sábado, 10 de maio de 2008

Redação (Os 10 Mandamentos Para a Redação de um Bom Parágrafo)

Ao escrever, você emite opiniões, registra impressões, narra fatos: você se comunica. Para que essa comunicação seja clara, sugestiva, agradável, o que você escreve - especialmente o parágrafo - deve apresentar determinadas qualidades.

Com o mínimo de teoria e o máximo de prática, vamos sintetizar tudo o que você já aprendeu sobre o parágrafo.

1. Evite a generalização, definindo bem o assunto. Leia:
O fato mais destacado que se impõe a quem estude o Brasil - é o da esplêndida unidade do país. Unidade física afirmada na admirável continuidade do território. Unidade moral, demonstrada pela religião, pela língua, pelos costumes pelas relações materiais; objetivada no conjunto de elementos constitutivos da economia, da produção, do trabalho, indústria e comércio; e unidade intelectual expressa na identidade da formação e da cultura. Unidade política manifestada na comunidade de idéias, de sentimentos e de interesses de sua população.
(Gilberto Amado.)

O assunto está bem definido, claramente delimitado: a unidade do Brasil. O autor não se afasta dele por um momento sequer.

2. Formule, com uma idéia-chave clara, o objetivo do parágrafo.
No exemplo anterior: ao mesmo tempo em que delimita o assunto, o autor apresenta o objetivo do parágrafo nesta idéia-chave.

O fato mais destacado que se impõe a quem estuda o Brasil - é o da esplêndida unidade do país.

Atenção! Todo o texto deve ser bem elaborado, mas a idéia-chave merece cuidados especiais. Uma idéia-chave escrita com vigor, criatividade, bem expressiva, desperta a atenção do leitor e o estimula à leitura.

3. Esquematize o desenvolvimento, desdobrando em tópicos a idéia-chave, apenas ela.

No exemplo citado, de Gilberto Amado, a esquematização está bem clara:
Unidade física
Unidade moral
Unidade intelectual
Unidade política

4. Trate, no desenvolvimento, exclusivamente dos tópicos do esquema.
Isso está evidente no parágrafo de Gilberto Amado. Confronte o parágrafo todo com a esquematização que fizemos no tópico anterior:

Unidade física
afirmada na admirável do território.

Unidade moral
demonstrada pela religião, pela língua, pelos costumes, pelas relações materiais.

Unidade intelectual
expressa na identidade da formação e da cultura.

Unidade política
manifestada na comunidade de idéias, de sentimentos e de interesses da sua população.

Nem sempre essa relação desenvolvimento - esquema será tão bem definida. Mas é necessário que, de alguma forma, ela exista, para clareza do texto.

5. Observe, no desenvolvimento, uma ordem rigorosamente lógica.
Se o parágrafo for ordenado em função do tempo, use a seqüência cronológica adequada. Se em função do espaço, caminhe do geral para o particular, da direita para
a esquerda. Na exposição de idéias, observe a ordem dos valores.

Veja esta descrição que Euclides da Cunha faz de um vaqueiro:
O seu aspecto recorda, vagamente, à primeira vista, o de um guerreiro antigo exausto de refrega. As vestes são uma armadura. Envolto no gibão de couro curtido, de bode ou de vaqueta; apertado no colete também de couro; calçando as perneiras, de couro curtido ainda, muito justas, cosidas às pernas e subindo até às virilhas, articuladas em joelheiras de seda e resguardados os pés e as mãos pelas luvas e guarda-pés de pelo de veado - é como a forma grosseira de um campeador medieval desgarrado em nosso tempo.

É como se, com uma câmera de cinema, o autor, primeiro a distância, desse uma visão geral da personagem, a idéia de um guerreiro antigo, por causa das vestes; e depois, já bem próximo, começasse no gibão e fosse descendo, mostrando em close os diversos componente da vestimenta: o colete, as perneiras, as luvas e guarda-pés. No tópico final - é uma forma grosseira... - o retorno à idéia geral expressa no início do parágrafo.

6. Use palavras e expressões de transição, sempre que isso contribuir para a maior clareza da composição.
Veja, no parágrafo seguinte, como as palavras e expressões grifadas tornam o parágrafo agradável e fluente.
Todos os escritores, dignos deste nome, se esforçam por ser originais. A luta pela originalidade é, de há muito uma corrida vertiginosa aos assuntos novos, aos conceitos novos, às imagens novas. Nessa corrida, porém, quando os escritores julgam ter colhido o pomo de ouro, o que eles atingiram não foi quase nunca, a originalidade - ah, não! - mas a extravagância. Ainda hoje poucos profissionais das letras se convenceram de que há uma maneira extremamente fácil de ser original: é ser sincero.
(Júlio Dantas.)

7. Dê relevo à idéia principal.
a. Colocando-a no final do texto:
Por ela o meu sangue, toda a minha alma para resguardá-la: é o meu amor, é o meu ídolo, é o meu ideal - a Forma.
(Coelho Neto.)

b. Trazendo-a para o início:
Verdadeiramente, é do século XIX que podemos datar a existência de uma literatura brasileira, tanto quanto pode existir literatura sem língua própria.
(José Veríssimo.)

c. Reforçando a idéia principal:
Mas a coroa de espinhos, D. Raposo, essa não tornou a servir para mais nada.

8. Equilibre a extensão dos períodos, evitando trechos excessivamente longos ou exageradamente curtos.

Veja como um parágrafo só com períodos curtos é truncado, de difícil leitura:

Era ainda um trabalhador incansável. Produzia nos jornais. Escrevia livros. Estudava continuamente. Tinha ânsia inacabada de aprender. Tinha ainda deveres de funcionário público. E zelosamente os cumpria. Assim foi diretor da Repartição de Estatística do Diário Oficial. Foi também diretor da Biblioteca Nacional. Este último lugar perdeu-o num rasgo de independência. Floriano Peixoto tinha morrido. Prudente de Morais fora levar, pessoalmente, até a última morada, o Marechal de Ferro. Raul Pompéia foi o orador no cemitério. Proferiu um discurso sensacional. Fez, às faces do chefe da Nação, acusações tremendas à sua política e ao seu patriotismo. Foi demitido. Não se incomodou. Nunca teve o gênero acomodatício. E não tinha também esse jeito tão especial dos incensadores do poder.

Veja agora como o mesmo parágrafo, tratado de forma diferente, só com períodos longos, fica bastante confuso.

Era, ainda, um trabalhador incansável que produzia nos jornais, escrevia livros, estudava continuamente, numa ânsia incontida de aprender, e tinha ainda deveres de funcionário público, que ele zelosamente cumpria, pois foi diretor da Repartição de Estatística do Diário Oficial e diretor da Biblioteca Nacional, lugar este que perdeu num rasgo de independência. Floriano Peixoto tinha morrido e Prudente de Morais fora levar pessoalmente até a última morada o Marechal de Ferro, ocasião em que Raul Pompéia, como orador no cemitério, proferiu um discurso sensacional, fazendo às faces do chefe da Nação acusações tremendas à sua política e ao seu patriotismo, sendo por isso demitido, sem que se incomodasse, pois nunca teve o gênito acomodatício, nem esse jeito especial dos incensadores do poder.

Reescrevemos o parágrafo original, apresentando essas duas versões, onde foram acentuados os defeitos que se devem evitar.

Veja agora como foi realmente escrito por Heitor Muniz. Alternando frases curtas com trechos mais extensos, o parágrafo é fluente, agradável de ler:

Era, ainda, um trabalhador incansável. Produzindo nos jornais, escrevendo livros, estudando continuamente, numa ânsia incontida de aprender, tinha ainda deveres de funcionário público, que ele zelosamente cumpria. Assim foi diretor da Repartição de Estatística do Diário Oficial e da Biblioteca Nacional. Este último lugar perdeu-o num rasgo de independência. Floriano Peixoto tinha morrido, e Prudente de Morais fora levar, pessoalmente, até a última morada, o Marechal de Ferro. Raul Pompéia, orador no cemitério, proferiu um discurso sensacional, fazendo, às faces do chefe da Nação, acusações tremendas à sua política e ao seu patriotismo. Foi demitido. Não se incomodou. Não teve nunca gênero acomodatício, nem esse jeito tão especial dos incensadores do poder.

9. Escreva com naturalidade, simplicidade e objetividade.

Evite palavras e expressões rebuscadas, bem como o palavreado inútil, como neste caso:

O aviso dado pelo famoso escritor Mário de Andrade tem tudo para parecer excessivamente irônico. É fácil concluir que Macunaíma não poderia mesmo ter caráter, pois, como era ilimitado, não estava sujeito às contingências, fossem quais fossem. E é justamente essa ausência da qualidade moral conhecida como caráter que lhe dá, por paradoxal que pareça, um grande caráter realmente sobre-humano, onde podemos notar que se reflete, no tumulto da aparente indisciplina, um rol imenso de energias elementares.

Compare com o texto original de Ronald de Carvalho -este simples, enxuto, bem mais vigoroso:

O aviso de Mário de Andrade pode parecer irônico. Macunaíma não poderia ter caráter, pois, sendo ilimitado, não está sujeito às contingências. E é justamente essa ausência de caráter que lhe dá um caráter sobre-humano, onde se refletem, no tumulto da aparente indisciplina, as energias elementares.

10. Procure sempre dar uma conclusão ao parágrafo.

Lembre-se, também, de que a conclusão é o fecho do parágrafo. Deve ser bem cuidado. Uma conclusão redigida com vigor e elegância valoriza bastante o texto.

FONTE:
http://www.espirito.org.br/portal/artigos/ednilsom-comunicacao/10-mandamentos-redacao.html

Fernando Sabino (O Golpe do Comendador)

Ele sabia que aquilo ainda ia acabar mal. Ele era noivo, à antiga: pedido oficial, aliança no dedo, casamento marcado, Mas, no ardor da juventude, não se contentava em ter uma noiva em Copacabana: tinha também uma namorada na cidade.

Encontravam-se na hora do almoço, ou em algum barzinho do centro, ao cair da tarde, encerrado o expediente. Ele trabalhava num banco, ela num escritório. A noiva não trabalhava: vivia em casa no bem-bom.

E tudo ia muito bem, até que a namorada, que morava na Tijuca, resolve se mudar também para Copacabana.

A princípio ele achou prudente não voltarem juntos, já que uma não sabia da existência da outra. Com o correr do tempo, porém, foi relaxando o que lhe parecia um excesso de precauções. Mais de uma vez eu adverti ao meu amigo:

— Cuidado. Um dia a casa cai.

— Seria o auge da coincidência — protestava ele.

Pois acabou acontecendo. Foi numa tarde em que os dois voltavam de ônibus para Copacabana, muito enleados, mãozinhas dadas. Ali pela altura do Flamengo, ao olhar casualmente pela janela, ele viu e reconheceu de longe a moça que fazia sinal no ponto de parada.

Em pânico, o seu primeiro impulso foi o de gritar para o motorista que não parasse, para evitar o encontro fatal. Era o cúmulo do azar: havia um lugar vago justamente a seu lado, naquele último banco, que comportava cinco passageiros.

O ônibus parou e ela subiu. Ele se encolheu, separando-se da outra, mãos enfiadas entre os joelhos e olhando para o lado — como se adiantasse: já tinha sido visto. A noiva sorriu, agradavelmente surpreendida:

— Mas que coincidência!

E sentou-se a seu lado. Você ainda não viu nada — pensou ele, sentindo-se perdido, ali entre as duas. Queria sumir, evaporar-se no ar. Num gesto meio vago, que se dirigia tanto a uma como a outra, fez a apresentação com voz sumida:

— Esta é a minha noiva...

— Muito prazer — disseram ambas.

E começaram uma conversa meio disparatada por cima do seu cadáver:

— Você o conhece há muito tempo? — perguntou a noiva titular.

— Algum - respondeu a outra, tomando-o pelo braço: — Só que ainda não estamos propriamente noivos, como ele disse...

— Ah, não? Que interessante! Pois nós estamos, não é, meu bem? E a noiva o tomou pelo outro braço:

— Você não havia me falado a respeito da sua amiguinha...

Atordoado, nem tendo 0 ônibus chegado ainda ao Mourisco, ele perdeu completamente a cabeça. Desvencilhou-se das duas e se precipitou para a porta, ordenando ao motorista:

— Pare! Pare que eu preciso descer!

Saltou pela traseira mesmo, sem pagar, os demais passageiros o olhavam, espantados, o trocador não teve tempo de protestar. Atirou-se num táxi que se deteve ante seus gestos frenéticos, foi direto à minha casa:

— Você tem que me ajudar a sair dessa.

Amigo é para essas coisas, mas não me dou por bom conselheiro em tais questões. Mal consigo eu próprio sair das minhas: a emenda em geral é pior do que o soneto. Ainda assim, tão logo ele me contou o que havia acontecido, ocorreu-me dizer que, se saída houvesse, ele teria que abrir mão de uma — com as duas é que não poderia ficar. Qual delas preferia?

— A minha noiva, é lógico - afirmou ele, sem muita convicção: É com ela que vou me casar.
E torcia as mãos, nervoso:

— Pretendia, né? Imagino o que a esta hora já não devem ter dito uma para a outra. O pior é que minha noiva é meio esquentada, para acabar no tapa não custa.

Respirou fundo, mudando o tom:

— Também, que diabo tinha ela de tomar exatamente aquele ônibus? E o que é que estava fazendo àquela hora no Flamengo? De onde é que ela vinha?

— Eu que sei? — e comecei a rir: — Me desculpe, meu velho, mas essa não pega.

Ele se deixou cair na poltrona.

— É isso mesmo. Não pega. Nenhuma pega. Estou liquidado. Não tem saída.

— Só vejo uma — e fiz uma pausa, para dar mais ênfase: — O golpe do comendador.

Marido exemplar, pai extremoso, avô dedicado, como se usava antigamente, o ilustre comendador era de uma respeitabilidade sem jaça. Vai um dia sua digníssima consorte, chegando inesperadamente em casa, dá com o ilustre na cama da empregada. Com a empregada.

Enquanto a esposa ultrajada se entregava a uma crise de nervos lá na sala, o comendador se recompunha no local do crime, vestindo meticulosamente a roupa, inclusive colete, paletó e gravata. Em seguida se dirigiu a ela nos seguintes termos:

— Reconheço que procedi como um crápula, um canalha, um miserável. Cedi aos sentidos, conspurcando o próprio lar.

Você tem o direito de renegar-me para sempre, e mesmo de me expor à execração pública. E provocar em conseqüência a desgraça de nosso casamento, a desonra de meu nome e o opróbrio de nossos filhos e netos. A menos que resolva me perdoar, e neste caso não se fala mais nisto. Perdoa ou não?

Aturdida com tão eloqüente falatório, a mulher parou de chorar e ficou a olhá-lo, apalermada.

— Vamos, responda! — insistiu ele com firmeza: — Sim ou não?

— Sim — balbuciou ela, timidamente.

Ele cofiou os bigodes e, do alto de sua reassumida dignidade, declarou categórico:

— Pois então não se fala mais nisto.

Tão logo ouviu o caso do comendador, o noivo desastrado resolveu imitá-lo. De minha casa mesmo telefonou para a noiva, dizendo-lhe atropeladamente que ele era um crápula, um canalha — em resumo: o ser mais ordinário que jamais existiu na face da terra. Depois, sem lhe dar tempo de retrucar, despejou-lhe uma cachoeira de declarações amorosas, invocando o casamento marcado, a felicidade de ambos para sempre perdida, os filhos que não mais teriam... Não faltaram nem reminiscências dos primeiros dias de namoro - tanto tempo já que se amavam, ela não tinha treze anos quando se conheceram, as trancinhas que usava, lembra-se? Tudo isso ia por água abaixo — a menos que o perdoasse.

Desligou o telefone, vitorioso.

— Concordou em se encontrar comigo.

— Não se esqueça. O comendador.

— Já sei. Não se fala mais nisto.

E se foi, alvoroçado. Nem comigo se falou mais nisto, mas de alguma forma deu certo, pois acabou se casando, teve vários filhos e, segundo ouvi dizer, vive feliz até hoje.

Com a outra.

Texto extraído do livro “Fernando Sabino – Obra Reunida”, Volume III, Editora Nova Aguilar S.A. – Rio de Janeiro, 1996, pág. 148.
http://www.releituras.com

Artur da Távola (Camarão com Catupiri)

Ainda rapaz, minha mãe anunciava com alegria, ao receber o salário modesto de funcionária pública no fim do mês: "Hoje vai ter camarão com catupiri".

Prato denso pela consistência daquele requeijão no qual, ademais, ela adicionava deliciosos palmitos. Não usava molho de tomate de lata ("muito ácido", dizia), nem colocava ervilhas. O camarão era grande, gostoso e bem mais barato então. Falo de molho de tomate e ervilhas porque, depois, a especiaria ganhou fama e até estrelato em nobres cardápios, tornando-se, também, salgada no preço. Apareceu em jantares finos e restaurantes metidos. E, com molho de tomate e ervilhas.

Aos poucos, porém, foi perdendo "status". Dos jantares finos sumiu, porque se tornou lugar comum e, também, porque camarão é caro e rico não é besta.

Nos restaurantes (r)existe, porém, pálida lembrança: o (que era) "catupiri" com camarão está mais para molho branco com farinha de trigo que para o velho e saboroso requeijão. E o pior! Caso se deseje usar o catupiri mesmo, ao vivo e a cores, este envelheceu, tornou-se ralo e aguado, dissolve-se e dessora uma gordura amarelada. Sucumbiu aos imitadores. E, depois destes, veio ainda a legião de copos e mais copos de requeijão cremoso, díspares na qualidade e malandros nos preços, porém mais práticos até pelo aproveitamento do copo que substitui a simpática caixinha redonda, de madeira. Mas sem a mesma consistência de quase queijo, com certeza.

Pobre vovô catupiri, que não conseguiu entrar com saúde na terceira idade! A vertigem do consumo o pilhou desprevenido, sem condições de reproduzir a classe de antigamente. Mesmo assim resiste, que bom! Apesar de soltar a amarela e assustadora camada de gordura liquefeita, para tais iguarias ainda é melhor que o requeijão de copo, pois este precisa ser engrossado com farinha; e o "catupa", não.

Ele virou, porém, marca e símbolo de um modo de cozinhar acepipes: coxinha de frango com catupiri; rissole de camarão com catupiri; empadinhas de galinha ou camarão com catupiri. O nome prolifera e dobra o preço: rissole de camarão custa a metade de rissole de camarão com catupiri. E a imaginação criadora disparou, inventando até um deslumbrante croquete de aipim recheado com catupiri. Comi um na "Chez Anne" e quase chorei de emoção.

Mas o camarão com catupiri inesquecível de minha mãe, este não existe mais.

O tempo o levou. E a ela, cuja perda não tem solução.

Fonte:
http://www.arturdatavola.com

5º CONCURSO DE TROVAS - DO PROJETO DE TROVAS PARA UMA VIDA MELHOR - UBT DE PARAIBUNA - SP

TEMA - CIÊNCIA

Apenas uma trova (L/F) em Língua Portuguesa, inédita, do próprio autor. (A palavra do tema, neste caso: CIÊNCIA - tem que constar no
corpo da trova).

Enviar para mifori14@yahoo.com.br

Para o Concurso TROVA é: "composição poética de quatro versos setissílabos, rimando o 1º com o 3º, o 2º com o 4º, e tendo sentido
completo".
Trova: Tema - CIÊNCIA:

---------------------1º
---------------------2º
---------------------3º
---------------------4º

Autor:
Cidade:
Estado:
País:
E-mail:

GR:(1,2,ou 3):

GRUPOS:
GR. 1. Trovadores consagrados (aqueles que já tiveram, pelo menos uma trova
premiada no sistema comum por envelope. Não considerar a menção honrosa, nem
a menção especial);

GR. 2. Trovadores ainda não premiados, iniciantes e alunos Universitários;

GR. 3. Alunos da Educação Básica e Ensino Médio (1º e 2º Grau, ou Ginásio e
colégio - colocamos tais terminologia para melhor identificação).
-------------------------------------------------------------------------

PROJETO DE TROVAS PARA UMA VIDA MELHOR

Síntese da primeira etapa: princípios e valores sobre os seguintes temas:

Até 30/10/07 - tema: SABEDORIA - publicação: 15/11/2007
Até 20/12/07 - tema: ENTENDIMENTO - publicação: 15/01/2008
Até 20/02/2008 - tema: CONSELHO - publicação: 15/03/2008
Até 20/04/2008 - tema: FORTALEZA - publicação: 15/05/2008
Até 20/06/2008 - tema: CIÊNCIA - publicação: 15/07/2008
Até 20/08/2008 - tema: PIEDADE - publicação: 15/09/2008
Até 30/12/2008 - publicação do 1º Livro do Projeto de Trovas e divulgação dos temas para o segundo ano.

Encerramento - confraternização dias: 13 e 14/12/2008

Fonte:
E-mail enviado por Maria Inez (Delegada da UBT de Paraibuna/SP)

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Falecimento de Artur da Távola



O jornalista, escritor e político Artur da Távola, morreu hoje aos 72 anos. Seu corpo será velado na Assembléia Legislativa do Rio. Ele sofria de insuficiência cardíaca e, no ano passado, foi submetido a uma cirurgia para colocação de um desfibrilador. O jornalista, que dirigia a Rádio Roquete Pinto, morreu em casa, no Leblon, na zona sul do Rio. Ele deixa três filhos: Leonardo, um dos donos da Conspiração Filmes, Eduardo e André.
====================

Segundo o escritor inglês Gilbert Keith Chesterton (1874 - 1936), "há grandes homens que fazem com que todos se sintam pequenos. Mas o verdadeiro grande homem é aquele que faz com que todos se sintam grandes".

E este era Artur da Távola, alguém que tinha sempre sua porta aberta a todos e recebia de igual para igual, com o mesmo carinho e simpatia que sempre demonstrou.
Mesmo que o dia vá embora, a chuva caia trazendo mudança, ao entardecer do dia, quando desponta a escuridão da noite, ele era um lutador que despontava mostrando que a esperança é uma estrela guia que nunca se apaga, e isto é o que Artur queria mostrar ao mundo.

A tristeza que há neste momento, as palavras que não conseguem explicar a morte de alguém querido. A vida é um riacho que deságua em algum lugar no horizonte, e devemos segui-lo, avante, nobres, pois esta foi a lição que nosso amigo deixou. Sempre de cabeça erguida, aos trancos e solavancos seguir em direção ao horizonte, onde ele com certeza estará esperando de braços abertos, com seu sorriso e seu carinho.

Até breve, meu amigo.
(José Feldman)

Artur da Tavola (A difícil arte de saber amar )

Se tudo fosse: - "Eu te amo. Você me ama?" Resposta: "Amo".
Pronto! Seria simples. E foram felizes para o resto da vida.
Quando tal diálogo acontece e duas pessoas percebem que se amam, aí a dúvida e a confusão não terminam. Começam!

Não está disposto na lei da vida que duas pessoas que se
amam, saibam amar. O normal é as duas não saberem. Raro é
as duas saberem. O habitual é uma saber e aguentar o rojão
pela outra.

Saber amar! Quanta gente prefere viver com alguém que sabe amar, mesmo que não o ame! Quanto amor pode brotar da
relação com quem sabe amar! Quem sabe amar, pode até
realizar o milagre de acabar recebendo o amor de quem não o
ama, ou ama e não sabe.

Saber amar é conhecer o amor como forma de arte. O amor é
apenas um sentimento, enquanto que saber amar é uma
criação, visão estética do amor. Tanto é flor na hora certa, como presente fora de hora. Saber amar implica conhecer sabedorias que o amor não sabe, como esperar, deixar fluir, não invadir as dúvidas do outro, não abafar nem impedir que a outra parte supere a fossa, a angústia ou a dor que a oprime.

Quem ama desama junto. Quem sabe amar, por conhecer a
medida exata dos orgulhos que valorizam o amor, suporta tal
sentimento, desde que seja passageiro, é claro. Quem ama,
quando cansa, pode voltar a amar. Quem sabe amar quando
desliga é para sempre. É mais fácil afrontar a quem ama do que a quem sabe amar. Este, conhece tanto a importância do seu sentimento, que quando o retira, machucado, incompreendido ou ferido de morte, é para sempre.

Cuidado com quem ama! Mas cuidado maior com quem sabe
amar! Quem perde um amor perde menos do que quem perde alguém que sabe amar.

Saber amar não é depender. Não é ser servil. Não é viver
agradando. Não é fazer o que o outro quer. Saber amar é ter as reações certas, de compreensão e crítica; é ocupar todo o seu lugar no espaço e no tempo do sentimento e da emoção do
outro. Saber amar é até saber desistir.

Saber amar é aquela parte que, partindo do amor, procura (até
encontrar) a parte do outro que um dia saberá amar. E a
encontrando tem paciência, afeto e tolerância. A menos que
descubra que ela não merece.

Fonte:
http://tere20057.spaces.live.com

Artur da Távola (1936 - 2008)

Percorrer o universo literário de Artur da Távola é deleitar-se com a sensibilidade e a mais refinada das emoções.

Artur da Távola estabelece com os seus leitores uma cumplicidade inequívoca, uma vez que suas letras findam por confidenciar-se em um idioma que tão bem os olhares da emoção e nosso coração reconhecem. Um diálogo íntimo de sussurros, como se as letras afagassem o nosso olhar, envolvendo a paisagem, onde a palavra se deixou espraiar. Um abraço de afinidade, onde somos enleados pela alma de cada sílaba, em que pulsou o coração do escritor.

Artur da Távola alcança através de sua escrita, o que deseja todo escritor: criar elos nem sempre conhecidos e revelados, onde se espraiam as emoções num misto de reverência e regozijo

Nas palavras de Artur da Távola, deparamo-nos com o infinito, onde nascem os sonhos que dormitam, aguardando pelo encontro entre autor e leitor.
Ao deixarmos nossos olhares na escrita de Artur da Távola, percebemos uma intimidade de gestos e de expressões que vão além da letra consumada e consumida. Suas palavras falam muitas vezes, a palavra do impossível ou do apenas desejado, registrando sob matizes diversos a humanidade do universo, em que se inserem.

Ao lermos Artur da Távola tocamos a alma das palavras. E tanto mais é inquietante e, ao mesmo tempo pacificador este encontro, quanto mais nos permitimos a liberdade do sentir. Nas asas das letras deste escritor alcançamos horizontes inimagináveis, como se fosse o infinito apenas passagem e nunca destino, para aqueles que se permitem este encontro inenarrável com a emoção.


ARTUR DA TAVOLA
Pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros.
Data de nascimento: 03 de janeiro de 1936
Naturalidade: Rio de Janeiro-RJ
Filiação: Paulo de Deus Moretzsohn Monteiro de Barros
Magdalena Koff Monteiro de Barros
Profissões: Advogado, Jornalista, Radialista, Escritor e Professor.

FORMAÇÃO:
Direito - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - 1954-1959.
Especialista em Educação, formado pela CLAFEE (Centro Latino-americano de Formación de Especialistas en Educación). Convênio UNESCO - Universidade do Chile - Santiago - 1965.

ATIVIDADES DOCENTES:
Professor da Escola de Jornalismo da Fundação Gama Filho - 1960.
Professor Chefe de Cátedra de "Periodismo Audiovisual" na Escola de Periodismo e Comunicação da Universidade do Chile - Santiago - 1966 a 1968.
Vice-Diretor da Escola de Periodismo da Universidade do Chile - Santiago - 1966 a 1968.
Professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro - Cadeira: Produção de Rádio e Televisão - 1974 a 1975.

ATIVIDADES PARTICIPATIVAS DIVERSAS:
Presidente da Comissão de reforma da escola de Jornalismo da Universidade do Chile - Santiago - 1967 a 1968.
Membro da Câmara Técnica do Corredor Cultural da Cidade do Rio de Janeiro - 1979.
1º Vice-Presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) - 1980/1981.
Conferencista em mais de cem oportunidades, em vários Estados abordando os temas - Literatura - Comunicação - Política.
Membro do Pen Clube do Rio de Janeiro.
Membro da Comitiva Oficial do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em visita oficial ao Chile em 1995, para posse do Presidente Ricardo Lagos.
Membro da Comitiva Oficial do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em visita oficial a Portugal em 1996.
Aula Magna inaugural nas Universidades Federal Fluminense, Gama Filho, UNIRIO e SUAM - 1995. PUC Porto Alegre - 1999.
Membro da Comitiva Oficial do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em visita oficial ao Chile - Março 2000.
Membro da Comitiva Oficial Brasileira que participou da 103ª Conferência Interparlamentar realizada em Aman (Jordânia) - maio de 2000.
Membro da Academia Virtual de Letras Luso-Brasileira - março de 2005.


O carioca Paulo Alberto é o funcionário mais antigo da Rádio MEC, onde estreou em 1957 e apresenta um programa sobre música clássica. Durante 15 anos, foi colunista do jornal O Globo. Também colaborou com revistas da Bloch Editores e há 18 anos escreve “crônicas sobre a vida” no Dia.


POLÍTICA
Político, escritor, intelectual. Arthur da Távola iniciou sua trajetória política como Presidente do Centro Acadêmico Eduardo Lustosa (CAEL) da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica - 1956/57.

Foi eleito Deputado Constituinte do Estado da Guanabara PTN, de 1960 a 1962, e Deputado à Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara - 1962 a 1964. Teve seu mandato cassado por ocasião do AI-5, em 1964, exilando-se de 1964 a 1968 na Bolívia e no Chile.

Retornou ao Brasil em 1968, antes do Ato Institucional nº 5, para participar nas várias formas de luta de idéias e movimentos pacíficos destinados a recuperar o processo democrático no País.

Retornou ao poder legislativo eleito Deputado Constituinte pelo PMDB-RJ, sendo o mais votado da Bancada – 1987, sendo fundador do PSDB no ano seguinte. Alcançou algumas das posições de maior destaque no partido: Líder do PSDB na Assembléia Nacional Constituinte – 1988, Vice-Presidente Nacional, Líder da bancada do PSDB na Câmara dos Deputados em 1994 e, finalmente, Presidente Nacional do PSDB - 1995 a 1997.

Sua identificação com a cultura nacional foi determinante na atuação em diversos cargos como Presidente da Comissão de Assuntos Culturais, Educação, Ciência e Tecnologia do Parlamento Latino americano (1998/1999), Membro do Parlamento Cultural do MERCOSUL (1998/1999), Presidente da Comissão de Educação, Comunicação, Cultura e Esporte - 1997/1998 e Secretário das Culturas do Município do Rio de Janeiro - Janeiro de 2001.

Sob sua direção editou a revista trimestral de Comunicação, Arte e Educação, "CONTATO" que era distribuída graciosamente para as instituições culturais de todo o Brasil com artigos assinados pelos mais eminentes nomes de todas essas áreas. Lamentavelmente com a não reeleição do Senador em 2002 os seguimentos de cultura nacional perderam muito com a ausência deste brasileiro que sempre lutou para que o Brasil não fosse relegado a segundo ou terceiro plano diante das grandes potências mundiais em termos de letras, artes e educação.

CONDECORAÇÕES:
Ordem do Rio Branco Grau de Oficial Brasília, 20 de abril de 1994.
Ordem do Infante D. Henrique Grau de Gran Cruz Lisboa, 20 de julho de 1995.
Ordem de Bernardo O'Higgins Grau de Gran Cruz Santiago do Chile, 9 de março de 1995.
Ordem do Mérito Naval Grau de Grande Oficial Brasília, 11 de junho de 1995.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Colar do Mérito Judiciário Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1995.
Ordem do Mérito Militar Grau de Comendador Brasília, 19 de abril de 1996.

TRABALHOS PUBLICADOS
- Mevitevendo - 1977
- Alguém Que Já Não Fui - 1978
- Cada Um No Meu Lugar - 1980
- Ser Jovem - 1981
- Amor A Sim Mesmo - 1984
- Arte de Ser - 1994
- Diário Doido Tempo - 1996
- Rio: Um olhar de amor - 1997
- Leilão do Mim - 1981
- Do Amor, da Vida e da Morte - 1983
- Em Flagrante - 2000
- Do Amor, Ensaio de Enigma - 1983
- A Liberdade do Ver (Televisão em Leitura Crítica) - 1984
- O Ator - 1984
- Comunicação é Mito - 1985
- Notícia, Hiper-Realismo e Ética - Opúsculo - 1995
- A Telenovela Brasileira - 1996
- Calentura - 1986
- Maurice Ravel, Um Feiticeiro Sem Deus - Livro - 1988
- Vozes do Rio - Opúsculo - 1991
- Orestes Barbosa - Opúsculo - 1993
- Centenário da Morte de Brahms - Opúsculo - 1997
- Cem Anos Sem Carlos Gomes - Opúsculo - 1997
- 40 Anos de Bossa Nova - 1998
- Ataulfo Alves 90 anos - Opúsculo - 1999
- TITO MADI - "O Acento Árabe do Canto no Brasil" - Opúsculo - 1999
- Trinta Anos sem Jacob - Opúsculo - 1999
- Nara Leão, o Canto da Resistência - Opúsculo - 1999
- Raul de Leôni - Opúsculo - 1996
- Monteiro Lobato: O imaginário - Opúsculo - 1997
- A Cruz e Sousa em seu Centenário - Opúsculo - 1998
- Liberdade de Ser - 1999
- Rui Barbosa, A Vitória das Derrotas - Opúsculo - 1999
- Sem Organização Partidária não há Democracia - Opúsculo - 1996
- CPIs "Para não acabar em pizza" - Opúsculo - 1999
- Olimpíadas de 2004 - Opúsculo - 1996
- Flamengo, 100 Anos de Paixão - Opúsculo - 1996
- O Viço da Leitura - Opúsculo - 1997
- Mulher - Opúsculo - 1998
- O Drama da Sexualidade Precoce - Opúsculo - 1998
- Publicação não Disponível para o Comércio
- Poema para Palavra

ENTREVISTA COM ARTUR DA TÁVOLA
Realizada em 14/10/2005, por José Reinaldo Marques da Associação Brasileira de Imprensa.

ABI Online — Por que o pseudônimo?
Artur da Távola — Eu era editor de Cidade na Última Hora e assinava com o meu nome, Paulo Alberto, uma coluna chamada “Cidade livre”. Quando foi decretado o Ato Institucional nº 5, quem, como eu, já tinha problemas políticos precisou se esconder. Quando a coisa foi-se normalizando, o Samuel Wainer me chamou e me aconselhou a arranjar um pseudônimo e passar a escrever sobre televisão. Aí me veio à cabeça o nome de Artur da Távola.

ABI Online — Isso foi logo após seu retorno do exílio?
Artur da Távola — Sim. A convite do Samuel Wainer, fui trabalhar na Última Hora com o Tarso de Castro, o Nelson Motta, que na época era um garoto, e o Luiz Carlos Maciel. E lá encontrei Moacyr Werneck de Castro e Otávio Malta, habituais colaboradores do Samuel.

ABI Online — Quando o senhor decidiu voltar ao Brasil?
Artur da Távola — Vivia no Chile, em 68, quando o Costa e Silva anunciou que os brasileiros que quisessem voltar não seriam incomodados. Só duas pessoas acreditaram nele: o Samuel e eu. Minha primeira mulher veio na frente com meus filhos e eu fiquei na casa do Plínio de Arruda Sampaio. Cheguei um mês depois e fui trabalhar na UH.

ABI Online — Que tipo de comentários o senhor fazia sobre TV?
Artur da Távola — Naquela época era muito comum os intelectuais e os jornalistas arrasarem com a televisão, veículo em que trabalhei no Chile. Mas segui a sugestão do Samuel, no sentido de fazer uma coluna analítica. No começo eu me apresentava como um velho aposentado, que ficava numa cadeira de rodas diante da TV, minha única diversão.

ABI Online — Depois da UH e da Bloch, veio O Globo?
Artur da Távola — Um belo dia, o Evandro Carlos de Andrade, que chefiava a Redação, me chamou para escrever no jornal. Mas eu disse ao Evandro: como é que eu vou fazer crítica de TV no Globo? Ele me disse: “Deixa comigo, vamos tentar.” Durante 15 anos, ele adotou a seguinte técnica: com o Roberto Marinho, defendia a minha posição quando eu criticava a Globo; comigo, defendia a posição do jornal. Quando não tinha jeito, ele me aconselhava a ir conversar com o Dr. Roberto.

ABI Online — Houve algum período mais difícil?
Artur da Távola — Quando ele demitiu o Walter Clark e assumiu a TV, achei que ia complicar, pois, se eu criticasse, estaria criticando o patrão. Mas foi justamente nesse período que ele absorveu muito melhor as minhas críticas. Para alguns colegas, eu fazia “o jogo” da TV Globo. Não era verdade. Muita gente da TV pediu minha cabeça diversas vezes e dizia que eu não podia emitir opiniões contrárias à emissora sendo funcionário das Organizações Globo.

ABI Online — Qual era o tom das suas críticas?
Artur da Távola — Primeiro, analisava mais do que opinava. Depois, destacava o trabalho de profissionais sem bajular a empresa e buscava infiltrar material de crônica na análise que fazia — especialmente nos comentários sobre novelas, que tinha autores muito talentosos, a maioria banida do teatro pela censura e levando material político e de reflexão para o telespectador.

ABI Online — Quanto tempo o durou o seu trabalho como crítico de TV?
Artur da Távola — Eu me demiti em 87, quando fui eleito Deputado e o Mário Covas me convidou para ser relator, na Constituinte, de um capítulo grande que incluía educação, cultura e comunicação, segmento da empresa em que eu trabalhava.

ABI Online — Como avalia seu trabalho como constituinte?
Artur da Távola — Bem, o capítulo da comunicação até hoje está aí, ninguém nunca tentou mudar nada. Todas as defesas contra a censura e pela regionalização de produção e a criação do Conselho de Comunicação nós conseguimos ganhar.

ABI Online — O senhor foi professor de Jornalismo no Chile. Ainda leciona?

Artur da Távola — Não, porque eu notava que apenas 30% dos alunos se interessavam pelas aulas. Cheguei à conclusão de que não valia a pena o esforço e resolvi transformar o meu conhecimento em Comunicação em livros. Escrevi vários sobre o tema.

ABI Online — O senhor escreveu sobre a liberdade de imprensa. Acha que ela vem sendo exercida satisfatoriamente no Brasil?
Artur da Távola — De uns dez anos para cá, tem havido um grande aparelhamento partidário nas redações. É preciso ressaltar que a liberdade de imprensa deverá respeitar também os direitos do receptor da informação, que deverá recebê-la sem condicionamentos, vista de todos os ângulos. Nós, jornalistas, nos preocupamos muito mais com a nossa liberdade de comunicar, que é fundamental, do que com o direito de quem está do outro lado da notícia.

ABI Online — Quando retomou o contato com a imprensa, escrevendo no Dia, foi novamente fazendo crítica de televisão?
Artur da Távola — Não. Eu disse que não gostaria mais de escrever sobre o tema. Então me pediram que fizesse crônicas variadas, e eu topei. Adoro o gênero e o escrevo até hoje. Só no Dia, já são quase 18 anos escrevendo crônicas sem parar.
BI Online — O senhor é uma figura pública e um intelectual de prestígio, que atua com desenvoltura na política, na imprensa e na literatura. Como é dar conta de tantas atividades?
Artur da Távola — Não me considero um intelectual de prestígio, sou uma pessoa respeitada. Inclusive, nos meus livros, eu confesso que sinto falta de prestígio intelectual.

ABI Online — Por quê?
Artur da Távola — Intelectual não lê o que eu escrevo, porque eu tenho muita preocupação de escrever para o grande público. E eu escrevo crônica, que é considerado um gênero menor. Não é, mas foi caracterizado assim.

ABI Online — O senhor se considera vítima de algum tipo de patrulhamento?
Artur da Távola — Quando eu entrei para a política eu acho que tive a coragem de abraçar uma atividade que a intelectualidade não compreendia e até hoje não compreendeu.

ABI Online — Em alguns círculos, dizem que a sua não reeleição para o Senado enfraqueceu o quadro político cujos projetos destacavam a cultura brasileira. O senhor concorda?
Artur da Távola — Acho que isso aconteceu realmente, porque eu me dediquei muito à área. Fui Presidente da Comissão de Educação, Cultura e Comunicação do Senado e participei diretamente dos seis anos de tramitação do projeto de lei de diretrizes e bases da educação no Congresso Nacional, cujo relator foi o Darcy Ribeiro.

ABI Online — Esta sua atuação teve a visibilidade merecida?
Artur da Távola — O que eu posso dizer é que, em termos de mídia, há um abismo entre o que um parlamentar faz em Brasília e a repercussão em seu Estado, a menos que ele se envolva em algum escândalo.

ABI Online — O senhor poderia explicar isso melhor?
Artur da Távola — Ninguém faz cobertura de Comissão ou de trabalho. E isso vem sendo o comportamento geral, principalmente depois que o jornalismo enveredou pela linha da notícia como entretenimento. Este fenômeno não acontece apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Vivemos uma era em que os modelos televisivos influenciam o formato do telejornalismo e da imprensa, embora os jornais ainda tenham articulistas capazes de exercer um papel de reflexão de muito boa qualidade.

ABI Online — Qual é o principal defeito desse jornalismo que o senhor classifica como de entretenimento?
Artur da Távola — É opinar em manchete. Sou de uma geração que nunca usou esse expediente; manchete era só para informar, ainda que fosse sobre algo grandioso e brutal como a guerra. De uma década para cá, é possível observar o quanto as editorias opinam na edição da matéria e das manchetes, muitas vezes em função da competição entre os jornais.

ABI Online — Nesse contexto, de que maneira o público pode ser afetado?
Artur da Távola —Isso leva à tendência de julgamentos muito rápidos e superficiais das matérias, o que não é bom nem para o veículo, nem para o seu público.
ABI Online — Qual é a avaliação que o senhor faz desse comportamento da mídia?
Artur da Távola — O jornalismo vive, atualmente, uma trepidação constante de empresas que têm que alcançar grande tiragem ou audiência para conseguir vender os espaços publicitários que lhes trazem os lucros — que, aliás, não são pequenos.

ABI Online — O que o senhor acha do jornalismo investigativo brasileiro?
Artur da Távola — A tecnologia ajudou muito no desenvolvimento desse campo do jornalismo, com suas máquinas de capturar som e imagem. Mas em certos momentos ele se deixa contaminar pelo denuncismo. Às vezes há uma tendência de se tratar o indício como sintoma, o sintoma como fato, o fato como julgamento, o julgamento como condenação e a condenação como linchamento.

ABI Online — E quais seriam os pontos positivos da investigação jornalística?
Artur da Távola — Há uma emersão de talento no jornalismo brasileiro da ditadura para cá. Muita podridão tem vindo à tona graças ao esforço do jornalismo e aos seus defeitos, que vão se corrigindo no andamento do processo. Acho que os jornalistas mais conseqüentes se deram conta desse problema e têm lutado contra a arrogância do jornalismo e o autoritarismo enfático nos veículos de grande circulação.

ABI Online — De que tipo de linha editorial o senhor sente falta?
Artur da Távola — Do jornalismo de idéias, que marcou um tempo e também sumiu.

ABI Online — Por exemplo?
Artur da Távola — Os jornais comunistas, católicos etc., todos eles refluíram para publicações mais fechadas e mais alternativas. Na Europa, os jornais do Partido Comunista ainda se mantêm, mas há uma tendência à diluição, principalmente depois da queda do Muro de Berlim. Mas há outros aspectos relevantes que eu poderia destacar sobre a mídia nacional.

ABI Online — Quais?
Artur da Távola — Há um que nunca é observado e acontece com muito mais freqüência na TV: deprimir a população nos noticiários e euforizá-la nos comerciais. Trata-se de uma estratégia do sistema produtor, para mostrar que tudo o que vem do consumo, da indústria e do capital é a beleza, é a gente alegre e vencedora. Então, teoricamente, o que tem a ver com a realidade deprime e o que tem a ver com o consumo euforiza.

ABI Online — Todos os veículos de comunicação trabalham nessa linha?
Artur da Távola — Como eu já citei, o jornal ainda é um reduto de articulistas de alto grau de independência, até porque os donos de jornais sabem que há uma massa crítica no País que precisa ser alimentada. E a TV a cabo dá também uma cota muito interessante de matéria para o público mais exigente e formador de opinião. No rádio predomina o populismo, tanto na faixa AM como na FM.

BI Online — Dá para o senhor fazer uma análise do populismo do rádio em relação à qualidade do seu noticiário?
Artur da Távola — O radiojornalismo tornou-se mais urgente do que analítico, ou seja, a rapidez da informação é mais importante do que aprofundar e analisar o assunto.

ABI Online — Essa correria não aumenta o risco de erros de reportagem?
Artur da Távola — A pressa do furo determina algumas conclusões nem sempre adequadas, pois muitas vezes as fontes não são checadas.

ABI Online — Como o senhor avalia os investimentos em programas jornalísticos que vêm sendo feitos pelas emissoras de rádio e TV?
Artur da Távola — Apesar da urgência das matérias, aumentaram os investimentos no jornalismo. A quantidade de repórteres que as emissoras têm hoje é muito grande. Nunca houve uma fase como essa, com tantos jornalistas trabalhando em várias frentes até nos veículos mais populares.

ABI Online — O senhor é um homem que atua em várias frentes. Como dá conta de tantas tarefas?
Artur da Távola — Às vezes eu mesmo me espanto. Afinal, vou completar 70 anos... Toda semana, faço três crônicas para O Dia, dois programas na Rádio MEC, quatro no Senado (três de rádio e um de TV) e um de música erudita na TV Cultura, em São Paulo. Como gosto de todas essas coisas, consigo dar conta.

ABI Online — Qual das atividades lhe dá mais prazer?
Artur da Távola — Todas se equivalem, mas tenho uma paixãozinha secreta pelo rádio. Em função da tecnologia, sua comunicação com o ouvinte, na sua escuta solitária, traz um grau de intimidade e aceitação maior que o da televisão. Esta é dominada pelo olhar, mais volúvel que a audição.

ABI Online — Quando se deu seu primeiro contato com o rádio?
Artur da Távola — Na juventude. E o meu primeiro emprego jornalístico foi na Rádio MEC, que ano que vem faz 70 anos, como eu. Atualmente sou o funcionário mais antigo da emissora.

ABI Online — Sua formação jornalística vem da Rádio MEC?
Artur da Távola — Ali fui obrigado a improvisar, o que era essencial nas transmissões externas antigamente e me deu uma boa base. Outra experiência notável na minha vida foi a passagem pelo jornal O Metropolitano, da União Metropolitana dos Estudantes. Ele era todo feito por estudantes e circulava encartado no Diário de Notícias, aos domingos. Foi onde eu aprendi a fazer jornalismo impresso. Depois, tive forte influência do Samuel Wainer, que foi um grande mestre.

ABI Online — E de onde vem o seu estilo como cronista?
Artur da Távola — Do ponto de vista literário, sempre fui um enamorado da crônica, que é um dos gêneros mais encontrados na coleção de livros que mantenho em casa. É uma pena que ela esteja desaparecendo do jornalismo. Na minha concepção, a crônica é tão importante para um jornal como um jardim é para uma cidade.

ABI Online — O senhor recebe muitas manifestações de leitores sobre suas crônicas?
Artur da Távola — Sim. O que eu não tenho em prestígio intelectual, recebo dos leitores participantes. No Dia, chegam muitas cartas e e-mails.

ABI Online — O senhor mencionou há pouco sua coleção de livros...
Artur da Távola — Além dos livros de crônicas, também coleciono obras sobre música e biografias de santos, que leio por um interesse misterioso que não sei qual é. Estas são as três coisas que eu mais leio habitualmente.

ABI Online — Quantos volumes tem a sua biblioteca?
Artur da Távola — Cerca de 4 mil, mas já teve muito mais. Recentemente doei essa mesma quantidade de livros a uma universidade.

ABI Online — E o seu acervo musical?
Artur da Távola — Também tenho cerca de 4 mil discos e uma coleção formidável de publicações sobre música, de coisas recentes às antigas, compradas em sebos. Estou escrevendo um livro sobre música clássica, em que enumero as cem obras indispensáveis desse segmento e comento cada uma.

ABI Online — Em que estágio se encontra a cultura nacional?
Artur da Távola — O Brasil tem uma capacidade descomunal de produção cultural, mas tem problemas nos canais de distribuição da cultura. Política cultural que não cuide desse processo não é política para o povo brasileiro. Outro ponto negativo é que se gasta muito dinheiro proveniente da Lei Rouanet com a aprovação de projetos muito caros, quando se poderia viabilizar eventos mais baratos e irradiar a ação cultural até as periferias.

ABI Online — O que o senhor acha do trabalho de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
Artur da Távola — Sou suspeito para falar do Gil porque gosto muito dele, sou seu amigo, mas discordo dos que reclamam do fato de ele estar no Ministério e continuar sendo um artista. Acho importantíssimo ter um artista como Ministro. E o Gil sabe perfeitamente distinguir o que é oficial da sua carreira. Ele não pode fazer mais porque o Ministério da Cultura não tem dinheiro; a verba só dá para fazer a manutenção do que já existe.

ABI Online — Então, o que é preciso mudar na política cultural do País?
Artur da Távola — Investir mais dinheiro e considerar que a cultura é um bem de primeira necessidade que tem tudo a ver com a evolução civilizadora do povo. A cultura é tão importante quanto gastar dinheiro com estrada e com saúde.

ABI Online — Fale da sua relação com a Associação Brasileira de Imprensa.

Artur da Távola — Quando retornei do exílio, fui chamado para ser Vice-Presidente da ABI pelo Dr. Barbosa Lima Sobrinho. Este é um grande momento da minha vida e do qual tenho um grande orgulho. Fiquei encarregado da parte de assistência social. E há uma passagem que eu nunca vou esquecer.

ABI Online — Qual?

Artur da Távola — Foi o período em que a direita estava colocando bombas em bancas de jornal. Um dia nós fomos chamados por causa de uma bomba que havia sido colocada na ABI. Encontramos o Dr. Barbosa Lima na portaria com os bombeiros. Ele, que era um homem muito sereno, naquele dia nos deu uma bronca e disse: “Vocês não vão entrar, porque eu é que sou um homem idoso e que já cumpri com os meus deveres com a vida e, se eu tiver que explodir, vocês têm que ficar para continuar a luta.”

ABI Online — E a sua participação na ABI atualmente?

Artur da Távola — Hoje eu olho o Conselho e vejo pessoas que lutaram a vida inteira por uma causa política. São colegas que já estão fora do poder dentro da imprensa, mas continuam lutando para erguer a instituição.


Fontes:
http://www.fernandaguimaraes.com.br/textos/artur/apresentacao_artur_tavola.html
http://www.vaniadiniz.pro.br/jornal_ecos/Bio_artur.htm http://www.senado.gov.br/sf/senadores/senadores_biografia.asp
http://pt.wikipedia.org/
http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=775

Edgar Allan Poe (Leonor)

Sou oriundo duma raça caracterizada pelo vigor da fantasia e pelo ardor da paixão. Os homens chamaram-me louco; mas ainda não está resolvido o problema – se a loucura é ou não a suprema inteligência – se muito do que é glorioso – se tudo o que é profundo – não tem a sua origem numa doença do pensamento – em modalidades do espírito exaltadas a custa das faculdades gerais. Aqueles que sonham de dia sabem muitas coisas que escapam àqueles que somente de noite sonham. Nas suas vagas visões obtêm relances de eternidade e, quando despertam, estremecem ao verem que estiveram mesmo à beira do grande segredo. Penetram sem leme nem bússola, no vasto oceano da "luz inefável"; e de novo, como os aventureiros do geógrafo núbio, agressi sunt mare tenebrarum, quid in eo esset exploraturi.

Diremos, então, que estou doido. Concordo, pelo menos, em que há dois estados distintos da minha existência mental – o de uma razão lúcida que não pode ser contestada, e pertence à memória de acontecimentos que constituem a primeira época da minha vida – e um estado de sombra e dúvida, que abrange o presente e a recordação do que constitui a segunda grande era do meu ser. Por conseqüência, acreditai tudo o que eu disser do primeiro período de minha existência; e dai ao que eu vier a contar dos derradeiros tempos o crédito que se vos afigurar justo; ou ponde-o completamente em dúvida; ou, se não puderes duvidar, fazei como Édipo e procurai decifrar o seu enigma.

Aquela que na minha mocidade amei, e de quem agora, serena e lucidamente, estou traçando estas recordações, era a filha única da única irmã de minha mãe havia muito falecida. Minha prima chamava-se Leonor. Havíamos sempre vivido juntos, sob um sol tropical, no vale de Many-Coloured Crass. Jamais viandante algum aventurou seus passos por aquele vale; pois se estendia por entre uma cadeia de montes gigantescos, que sobre ele debruçavam as suas escarpas, vedando o acesso dos raios solares aos seus mais aprazíveis recônditos. Nas suas proximidades atalho algum jamais fora trilhado, e, para chegarmos ao nosso lar, não precisávamos afastar, com força, a folhagem de milhares de árvores, nem esmagar milhões de fragrantes flores. Assim vivíamos nós sozinhos, nada sabendo do mundo para além do vale – eu, minha prima e sua mãe.

Das obscuras regiões de além dos montes, no extremo superior de nossos domínios, descia um estreito e profundo rio, que excedia em brilho e limpidez tudo menos os claros olhos de Leonor; e, serpenteando furtivamente em intrincados meandros, embrenhava-se por fim através de uma sombria garganta, por entre montes ainda mais negros do que aqueles de que brotara. Denominávamo-lo o "Rio do Silêncio", pois as suas águas pareciam ter a faculdade de tudo emudecer. Do seu leito nenhum murmúrio se erguia, e tão de mansinho ia desfiando seu curso que os diáfanos seixinhos que esmaltavam o fundo e que nós tanto gostávamos de contemplar, permaneciam absolutamente imóveis, refulgindo eternamente no lugar onde um dia se quedaram. A margem do rio e de muitos cintilantes riachos que, por tortuosos rodeios, a ele afluíam, bem como os espaços que as margens desciam até o leito de seixos do fundo das águas – todos estes lugares, não menos de que toda a superfície do vale, desde o rio até as montanhas que o circundavam, eram tapetados por uma relva verde, macia, espessa, curta, perfeitamente lisa e perfumada, mas tão profusamente matizada com botões de ouro, margaridas, violetas e asfódelos que a sua extraordinária beleza dilatava nossos corações com eloquência e paixão, do amor e da glória de Deus. E, aqui e além, em maciços que se diriam antes matas de sonhos, brotavam fantásticas árvores, cujos altos e esguios troncos se não erguiam a prumo, mas, torcendo-se, inclinavam-se para a luz que ao meio-dia irrompia pelo centro do vale. A sua casca apresentava ao mesmo tempo o esplendor do marfim e da prata, e seria mais suave do que tudo não fosse a suave face de Leonor; de sorte que, se não fora o verde brilhante das enormes folhas que das suas copas se alastravam em linhas compridas e trêmulas, embaladas pelos zéfiros, poderia alguém imaginá-las gigantescas serpentes da Síria, prestando homenagem ao seu soberano, o Sol. De mãos dadas, durante 15 anos, vaguei com Leonor por este vale, antes de o Amor penetrar em nossos corações. Era uma tarde, ao cerrar-se o terceiro lustro da sua vida e o quarto da minha: estávamos sentados, abraçados, debaixo das árvores-serpentes e contemplávamos as nossas imagens refletidas no espelho das águas do rio. Nem mais uma palavra pronunciamos durante o resto daquele doce dia, e na manhã seguinte ainda as nossas palavras eram trêmulas e raras. Do fundo das águas havíamos tirado o deus Eros, e agora sentíamos que havíamos ateado dentro de nós as almas ardorosas dos nossos maiores. As paixões que durante séculos haviam caracterizado a nossa raça acudiam agora de tropel com as fantasias que os haviam igualmente distinguido e bafejavam venturas e bênçãos sobre o vale de Many-Coloured Crass. Tudo como por encanto mudou.

Sobre as árvores onde jamais se conhecera uma flor desabrocharam agora estranhas flores em forma de estrela. Tornaram-se mais carregados os tons das alfombras de verdura; e quando uma a uma murcharam as brancas margaridas, surgiram em seus lugares, dez a dez, os asfóidelos da cor dos rubis. E a vida brotava em nossos atalhos; pois o alto flamingo, até aqui nunca visto, com todas as álacres e variegadas aves, ostentava ante nós a sua plumagem escarlate. Peixes de ouro e de prata acorriam agora ao rio, de cujo seio se erguia, de mansinho, um murmúrio que, por fim, foi engrossando até se transformar numa suave melodia mais divina de que a da harpa de Éolo, mais doce do que tudo, não fosse a voz de Leonor. E agora, também uma enorme nuvem, que por muito tempo dominara as regiões do Hesper, avançara num deslumbramento carmesim e ouro e viera pairar serenamente sobre nós, descendo dia a dia até pousar sobre os cumes dos montes, transfigurando-os com o seu glorioso esplendor e encerrandonos, como que para sempre, dentro duma mágica prisão de magnificência e glória.

O encanto de Leonor era o de um Serafim, mas ela era uma adolescente ingênua e simples como a curta vida que vivera entre as flores. Nenhum artifício mascarava o amor que lhe estuava no coração, e ela examinava comigo os seus mais íntimos recessos, quando passeávamos no vale de Many-Coloured e conversávamos sobre as notáveis transformações que nele ultimamente se haviam operado.

Um dia, finalmente, tendo falado, banhada em pranto da triste e derradeira transformação que a Humanidade deve sofrer, nunca mais deixou de discutir este doloroso assunto, intercalando-o em todas as nossas conversas, como nos cantos do bardo de Schiraz estão constantemente ocorrendo as mesmas imagens, a cada passo repetidas em cada impressionante variação de frase.

Ela tinha visto que o dedo da morte se lhe cravara no seio – que, como o efêmero, ela fora feita perfeita em encanto e beleza somente para morrer; mas para ela os terrores do túmulo apenas consistiam numa apreensão, que uma tarde, ao crepúsculo, ela me revelou, passeando comigo pelas margens do Rio do Silêncio. O que a penalizava era pensar que, após havê-la sepultado no vale de Many-Coloured, eu abandonaria para sempre aquelas ditosas paragens, transferindo o amor, que só dela tão apaixonadamente agora era, para alguma jovem do mundo exterior e banal. E, então, ao ouvir-lhe expressar este pesar, atirei-me aos pés de Leonor e jurei que nunca me ligaria pelo casamento a filha alguma da Terra – que jamais eu, fosse de que maneira fosse, trairia a sua querida recordação. Invoquei o Onipotente Senhor como testemunha da pia solenidade do meu juramento. E a maldição de que Deus e dela impetrei, no caso de eu atraiçoar meu juramento, envolvia uma pena cujo extraordinário horror me não permite referi-la aqui.

Os olhos de Leonor se tornaram mais claros, quando eu assim exprimi o carinho que a prendia à minha vida; como se do peito arrancassem um peso mortal; tremeu e chorou amargamente; mas (que era ela senão uma criança?) aceitou o juramento, que lhe tornava mais suave o leito de morte. E disse-me, não muitos dias depois, finando-se tranqüilamente, que, em vista do que eu fizera para alívio e consolo do seu espírito, velaria sempre por mim depois de morta, e se tal lhe fosse permitido, voltaria visivelmente a visitar-me nas vigílias da noite; se, porém, isto ultrapassasse o que às almas no Paraíso é permitido, dar-me-ia, pelo menos, freqüentes indicações de sua presença, suspirando sobre mim nos ventos da tarde ou enchendo o ar que eu respirasse com o perfume dos turíbulos dos anjos. E, com estas palavras, exalou a sua inocente vida, ponto termo à primeira época da minha.

Até aqui é fiel o relato que fiz. Mas, quando transponho a barreira formada pela morte de minha amada e penetro na segunda era da minha existência, sinto uma sombra empolgar-me o cérebro e não confio na perfeita sanidade das minhas palavras. Mas, prossigamos. Os anos foram-se arrastando pesadamente e eu continuei habitando no vale – mas uma segunda transformação se operara em todas as coisas. As flores em forma de estrela secaram nas árvores e não mais reapareceram. Apagaram-se os matizes do verde tapete de relva; e, um a um, murcharam os rubros asfódelos e, em seu lugar, surgiram, dez a dez, escuras violetas sempre carregadas de orvalho.

A vida desapareceu dos nossos atalhos; o alto flamingo já não exibia ante nós a sua plumagem escarlate, mas tristemente fugiu do vale para os montes com todas as álacres aves multicores que em sua companhia tinham vindo. Os peixes de ouro e prata nunca mais esmaltaram o nosso doce rio.

A suave melodia que encantara mais do que a harpa e Éolo e fora mais divina do que tudo menos a voz de Leonor, foi-se pouco a pouco extinguindo, sumindo-se em murmúrios cada vez mais débeis, até que, por fim, o rio voltou à solenidade do seu primitivo silêncio. E então ergueu-se de novo a enorme nuvem e, abandonando os píncaros dos montes à sua antiga tristeza, recuou para as regiões de Hesper, e consigo levou o áureo esplendor e todas as magnificências que por alguns anos transfiguraram o vale de Many-Coloured Crass.

Todavia, as promessas de Leoor não ficaram no olvido; pois eu ouvia os sons do balouçar dos turíbulos dos anjos; correntes dum sagrado perfume flutuavam permanentemente sobre o vale; nas horas ermas, quando meu coração palpitava pesadamente, os ventos que me refrescavam a fronte vinham carregados de brandos suspiros; indistintos murmúrios – oh, mas só uma vez! fui desperto de um sono, que se me afigurava o sono da morte, pela pressão de uns lábios espirituais sobre os meus. Mas o vácuo dentro do meu coração recusava-se, ainda assim, a ser preenchido. Tinha saudades do amor que o enchera a transbordar. Por fim o vale fazia-me sofrer pelas recordações, e abandonei-o então para sempre, trocando-o pelas vaidades e pelos turbulentos triunfos do mundo.

Encontrei-me dentro duma estranha cidade, onde todas as coisas podiam ter servido para me apagaram da lembrança os doces sonhos que por tanto tempo sonhara no vale. O luxo e a pompa de uma corte majestosa, o doido clangor das armas e a radiosa beleza das mulheres desvairaram-me e embriagaram-me o cérebro. Até aqui, porém, ainda a minha alma permanecera fiel aos seus juramentos, e nas horas silentes da noite ainda até mim chegavam as revelações da presença de Leonor.

De súbito, cessaram estas manifestações; mundo escureceu de todo ante os meus olhos, e quedei-me espavorido ante o escaldante pensamento que me possuía – ante as terríveis tentações que me empolgavam; pois de muito longe, de uma terra distante e ignota, viera para a alegre corte do rei que eu servia, uma donzela a cuja beleza todo o meu perjuro coração imediatamente se rendeu – a cujos pés me curvei sem uma luta, no mais ardente, no mais abjeto culto de amor. Que era, na verdade, a minha paixão pela adolescente do vale comparada com o fervor e o delírio, o alucinado êxtase de adoração com que eu depunha toda a minha alma em pranto aos pés da etérea Hermengarda? – Oh, que deslumbrante era a angélica Hermengarda! E na minha alma para ninguém mais havia lugar. – Oh, que divina era a celestial Hermengarda! E quando eu sondava as profundezas dos olhos inolvidáveis, só neles pensava – só neles e nela!

Casei; não me arreceei da maldição que invocara; nem senti o amargor de haver infringido um juramento solene. Mas uma vez, no silêncio da noite, chegaram até mim, através das minhas persianas, os brandos suspiros que havia muito eu já não ouvia e, numa voz familiar e doce, percebi estas palavras que jamais esquecerei: - Dorme em paz! – pois o Espírito do Amor reina e governa e, acolhendo no teu apaixonado coração aquela que se chama Hermengarda, tu és absolvido, por motivos que só no céu serão explicados, dos juramentos que fizeste a Leonor!

FONTES
Concursos Públicos. Digerati. CEC 0004. (CR-ROM)

José Maria de Toledo Malta (Madame Pommery)

O primeiro capítulo, assim com as muitas interferências do narrador, explica os motivos que o levaram a escrever a história de Madame Pommery. Afirma o narrador que se trata de uma história verdadeira e narrá-la significa uma tarefa nacionalista, já que muitos não se importam em contar as "altas e maravilhosas aventuras de Mme. Pommery", quem, segundo o narrador, tem prestado serviços inestimáveis à "desbotucudização" da nossa sociedade.

Depois de afirmar que Mme. Pommery existe verdadeiramente, apresenta-se o passado da protagonista . Ida Pommerikowsky, filha de um judeu domador de feras de um circo e de uma noviça de um convento espanhol, vem para o Brasil no início do século. Mas, ainda na Europa, sua vida sofreu grandes abalos.

Consuelo Sánchez, mãe de Ida, abandona o pai e a filha - que tinha então três anos -, fugindo com um toureador. A menina é criada com a ajuda de Zoraida, uma preceptora cigana, e aprende as artes do circo com o pai Ivã Pommerikowsky, de quem herda o gosto pelas finanças. Aos quinze anos, já bastante interessada nas coisas do sexo, Zoraida a inicia nas artes do amor, a pedido do próprio pai .

Os planos do pai parecem que se realizariam quando, estando em Praga, um ricaço se enamorou de Ida. Mas a menina, percebendo a intenção do pai em ficar com o dinheiro pago pela sua virgindade, foge com o cheque de 9000 coroas enquanto o ricaço roncava no leito. Zoraida a acompanha. A partir daí, Ida inaugura sua vida de prostituição, percorrendo toda a Europa. O seu "nome de guerra", Mme. Pommery provavelmente vem da champanha Pommery, de que tanto gostava.

Aos trinta e quatro anos, em Marselha, já decaída, mas ainda desejável, torna-se artista de cabaré. Conhece então o marujo Mr. Defer, a quem seduz e com quem viaja para a América do Sul, fascinada com as possibilidades de rápida fortuna anunciadas por Defer . Chegou ao Brasil, no cargueiro "Bonne chance" e desembarcou em Santos . No hotel em que foi jantar com Defer, Mme. Pommery encontra Zoraida, com ar de senhora respeitável, repleta de jóias, acompanhada do marido. Zoraida finge não reconhecer Pommery que, inconformada, pede ao garçon explicações sobre o casal da outra mesa . Fica sabendo que se trata de gente importante - Coronel Pacheco Isidro e Dona Zoraida -, donos de muitas fazendas e influentes na política. Mme. Pommery fica extasiada; percebe as possibilidades da terra em que havia chegado e decide que o Coronel seria seu homem. Despede-se de Defer e ruma para São Paulo, no encalço de Zoraida e Pacheco Isidro. Pretendia chantagiar o casal, em troca do silêncio sobre o passado de Zoraida .

Na metrópole paulistana, Mme. Pommery volta ao trabalho: no Hotel dos Estrangeiros, uma vez mais é uma prostituta e artista de cabaré . Encanta a todos, não tanto pela sua beleza física, já quase desaparecida, mas pela simpatia e comicidade. Foi alargando o círculo das amizades, dos admiradores e percebeu que todos conheciam o casal Zoraida e Pacheco Isidro e também o passado de prostituta da colega de outros tempos. Portanto, o plano de Mme. Pommery de chantagiar estava anulado . Restava-lhe arrumar um sócio e fundar uma bordel, para ganhar tanto dinheiro que suplantasse a superioridade de Zoraida.

São Paulo àquela época, Mme. Pommery logo percebe, é ainda provinciana, a despeito das modernizações por que passava. Especialmente a moral, os "bons costumes", o comportamento mantinham-se ainda tradicionais, conservadores e hipócritas . Coronel Pinto Gouveia, um dos enamorados de Mme. Pommery, queixava-se da precariedade e insipidez da vida noturna da cidade, a repugnância do meretrício local. Pommery não desperdiçou a oportunidade e pediu um empréstimo ao Coronel, com o intuito de fundar uma casa em que bebida cara, o luxo e as tentações da carne levariam os freqüentadores a gastar o que tinham e o que não tinham. O Coronel, depois de uma noite de amor e embriaguez que o deixaram descadeirado, concede o dinheiro pedido: não os dez contos, mas apenas seis. Apesar de se sentir traída, era o início da glória de Mme. Pommery, que ensinaria São Paulo a valorizar os prazeres da noite.

Com o empréstimo, Mme. Pommery instalou no largo do Paissandu, próximo à rua São João o seu Paradis Retrouvé, prostíbulo que ficaria logo famoso . Mme. Pommery acolhia Coronel Pinto Gouveia, mas incomodava-se com o fato de ter com ele uma dívida e queria, logo que fosse possível, safar-se do amante e sócio. Os gastos exagerados de Pinto Gouveia, manejados habilmente por Pommery, logo ultrapassaram a soma dos seis contos que o velho homem havia emprestado. Pinto Gouveia, para piorar a situação, descobre que Pommery tinha novo amante, Filipe Mangancha. Contrariado, vai-se embora do Paradis Retrouvé e manda pagar o que deve. Mme. Pommery havia encerrado seus negócios com o Coronel e, agora dona exclusiva do bordel, tinha caminho livre pela frente.

Filipe Mangancha, o novo amante, mantinha no Teatro Cassino um espetáculo de variedades. O teatro era um lugar ideal para Mme. Pommery e suas meninas exibirem-se em público.

Mme. Pommery articulava todos os passos que dava. Como lembra o narrador, herdara da mãe a disciplina do convento, de modo que estipulou no Paradis Retrouvé normas de convívio que não admitia ver quebradas . Seu objetivo era atingir o lucro - e isso herdara do pai judeu - e garantir nobreza à profissão de cafetina. Elegância na vida devassa, coisa que aqueles paulistanos simplórios apesar de ricos não conheciam antes da chegada de Pommery à cidade . Agora, no Paradis Retrouvé tinham a chance de conhecer o melhor estilo de prostituição, mas deviam também pagar por isso: nada de preços baratinhos, nada de cerveja: champanhe da boa e taxas que pagassem a qualidade dos serviços lá prestados. Se bem que o serviço não era lá tão especial assim: suas meninas "vindas da Europa" eram, na verdade, bem brasileiras e de origem bem ordinária; a champanhe servida não era das melhores e o ambiente não era decorado no luxo que o nome poderia fazer supor. É a simpatia e o zelo de Mme. Pommery e a alegria de alguns freqüentadores, entre eles Filipe Mangancha, que garantem a atmosfera exuberante do local.

Um dia Mangancha conversa com um colega, Narciso, em que o primeiro defendia e o segundo atacava a ingestão de bebidas alcoólicas . Interrompendo a conversa, Mme. Pommery chega, dizendo estar passando mal. Levada para o quarto, na verdade foi encontrar-se com seu novo pretendente: Romeu das Camarinhas, moço romântico e galante. Mme. Pommery já estava cansada de Filipe Mangancha e, além de tudo, a Companhia Paulista de Teatro e Passatempo já tinha decaído e não mais interessava para Pommery levar suas meninas para se exibirem no espetáculo de Mangancha. Tinha chegado, portanto, a hora de desfazer-se dele. Ela queria agora freqüentar o Bar do Municipal , para manter-se em contato com a aristocracia .

Filipe Mangancha fica irado quando sabe da traição de Pommery mas, como um cirurgião tinha de manter a boa reputação, nada fez a não ser pagar as contas atrasadas. Começava a fase mais estável e brilhante de Mme. Pommery, ao lado de seu Romeu das Camarinhas.

O Paradis Retrouvé tornou-se o ponto de encontro da elite financeira. Lá se fechavam os negócios que moviam São Paulo. Passar pelo bordel de Mme. Pommery era sinônimo de prestígio e de elegância . Em contrapartida, as meninas de Pommery e a própria cafetina passaram a freqüentar as sessões do cinematógrafo, novidade da fidalguia local. A cortesãs, antes confinadas, agora podiam participar da sociedade, mostrar suas caras ao público em geral, compartilhar de momentos com esposas e filhos daqueles homens que eram clientes do Paradis Retrouvé. O mundo respeitável das senhoras e senhoritas de família se punha em contato com o mundo da prostituição, que, desde a chegada de Mme. Pommery já não era mais vergonhoso. As moças que iriam se casar passaram até a receber cursos no Paradis Retrouvé!

Um único acontecimento desestabiliza a tranqüilidade de Mme. Pommery. Trata-se da visita de Justiniano Sacramento, funcionário público que pretende cobrar enormes somas de impostos do Paradis Retrouvé. Mas a sorte estava do lado da proprietária. O Coronel Fidêncio Pacheco Isidro, isso mesmo, o marido de Zoraida, tinha se tornado um freqüentador do prostíbulo e, por coincidência, era justamente naquela época o Ministro dos Impostos. Coronel Pacheco Isidro coloca-se a favor de Mme. Pommery e, para que Justiniano não criasse mais caso, Chico Lambico, o redator do "Jornal de São Paulo", onde Justiniano também trabalhava, conta ao corretíssimo funcionário público que o próprio Ministro freqüentava o Paradis Retrouvé. Atônito, mas interessado, Justiniano empolga-se por conhecer o lugar. Maravilhou-se com a sociedade que lá encontrou, ainda que tenha ficado um pouco decepcionado com a falta de religiosidade que pôde observar nas meninas. O resultado foi melhor do que se esperava: Justiniano abaixa as taxas do Paradis Retrouvé, conforme pedido de Pacheco Isidro. Mais ainda: começa a sentir uma vontade irresistível de voltar ao bordel, onde gastou todas as suas economias. Mme. Pommery fica comovida com a desgraça financeira de Justiniano e pede a Pacheco Isidro que aumente o salário do funcionário.

Só faltava uma coisa para coroar a existência de Mme. Pommery. Não nos esqueçamos que tudo que fez, toda a fortuna que acumulou foi para se vingar do desprezo de Zoraida no encontro que tiveram no restaurante, quando Pommery chegara ao Brasil. Faltava uma única coisa: casar-se . Com isso, entraria de vez por todas no círculo aristocrático paulistano. Analisou vários possíveis candidatos e estrategicamente vendeu o Paradis Retrouvé, para retirar-se à vida privada. Era o primeiro passo para a regeneração. Casou-se? Não se sabe. Mas o narrador - e nós mesmos - ficamos morrendo de vontade de conhecer como acabou a vida de Mme. Pommery .

FONTES:
Concursos Públicos. Digerati. CEC 0004. (CR-ROM)
http://www.trabalhonota10.com (imagem)

Luis Carlos Martins Pena (O Noviço)

O noviço traz basicamente a história de Carlos, rapaz endiabrado, que é enviado a um convento por decisão de sua tia e tutora. Não tendo vocação para a vida religiosa, Carlos foge do convento e dedica-se a desmascarar o ambicioso Ambrósio, segundo marido de sua tia. A seguir organiza-se a seqüência de ações que desenvolvem a essência dessa narrativa.

A peça inicia-se com Ambrósio Nunes em uma sala ricamente decorada. Preparando-se para ir à igreja com sua mulher Florência, o personagem afirma em tom cínico que mudara sua vida de homem pobre em oito anos. Fora miserável, mas valendo-se de determinação, perspicácia e destituído de qualquer escrúpulo tornara-se rico, condição que lhe conferia poder e lhe garantia plena impunidade. É interrompido por Florência que lhe apressa, dizendo que é necessário chegar cedo para sentarem-se nos primeiros bancos e, assim, poderem assistir confortavelmente à missa de Ramos. Ambrósio, com delicadeza de fala e gestos, pergunta à esposa como anda o projeto de encaminhar a enteada Emília para o convento e satisfaz-se com a notícia de que tudo corre como ele desejaria. Com muita habilidade, Ambrósio enfatiza a idéia de que a herança deixada pelo primeiro marido de Florência nunca o atraiu, revela que sua paixão sempre foi espontânea e pura e, de certo modo, lhe é até um tanto penoso administrar a fortuna do nobre falecido, no entanto, cabe ao marido zelar pela esposa amada. Desse modo, toma para si a incumbência de cuidar do dinheiro.

Florência cede às propostas aparentemente sinceras do marido e concorda em encaminhar não somente a filha para o claustro, mas também incentivar seu filho Juca de nove anos para ser frade, acreditando que dessa maneira estaria proporcionando aos dois uma vida virtuosa e verdadeiramente feliz. Ambrósio, com a intenção deliberada de controlar toda a situação familiar, mostra-se preocupado com a possibilidade de Carlos, sobrinho tutelado de Florência, vir a se revoltar contra o noviciado que lhe fora imposto há seis meses e causar aborrecimentos ao casal. Encerra-se a conversa. Ambrósio retira-se para acabar de vestir-se. Florência está a agradecer a Deus o marido que tem, quando Emília entra na sala. A mãe aproveita o momento para expor à filha as vantagens que a vida de freira proporciona, Emília chora e, contrariada, declara não ter inclinação para o claustro. A mãe, insensível à dor da filha, abandona a sala e sobe ao sótão para aprontar-se para a missa.

Inesperadamente, Carlos, vestido de frade, entra afobado e conta à Emília que havia fugido do convento, após discussão que acabara com uma barrigada no Abade Mestre. Irado, manifesta o desejo de ser militar, de envolver-se em lutas com espadas e não se submeter a jejuns prolongados e a coros e rezas infindáveis. A moça, comovida, ouve o relato dos martírios sofridos pelo noviço rebelde e lhe conta que também ela deverá entrar para um convento. Carlos revolta-se, declara o seu amor pela prima, acusa severamente Ambrósio de estar conspirando contra todos. Promete que não descansará enquanto não vingar-se do velhaco Ambrósio. Em meio a conversa, o garoto Juca, desajeitado em um hábito de frade, corre para o colo de Carlos, que percebe claramente o plano do marido da tia: filhos e enteados dedicados à vida religiosa seriam obrigados a fazer votos de pobreza, o que garantiria a posse de todos os bens por parte de Ambrósio. Emília e Juquinha saem da sala.
Batem à porta. Rosa entra na sala e com muita reverência dirige-se a Carlos, imaginando ser ele um frade. Conta-lhe que está à procura de seu marido Ambrósio Nunes, que há seis anos a abandonara em Maranguape, de posse de sua fortuna, a pretexto de investimentos lucrativos em Montevidéu. Sem notícias, ela chegou a pensar que ele tivesse morrido, mas uma pessoa informara-lhe de que estava o fujão na corte, e estava ela ali, no momento, após longa viagem e andanças pelo Rio de Janeiro. Carlos, aproveita-se do engano da mulher e, fingindo ser bom capuchinho, investiga detalhes da história e recebe, como prova da veracidade dos fatos relatados, uma cópia da certidão de casamento de Rosa e Ambrósio. Promete ajudá-la e pede-lhe que aguarde alguns momentos em um quarto da casa. Florência, o marido e a filha, prontos para saírem, deparam-se com Carlos. Ambrósio cobra de Carlos obediência. O moço ironicamente desafia o marido da tia por meio de frases ambíguas, dando a entender que conhecia a história pregressa de Ambrósio. Este se enfurece e passa a fazer-lhe exigências. Carlos o toma pelo braço, abre a porta do quarto e mostra-lhe Rosa. O tio desorganiza-se, corre e arrasta violentamente para fora da casa mulher e enteada.

Carlos diverte-se com a aflição do cínico tio e expõe à Rosa a atual condição de Ambrósio. A mulher traída não resiste. Desmaia. Cria-se um alvoroço. Juquinha é chamado a ajudar; apanha um galheteiro, Carlos a faz cheirar vinagre, azeite, tentado-lhe restituir os sentidos. Em meio a intensa agitação, ouvem-se meirinhos aproximarem-se. Dirigem-se eles a casa para efetuarem a prisão do travesso noviço. Carlos faz a mulher acreditar que Ambrósio é poderoso e que os oficiais batiam à porta para prendê-la. Propõe a ela que trocassem vestimentas. Rosa vestiria seu hábito de religioso, e ele, suas vestes de mulher. Desse modo, estaria ela a salvo da fúria dos meirinhos e ele seria preso em seu lugar. Rosa ingenuamente aceita a proposta. Juca a encaminha para um quarto. Carlos, travestido de mulher, recebe dissimuladamente o Mestre de Noviços e os meirinhos. Faz-se passar por tia do noviço endiabrado, aponta o esconderijo e orienta a maneira segura de surpreender e prender o sobrinho. Os oficiais entram no quarto, capturam o falso noviço e o levam para o convento.

Carlos diverte-se imaginando a confusão que aconteceria quando o Abade percebesse que uma mulher fora presa em seu lugar. Pede a Juca que ficasse à janela e o avisasse da chegada do padrasto.

Ambrósio, perturbado, invade a sala. Havia deixado Florência e Emília na igreja. A sua agitação é tamanha que se dirige a Carlos, pensando ser ele Rosa. O sobrinho aproveita-se do engano e diverte-se, respondendo às perguntas de Ambrósio como sendo sua primeira esposa. Chega inclusive a atirar-se aos pés de Ambrósio em pranto exagerado. Nesse instante, o tratante Ambrósio percebe o equívoco. Irrita-se com o descaramento do sobrinho, que imediatamente lhe contém a fúria, mostrando a certidão que estava em seu poder. O tom da cena inverte-se: Ambrósio humilha-se, implora a Carlos que nada revele à Florência. Dono da situação, o rapaz faz exigências: abandonará o noviciado, receberá a herança deixada pelo pai; Emília não será freira, e ele terá o consentimento para casar-se com a prima. Ambrósio, de joelhos, aceita as imposições e suplica piedade de Carlos.

Subitamente, Florência e Emília entram na sala e há novo equívoco: Florência acredita ter flagrado o marido em traição. Sente-se desgraçada e num assombro se dá conta de que é o sobrinho que subjuga Ambrósio. Pede explicações para aquela patifaria e, cinicamente, Carlos afirma que estavam encenando uma comédia para o sábado de Aleluia. A tia, atônita, ouve ainda o rapaz trapalhão declarar o acordo que fizera com Ambrósio. Este vai interrompendo a fala de Carlos com argumentos incontestáveis. Diz à mulher que fora um erro encaminhá-lo ao convento, pois não se pode impedir que os jovens possam realizar o amor tão genuíno que sentem. Carlos acrescenta que como prova de agradecimento cederá metade de seus bens em favor do tio bondoso e lhe entrega a certidão de casamento como se entregasse o termo de cessão de parte da fortuna. Ambrósio rasga o papel, dissimulando total desinteresse pela doação. Florência sente-se abençoada por ter casado com um homem tão honrado e chega a vangloriar-se da própria capacidade de distinguir o amante sincero entre tantos pretendentes que tivera logo após a viuvez. Elogia as qualidades do marido, que insiste não ser merecedor de tanta reverência.

Felizes, Emília e Carlos acertam o casamento para dali a quinze dias. Nem bem confirmam o enlace matrimonial, o Mestre dos Noviços surge para efetuar a prisão do noviço fujão. O religioso declara enraivecido o constrangimento que passara diante do Abade ao cair novamente em uma cilada de Carlos, quando levou ao convento uma mulher. Diante das declarações do Mestre, Ambrósio perturba-se e tenta saber do paradeiro da tal mulher. Florência desconfia das intenções do marido. A confusão está armada: o Mestre arrasta o noviço para fora da casa; a tia não consegue impedir a prisão do sobrinho, mesmo dizendo que Carlos abandonaria a vida religiosa e que ela mesma diria isso ao Abade.

O clima na casa é de confusão. Ambrósio mostra-se atordoado, Florência pede explicações para ter sido levada apressadamente para a igreja e ter sido lá deixada. Ambrósio rapidamente dissimula a própria aflição. Tenta abraçar a esposa que se revela arredia, exigindo que se esclareça a identidade da mulher que fora presa em lugar do sobrinho. Acuado, Ambrósio inventa ser a tal mulher uma antiga namorada, que não se conformara com o fato de ter ele se casado. Confessa o erro cometido ao envolver-se na juventude com aquela moça. Diz-lhe, no entanto, que a causa da separação fora o amor incontido que sentiu desde o primeiro momento que viu Florência. O discurso amoroso de Ambrósio é interrompido por Rosa, vestida de frade. Esta, entregando a certidão a Ambrósio, interpõe-se ao casal, gritando que aquele homem lhe pertencia. Ambrósio corre pela casa, tentando escapar. Nesse momento, ouve-se a ordem de prisão ao bígamo. Enquanto isso se passa, Florência, estarrecida, lê a certidão de casamento de Rosa Lemos e Ambrósio Nunes.

Muda-se o cenário. Florência, recolhida no quarto de Carlos, para evitar contato com o ambiente em que vivera momentos felizes ao lado do marido farsante, chora convulsivamente e é confortada pela filha. Está assim prostrada há oito dias. Nada a anima, nem mesmo os remédios receitados por um médico da família. Emília afirma ser necessário que a mãe reaja e, desse modo, vingue-se de tanta traição. Florência diz que seu procurador está encaminhando um mandado de prisão e que quer enviar uma carta ao Abade, explicando-lhe os fatos e pedindo-lhe o favor de mandar um representante do convento para que ela se justificasse pessoalmente pelos transtornos causados. Decide, então, que o criado José fosse o portador da carta.

Nova surpresa: Carlos mais uma vez havia fugido do claustro. Apressado, invade os fundos da casa, com o hábito roto e sujo, as mãos esfoladas, joelhos machucados. Entra em seu antigo quarto. Ouve a voz do padre-mestre, esconde-se embaixo da cama em que está deitada a tia. Emília acompanha o padre até os aposentos onde está Florência, que acorda meio atordoada. Estava ele incumbido novamente de efetuar a prisão do noviço indomável. Florência e Emília surpreendem-se com a notícia de que Carlos tivesse escapado novamente das grades do convento. Enquanto Florência expõe a sua decisão de livrar Carlos do noviciado, Emília percebe a presença do amado embaixo da cama. O padre-mestre retira-se da casa, aliviado por não ter mais que se haver com as diabruras de Carlos.

Florência lamenta-se da tragédia que lhe acometera. Emília se mostra comovida e comporta-se como se não soubesse o paradeiro do primo, mesmo este lhe puxando as saias e fazendo-lhes cócegas nas pernas. Chega a casa Ambrósio, trajando-se como um frade, seguindo o criado José até o quarto de Florência. Há novo equívoco. Florência imagina ser o frade o representante que requisitara ao Abade e passa a lhe contar a trama de que fora vítima. Ambrósio, não suportando ouvir tantas acusações, denuncia-se, retirando o capuz, revelando, assim, a sua real identidade. Revela à mulher que as portas da casa estão trancadas e que ninguém poderá lhe socorrer os gritos. Impõe que lhe entregue dinheiro e jóias, enfim, tudo que ela possuísse; caso contrário, só restaria a alternativa de matá-la. Nesse momento, se esclarece mais um mal-entendido: José, fiel a Ambrósio, não tinha enviado a carta ao Abade, na verdade, tinha facilitado os planos de seu patrão.

Florência corre aos gritos pela casa, esconde-se em um canto coberta por uma colcha. Ambrósio, na correria, encontra Carlos, puxa-lhe pelo hábito, pensando tratar-se das saias de Florência. Carlos revida com uma bofetada. A tia permanece imóvel , coberta por uma colcha. Em seguida, entram quatro homens armados e o vizinho Jorge que vinha em socorro aos gritos que da rua se ouviam. Florência diz que um ladrão travestido de frade tinha invadido a casa, mas já havia fugido. Os homens vasculham a casa e acabam dando com Carlos, que aos berros, sai debaixo da cama, e, tentando proteger-se das agressões, mete-se atrás de um armário e o atira ao chão. O vizinho, ferido na perna, grita à Florência que o ladrão se escondia no quarto e havia escapulido por uma porta. Emília desvencilha-se do vizinho, agradece a ajuda e mando-o embora. Insiste com a mãe que o frade era Carlos. A mãe retruca, afirmando que era o padrasto.

A tensão aumenta com a chegada de Rosa, que é recebida com certa amabilidade por Florência. As duas conversam a sós. Lamentam-se da inocência com que se entregaram ao vilão Ambrósio. Rosa apresenta à Florência a ordem de prisão contra o bígamo e queixa-se ao saber que Ambrósio há instantes escapara daquela casa. De modo inesperado, arrebenta-se uma tábua do armário e Ambrósio, quase asfixiado, põe a cabeça de fora. Ambas mulheres atacam-no aos socos e pauladas. O farsante, aos gritos, suplica compaixão às duas esposas.

Entra no quarto Carlos, preso por Jorge e os soldados. Florência desfaz o engano, dizendo que era seu sobrinho o que tomavam por ladrão. Ambrósio esconde-se novamente no armário. Rosa, acompanhada de oficiais de justiça, entrega o mandado lavrado de prisão. O bígamo é retirado do armário e recebe a sentença de prisão. O Mestre de Noviços retorna a casa com a permissão de livrar Carlos do convento. Antes de retirar-se, o religioso abençoa a futura união de Emília e Carlos. Ambrósio sai lamentando-se da punição recebida _ _ .

FONTES:
Concursos Públicos. Digerati. CEC 0004. (CR-ROM)
http://www.saovicentedepaulo.com.br/ (imagem)

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense - Parte IV)

4 – O GRUPO CLÃ E CONTEMPORÂNEOS

Na opinião de Sânzio, “o conto moderno só irá consolidar-se definitivamente em nossa terra com o chamado Grupo Clã, já na década de 40”.

O surgimento do Grupo Clã e sua revista (as Edições Clã se iniciam em 1943) traz a lume uma plêiade de novos contistas, entre eles Braga Montenegro, Moreira Campos, Fran Martins, Eduardo Campos e Lúcia Martins. Sobre os quatro primeiros serão dedicadas algumas páginas no decorrer deste livro.

A única mulher do grupo nasceu no Rio de Janeiro, em 1926, mudando-se para o Ceará em 1941. Romancista, novelista e contista, constam de sua bibliografia os livros Janelas Entreabertas (1971), Histórias Para Passar o Tempo e Por causa do Sol. Sobre o segundo, Francisco Carvalho, no artigo de igual título, se reportou assim: “Neste conjunto de histórias curtas (algumas não são tão curtas assim), ela demonstra invulgar capacidade para urdir a trama de suas narrativas com os clássicos ingredientes que fazem da ficção uma supra-realidade povoada dos sonhos e impulsos inerentes à condição humana”.

Outros poetas e romancistas do Clã que também escreveram composições ficcionais curtas são:

Aluízio Medeiros (Fortaleza, 1918-Rio de Janeiro, 1971), poeta e crítico literário, estreou com Trágico Amanhecer, em 1941.

José Stênio Lopes (Guaramiranga, 1916) se dedicou à poesia, crônica, conto, novela, crítica literária. Em parceria com João Clímaco, editou o volume Duas Novelas (1952). Autor também do livro de crônicas e contos O Homem e seu Cachorro (1959).

João Clímaco Bezerra (Lavras da Mangabeira, 1913) se dedicou ao romance, à crônica e à crítica literária.

Os nomes que se seguem são de romancistas e poetas que, aqui e ali, escreveram ou escrevem histórias curtas:

Artur Eduardo Benevides (Pacatuba, 1923), autor da coleção Caminho sem horizonte (1958) e, mais recentemente, 2001, de A Revolta do Computador e Outros Contos de Mistério. Braga assim se refere ao primeiro: “nove estórias, todas acomodadas numa estreita faixa de temas, sem maior esforço experimentalista e sem penetração no espaço da literatura, isto é, no espaço dos mitos e dos símbolos poéticos”.

Nas dobras da capa do segundo volume, Révia Herculano assim se manifesta: “Esta é uma coleção de contos de suspense, ou mistério, descendentes, em linha reta, dos contos góticos dos ingleses do século XVIII”.

Artur está também presente na Antologia do Conto Cearense (1990), organizada por Mary Ann Leitão Karam, com “Depoimento Sigiloso”, premiado em 1984 no Concurso Nacional de Contos promovido pela Editora Abril Cultural.

Jáder de Carvalho (Quixadá, 1901-1985), jornalista, romancista, poeta, não reuniu em livro as suas narrativas curtas. Publicou, com outros, o primeiro livro do modernismo cearense em 1927, O Canto Novo da Raça.

Margarida Sabóia de Carvalho (Fortaleza, 1905-1975) se dedicou à crônica e ao conto. A Vida em Contos é de 1964. Na reflexão de Braga Montenegro, “Seus contos, alguns de um teor lírico apreciável, filiam-se à maneira tradicional de narrar, não cogitando a autora de qualquer renovação no plano estético”. E remata: “Muito embora sem renovação estilística, a ficção de Margarida Sabóia se contém numa linguagem fluente, correta, em alguns casos de uma simplicidade emocionante”.

Milton Dias (Ipu, 1919-1983) publicou inúmeros livros de crônicas que se abeiram do gênero conto, entre eles Sete Estrelo (1960), As Cunhãs, A Ilha do Homem Só, Entre a Boca da Noite e a Madrugada, Cartas sem Resposta, As Outras Cunhãs e A Capitoa, todos subintitulados “estórias e crônicas”. Na opinião de José Hélder de Souza, em “Milton Dias, entre a crônica e o conto”, do livro De Mim e das Musas, “em verdade muitos dos trabalhos reunidos nestes volumes são deliciosos contos feitos do melhor barro da técnica contística como ‘ Botija’”.

F. S. Nascimento, no ensaio “A Prosa Aliciante de Milton Dias”, constante do livro Apologia de Augusto dos Anjos e Outros Estudos também se encaminha por esta mesma senda, como se vê neste trecho: “Já em Sete-Estrelo se configurava a tendência de Milton Dias para transcender os limites da crônica, ousando exercitar-se, e com êxito, numa área da criação literária ocupada pelo conto”.

Sinval Sá (Paraíba, 1922), sobre quem Braga Montenegro informa ter reunido em livro, em 1959, algumas histórias curtas divulgadas na revista Clã e na imprensa, publicou também romances.

F. Magalhães Martins (Ipu, 1910), autor de Açude e Outros Contos (1955) e outros livros.

Carlyle Martins (Fortaleza, 1899-1986), poeta, crítico literário e contista, é autor de Alma Rude (1960), de contos regionais, e outras obras.

Diversos outros cultores da narrativa curta surgiram no mesmo período que se inicia com o surgimento do Grupo Clã, ou logo após, Alguns são mais poetas e romancistas, outros, porém, se dedicaram tanto ao conto como a outros gêneros literários e se destacaram num e noutro:

Lauro Ruiz de Andrade (Fortaleza, 1905), folclorista, novelista, romancista e contista, cuja estréia se deu em 1934, com Dunas e Penedos, seguido de Os bate-papos de João Tapuio (contos e apólogos), 1980.

João Jacques (Fortaleza, 1910-), um dos organizadores do jornal Cipó de Fogo (1931), órgão do modernismo no Ceará, deixou alguns livros de poemas e crônicas. Segundo Sânzio, trata-se de “cronista que às vezes freqüenta o conto”. Ao analisar o texto “O Derretido”, incluído na Antologia Terra da Luz, o ensaísta se refere ao livro Uma Fantasia e Nove Histórias Reais (1969) e explica: “são narrativas lineares, sem nenhuma pretensão inovadora, embora haja o autor sido, nos anos 30, um dos chamados modernistas. A verdade é que o escritor pretendeu mesmo aproximar-se da maneira tradicional de se contar história”.

José Maia, embora ainda inédito em livro, tinha na gaveta, em 1965, o livro A Noite e a Nudez. Apesar disso, participou de Uma Antologia do Conto Cearense. Braga Montenegro assevera: “talvez porque mais consciente do alcance de seus méritos ou suspeitoso de suas possíveis limitações, é retraído e pouco fecundo. Poderíamos chamá-lo, até certo sentido, um colecionador de essencialidades, tal o laconismo de suas composições e a escassez delas; e ainda a natureza de introversão poética com que engendra e reveste os assuntos de que se ocupa. Suas estórias são comumente flagrantes de uma crise moral velados de sutileza, mas em que se percebe, implícita e constante, a solidão do homem, a sua tragédia recôndita, os liames da insidiosa trama que definitivamente o prendem à vida e à morte. ‘O Anjo’, ‘A Fugitiva’, ‘Burleta’, ‘Vigília de Natal’ nos revelam, além do vínculo temático segundo essa visão particular do mundo, as virtudes artesanais com que o artista se define, embora ainda vacilante, na consciência de seu processo”.

Nonato de Brito (Fortaleza, 1926) apresentou pelo menos dois contos: “Ouro e Sexo”, estampado na revista Clã n.º 25, 1970, e “Última Cartada”, publicado na Antologia de Contistas Novos do Brasil, 1971, organizada por Moacir C. Lopes.

Raimundo Amora Maciel é mencionado por Girão. Nascido em Pacatuba (1895), publicou poemas, contos e romances, entre os quais Tição (1966), A marca dos passos perdidos (1975) e Safra do meio dia, de ficções curtas.

Carlos Cavalcante, que adotaria o pseudônimo de Caio Cid (Pacatuba, 1904-1972), cronista, poeta e contista, escrevia e divulgava volumes de crônicas e contos, tais como Aguapés (1935), Gitirana (1938) e Canapum (1950).

Alba Valdez (pseudônimo de Maria Rodrigues Peixe) nasceu em São Francisco de Uruburetama, hoje Itapajé, em 1874. Faleceu em 1962, na capital cearense. Jornalista e contista, iniciou-se com o livro Em Sonhos, de contos, em 1901. A seguir publicou Dias de Luz, em 1907. Deixou vasta obra. Teve narrativas curtas traduzidas para o sueco e o francês. (Dolor)

Assis Memória (Gauraciaba do Norte, 1886), padre, professor, orador, jornalista, cronista, deixou dois livros publicados.

Mozart Firmeza (Fortaleza, 1906) é um dos poetas de O Canto Novo da Raça, livro inaugural do modernismo no Ceará. Também cronista e contista, deixou um livro editado.

João Otávio Lobo (Santa Quitéria, 1892-1962) é “escritor de estilo elegante e linguagem esmerada”, na opinião de Raimundo Girão. Publicou livros científicos e algumas peças ficcionais curtas. No Almanaque de Contos Cearenses, primeiro número, foram mostradas algumas delas.

Yaco Fernandes (Fortaleza, 1914-Rio de Janeiro, 1977), poeta, crítico literário, ensaísta e contista. Deixou um importante livro: Notícia do Povo Cearense.

Martins d’Alvarez (Barbalha, 1903), poeta, novelista, romancista e contista, publicou a coleção A Morte do Anjo da Guarda, em 1979.

Antônio Girão Barroso (Araripe, 1914) pertenceu ao Grupo Clã. Como poeta, apresentou ao público alguns livros. Teve composições ficcionais estampadas em periódicos como Clã e O Saco.

Jandira Carvalho (Ipueiras, 1918) escreveu poemas, crônicas e contos, divulgados em jornais, revistas e coletâneas.

Geraldina do Amaral (Caucaia, 1925), jornalista, poeta, cronista e contista, participou de três coletâneas.

Florival Seraine editou em 1976 o volume A Noiva do Tempo. Embora nascido em Viseu, Pará (1910), cedo passou a viver no Ceará, onde exerceu a medicina e o magistério e escreveu obras de lingüística e folclore. Em 1993 divulgou outro livro de histórias curtas, Vida e Sonho. Faz parte da Antologia do Conto Cearense (1990), com “O Último Natal”. Membro da Academia Cearense de Letras.

Paulo Aragão (Fortaleza, 1943) é autor de O Clarim e os Cães e outras estórias, de 1967. (Raimundo Girão)

Angélica Coelho (Fortaleza, 1920) estreou como poeta em 1952. Seus contos estão reunidos em Elas não têm destino, de 1954, e Ternura. Escreveu também romances. (Girão)

Edigar de Alencar nasceu em Fortaleza (1901). Mudou-se cedo para o Rio de Janeiro, onde se formou em Ciências Econômicas. Jornalista, cronista e poeta, tem vários livros editados. Na orelha do livro de poemas Galé Fugido, de 1957, há referência a Volta da Jurema, título geral de seus contos, nunca publicados.

Hilda Gouveia de Oliveira (1929), romancista por excelência, teve editado o primeiro livro em 1971, Os Sete Tempos. Só recentemente imprimiu um volume de narrativas curtas, intitulado Novelo de Estórias. Sob este mesmo título, Francisco Carvalho escreveu um artigo, incluído em Rascunhas e Resenhas, onde enaltece as qualidades literárias da romancista de Granja: “O desenho verbal destas narrativas não faz concessões à vulgaridade, mas também não se mostra reverente ao culto da pureza romântica”.

Cândida Galeno (Nenzinha Galeno) é neta de Juvenal Galeno, nasceu em Russas. Cronista, ensaísta, folclorista e contista, estreou em livro em 1953. O conjunto de histórias Trevo de quatro folhas, escrito por ela e mais Elizabeth Barbosa Monteiro, Nívea Leite e Otília Franklin, é de 1955.

Miguel Newton Arraes (Crato, 1928). Suas primeiras histórias foram estampadas na extinta revista A Cigarra. “Verso e Reverso” é ganhador de concurso internacional. O livro Pau-de-Arara e Outros Contos recebeu prêmio em Pernambuco (1954). Tem composições em jornais e revistas, como Espiral (n.º 3): “Uma bela crioula”.

Ailton Alves Maciel nasceu em Baturité em 7 de março de 1943. Em vida nada publicou, embora tenha escrito inúmeros poemas, romances e contos. Sua obra mais importante desapareceu. Talvez no incêndio doméstico que quase o matou, em Brasília, onde foi viver (e morrer) no início dos anos 1970. Sua morte clíni­ca se deu no dia 22 de outubro de 1974. Apenas quatro contos se salvaram: "Santa Caçada", "O Touro", "O Careca" e "O Presente da Professora", este publicado na revista Literatura n.º 24, de 2003. Outros onze fragmentos encontrados podem ser de contos e romances.

De alguns contistas não foi possível obter mais informações, como de Melo Lima, Hélder de Queirós Lima, Antônio Marrocos de Araújo, Nieddy Frederick, Elcias Lopes, Jairo Martins Bastos, Francisco Fernandes do Nascimento, Miguel Newton de Alencar, Maria Luísa de Queirós, Mário Alcântara, Otília Franklin, Nívea Leite e Elizabeth Barbosa Monteiro. Seus nomes não foram mencionados nas obras do historiador Raimundo Girão que serviram de fonte para a elaboração de algumas biografias neste estudo, embora tenham sido referidos por Braga Montenegro e Sânzio de Azevedo.

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Fran Martins, nascido Francisco Martins, é natural de Iguatu (13 de junho de 1913) e faleceu em Fortaleza (1996). Filho de Antônio Martins de Jesus e Antônia Leite Martins. Uma das principais figuras do grupo e da revista Clã, cujo número inaugural saiu sob a sua direção. Formou-se em Direito, lecionou na Faculdade de Direito e na de Ciências Econômicas da UFC e escreveu inúmeras obras jurídicas. Colaborou em jornais e revistas de diversos Estados. Redator de A Esquerda e O Estado. Sua obra literária é vasta. No gênero conto estreou com Manipueira (1934), seguindo-se Noite Feliz (1946), Mar Oceano (1948), O Amigo de Infância (1960) e Análise (1989). Escreveu alguns romances: Ponta de Rua (1937), Poço dos Paus (1938), Mundo Perdido (1940), Estrela do Pastor (1942), O Cruzeiro Tem Cinco Estrelas ((1950) e A Rua e o Mundo (1962). É autor também da novela Dois de Ouros (1966), considerada sua melhor obra.

Na opinião de Montenegro, “o atributo dominante da obra de Fran Martins é a lógica.” Mais adiante acrescenta: “A sua atitude literária é sempre infensa à tendência moderna de erguer e sublimar os fenômenos artísticos a um plano essencialmente teórico ou intelectual, o que muita vez implica na efetiva negação da veracidade de certas leis da vida, mas, ao mesmo tempo, eleva o pensamento criador a evidente plenitude de domínio e eficácia. O mundo em que o escritor coloca a ação de seus romances e de seus contos é um mundo de observação, mais que de concepção; de imagem, mais que de símbolo; de percepção, mais que de intuição”. Em outro parágrafo, o crítico faz a seguinte análise: “Se nos contos de Manipueira (1934), seu livro de estréia, encontramo-lo preocupado com assuntos regionais, com os aspectos anedóticos do fanatismo e do cangaço, vemo-lo agora atento aos temas poéticos, palpitantes de vida e humanidade (...)”

No ensaio “Diálogo Intratextual: A Ruptura da Normativa”, (AAA, págs. 159/164), F. S. Nascimento assim se refere a Fran: “Possuindo boa leitura da moderna prosa de ficção em língua inglesa, conhecendo no original Sherwood Anderson, John dos Passos, Ernest Hemingway e outros, presume-se que Fran Martins tenha se inspirado nas lições dos mestres estrangeiros para realizar a experiência que seu novo livro de contos encerra.” Mais adiante comenta”: “Ao escrever “Cão Vadio” (Noite Feliz, 1946), Fran Martins já demonstrava seguro domínio dos elementos fundamentais da moderna ficção, tais como o fluxo da consciência, a voz ou reflexão solitária, o flash-back etc.” O crítico apresenta mais argumentos a favor do conceito de modernidade na obra de Fran Martins: “O que se admite por mais ousado no diálogo de alguns dos novos contos de Fran Martins está, de fato, na ruptura extrema da normativa, sendo rejeitada até a aspa simples”.

Analisando-se as narrativas curtas de Fran Martins, percebe-se o quanto a utilização de determinada técnica de narração pode fazer com que uma obra literária seja desviada do caminho da vulgaridade ou da mediocridade e chegar ao leitor envolta numa aura muitas das vezes de sublimidade. Assim, veja-se “O Amigo de Infância”, primeiro do livro de título homônimo. Dois homens (Chico e Gustavo) se encontram numa rua, relembram a infância, dirigem-se a um café, continuam falando do passado e, finalmente, se despedem. Apenas isto. Seria uma história insossa, menor, não tivesse Fran dado à forma de narrar um tratamento refinado. Até o desenlace seria trivial, com a última fala, a do garçom, de feitio anedótico. Mesmo sendo o desfecho da história, o arremate moral, a dar à narrativa um tom realista, próximo do naturalismo – o retrato do caráter de um dos personagens.

Em “Ventania” muda novamente o contista o rumo de sua arte de narrar. Aqui o protagonista é o narrador, sem nenhuma dúvida. E por que o nome do cavalo como título? O cavalo seria o elo de ligação de dois mundos: o do narrador e o das outras duas personagens (o pai e a mãe). Ventania seria também a causa do alvoroço do narrador, um vento forte a lhe varrer a inocência.

O conflito vai sendo apresentado de forma sutil, na visão do narrador, um menino. E tudo é presente, isto é, não há passado anterior. O drama é narrado linearmente, embora na voz pretérita, porém sem flashback. Tudo se passa em poucos dias, de forma acelerada, como numa corrida. Apesar disso, a narração é lenta, comedida, sem atropelos, correrias. Nas obras anteriormente citadas, as personagens se deslocavam pela rua, pela escola, pelas margens de um rio, pela cidade. Nesta, o narrador vai ao quintal, volta ao quarto, gira ao redor de si mesmo, até quando vai à escola. Faz voltas ao redor de sua dor, embora seu pai saia a cavalo, em busca de outra mulher, e sua mãe chore pela casa.

Caio Porfírio Carneiro escreveu: “Fica a impressão – mais que isto: a certeza – de que a força narrativa do romancista sempre lhe deu sinais, como uma pilha que se não apaga, de que o conto sempre o chamou de volta, e para ele sempre voltou. Não com o ímpeto do romancista, mas com o carinho do cinzelador. Eis porque deixou páginas preciosas de ficção curta”.

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(Manuel) Eduardo (Pinheiro) Campos nasceu em 1923, em Guaiúba, então distrito de Pacatuba. Estreou em 1943, com a coleção Águas Mortas. Seguiram-se, neste gênero, em 1946 Face Iluminada, em 1949 A Viagem Definitiva, em 1965 Os Grandes Espantos, em 1967 As Danações, em 1968 O Abutre e Outras Estórias (constituído por uma seleção dos presumíveis melhores contos), em 1970 O Tropel das Coisas, em 1980 Dia da Caça, em 1993 O Escrivão das Malfeitorias, em 1998 A Borboleta Acorrentada e em 1999 O Pranto Insólito. Tem também peças de teatro, livros de folclore, romances, ensaios, biografias, memórias, além de grande número de produções especiais para o rádio e televisão. Seus principais romances são O Chão dos Mortos e A Véspera do Dilúvio. Durante dez anos dirigiu a Academia Cearense de Letras; foi Secretário de Cultura do Estado, Presidente do Conselho Estadual de Cultura, e é Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará. Figura em antologias nacionais e internacionais de contos. É bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Iniciou-se nas letras escrevendo, dirigindo e representando peças de teatro. Sua peça O Morro do Ouro foi representada 350 vezes; A Rosa do Lagamar, mais de 500. Sua obra teatral foi reunida em dois volumes, contendo O Demônio e a Rosa, O Anjo, Os Deserdados, A Máscara e a Face, Nós, as Testemunhas, no primeiro, A Donzela Desprezada, O Julgamento dos Animais, O Andarilho, além das já mencionadas. Tem pequenas histórias incluídas em dez antologias, das quais duas no Uruguai e uma na Alemanha.

Embora não tenha alcançado notoriedade no resto do Brasil, no restrito espaço da crítica literária, Eduardo Campos tem seu nome gravado em alguns importantes compêndios de História da Literatura. Assim, está presente em A Literatura no Brasil, de Afrânio Coutinho, pelo menos no ensaio de Herman Lima: (...) “folclorista de altos méritos, tem, naqueles livros (refere-se aos três primeiros da bibliografia do contista), alguns contos regionais e psicológicos da melhor marca, a exemplo de “Os Abutres” e “O casamento”, o último, principalmente, na sua força bem da terra cearense, dos mais belos da atualidade brasileira”.

Eduardo Campos é um mestre do conto psicológico. Em “O Afogado”, do livro As Danações, o drama parece ir se deslocando não de lugar, mas de personagem, sob a óptica do narrador onisciente. O protagonista seria o afogado? Ou seria a podridão moral dos homens? No final, com o surgimento do cadáver, o narrador arremata a narrativa com uma frase moralista: “Foi quando os homens, amesquinhados, começaram a pensar que não era o afogado que malcheirava, mas eles, que haviam apodrecido em vida”.

No livro Três Momentos da Ficção Menor, F. S. Nascimento analisa “O Abutre”, no “Momento III”, e defende a tese de que “já em 1946 esta concepção de “new short story” era praticada no Ceará, efetivando-se na criação de “O Abutre”, de Eduardo Campos.” A seu ver, “O Abutre” se impõe como um modelo da “new short story”, sendo tão atual quanto “Cão Vadio” de Fran Martins, “Os Sete Sonhos” de Samuel Rawet, “A Coisa” de Garcia de Paiva” e qualquer uma das unidades narrativas de O Casarão, de Caio Porfírio Carneiro.”

Eduardo Campos, no entanto, não se repete nas formas de narrar. Assim, em “A Viúva Enganada”, do mesmo livro As Danações, o desenlace se esboça não no começo, mas no título, o que não deixa de ser curioso, se não for original.

Na peça que dá título ao livro o contista também não muda o ponto de vista, e a narração vem recheada de falas curtas e diálogos breves, acrescentado o discurso indireto livre, embora ainda sem muita ousadia.

Na opinião de Braga Montenegro, em “Eduardo Campos, Contista”, apresentação de O Abutre e Outras Estórias (1968), “é no conto onde melhor se manifestam suas qualidades de talento”. E acrescenta que se manifesta, “com maior freqüência, em Eduardo Campos o feitio de um escritor regionalista, no que não lhe vai qualquer restrição”.

Em O Abutre e Outras Estórias, possivelmente escrito logo após As Danações, Eduardo Campos utiliza outros focos narrativos. Assim, em “O Casamento” se vale do ponto de vista do escritor onisciente, que dá voz às personagens em breves diálogos diretos e também em um monólogo interior.

Em “O Ficcionista Eduardo Campos” (Exercícios de Literatura, págs. 135/138), Francisco Carvalho analisa o volume Dia da Caça assim: “São contos de estrutura relativamente simples, em que se evidencia a familiaridade do Autor na abordagem de certas manifestações do lirismo popular, ao lado de uma particular sensibilidade pelos termos ligados à terra e ao homem”.

Passando dos primeiros livros para os mais recentes, como A Borboleta Acorrentada, observa-se que a linguagem do contista em nada mudou, consciente de que os modismos passam e o mais valioso na obra literária não está na aparente transgressão de normas.

Apesar desse apego à narração, o contista não esqueceu as outras linguagens, como o discurso indireto livre. Percebe-se também a presença, embora não muito freqüente, do monólogo interior indireto. E nada de explicações, volteios circenses, excesso de figurantes e cenários.

Na opinião de Herman Lima, “`O Abutre`, de Eduardo Campos, e ‘Lama e Folhas’, de Moreira Campos, por exemplo, são dos mais belos e originais, que já se escreveram entre nós, em qualquer tempo”.
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Braga Montenegro (1907-1979), mais conhecido como “crítico de primeira plana, ensaísta agudo e sensível”, no dizer de Herman Lima, o contista e novelista estreou com Uma Chama ao Vento (contos, 1946), reeditado em 1980 pelas Edições UFC, seguindo-se, em 1976, As Viagens e Outras Ficções, (novelas e contos), mais uma seleção dos Contos Derradeiros, até então inéditos em livro. Em Uma Antologia do Conto Cearense esteve presente com “Os Demônios”, editado pela primeira vez em 1959, na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras. Sânzio de Azevedo analisa as histórias do autor de Correio Retardado em “Braga Montenegro, Crítica e Ficção” (Aspectos da Literatura Cearense, págs. 265/276).

Francisco Carvalho estuda a obra de Braga em “A Inquieta Modernidade de Braga Montenegro”, incluído na 2a. edição de Uma Chama ao Vento e em Exercícios de Literatura. E elucida: “um dos aspectos a destacar em Braga Montenegro é o permanente sentido de universalidade que caracteriza os seus trabalhos de ficção. Universalidade nascida da convicção de que o homem é tudo o que importa. Não o têm seduzido, por isso mesmo, os regionalismos tipificadores, com o seu conhecido cortejo de deformações. Muito embora as raízes espirituais do ficcionista mergulhem fundo nas fontes da literatura européia, importa assinalar que isso em nada lhe compromete a originalidade, nem lhe desfigura as matrizes do impulso criador. Não menos digna de nota é a verticalidade com que o ficcionista engendra situações no contexto das suas narrativas e com que tece a teia do acaso em que se envolvem os seus personagens. Em nenhuma das novelas e contos do presente volume a atmosfera ficcional vem a ser comprometida pelo simples devaneio formal ou pelo discurso literário inconseqüente”. Ao se referir às histórias curtas, o crítico vê nelas “peças de extraordinária expressividade e de considerável beleza literária. A austera poesia dessas páginas como que nos fere a sensibilidade com a sua pungência avassaladora. ‘Os Demônios’, ‘O Hóspede’, ‘O Potrinho Pampa’, ‘Agonia’ e ‘Ansiedade’ são, inquestionavelmente, documentos que se impõem pela autenticidade e grande beleza literária com que foram realizados”. Destaca também “O Tesouro”.

Segundo Pedro Paulo Montenegro, na análise crítica de trecho de uma obra de Braga, constante da Antologia Terra da Luz – Prosadores, de 1998, o autor de Uma Chama ao Vento é “cultor de um estilo elegante, culto, que se poderia dizer clássico, na linhagem machadiana”.
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Entretanto, de todos os nomes aqui citados, desde Juvenal Galeno e José de Alencar, passando por outros expoentes da literatura cearense, até hoje (2004), somente um pode ser chamado de contista por excelência ou por natureza – Moreira Campos. Os outros foram mais poetas ou mais romancistas. E isto não é apenas uma opinião, é uma constatação. Vejam-se os estudos, as teses, as monografias, as histórias, as enciclopédias – em todos eles, quando o assunto é conto, o primeiro nome cearense é o de Moreira Campos. São também citados com freqüência os nomes de Caio Porfírio Carneiro e Juarez Barroso. No entanto, ainda há uma imensa lacuna nessas publicações, uma grande omissão, porque estes e outros contistas cearenses têm tanta importância quanto muitos contistas de outros Estados que aparecem em livros de pesquisa e análise editados principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Alfredo Bosi, ao se referir ao Ceará, menciona poucos nomes, omitindo pelo menos três dos mais importantes: Gustavo Barroso, Herman Lima (lembrado apenas como ensaísta) e Moreira Campos. Está escrito na página 482 de sua História Concisa: “O Ceará conta com prosadores que honram a tradição do romance naturalista que lá conheceu o alto exemplo de Oliveira Paiva e Domingos Olímpio, sem falar nos pais da literatura regional brasileira, Alencar e Franklin Távora”. Afirma que depois de Raquel de Queiroz lembra apenas Fran Martins, Braga Montenegro e João Clímaco Bezerra, dos quais cita alguns livros.

Antonio Hohlfeldt, em Conto Brasileiro Contemporâneo, não olvidou o nome de Moreira Campos e fez breves referências a outros contistas cearenses, como Holdemar Menezes, que se radicou no Sul do Brasil e lá escreveu livros, Juarez Barroso, Mario Pontes, Paulo Véras, que nasceu no Piauí mas viveu e escreveu no Ceará, e Socorro Trindad. O crítico gaúcho se dedicou a pesquisas mais amplas e, sem má vontade, escreveu duas páginas a respeito de Moreira Campos, no capítulo V, intitulado “O Conto Rural”, no qual são analisadas também as obras de Guimarães Rosa, Bernardo Élis, Jorge Medauar, Caio Porfírio Carneiro, Guido Wilmar Sassi e José J. Veiga. Para comentar as composições de Moreira Campos, faz constantes transcrições de estudos assinados por Antônio Houaiss, Temístocles Linhares, Hélio Pólvora e Francisco Carvalho.

Temístocles Linhares, em 22 Diálogos Sobre o Conto Brasileiro Atual, trata apenas de Moreira Campos, no capítulo 11, onde também estuda o baiano Cyro de Mattos e Bárbara de Araújo, e Juarez Barroso, no capítulo 19.

Assis Brasil, em A Nova Literatura – O Conto, comete um enorme erro, ao deixar de lado Moreira Campos. Ou para o crítico piauiense o escritor cearense estaria entre os “velhos contistas”? Ora, a estréia do autor de As Vozes do Morto se deu em 1949, enquanto a de Murilo Rubião é de 1947. Portanto, ignorância ou má vontade. Em outra oportunidade, no entanto, o crítico se redimiu. Pois no Dicionário Prático de Literatura Brasileira não olvidou o nome de Moreira Campos. Incluiu-o no rol dos modernistas, isto é, daqueles que escreveram entre 1922 e 1955.

Hélio Pólvora dedicou um capítulo, “A Espingarda na Parede”, de Itinerário do Conto, a Moreira Campos. Como em outros livros, o único contista cearense estudado no ensaio, se considerarmos Holdemar Menezes um contista catarinense.
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continua...