. Os ricos mudaram-se para o Rio, São Paulo e Europa e os que ficaram amargam uma vida sem horizonte. A única ligação com o mundo se resume no “cordão umbilical do correio”. Tudo contribui para o aspecto de abandono, pois as cidades não têm som que indique vida; só os velhos sons coloniais ainda restam – “o sino, o chilreio das andorinhas na torre da igreja, o rechino dos carros de boi, o cincerro das tropas raras, o taralhar das baitacas que em bando rumoroso cruzam e recruzam o céu”. Tal desolação é maior na área urbana, mas o campo também dá sinais de pouca vitalidade.

2. A VIDA EM OBLIVION
Referência à cidade onde morou, batizada de Oblivion, de onde partiram sues filhos atraídos por novas terras, permanecendo ali “os de vontade anemiada, débeis, faquirianos.” “Mesmeiros”, que todos os dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada propriedade, lamuriam o presente e pitam – pitam longos cigarrões de palha, matadores do tempo”.

Entre as originalidades de Oblivion, figuram alguns livros e entre eles a obra a ILHA MALDITA de Bernardo Guimarães: “Lê-lo é ir para o mato, para a roça”, mas não uma roça autenticamente brasileira e sim enfeitada de moças refinadas e termos citadinos. “Bernardo falsifica nosso mato... ele mente.” O autor ridiculariza os poucos livros ali existentes e a alienação de seus moradores.

3. PERTUBADORES DO SILÊNCIO
A permanente quietude da cidade é apenas quebrada por alguns “perturbadores”: o sino da igreja, a capina das ruas com seu raspar das enxadas, o coaxar dos sapos. “A algazarra das crianças à saída do grupo escolar e ainda o ranger dos ferros do carrinho da Câmara, coma uma roda só.”

4. A VIDINHA OCIOSA
Em Apólogo ironiza o mal da nossa raça: preguiça de pensar “dizendo que cem fazendeiros em cinco minutos pipocavam os machados nas perobas, mas não seriam capazes de se deter meia hora sobre um papel”.

Em A mesmice mostra os dois motivos que “mantêm a cidade: a botica (fonte de mexerico permanente) e o jogo.

A folhinha – referência ao calendário de parede que distingue os dias da semana do domingo, quando as praças se movimentam e os bares vendem mais pinga.
Touradas – o antigo velódromo foi transformado em circo de touros com apresentações aos populares que se dividem em torcidas.

A enxada e o parafuso – recurso usado no teatrinho da cidade para dar início ao espetáculo; quando um mambembe forasteiro quis substituí-la por três pancadinhas no assoalho dizendo ser moda em Paris, o povo não aceitou, “cada terra com seu uso”.
Rabulices – relata o dia em que os advogados e rábulas se reúnem para a sessão de Júri discorrendo lentamente sobre seus conhecimentos, fazendo daquele um momento de “interminável prosa sobre processos, atos judiciários, movimentos forenses, nomeações, negócios profissionais, pilhérias jurídicas.

Pé no chão – história pitoresca de uma criança e o uso de apenas um pé de sapato, pois a escola não admite aluno descalço, enquanto o outro é guardado, assim o par de botina dura o dobro. Tudo isso em nome da “inconomia”.

Barquinho de papel – costume antigo usado por crianças, após a chuva: barquinhos de papel são colocados na enxurrada, e até os namorados se valem desse costume para mandar mensagens de amor.

O herege – referência às brincadeiras das crianças: ciranda, pegador, a senhora pastora, cantigas de perguntas e respostas.

Juquita – menino travesso, terror dos animais pequenos.

O Jesuíno – outro herói daquela esquecida cidade: o oficial de justiça, cheio de histórias para contar sobre suas atividades e como os intimados o recebem.

5. CAVALINHOS
Em tom de saudade, Lauro rememora os tempos em que o pai os levava ao circo de cavalinhos; o palhaço e suas cambalhotas, as músicas, os tabuleiros de doces... “O encanto de tudo aquilo, porém, estava morto, tanto é certo que a beleza das coisas não reside nelas, senão na gente”.

6. A NOITE DE SÃO JOÃO
Ainda persistem algumas tradições e, entre elas, a festa ao redor da fogueira, onde se confraternizam os fandanguistas – “Um dilúvio de pés estanguidos – pés de marmanjões, pés calçados e pés-no-chão, pezinhos de crianças, pés brancos, pés pretos e pés mulatos – das criadinhas e molecotes crias de casa” – Ao som da “sanfona que gemia cadenciada”, mas súbito, “chiou ao longe um buscapé de limalha que, qual raio epilético, enveredou pelo meio do povo aos corcovos, criando o pânico e debandada”. Gengibrada em bules fumegantes e um balão que sobe na noite: “Bonito! Parece o Vesúvio!”

7. O PITO DO REVERENDO
Aguardando importante hóspede em sua casa, o reverendo de Itaoca vê a caseira arrumar tudo, do chão ao teto, preparar o melhor prato e imagina seus tristes dias de abstinência sem o prazer de seu pito. Quando o visitante chega, de ilustre não tinha nada, e o “padre sorveu de um trago o café e refloriu a cara de todos os sorrisos de beatitude; desabotoou a batina, atirou com os pés para acima da mesa, expeliu um suculento arroto de bem-aventurança e berrou para a cozinha: Maria, dá cá o pito”.

8. PEDRO PICHORRA
História de um menino que aos doze anos ganhara sua faca de ponta, sinal de virilidade. Porém, de volta de uma cavalgada até um sítio vizinho, e já quase de noite, sua égua empina a orelha e passarinha; isto era um sinal de saci, E o medo lhe mostrou um “saci de braços espichados, barrigudo, com um olho de fogo que passeava pelo corpo”. Em casa, após o pai ter-lhe tomado a faca e lhe dizer que ele ainda usaria o canivete, explica o ocorrido. “A velha Miquelina havia deitado naquele dia a pichorra d’água a refrescar ao relento à beira do barranco, e um vaga-lume-guaçu pousara nela por acaso, justamente quando o menino ia passando...” Daí em diante passou a se chamar Pedro Pichorra.

9. CABELOS COMPRIDOS
Das Dores é ironicamente retratada: uma moça feia e desengraçada, cujo único atributo são os longos cabelos, inversamente proporcionais às usa idéias; repetia fórmulas prontas e não se dava ao trabalho de pensar e de ter seus conceitos próprios, Assim era vista como “Coitada das Das Dores, tão boazinha...”Apenas isso: boazinha. O cúmulo se deu quando um padre que viera à cidade recomendou ser necessário refletir em cada palavra da oração para que elas tivessem efeito. Foi o que Das Dores fez, passou a soletrar palavra por palavra do Pai Nosso e buscar seus mais variados significados, concluindo pela primeira vez, que aquilo era uma asneira.

10. O RESTO DA ONÇA
O autor se declara avesso aos contos formais que tornam difíceis a leitura e compreensão; assim, para avaliar um bom conto, pede que sua cozinheira, que tem paladar apurado, faça a leitura e dê a opinião a respeito. A história de um caçador da região ilustra o fato – Resto de Onça, é o nome de um corajoso homem, ou o que dele restou em confronto com uma onça. Dessa forma, a narrativa popular, com um devido trato supera as histórias com “a arquimaçadora psicologia do Sr. Alberto de Oliveira”.

11. POR QUE LOPES SE CASOU
Lopes e Lucas eram dois amigos desde a infância; Lucas está casado, com doze filhos e amarga uma triste vida doméstica: seu lar é uma praça de guerra e a esposa o avesso da noiva, a que ele dedicara tantos versos, sonetos e serenatas, além de enfrentar sua família que era contra o casamento. Depois de ouvir os desabafos de Lucas, Lopes resolveu se casar: “Se tinha de acabar como o Lucas, levasse sobre ele, ao menos a vantagem de menor cópia de versos à futura cascavel”. Porque lhe pareceu que o maior sofrimento do Lucas havia de ser o remorso da enorme bagagem de versos pré-nupciais. E era”.

12. JÚRI DA ROÇA
Há possibilidade de este conto ser a transposição do único caso em que o advogado Lobato tomou parte, quando era promotor em Areias – um júri é um acontecimento imperdível; todos querem estar presentes; no início o espaço é disputado, mas com o passar do tempo e a longa exposição do advogado, aproximadamente por seis horas, o recinto vai-se esvaziando e, já alta noite, quando os jurados se reúnem, sem saber como apresentar o resultado e o juiz os convoca à nova reclusão, o final é hilariante: encontraram sobre a mesa dos jurados um bilhete dizendo que o réu fora condenado à pena “maquecimo” (máxima – dedução do Juiz) que se espanta com a janela aberta por onde fugiram os jurados. Na sala principal, o juiz acorda os policiais para procurarem o réu, que também havia fugido. Eram três horas da madrugada!

13. GENS ENNUYEUX
Relato crítico de uma enfadonha sessão científica, prestigiada pelas pessoas cultas da cidade, envergando suas sobrecasacas e aparentando enormes o interesse pelo assunto. Com o decorrer da conferência, todos esboçam bocejo e a platéia perde sua pose inicial.

14. O FÍGADO INDISCRETO
Conto que relata com muito humor os apuros de um jovem quando foi jantar em casa de sua futura noiva, e lhe foi servido bife de fígado, iguaria a que ele detestava. Consegue engoli-lo quase por inteiro e a futura sogra interpreta como se ele apreciasse aquele tipo de bife e coloca outro em seu prato. Não conseguindo repetir o feito, o rapaz o coloca no bolso; ao tirar o lenço; o bife cai no chão, e ele tenta desviar a atenção de todos declamando inúmeras poesias, mas, por fim, todos percebem e ele passa a maior vergonha. Além disso, o noivado se desfaz e o pai da noiva passa a dizer: “é um bom rapaz, mas com um grave defeito: quando gostava de um prato não se contentava de comer e repetir – ainda levava escondido no bolso o que podia” – Inácio, o noivo, teve de mudar de terra.

15. O PLÁGIO
Ernesto era um escrivão com interesses literário. Um dia leu o final de um romance e as palavras colaram em seu cérebro de tal forma que ele resolveu escrever para o jornal um conto com aquele soberbo final. Fez e recebeu dos amigos e conhecidos elogios ao texto e principalmente à beleza das palavras finais. Temendo que alguém encontrasse o livro original e descobrisse o plágio, comprou os volumes que encontrou e os queimou para espanto da esposa. Receoso de que os elogios insistentes eram referência proposital ao que fizera, via perigo e armação em todos; afastou-se do convívio das pessoas, emagreceu, adoeceu. O tempo passou e Ernesto sobreviveu. Já era major, tinha seis filhos e continuava a fazer literatura – clandestinamente, embora. “Moralidade há nas fábulas. Na vida, muito pouca – ou nenhuma.”

16. O ROMANCE DO CHOPIM
Um dia, antes do início de uma sessão de cinema, uns amigos vêem um curioso casal entrando na sala. “Ele bem mais moço, tinha um ar vexado e submisso de coisa humana, em singular contraste com o ar mandão da companheira. O estranho casal residia sobretudo nisso, no ar de cada um, senhoril do lado fraco, servil do lado forte. Inquilino e senhoria, quem manda e quem obedece; quem dá e quem recebe”. Um dos amigos aponta o homem com o beiço e murmura: - “Um chopim. – Chopim? – Quer dizer: marido de professora. O povo alcunha-os desse modo por analogia com o passarinho preto que vive à custa do tico-tico”.

17. O LUZEIRO AGRÍCOLA
Crítica a um funcionário público e por extensão ao Ministério da Agricultura por sua prática de órgão sem objetivos e gastador do dinheiro público. Um jovem poeta torna-se funcionário desse órgão e o seu chefe lhe dá como incumbência fazer um relatório. Sobre o quê, pergunta ele. Isso não importa. Você escolhe o assunto, faz o relatório e manda publicá-lo, há uma verba destinada para tal fim. Após pensar muito a respeito, pesquisar isso e aquilo, Sizenando Capistrano descobre, após a esposa lhe jogar na cara um prato de beldroega, que este era o vegetal que procurava! Gastou dois anos entre estudos, elaboração do relatório e sua publicação. Tudo pronto, vai ao ministro livrar-se da incumbência, quando ouve a seguinte resposta: “Mande a papelada para o forno de incineração da Casa da Moeda”. “Que queria que e fizesse de cinco mil exemplares de um relatório sobre a beldroega?... o mais prático é passar da tipografia ao forno”. Diante da estupefação do funcionário que pergunta ao Ministro o que faria depois, ouve o seguinte: - Escreva outro relatório . – Para ser queimado novamente? – É claro, homem!”

18. A CRUZ DE OURO
Dois coronéis do café (título recebido por terem atingido 10 mil arrobas de café) se encontram e falam sobre suas doenças e seus familiares. Um deles conta que a filha está de namoro com um rapaz pobre mas de boa família, o outro discorda dizendo que ele é primo de Chiquinho, um rapaz que deu um convite para Cruz de Ouro, uma prostituta, comparecer a um espetáculo no clube da Recreativa. Os dois comentam o absurdo de tal presença num local freqüentado por familiares. Ao sair da casa do amigo, o velho coronel se dirige à casa de Cruz de Ouro e tem dificuldade de marcar um encontro: a agenda dela está cheia, inclusive com o nome do outro coronel amigo.

19. DE COMO QUEBREI A CABEÇA À MULHER DO MELO
Convidado para jantar em casa de amigos, um homem explica que não gosta desse tipo de convite porque tem hábitos próprios: comer quando e o que deseja à hora que quiser – o que não ocorreria em casa alheia, sujeito a horários e a cardápios estranhos. Essa recusa nascera de uma fatídica visita à casa de Melo – a anfitriã, desejosa de ser muito solícita, vai colocando iguarias no prato do visitante que protesta, mas com grande esforço consegue engolir; em dado momento, Melo corta o leitão e a esposa espeta um pedaço de carne e se dirige ao seu hóspede que não sabe como pegou uma garrafa e acertou-a na cabeça da mulher.

20. O ESPIÃO ALEMÃO
Conto que traduz com muito humor o espírito anti-germânico predominante no período da Primeira Guerra. Itaoca fora palco de um incidente singular; uma noite, um estranho vulto, de cabelos ruivos, com um saco às costas, provavelmente parte de um disfarce, foi visto na cidade. Forma acionadas as autoridades que após inúmeros esforços conseguem capturar o inimigo. Este não diz uma palavra compreensível, apenas repete “Ai eme inglix” que na tradução do padre local e pessoa mais culta do lugar significava “estou com fome”. Levado com escolta para a capital, após despedidas, choros e discursos dos que temiam um ataque dos cúmplices do espião, a cidade sente-se temerosa, porém participante da insana II Guerra Mundial. Até que alguns dias depois chegou um telegrama ao chefe de polícia com a seguinte mensagem: “Verificamos prisioneiro súdito inglês. Receios complicação diplomática. Guardem reserva grotesco incidente”. O coronel José Pedro, não dando braço a torcer, comunicou que recebera um telegrama confidencial “O caso é mais grave do que supus”. Assim, passou a história de Itacoca a certeza de que aquela cidade fora realmente palco de uma ação bélica.

21. CAFÉ CAFÉ
Relato que reproduz o espírito do homem da terra obcecado pela monocultura do café. Acostumado a vender sua safra por trinta e cinco a quarenta mil réis, não aceitava a queda dos preços que chagava a quatro mil réis. Nem tampouco aceitava a sugestão de cultivar outro cereal. “O homem encolorizava-se e rugia: - Não! Só café! Há de subir muito. Sempre foi assim. Só café!” E mantendo-se obstinadamente nessa idéia viu suas terras perderem o valor, os empregados serem dispensados e as contas levarem parte de sua fazenda.

22. TOQUE OUTRA
Sátira de Monteiro Lobato ao vazio constante nas salas da cidadezinha de Itaoca, preenchidos pelas intermináveis fofocas. Assim, o pedido para que uma jovem tocasse piano era um pretexto para as matronas “abafando o tom geral da palestra”, afundarem nas conversas preferidas: - os criados! Por isso, quando a música terminava, gritavam em coro; “Muito bem, sinhazinha, muito bem! Toque outra!...

23. UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA
João Teodoro relembra com saudades os bons tempos de Itaoca; “- Isto já foi muito melhor... já teve três médicos bem bons; agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como Tenório. Nem circo de cavalinho bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho...”Homem pacato e modesto. Honesto e leal, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Um dia foi nomeado delegado. “Delegado, ele!... Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seriíssima. Não há cargo mais importante”. Diante disso, e para surpresa de todos, foi embora da cidade.

24. ANTA QUE BERRA
O major Pedro Falaverdade era o maior contador de histórias de caçada “...ele não mentia: atrapalhava-se às vezes, confundia uma caça com outra...”Seus cachorros eram adestrados e Mozart, o mestre da matilha, latia anunciando o tipo de animal que levantara: “Um sinal, paca; dois, veado; três, porco; quatro, anta”. Uma vez o cachorro latira quatro vezes e o major engatilhou sua “Lafourché” à espera da anta que, abatida, “desferiu um berro que parecia fim do mundo”. – “Será que anta berra, major?” – “Ora, que diabo! Estou confundindo. Não era propriamente anta o que eu caçava nesse dia, era um veado!”

25. O AVÔ DE CRISPIM
Crispim Paradeda viva contando história de seu avô. Este viera de Portugal disfarçado de jesuíta, meteu-se pelo interior onde juntou um bom dinheiro vendendo “osso de santo e tabuinhas aplainadas por São José”. Jogou fora a batina e se instalou em uma propriedade que comprara aumentando sua riqueza com a venda de gado. Emprestava dinheiro, até que após alguns calotes, resolveu fechar o cofre e muito esperto, passou a adotar o seguinte lema: “Perder o meu dinheiro não me parece pior, porque, graças a Deus tenho-o de sobra. Mas perder um amigo? Isso nunca!”

26.ERA NO PARAÍSO
Uma fábula satirizando a formação do universo e a origem do homem, que surgiu de um macaco. Este, bateu a cabeça numa pedra ao cair de uma árvore e, a partir dessa lesão, começou a ser inteligente, ou seja, tornou-se Adão; a macaca Eva “permanecia muda ao lado embevecida no macho pensante. Não o compreendia – mas admirava-o, imitava-o e obedecia-lhe passivamente”. Juntos encontraram uma toca e ficaram donos.

27. UM HOMEM HONESTO
Aventura e desventura de João Pereira, um homem verdadeiramente honesto; desde jovem tinha o caráter firme, casou-se, teve duas filhas e mantinha a família à custa de muito trabalho e dignidade. Um dia, de volta de uma viagem de primeira classe, paga por um parente que não aceitou seu bilhete de segunda, João admirava as vantagens e comodidades dos bens aquinhoados da vida: os ricos. Ao descer, percebeu que esquecera seu jornal e voltou para pegá-lo quando encontrou no chão do vagão, um pacote; apalpando-o percebeu que era dinheiro – muito dinheiro. Correu ao chefe da estação e, para surpresa dos presentes, entregou a fortuna. O fato foi parar nos jornais,, que elogiaram o seu gesto e a sua incrível honestidade. Em casa, João deparou com a mulher e as filhas, a princípio concordando com sua atitude, sem saber o verdadeiro montante do pacote; a saberem, ficaram totalmente transtornadas pela loucura do pai – honeeesto! Debochavam de sua cabeça e ingenuidade; o mesmo acontecia no escritório, onde os colegas passaram a evitá-lo e a referir-se a ele como um coitado. Faziam piadas e, ainda a família repetia os risos da vizinhança. Não agüentando mais, ao ser chamado de João Trouxa, o último homem honesto matou-se com um tiro em seu quarto.

28. O RAPTO
Um médico oftalmologista conta a história de um cego, que assim ficara por apanhar muito dos três filhos que viviam com ele sem fazer nada para o sustento da família. O pai fora um homem de recursos, mas, aos poucos vendera tudo até conhecer a miséria total e ainda a cegueira. Abandonado pelos filhos, começou a viver da caridade alheia, o que lhe dava um certo bem-estar: comida, roupas e até chapéus. Humildes, os filhos voltaram porque a situação do pai, de agora, era melhor que a de antes. O médico, ao saber dos fatos, comovido coma a situação do pobre cego, ofereceu-lhe tratamento, por meio de uma cirurgia que lhe devolveria a visão. Tudo acertado para o dia seguinte, o médico foi à procura do paciente que não aparecera. E não apareceria mais, pois os filhos, temerosos de perderem a ajuda que o pai cego recebia e que lhes rendia uma vida boa, raptaram-no.

29. A NUVEM DE GAFANHOTOS
Venâncio, funcionário público, era apaixonado por agricultura, lia livros e publicações a respeito e depois deitava seu conhecimento em todos os lugares por que passava. Chegou a se imaginar ministro da agricultura, após elogios de um coronel da terra sobre seus conceitos e sugestões. Fiel à loteria, cuja a sorte um dia lhe daria a oportunidade de Ter uma fazenda modelo para visitação pública, foi contemplado com vinte mil réis, com os quais comprou um sítio de quinze deixando o restante para ser pago depois. Com cinco mil, investiu na compra de matrizes de aves e porcos de raça, implementos agrícolas e sementes para transformar a velha terra cansada na prosperidade de seus sonhos. Um dia recebeu a carta de um parente do Rio, certo de que ele ganhara uns duzentos contos, anunciando sua visita com a família e de sobra, mais três jovens amigas e duas empregadas – ao todo onze pessoas que ao cabo de três meses devoram-lhe o pomar, a horta e se fartaram de toda a criação, inclusive as mais novinhas. Desolado, Venâncio sonha com uma nuvem de gafanhoto que lhe toma todo o sítio. Após a partida do gafanhoto-mor e sua equipe, restou ao sitiante e esposa a única saída: voltara para a cidade e à antiga condição de funcionário público. Sobre o assunto de agricultura nem se interessava mais e se alguém “falava perto dele em pragas da lavoura, geada, ferrugem, curuquê ou que seja, sorria melancolicamente, murmurando de si para si: - Conheço uma muito pior..”

30. TRAGÉDIA DE UM CAPÃO DE PINTOS
Neste conto, Monteiro Lobato, dá vida aos animais de um sítio, humanizando-os; conta a história de um galo-capão que criava aves de ninhadas diferentes: tonou-se pai de um peru, de um pito e dum marreco. Viu-os crescer e depois serem pratos na mesa dos humanos. Tentava decifrar as palavras proferidas pela dona-de-casa: “estar no ponto”, “pedindo panela”, e “amanhã temos peru” que lhe revelaram a insana intenção de fazer dos seus filhos comida apetitosa. Depois desses acontecimentos, tornou-se um galo triste e jururu. O negro da fazenda colocou-o para aquecer uma ninhada de dez pintos nascidos na véspera; nas altas horas abandonou-os ao frio da noite, não queira mais exercer a profissão de mãe. “Para quê? – Se têm de morrer na cozinha, morram agora enquanto não lhes tenho amor.” Os pintinhos amanheceram mortos, entanguidos de frio. E o castigo do galo-peva foi a panela, e para espanto e tristeza dos outros animais, no fundo da horta, jaziam seus despojos. Horríveis. “Um urubu pousado ali perto não pensava assim”.

IDÉIA E ESTILO
Cidades Mortas está entre as primeiras obras que correm o país em livro. Seus contos ambientam-se em uma cidadezinha do inteiror paulista do vale do Paraíba, o que justifica o cunho regionalista de sua obra.

No entanto, seus personagens são típicos brasileiros, envolvidos em situações engraçadas, vivendo acontecimentos cômicos que quebram a monotonia da vida de Oblivion e Itaoca, cidades onde o tempo parou.

A intenção do autor ao penetrar nessas vidas é fazer uma crítica, embora elegante e sutil. Mas, às vezes, é saudosista, quando resgata acontecimentos trazidos da sua infância feliz. Alguns contos têm desfecho surpreendente, outras questionam valores de moralidade e o comportamento na sociedade.

Polêmico e criticado por suas idéias políticas e culturais, Lobato mostrou-se um inovador no plano da linguagem, pois acreditava que a imposição das regras contrariava a lei da evolução. “Que é a língua dum país? É a mais bela obra coletiva desse país.” Defendia a idéia de que não “há lei humana que dirija uma língua, porque língua é fenômeno natural, como a oferta e a procura, como o crescimento da crianças, como a
senilidade”.

Em Cidades Mortas nota-se a liberdade de vocabulário, e emprego de expressões que caracterizam aquelas cidades como “velha avó entrevada”, que “foi rica um dia e hoje é quieta”. São “história sobre gente medíocre, sonolenta, vivendo um sossego que é como o frio nas regiões árticas: uma permanente.”

- Em vários contos emprega onomatopéias
“E toca: blem, blem, belelém...”
“- um, dois, três: glug! Rodou, esôfago abaixo...”
“- Dlin, dlin, dlin!... está aberta a sessão”
“Novo psst!”
“- Logo em seguida, porém, toc, toc, toc...”?“

- Cria palavras e expressões – neologismos –
“Lucas amou-a em regra e sonetou-a inteira dos cabelos aos pés
“... o promotor fala e refala;”
“... Um manotaço de unha na cara...
“... todo o rodapé dos jornais e albertizou-se durante meia hora.
“...É feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima”
“Diz e rediz.”

- Emprega gírias e palavras da época, e do interior, hoje em desuso.
“- Mamãe, o carrinho e vem vindo!”
“- Salvam-na a botica (a farmácia) e o jogo”.
“- deitou o sojeito no chão”- “o povo pedia o paiaço...”.
“- os filhos vinheram...”
“- Mas parece que o sujeitinho levou tábuas...” (foi recusado)
“Se ele quiser vinte e três mil-réis...”
“Ela não deseste da porca.”
“É, a tese é catita;”
“Os home! ... não há de ter um descansinho na somana?”
u Faz algumas considerações com provérbios
“Impossível negar as vantagens sociais da música”.
“Ladrão é quem furta um, quem pega mil é barão.”
“O segredo de todas as vitórias está em ser um homem do seu tempo...”
“Cada roca tem seu fuso”.

- Com humor, compõe alguns nomes de personagens.
“Dona Fafá, dona Fifi, dona Fufu”.
“Três filhas: Bibi, Babá, Bubu”.
“Só Adão, o macaco lesado...”- “Eva, a macaca ilesa,”
“- Parzinho jeitoso, a Miloca e o Lulu, não?”

Com objetividade, clareza, espírito jocoso e pitoresco Monteiro Lobato foi um “criador sempre feliz em observar seus personagens caminhando com suas próprias pernas, segundo suas próprias cabeças. Cidades Mortas é uma fotografia: o real visto pela lente lobatiana”.
Monteiro Lobato - que ironia – um escritor de luz própria, independente, arrojado e por tanto tempo incompreendido e até mesmo boicotado.
“ Isso acontece com aqueles que, como ele, estão muito à frente de sue tempo”.
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Fonte:
*Maria Jerusa Rodrigues Marinho (professora de Português de cursos preparatórios de vestibulares em Campo Grande-MS).
In Biblioteca Eletrônica. Magister Tecnologias. Bandeirantes Industria Gráfica. (CD ROM)

Educação (Características das Escolas)

Introdução

Nas últimas décadas tem-se debatido, em muitos países do mundo inteiro, duas grandes questões:

1- Quais são as características de escolas eficazes?

2- De que forma se pode aumentar a eficácia das escolas menos eficazes?

A primeira questão é importante para se saber o que devemos implementar nas escolas se queremos que mais alunos aprendam mais.

Mas, respondida esta questão, a segunda mais importante é: quais são as medidas a serem tomadas, dentro da escola e no exterior, para que a implementação se torne um êxito? As respostas a estas perguntas são extremamente significativas para todas as partes envolvidas nos esforços de aperfeiçoamento da qualidade do ensino.

Neste trabalho, vamos oferecer uma descrição concisa da situação atual.

Definição de Escola

Termo usado para designar qualquer estabelecimento de ensino, não importando seu nível ou categoria. Quando não se específica o sentido da palavra, significa escola primária.

A generalização da escola de nível elementar é uma conquista do século XX. Nela, o ensino é gratuito e compulsório até os 14 ou 15 anos de idade. Diversos países consagram tais princípios em suas constituições. A organização da escola sofre, em geral, os efeitos das diferenças raciais existentes, muitas vezes, dentro de uma mesma nação. Também as diferenças de classes determinam a existência de tipos de escolas distintos. É o que acontece, principalmente, com as escolas de nível médio e superior, cuja freqüência, na maioria dos países, constitui privilégio das classes dominantes. A diversidade de localização da escola rural, por exemplo, deve seguir orientação diversa da adotada por um estabelecimento educacional urbano.

A maior parte das escolas primárias pertence ao Estado; mas instituições particulares ou de natureza religiosa e filantrópica também ministram o ensino nesse tipo de estabelecimento, ainda que em menor grau.

Escolas ao Ar Livre: Fundadas no início do século, em alguns países, com o objetivo de auxiliar na recuperação de crianças enfraquecidas. Proporcionam instrução, assistência médica, dieta racional, repouso e trabalho dosados, banhos de sol, etc.. Hoje já existem escolas de ar condicionado, mantidas a temperatura constante, especial para crianças predispostas à tuberculose ou raquíticas.

Escolas Correcionais: Criadas com o fim de reajustar os menores delinqüentes, evoluíram de meros cárceres para instituições em que se procura orientar e recuperar o menor. As melhores escolas desse tipo são as que se localizam no campo, em meio a um ambiente de liberdade vigiada. Ainda existem, entretanto, as escolas de tipo cárcere, que são verdadeiras escolas de crime, onde os jovens delinqüentes adquirem novos vícios, ao invés de corrigir-se. Modernamente, sabe-se que é preciso considerar o menor delinqüente como um enfermo que necessita de tratamento físico, psicológico e pedagógico apropriado.

Escolas Populares Superiores: Fundadas na Dinamarca, em meados do século XIX, pelo bispo N.F.S. Grundtvig e o educador Krister Kold, com o objetivo de “ensinar os jovens a amar a Deus, a seus semelhantes e a seus pais”, exerceram grande influência na elevação do nível cultural do povo. São internatos para jovens de ambos os sexos e funcionam anualmente em períodos de três a cinco meses, na época em que os camponeses estão menos ocupados com suas tarefas agrícolas. Além de disciplinas que ajudem a resolver os problemas econômicos das pequenas granjas, são lecionadas também outras de cultura geral. Estas escolas têm dado grande impulso ao movimento cooperativista da Dinamarca.

Escolas Vocacionais: Essa expressão, usada a princípio nos países saxões, designa na América Latina dois tipos de escolas: as que procuram descobrir as aptidões dos alunos e as escolas profissionais ou técnicas em que as vocações dos alunos já estão definidas. Nas primeiras, os alunos estudam várias disciplinas a fim de escolher aquelas que estejam de acordo com as suas tendências. Nas segundas, são treinados em diversas técnicas, visando à especialização. Algumas empresas industriais mantém as suas expensas escolas vocacionais para seus aprendizes.

Escolas Técnicas Industriais: O progresso da indústria determinou o desenvolvimento desses estabelecimentos de ensino, destinados a preparar operários especializados e técnicos para os diversos ramos das atividades industriais. Apareceram na Europa nas primeiras décadas do século XIX e em meados desse já existiam em quase todos os países do Ocidente. De acordo com a especialização, seu ensino se equipara ao de nível primário, secundário, ou superior. É grande a variedade dos seus programas, uma vez que abrange todas as manifestações de técnica, desde os trabalhos domésticos até à construção de motores e montagem de complicados aparelhos.

Escolas Infantis e Escola Ativa-Direta: Surgiram no princípio deste século, para atender à necessidade de educar e cuidar das crianças de 2 a 7 anos, filhos de pais que passavam o dia trabalhando nas fábricas. Limitavam-se inicialmente a tomar conta das crianças, como ocorria na Inglaterra, quando foram fundadas em 1900. Nos EUA, as primeiras nursery school que surgiram eram destinadas a filhos de pais ricos, a maioria filhos únicos que necessitavam da companhia de outras crianças para melhor se desenvolver e da orientação de professores especializados. Muitas dessas instituições eram patrocinadas também pelas escolas normais e universidades, como centro de estudos experimentais psicopedagógicos. Vários acontecimentos históricos, tais como as duas guerras mundiais e a crise econômica de 1929, determinaram maior desenvolvimento desses centros. Só no ano de 1933, nos EUA, foram fundados 3000 centros infantis públicos para abrigar os filhos de pais pobres. Proporcionavam gratuitamente alimentação, instrução e divertimento sadios às crianças.

Na América Latina, os trabalhos pedagógicos de Maria Montessori trouxeram valiosa contribuição a esse tipo de estabelecimento. Salientando a importância dos primeiros anos na formação integral do homem, Montessori demonstrou que os centros infantis não eram apenas caprichos de pessoas ricas ou obras de caráter assistencial. Mesmo tendo sido comprovada a sua grande importância, a escola infantil ou jardim de infância ainda não faz parte de nenhum sistema público e gratuito. Existem em maior número na França, sob a denominação de escolas maternais.

Muitos pedagogos rejeitam a denominação de “escola” para essas instituições, pois o termo pressupõe aprendizagem metódica, o que não representa o objetivo dos centro infantis, que visam a auxiliar o desenvolvimento harmonioso da criança, mas de forma natural e espontânea. Os princípios por que se regem são os mesmos da escola nova: (a) atmosfera de liberdade vigiada; (b) atividades variadas escolhidas pelo próprio aluno, que deve ser auxiliado, se necessário, na sua execução; (c) em vez de ensino verbalista, ensino pelo método ativo, “aprender fazendo”; (d) substituição dos castigos pelos conselhos e pelo exemplo (e) respeito às peculiaridades de cada criança. Podem-se resumir os objetivos das escolas infantis no seguinte: proporcionar às crianças uma vida física e mental saudável, levá-las a adquirir confiança em si mesmas e nos que as rodeiam, estimular sua iniciativa e capacidade criadora, ensinar-lhes a viver com outras pessoas e criar hábitos e aptidões que auxiliem seu desenvolvimento.

Escolas-Jardins: Uma das experiências mais importantes no âmbito da educação das crianças é, sem dúvida, a escola-jardim, concebida por Froebel, com o objetivo de ensinar a criança através do contato com as coisas da natureza. Ao cultivar as plantas podem observar o ciclo vital do crescimento e aprender geografia ao tomar conhecimento dos métodos de cultivo e do comércio dos produtos. Acompanhado as diversas fases do crescimento, verificam a influência das condições atmosféricas sobre as plantas. Esse método faz com que a criança adquira o hábito da observação.

Escolas no Brasil: O conceito tradicional de escola como instituição encarregada apenas da transmissão de conhecimentos está há muito ultrapassado. As rápidas e incessantes transformações técnico-científica e a complexidade da realidade socio-econômica exigem contínuo ajustamento dos objetivos e métodos de atuação da escola.

É dentro dessa mentalidade e atendendo às necessidades dela decorrentes que se desenvolveram a supervisão pedagógica e a orientação educacional. A primeira, com o objetivo de planejar e adequar as metodologias aos objetivos, suprir as necessidades do corpo docente, rever, avaliar, prover a reciclagem, etc.. A segunda, como responsável pela assistência ao educando no seu desenvolvimento integral, sua aprendizagem, seu relacionamento e seu autoconhecimento, visando a proporcionar-lhes as condições necessárias a um desenvolvimento harmonioso que lhe permita decisões conscientes, tanto na vida em geral como no campo profissional. Atuam simultaneamente e coordenadamente no âmbito da escola, a supervisão pedagógica visando principalmente ao corpo docente, à organização e instâncias da escola, a orientação educacional atuando junto ao aluno, e sua família, mas também junto as fatores pedagógicos e administrativos da escola.

De acordo com a legislação de ensino em vigor no Brasil, o ensino é obrigatório dos 7 aos 17 anos de idade. O ensino de 1º grau abrange oito fases com sondagem, nas séries finais, de aptidões e iniciação para o trabalho. O ensino de 2º grau tem caráter profissionalizante, incluindo as escolas normais, que passam a ser como quaisquer outras escolas de 2º grau, oferecendo mais de uma habitação, uma das quais é a de professores para as quatro primeiras fases do 1º grau e para o 2º grau será feita em nível superior.

O ensino superior é acessível a todos que tenham completado a escola de primeiro e segundo graus ou curso supletivo correspondente, e que sejam classificados nos exames seletivos vestibulares, necessários devido ao pequeno número de lugares disponíveis nos estabelecimentos de ensino superior em relação à massa de candidatos. Polêmicos em sua própria natureza, a estrutura e conteúdo dos vestibulares vêm sendo modificados, tendendo a uma unificação de âmbito nacional.

As Características de Escolas Eficazes

Nume estudo recente, Reynolds e outros autores, (1996:36-56) apresentam uma síntese das características de escolas eficazes.

Escolas eficazes são escolas que conseguem motivar (quase) a totalidade dos seus alunos a aprender, tanto habilidades básicas, quanto habilidades metacognitivas.

A análise de um número considerável de pesquisas sobre eficiência das escolas resulta no seguinte quadro.

É importante que o aluno queira dedicar o maior tempo que lhe seja possível a atividades de aprendizagem, fazendo uso intensivo das oportunidades de ensino oferecidas. Isto evidencia que, no final das contas, o aluno é o fator determinante no processo. Como diz o provérbio americano: “You can bring the horse to the water, but you cannot make it drink”(É possível levar o cavalo à água, mas não se pode obrigá-lo a beber.).

Naturalmente, isto não altera o fato de que é necessário dar aos alunos a chance de despenderem tempo com os estudos. Um currículo sobrecarregado torna impossível a aprendizagem.

Outro fato importante é que é necessário fornecer aos alunos oportunidades concretas de aprenderem: materiais de estudo e livros atraentes e convidativos, por exemplo. O que nos leva automaticamente aos responsáveis por ofertar estas oportunidades de aprendizagem.

Em primeiro lugar, os professores nas salas de aula.

Importantes elementos do currículo são:
• Objetivo e conteúdo das lições claros e explícitos;
• Estrutura e transparência do conteúdo;
• O emprego de planos de aulas;
• A avaliação sistemática dos resultados do aluno, oferecendo o “feedback” positivo e instrução.

Além disso, a forma de agrupamentos dos alunos é importante. Ë preciso lembrar a eficácia dos grupos de trabalho depende, em muito, dos materiais diversificados de que o professores dispõe, da maneira como é feita a avaliação do modo como é dado o feedback e da forma como as informações suplementares são oferecidas.

Porém, o currículo e as formas de agrupamentos, em si mesmos, representam apenas condições. O fator mais importante é o próprio professor, o ser humano à frente da classe.

Em primeiro lugar ele (ou ela) pode influenciar o currículo e as formas de agrupamentos, embora esta possibilidade dependa do sistema de ensino, do país e da escola em questão. Nem todos os currículos realmente envolvem desde o início os seus professores em mudanças educacionais concretas.

E em muitos casos, o grande número de alunos por sala limita as variações nas formas de agrupamento.

No entanto, só o professor pode proporcionar:
• uma organização calma e ordenada da classe;
• uma forma bem planejada de acoplar o trabalho da classe às lições de casa;
• formulação precisa de objetivos, com ênfase em número limitado de metas, com muita atenção para as habilidades básicas e para a aprendizagem cognitiva;
• estruturação dos conteúdos curriculares, baseando-se nos conhecimentos que o aluno já possui;
• apresentações breves e compreensíveis, capazes de cativar a atenção do aluno;
• ênfase especial às perguntas dos alunos;
• após a apresentação de novo conteúdo, introduzir logo exercícios para que a matéria passe a ser praticada e integrada;
• muita atenção para a avaliação, feedback positivo, e instrução adiciona.

O papel do professor é essencial em qualquer forma de ensino onde se pretende que mais alunos aprendam mais. Porém, todas as pesquisas demonstram que, sozinho, o professor não conseguirá este objetivo. Ele precisa da escola.

Na escola são criadas as condições didáticas e organizacionais que permitem um bom desempenho do professor em sala de aula, com seus alunos.

São requisitos educacionais importante:
• consenso entre os membros do corpo docente e a direção da escola em termos de método didáticos, de material de ensino, de formas de agrupamentos, e de atitudes dos professores.;
• um sistema de avaliação dos resultados do aluno que facilite o acompanhamento do aluno durante todo o curso, evitando problemas ou corrigindo-os numa fase inicial.

São requisitos organizacionais importantes:
• uma cultura e uma filosofia na escola, voltadas à melhoria da eficácia do ensino, entre outras medidas, através de coordenação, supervisão (liderança) e profissionalismo;
• um planejamento sistemático e bem concebido das atividades de aprendizagem, combatendo as faltas de alunos e professores;
• muita atenção para estimular um ambiente calmo e ordenado na escola;
• consenso entre a direção e os professores no tocante à “missão” (função) da escola;
• existência, na escola, de um plano de trabalho bem definido;
• acordo acerca da progressão do aluno através do currículo, com atenção especial para a promoção de uma série para outra.

É preciso prestar muita atenção à coerência entre os vários componentes da equipe escolar. Todo o pessoal (tanto a direção como os docentes) deve estar disposto a assumir a responsabilidade pela coerência da escola.

Isto significa que a filosofia da escola não deve ser modificada muito freqüentemente. Os professores e a direção devem ter tempo para se familiarizar com a mudança. Esta realidade colide às vezes com as idéias e os interesses de determinadas partes interessadas no contexto da escola: as autoridades, os Conselhos de Educação, os pais, os empregadores. Outra conseqüência é que os diretores das escolas desempenham um papel muito importante no processo de inovação educacional.

Uma escola (e com certeza uma escola pública) nunca se encontra isolada no bairro, cidade ou região. A escola tem laços com os Conselhos de Educação, com as autoridades, com outras escolas, com empresas e instituições. Chamamos a isto o contexto da escola.

O contexto da escola pode contribuir para sua eficácia mediante;
• uma política da escola pode contribuir para sua eficácia mediante;
• um método sistemático de avaliar e de testar;
• formação e apoio aos docentes e à direção, visando a eficácia;
• financiamento das escolas com base nos resultados dos alunos (levando em conta os antecedentes e o meio social dos alunos).
Além disso, é o contexto que deve dar as diretrizes para lidar com o tempo necessário ao ensino.

E, por fim, o contexto pode promover a eficácia, proporcionando um currículo nacional e recursos a ele associados.

Resumindo, podemos dizer que os professores dispõem de muitas possibilidades para estimular os alunos para que aprendam mais, desde que a escola crie, de forma consistente, as condições didáticas e organizacionais necessárias. Além disso, o contexto pode contribuir, formulando requisitos recursos.

Aumentar a Eficácia das Escolas

Naturalmente, todos querem que as escolas sejam eficazes. Não existe coisa mais triste do que constatar que alunos, depois de anos de escolaridade, ou não aprenderam nada, ou aprenderam coisas erradas. E, em sua maioria, os docentes ficam muito aborrecidos quando, de repente, o aluno nunca mais volta à escola; o professor, cada desistência é uma decepção.

Não obstante, a prática mostra que não é nada fácil concretizar efetivamente uma educação eficaz em grande número de escolas.

Aperfeiçoar escolas é um processo complexo, que envolve muitos agentes que, em diferentes níveis (aula, escola, Conselhos, autoridades) devem colaborar uns com os outros. Estratégias em grande escala, nas quais as escolas e os professores são considerados exclusivamente como agentes executores de uma política com a qual não se identificam, têm acabado em fracasso.

De investigações efetuadas acerca dos êxitos da inovação educacional podemos aprender o seguinte (Van den Berg & Mulder, 1996; Little, 1996; Lagerwey, 1994).
1- Qualquer mensagem de mudança (sobretudo as governamentais) é interpretada por cada pessoa envolvida (respectivamente, professor, diretor, pais, alunos) subjetivamente e à sua própria maneira. Por isso é preciso comunicar claramente, de forma inequívoca e com muitos exemplos concretos. Mas que também fique evidente o que cada um ganhará com a mudança e o que cada um perderá. E especialmente para os professores é importante que tenham tempo suficiente para poder experimental e desfrutar das novidades.

2- Projetos (nacionais) de inovação em grande escala precisam de liderança muito específica e direta em nível da escola para, visando os novos objetivos, conseguir transformar as atitudes estabelecidas e fixas. É preciso organizar discussões profundas sobre os conceitos educacionais subjacentes existentes no corpo docente, para poderem compreender o que realmente significará a inovação. Aproveite todas as qualidades de liderança existentes na escola para estabelecer uma base sólida de apoio.

3- Tente despertar o interesse de todos os docentes para a questão da qualidade da docência. Trata-se do processo primário entre o professor e o aluno, e nada mais. Estimule os professores a aprender, com as qualidades uns dos outros. Que juntos descubram quais são os critérios para um ensino de qualidade na escola. Assegure que a escola se transforme em uma oficina de trabalho.

4- Abordagens estáticas e lineares da inovação educacional são menos viáveis do que abordagens dinâmicas e interativas, se bem que, para os responsáveis pela política educacional, as últimas tenham talvez a desvantagem de serem menos previsíveis. Por isso é melhor limitar os projetos nacionais, formulando-os num quadro de diretrizes globais, dentro do qual as escolas formulam os projetos a curto prazo. Proporcione aos indivíduos e grupos o espaço para experiências. Proporcione igualdade formação e apoio, com realce especial ao problem solving, e menor ênfase à transmissão de conhecimentos. Concentre-se na aprendizagem crítica-reflexiva de professores e diretores.

5- É importante saber que o êxito de uma inovação de grande escala em nível nacional nada mais é que a soma de projetos em pequena escala, de escolas específicas, que alcançaram sucesso.

Conclusão

Podemos afirmar como conclusão que os projetos em grande escala em nível nacional podem contribuir para a inovação educacional, desde que criem um ambiente favorável para os projetos ligados a certo tipo de escola. Mas podem também sufocar qualquer eventual inovação, se forçarem a escola a seguir um rumo de maneira rígida, linear e diretiva. Em projetos de inovação bem sucedidos, são oferecidas aos professores oportunidades de aprender de forma crítica-reflexiva. E para finalizar: a presença de uma liderança estimulante na escola é fundamental.

Fonte:
Biblioteca Eletrônica. Magister Tecnologias. Bandeirantes Industria Gráfica. (CD ROM)