quarta-feira, 11 de junho de 2008

O Saci-Pererê

A Lenda do Saci data do fim do século XVIII. Durante a escravidão, as amas-secas e os caboclos-velhos assustavam as crianças com os relatos das travessuras dele. Seu nome no Brasil é de origem Tupi Guarani. Em muitas regiões do Brasil, o Saci é considerado um ser brincalhão enquanto que em outros lugares ele é visto como um ser maligno.

É uma criança, um negrinho de uma perna só que fuma um cachimbo e usa na cabeça uma carapuça vermelha, que lhe dá poderes mágicos, como o de desaparecer e aparecer onde quiser. Existem 3 tipos de Sacis: O Pererê, que é pretinho, O Trique, moreno e brincalhão e o Saçurá, que tem olhos vermelhos.

Ele também se transforma numa ave chamada Mati-taperê, ou Sem-fim, ou Peitica como é conhecida no Nordeste, cujo canto melancólico, ecoa em todas as direções, não permitindo sua localização.

A superstição popular faz dessa ave uma espécie de demônio, que pratica malefícios pelas estradas, enganando os viajantes com os timbres dispersos do seu canto, e fazendo-os perder o rumo.

Ele adora fazer pequenas travessuras, como esconder brinquedos, soltar animais dos currais, derramar sal nas cozinhas, fazer tranças nas crinas dos cavalos, etc. Diz a crença popular que dentro de todo redemoinho de vento existe um Saci. Dizem que Ele não atravessa córregos nem riachos. Diz a lenda que, se alguém jogar dentro do redemoinho um rosário de mato bento ou uma peneira, pode capturá-lo, e caso consega sua carapuça, pode realizar um desejo.

Alguém perseguido por ele, deve jogar em seu caminho cordas ou barbantes com nós. Ele então irá parar para desatá-los, e só depois continua a perseguição, o que dá tempo para que a pessoa fuja. Aqui, percebe-se a influência da lenda da Bruxa Européia, que é obrigada a contar os fios de um feixe de fibras, antes de entrar nas casas.

Do Amazonas ao Rio Grande do sul, o mito sofre variações. No Rio Grande ele é um menino de uma perna só, que adora atormentar os viajantes noturnos, fazendo-os perder o caminho. Em São Paulo é um negrinho que usá um boné vermelho e freqüenta os brejos, assustando os cavaleiros. Se o reconhece o chama pelo nome, e então foge dando uma espetacular gargalhada.

Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br

Ana Lúcia Merege (Contar Histórias: Uma Arte Imortal)

Nos últimos anos, a arte de contar histórias vem sendo retomada não apenas por terapeutas e educadores, mas por pessoas de todas as formações, de várias camadas da sociedade, que se reúnem para partilhar sabedoria, afeto e energia através das narrativas. Para fazê-lo, não há regras: o melhor é usar o coração e a intuição, além da experiência que só se adquire através do tempo. No entanto, uma discussão acerca do que significa contar histórias e do que é necessário para isso pode nos levar a alguns pontos interessantes.

Em primeiro lugar, é preciso saber que contar histórias é uma arte popular. Uma aproximação excessivamente acadêmica e/ou sofisticada pode esvaziar o conteúdo emocional da narrativa, deixando o público pouco à vontade. Da mesma forma, deve-se ter em mente que, embora o ato de contar histórias possa se inserir numa proposta terapêutica ou num projeto pedagógico, não se pode agir de forma mecânica, apenas para cumprir um dever ou para ensinar o que quer que seja, de regras gramaticais a valores doutrinários. As histórias devem ser contadas por e com prazer. Se não, nem vale a pena começar.

O background cultural do narrador e a sua familiaridade com as histórias também são importantes. Ao narrar um conto maravilhoso, por exemplo, é muito mais importante conhecer e ser capaz de visualizar o cenário em que ele se desenvolve do que saber as palavras exatas. Saber de onde vem a versão que se está narrando é bom, mas melhor ainda é saber trabalhar, criativamente, com os elementos fornecidos pela narrativa, e ser capaz de levar o público a se identificar e se interessar por ela.

A escolha do repertório é fundamental para um contador de histórias. Segundo SAWYER, mesmo os contadores mais experientes encontram dificuldades com alguns textos e mais facilidade com outros, sugerindo que se trabalhe com três tipos básicos de material: literatura popular (onde se incluem os contos de fadas), contos literários e trechos de livros (SAWYER, 1990, p. 153). Para ela, a literatura popular é a mais fácil de trabalhar, pois tem uma linguagem universal e uma estrutura narrativa simples. A opinião é partilhada por RIBEIRO, segundo o qual “por mais que os requintes e lançamentos literários sofram um constante aperfeiçoamento (...) a literatura infanto-juvenil continuará tendo a sua faceta mais atraente na literatura de tradição oral e mais propriamente nos contos de fadas (RIBEIRO, 2002, p. 14-15). Mesmo para um público de adultos (ou misto) essas histórias jamais perdem o seu encanto, sendo no entanto aconselhável que o narrador a estude previamente, conhecendo-a bem, a fim de ser capaz de transmitir todas as nuances contidas em cada trecho e em cada elemento da narrativa.

A propósito desse assunto, é preciso esclarecer que existem diferenças entre contar, ler e representar histórias, embora todas elas envolvam uma preparação e uma performance mais ou menos elaborada. A forma como se vai trabalhar depende de nossos gostos, de nosso estilo, de nosso objetivo... e, antes de tudo, de nossa sensibilidade. De qualquer forma, o narrador se beneficiará do domínio de algumas técnicas de voz e expressão corporal, bem como – mais uma vez – do conhecimento profundo da história e dos personagens. A sutileza é sempre preferível ao exagero. Como diz BUSATTO, “o Lobo Mau não precisa falar grosso para demonstrar sua ferocidade (...). O que podemos carregar do teatro é justamente a intenção que carrega um ritmo preciso” (BUSATTO, 2003, p. 76).

A partir daí tudo se torna uma questão de tempo, de paciência, de experimentação e, por que não dizer, de ousadia por parte do narrador, que irá acertar e errar muitas vezes ao longo de sua trajetória. No entanto, se for essa a sua vocação, ele irá persistir... uma vez que, para o verdadeiro contador de histórias, o ato de narrar é parte inseparável da vida.

Contar histórias não é um ato apenas intelectual, mas espiritual e afetivo. Por isso, as melhores histórias são as que contamos espontaneamente, a partir do que carregamos em nossa bagagem de cultura e de experiência de vida. Independente de qualquer sentido, contar histórias pressupõe antes de tudo a vontade de falar do que se sabe, de doar sabedoria e conhecimento, de passar adiante aquilo que se aprendeu. Mais simplesmente ainda: contar histórias é aumentar o círculo. E, mesmo na falta de uma fogueira ou das lareiras de nossas avós, podemos fazê-lo aqui e agora, partilhando nossas histórias, lançando fios invisíveis que nos unem numa só rede.

Fonte
http://www.qdivertido.com.br

Contos Populares (A Menina dos Brincos de Ouro)

Nota: Conto popular na Bahia e Maranhão. Trazido pelos escravos africanos. No original africano os personagens eram animais.

Uma Mãe, que era muito má (severa e rude) para os filhos, deu de presente a sua filhinha um par de brincos de de ouro.

Quando a menina ia à fonte buscar água e tomar banho, costumava tirar os brincos e botá-los em cima de uma pedra.

Um dia ela foi à fonte, tomou banho, encheu o pote e voltou para casa, esquecendo-se dos brincos.

Chegando em casa, deu por falta deles e com medo da mãe brigar com ela e castigá-la correu à fonte para buscar os brincos.

Chegando lá, encontrou um velho muito feio que a agarrou, botou-a nas costas e levou consigo.

O velho pegou a menina, meteu ela dentro de um surrão (um saco de couro), coseu o surrão e disse à menina que ia sair com ela de porta em porta para ganhar a vida e que, quando ele ordenasse, ela cantasse dentro do surrão senão ele bateria com o bordão (vara).

Em todo lugar que chegava, botava o surrão no chão e dizia:

Canta, canta meu surrão,
Senão te meto este bordão.

E o surrão cantava:

Neste surrão me meteram,
Neste surrão hei de morrer,
Por causa de uns brincos de ouro
Que na fonte eu deixei.

Todo mundo ficava admirado e dava dinheiro ao velho.

Quando foi um dia, ele chegou à casa da mãe da menina que reconheceu logo a voz da filha. Então convidaram Ele para comer e beber e, como já era tarde, insistiram muito com ele para dormir.

De noite, já bêbado, ele ferrou num sono muito pesado.

As moças foram, abriram o surrão e tiraram a menina que já estava muito fraca, quase para morrer. Em lugar da menina, encheram o surrão de excrementos.

No dia seguinte, o velho acordou, pegou no surrão, botou às costas e foi-se embora. Adiante em uma casa, perguntou se queriam ouvir um surrão cantar. Botou o surrão no chão e disse:

Canta,canta meu surrão,
Senão te meto este bordão.
Nada. O surrão calado. Repetiu ainda. Nada.

Então o velho meteu o cacete no surrão que se arrebentou todo e lhe mostrou a peça que as moças tinham pregado.
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Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br

Contos Populares (Os Compadres Corcundas)

Conto de origem européia, levemente adaptado pelos brasileiros.

Era uma vez, dois compadres corcundas, um Rico outro Pobre. O povo do lugar vivia zombando da corcunda Pobre e não reparava no Rico. A situação do Pobre andava preta, e ele era caçador.

Certo dia, sem conseguir caçar nada, já tardinha, sem querer voltar para casa, resolveu dormir ali mesmo no mato.

Quando já ia pegando no sono ouviu uma cantiga ao longe, como se muita gente cantasse ao mesmo tempo.

Saiu andando, andando, no rumo da cantiga que não parava. Depois de muito andar, chegou numa clareira iluminada pelo luar, e viu uma roda de gente esquisita, vestida de diamantes que brilhavam com a lua. Velhos, rapazes, meninos, todos cantavam e dançavam de mãos dadas, o mesmo verso, sem mudar:

Segunda, Terça-feira,
Vai, vem!
Segunda, Terça-feira,
Vai, vem!

Tremendo de medo, escondeu-se numa moita e ficou assistindo aquela cantoria que era sempre a mesma, durante horas.

Depois ficou mais calmo e foi se animando, e como era metido a improvisador, entrou no meio da cantoria entoando:

Segunda, Terça-feira,
Vai, vem!
E quarta e quinta-feira,
Meu, bem!

Calou-se tudo imediatamente e aquele povo espalhou-se procurando quem havia falado. Pegaram o corcunda e o levaram para o meio da roda. Um velhão então perguntou com voz delicada:

- Foi você quem cantou o verso novo da cantiga?

- Fui eu, sim Senhor!

- Quer vender o verso? - perguntou então o Velhão.

- Quero sim, senhor. Não vendo não, mas dou de presente porque gostei demais do baile animado.

O Velho achou graça e todo aquele povo esquisito riu também.

- Pois bem - disse o Velhão - uma mão lava a outra. Em troca do verso eu te tiro essa corcunda e esse povo te dá um Bisaco novo!

Passou a mão nas costas do caçador e a corcunda sumiu. Lhe deram um Bisaco novo e disseram que só o abrisse quando o sol nascesse.

O Caçador meteu-se na estrada e foi embora. Assim que o sol nasceu abriu o bisaco e o encontrou cheio de pedras preciosas e moedas de ouro.

No outro dia comprou uma casa com todos os móveis, comprou uma roupa nova e foi à missa porque era domingo. Lá na igreja encontrou o compadre rico, também corcunda. Este quase caiu de costas, assombrado com a mudança. Mais espantado ficou quando o compadre, antes pobre e agora rico, contou tudo que aconteceu ao compadre rico.

Então cheio de ganância, o rico resolveu arranjar ainda mais dinheiro e livrar-se da corcunda nas costas.

Esperou uns dias e depois largou-se no mato. Tanto fez que ouviu a cantoria e foi na direção da toada. Achou o povo esquisito dançando numa roda e cantando:

Segunda, Terça-feira,
Vai, vem!
Quarta e quinta-feira,
Meu, bem!

O Rico não se conteve. Abriu o par de queixos e foi logo berrando:

Sexta, Sábado e Domingo,
Também!

Calou-se tudo novamente. O povo esquisito voou para cima do atrevido e o levaram para o meio da roda onde estava o velhão. Esse gritou, furioso:

Quem mandou se meter onde não é chamado seu corcunda besta? Você não sabe que gente encantada não quer saber de Sexta-feira, dia em que morreu o filho do alto; sábado, dia em que morreu o filho do pecado, e domingo, dia em que ressuscitou quem nunca morre? Não sabia? Pois fique sabendo! E para que não se esqueça da lição, leve a corcunda que deixaram aqui e suma-se da minha vista senão acabo com seu couro!

O Velhão passou a mão no peito do corcunda e deixou ali a corcunda do compadre pobre. Depois deram uma carreira no homem, que ele não sabe como chegou em casa.

E assim viveu o resto da sua vida, rico, mas com duas corcundas, uma na frente e outra atrás, para não ser ambicioso.

Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br/

terça-feira, 10 de junho de 2008

Roda Mundo 2008 (Antologia Internacional)

O que é o Roda Mundo e como ele surgiu?
O Roda Mundo é uma Antologia Internacional que tem um caráter globalizado por contar com a participação de autores dos cinco continentes, numa integração da comunidade lusófona e também espanhola. A obra reúne crônicas, contos, poemas, ensaios e textos em português, inglês, italiano e espanhol, montando assim um panorama dos diferentes estilos, tendências, culturas e maneiras de enxergar o mundo, por meio da palavra impressa.

O livro é publicado em sistema de cooperativa, reunindo escritores brasileiros e também de diversos países. Experientes ou não, participam pessoas de diferentes áreas e também pessoas que querem publicar os seus primeiros textos em um livro.

Idealizado pelo escritor Douglas Lara, o Roda Mundo teve início em 2004, reuniu 43 autores de 12 países de quatro continentes. Por ter ganho a simpatia do público, a atenção da imprensa e o respeito de outros escritores, tem se perpetuado em suas edições seguintes. Um dos autores do Roda Mundo 2005 foi o goiano Luiz de Aquino, que faz parte da equipe de articulistas e que colabora regularmente com o Diário da Manhã. Para Aquino, participar do livro "é como participar de uma festa. É um jeito de juntar gente", define. Para ele, a importância da coletânea está na grande diversidade de autores, gêneros e estilos-acentuados ainda mais pela diferença de formação cultural de cada um dos participantes.

Nesse caminho de sucesso, a participação em Roda Mundo 2006 foi um recorde: 50 escritores (50 estilos e 50 histórias) fazem parte da Antologia Internacional. Entre algumas curiosidades do livro estão: o autor mais novo tem apenas 11 anos de idade e a mais velha passa dos 70 anos.

Neste ano de 2008, o Roda Mundo continua trilhando o seu caminho reunindo textos de várias autorias e assuntos, trazendo para o seu público um belíssimo livro para ser apreciado por pessoas distintas. Ele está saindo do forno e será lançado no dia 24 de julho durante a Semana do Escritor de Sorocaba. No mesmo dia também será lançado, o seu “filho”, o Rodamundinho 2008, antologia infanto-juvenil idealizada por Douglas Lara que reúne textos de jovens de sete a 15 anos.

A Semana do Escritor de Sorocaba deste ano tem início no dia 22 e segue até 27 julho na Fundec – Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba que fica na Rua Brigadeiro Tobias, 73 Centro – Sorocaba/SP. Os interessados podem participar gratuitamente e prestigiar os autores e os seus livros que estarão expostos durante toda a Semana.

Quem quiser participar das Antologias e/ou da Semana do Escritor pode entrar em contato com o escritor Douglas Lara pelo e-mail: douglara@uol.com.br

Fonte:
http://recantodasletras.uol.com.br/cartas/999305
Colaboração de Douglas Lara

Calendário de Concursos de Trovas e Jogos Florais 2008

06,07 e 08 de Junho: Jogos Florais de Nova Friburgo
20, 21 e 22 de junho: Jogos Florais de Curitiba
22 de junho: IV Concurso de Maranguape
05 de julho: Concurso de Pindaminhangaba
12 e 13/07 – Concursos da UBT São Paulo
03 de setembro – Concurso Rosacruz – Londrina
12, 13 e 14/09 – JF de Bandeirantes
27 de setembro: III Jogos Florais de Cambucí
11 de outubro: XVI Concurso de Taubaté
11 de outubro: Concurso Vicentino de Taubaté
08 de novembro: Jogos Florais de Cantagalo
07, 08 e 09 de novembro: III Jogos Florais de Camburiu
15 e 16/11 - Concurso de Belo Horizonte
29 e 30 de novembro: Jogos Florais de Niterói
13 e 14 de dezembro: XXI Jogos Florais de Pouso Alegre

Fonte:
Calêndula Literária. Boletim Informativo da UBT Porto Alegre. n.360. junho 2008.

Comemoração do Dia do Trovador em Porto Alegre


Milton Hatoum (Machado para o Jovem Leitor)

O texto inaugural desta coluna na EntreLivros intitula-se “A parasita azul e um professor cassado”. Nessa crônica, escrevi: “Dois acasos foram decisivos na minha juventude: o primeiro me conduziu à obra de Machado de Assis; o segundo, a uma biblioteca vasta e sombria, escondida numa sala subterrânea”.

Mais de dois anos depois, volto aos contos de Machado para dialogar com os professores.

Uma das questões sobre o ensino de literatura brasileira para jovens estudantes (da primeira à terceira série) diz respeito aos critérios da seleção bibliográfica. Infelizmente, prevalece a idéia de que os alunos não têm condições de ler textos complexos. Um texto complexo não é necessariamente pesado, chato, algo que se lê com extrema dificuldade. Para um jovem do nosso tempo, não deve ser fácil nem prazeroso ler um romance de Coelho Neto ou A bagaceira, de José Américo de Almeida. Esses, sim, são textos pesados, que carregam na ênfase e no vocabulário precioso. Confesso que, na minha juventude, penei para ler esses autores. E quando li dois romances extraordinários de prosadores nordestinos – O quinze, de Rachel de Queiroz, e Vidas secas, de Graciliano Ramos – o romance de José Américo tornou-se, por contraste, ainda mais enfadonho.

Mesmo Os sertões e O Ateneu – livros fundamentais da nossa literatura – são difíceis de ser assimilados por um jovem do ensino médio.

Passei por essa provação como se fosse uma penitência. De fato, minha leitura de trechos da obra-prima de Euclides da Cunha foi conseqüência de uma punição coletiva, um castigo imposto por um professor que não descobriu o culpado de uma infração grave, cometida no colégio onde eu estudava. Nessa mesma época, ganhei as obras completas de Machado de Assis e li o conto “A parasita azul”. Depois li os outros contos do volume Histórias da meia-noite. Gostava desse título, que me remetia a histórias de suspense, horror e mistério. Havia algum mistério e suspense nos contos, mas não da maneira que eu esperava. Lembro que os li com prazer, e me perguntei por que um dos professores de português nos obrigava a ler Coelho Neto e José de Alencar e não Machado de Assis. Por que Iracema e não Dom Casmurro? E, nesse caso, por que não ler ambos?

II
Havia – como ainda há – imposições curriculares, mas penso que isso é um equívoco, pois o leitor jovem e inexperiente pode odiar para sempre a literatura brasileira, pode pensar que só existem textos ásperos, cuja leitura é sinônimo de suplício. É inadmissível que tantos jovens desperdicem a oportunidade de ler “A causa secreta”, “O enfermeiro”, “Missa do galo”, “O espelho”, “Uns braços”, “Um homem célebre”, “Terpsícore”, “A cartomante”, “Evolução” e outros contos do Bruxo, um verdadeiro mestre da narrativa breve, que se situa no mesmo patamar de excelência de seus contemporâneos europeus.

É muito provável que esses contos sejam lidos e comentados sem enfado. Porque uma leitura enfadonha e arrastada é, para o leitor jovem – e talvez para todo leitor –, um ato de flagelação do espírito. Claro que há textos intricados e nada tediosos, que são imprescindíveis para quem gosta de literatura. Quem não se deleita com a leitura dos romances Grande sertão: veredas e O século das luzes? São livros para quem já passou por uma experiência de leitura e não se sente inibido diante de obras cuja linguagem enfatiza um notável trabalho de estilização. Mas um iniciante certamente encontrará dificuldade para ler esses romances.

Nos contos de Machado ocorre algo diferente. Com um estilo muito elaborado, mas pouco ou quase nada rebuscado, o narrador machadiano explora em poucas páginas a complexidade das relações humanas. Sua linguagem é densa sem ser retórica, e os contos são exemplos perfeitos de complexidade concentrada num texto conciso e exato.

Um exemplo é “A causa secreta”, publicado em 1885 na Gazeta de Notícias e incluído em Várias histórias (1895). Eis aí uma aula sobre o conto enquanto gênero literário. Logo no primeiro parágrafo, depois de apresentar as três principais personagens numa cena que poderia ser filmada, o narrador escreve: “Tempo é de contar essa história sem rebuço”. Ou seja, é tempo de ir diretamente ao miolo da questão. E a questão é, na verdade, um feixe de questões machadianas: o adultério, as relações sociais, a violência, a loucura, o amor, a dor moral. Em menos de 15 páginas, o narrador constrói uma das personagens mais terríveis da nossa literatura: um homem (Fortunato) que se ocupava “nas horas vagas em envenenar e rasgar gatos e cães”.

Fortunato revela o lado mais obscuro e violento do ser humano. Já é clássica a cena em que ele mutila e queima um rato “com um sorriso único” no rosto, “uma serenidade radiosa da fisionomia” ou “um vasto prazer, quieto e profundo”. No fim, a dor física dos animais é substituída pela dor moral de Garcia, quando este tentar beijar pela segunda vez Maria Luísa, já morta. Fortunato, o esposo e agora viúvo, “saboreou tranqüilo essa explosão de dor moral, que foi longa, muito longa, deliciosamente longa”.

III
Os professores que comentam esse conto em sala de aula sabem que os estudantes se interessam pelo texto. A leitura no cabresto é inconseqüente, pois o maior estímulo para um jovem reside no prazer da leitura. Há, sem dúvida, outros grandes autores cuja obra é estimulante. Os contos de Insônia e Laços de família são apenas dois exemplos, entre muitos da literatura brasileira. Mas os de Machado não podem ser esquecidos, porque estão no centro da nossa modernidade e irradiam uma das visões mais críticas e inteligentes sobre o ser humano e a sociedade brasileira.
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Sobre o Autor
Milton Hatoum é escritor, autor de Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Cinzas do Norte, com o qual conquistou os prêmios Jabuti, como o livro do ano na categoria ficção, e Portugal Telecom, em primeiro lugar
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Fonte:
Revista Entrelivros - edição 30 - Outubro 2007
http://www2.uol.com.br/entrelivros/

Gislaine Canales (1938)

Gislaine Canales nasceu em Herval/RS/BR, em 20/04/38. Divorciada. Quatro filhos. Sete netos. Bacharel em Pedagogia e Licenciada em Didática, Poetisa, Trovadora. Glosadora, Pescadora, com o nº de registro 0300862-21. Possui trovas classificadas em inúmeros concursos. Pertence a várias Instituições Literárias do Brasil e Exterior. Membro benemérito do Centro Cultural, Literário e Artístico da Gazeta de Felgueras/Portugal. The International Academy of Letters of England.

Tem trovas vertidas para o italiano pelo Prof. Antônio Boscatto e enviadas para o Centro Cultural de Veneto/Itália.

Possui também poesias traduzidas para o Espanhol, pelas poetisas: Carmen Patiño Fernandez, da Espanha; Sofia Ríccio, do Uruguai, Maria Elena, do México e Lisete Johnson Oliveira, do Brasil. Participa de 28 Antologias Poéticas e dos Dicionários de Poetas: Directory of International Writters / EUA, Publication on International Poety University of Colorado / 1987, Dicionário de Poetas Contemporâneos / 1991.

Publicou: "GlosandoTrovas" / 1987. Em preparo: "Glosando Trovas II" e "Tênis de Sextilhas".

Convidada a fazer parte do quadro efetivo de poetas do Rincón Poético do Site Espanhol: Poemasromancesyamor.

Livros Virtuais: "Glosas Virtuais de Trovas" – (31 Volumes) – Com Glosas de Trovas de inúmeros Trovadores do Brasil e Exterior, "Glosando Lourivaldo Perez Baçan ", "Glosando Delcy Canalles", "Glosando Joamir Medeiros", "Glosando A A de Assis" e Glosas das Trovas Classificadas no I Concurso Nacional / Internacional de Trovas de Balneário Camboriú / Santa Catarina / Brasil.

Fonte:
http://www.gislainecanales.com/

Gislaine Canales (Trovas)

Novo tempo, nova história,
nova era, novo amor!
Antiga, só a memória
que, aos poucos, perde o valor!

Cada livro é uma vitória
na memória de um País,
pois nos diz de sua glória
e é, da história, a geratriz!

Um mundo melhor...queria,
para deixar aos meus netos,
onde imperasse a alegria
numa transfusão de afetos!

É de ternura o momento
em que o Sol sorri do espaço,
se faz vida e sentimento
e lança ao mar seu abraço!

O mar é o mais doce amante
pois não cansa de beijar,
num lirismo alucinante,
toda a praia que encontrar!

Me envolve com mil abraços,
com mil beijos de afeição,
esse mar, de doces braços
com seus lábios de paixão!

Sou feliz ao relembrar
que realizei meu desejo...
Como foi bom te beijar!
Como foi bom o teu beijo!

Sou tão triste e tão sozinha,
que o eco do meu lamento,
desta saudade tão minha,
escuto na voz do vento!

Eu prossigo o meu caminho,
procurando um grande amor,
que me envolva com carinho
e me aqueça com calor!

Meus lábios apaixonados
bebem o orvalho dos teus,
desses teus lábios molhados,
que sonham com os lábios meus!

Sendo a vida embriagante
devemos vivê-la bem.
"Há sempre um mágico instante,"
há sempre um mágico alguém!

Vem amor, vamos embora,
de mãos dadas pelo mundo,
"vamos viver vida afora,"
esse nosso amor profundo!

Nosso romance de amor
começou bem diferente...
Foi nosso Computador
que aproximou mais a gente!

Nunca mais fiquei sozinha,
pois na Internet eu namoro,
e essa solidão que eu tinha
não mora mais onde eu moro!

"Teu beijo pela Internet"
traz amor, traz alegria,
é sempre a melhor manchete
acarinhando o meu dia!

Meu interior é risonho,
e posso a todos dizer
"que trago um mundo de sonho"
no meu modo de viver!

Vou vivendo meus agoras,
entre sonhos e utopias,
vou transformando em auroras
"as minhas noites vazias."

Tudo é tão encantador,
nosso amor é tão bonito,
"que, em cada noite de amor"
ultrapasso o infinito!

"Tua idade não importa,"
se feliz quiseres ser,
pois ao amor, não comporta
ter idade pra nascer!

Canto as estrelas nos versos,
com minha alma apaixonada...
Vou acendendo Universos...
"Criando luzes...do nada!"

Quero cantar pelo espaço
e, nas estrelas, rever
todas as trovas que eu faço.
Trova é prece em meu viver!

Sinto as mãos da solidão
num carinho de verdade,
trazendo ao meu coração,
das tuas mãos, a saudade!

A mistura de mil cores
e toda a luz do universo,
mais o perfume das flores,
desejo pôr no meu verso!

O sol dourado se espraia
tão lindo.com seu calor,
por toda a areia da praia
em doces beijos de amor!

A minha vida é uma Trova,
trova de ilusão perdida,
pois a vida é grande prova,
que prova a Trova da vida!

Eu quero poder cantar
meus versos aos quatro cantos,
talvez possa transformar
em risos, todos os prantos.

Sozinhas nas madrugadas,
donas do mundo e da lua,
nossas mãos entrelaçadas
seguem juntas pela rua!

É contrastante a ironia,
nesta verdade contida:
lindo o entardecer do dia,
triste o entardecer da vida!

Vivemos juntos, mas sós,
nossa solidão somada,
fez de ti, de mim, de nós,
a soma triste do nada!

A saudade da saudade,
varreu, de mim, a alegria,
levando a felicidade
que eu pensava que existia!

As eternas madrugadas
me encontram sempre a chorar.
A vida, cheia de nadas,
não me deixa mais sonhar!

Meu verso é meu companheiro
no cenário da ilusão
e o universo, imenso, inteiro,
se torna pequeno, então!

O prazo que nós tivemos
para o nosso amor viver,
foi pouco. Nos esquecemos
antes do prazo vencer!

Hoje estou triste, alquebrada,
sem amor, sem alegria,
mas prossigo a caminhada...
Amanhã é um novo dia!

Não lembro de ti, passado,
pois, consegui te esquecer,
agora, só tenho ao lado
os sonhos que vou viver!

A vida é renovação,
(é amor, é sonho e alegria),
é feita só de emoção,
recomeça a cada dia!

Quando existe amor sincero
é forte a emoção que traz,
e ele mostrará, austero,
a grande força da paz!

"Somos os dois um só mundo",
somos um só, na verdade,
e esse nosso amor profundo,
é mais que amor, é amizade!

Em meu coração alterno
as estações...todo o dia,
tornando, assim, meu inverno,
lindo verão de poesia!

"Enganam-se os ditadores"
que pensam poder tirar
do mundo, nós, trovadores
e o nosso jeito de amar!

A minha vida é um romance,
pois sonhando sou feliz...
Eu deixo que o vento trance
os sonhos que eu sempre quis!

Eu tenho um sonho bonito:
Caminhar por sobre as águas
e ao chegar ao infinito,
esquecer todas as mágoas!

Realizando utopias
meu coração quer amar,
no crepúsculo dos dias
da minha vida a findar!

A noite recebe a tarde
num momento de magia...
No pôr-do-sol, o céu arde
e tudo vira poesia!

O amor é pura magia
e a ternura da emoção
traduz-se nessa alegria
plantada no coração!

Era noite e a escuridão
pensou que raiava o dia,
ao sentir com emoção
a luz da tua poesia!

Nosso romance virtual
é tão doce e verdadeiro
que se torna o mais real
romance, do mundo inteiro!

Numa oração, com carinho,
eu peço a SAN VALENTIN:
Coloque no meu caminho
um amor real pra mim!

Que a paz mundial, que sonhamos,
não seja mera utopia...
Para alcançá-la, vivamos
com muito amor cada dia!

Lutemos pela conquista
da paz mundial no universo,
numa guerra pacifista,
usando as armas do verso!

A paz mundial é utopia
dizem uns...Não é verdade,
se buscarmos na Poesia
as armas da Humanidade!

Gislaine Canales (Glosas)

Glosando José Westphalen Correa

SONHO SER CRIANÇA

MOTE:
AO SENTIR A ALMA PERDIDA
NA PROCURA DA ESPERANÇA,
HÁ MOMENTOS NESSA VIDA
EM QUE SONHO SER CRIANÇA!
===========================
AO SENTIR A ALMA PERDIDA
no desencanto dos anos,
sinto que ela está ferida,
por sentimentos humanos.

Eu sigo, então, à procura,
NA PROCURA DA ESPERANÇA,
sempre a fugir da amargura,
sempre a buscar mais confiança!

E nesta estrada comprida
cheia de encanto e beleza
HÁ MOMENTOS NESTA VIDA,
em que sinto dor, tristeza.

Entre as horas - nostalgia,
saudade e desesperança,
uma, existe, de alegria:
EM QUE SONHO SER CRIANÇA!
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Glosando Lacy José Raymundi

ARMAZÉNS DA LEMBRANÇA

MOTE:
MINHA MEMÓRIA PROCURA,
NOS ARMAZÉNS DA LEMBRANÇA,
OS FARDOS DE TRAVESSURA,
DOS BONS TEMPOS DE CRIANÇA!...
==============================
MINHA MEMÓRIA PROCURA,
numa viagem gostosa,
os momentos de brandura
de minha infância ditosa!

Perambula pelos cantos,
NOS ARMAZÉNS DA LEMBRANÇA,
e ouve até os acalantos
num doce tom de esperança!

Em nossa idade madura,
é muito bom recordar
OS FARDOS DE TRAVESSURA,
do tempo do velho lar!

Recordando essa alegria,
o riso vem, sem tardança,
e eu revivo a euforia
DOS BONS TEMPOS DE CRIANÇA!...
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Glosando Edmar Japiassú Maia

MEU DEPOIS...

MOTE:
PERDIDO E ENTREGUE AO DESGOSTO,
SE ANTIGOS TRAÇOS PERSIGO,
ENCONTRO O TEMPO EM MEU ROSTO,
NUM DESENCONTRO COMIGO!...

=================================
PERDIDO E ENTREGUE AO DESGOSTO,
nesta amarga solidão,
não vejo a vida com gosto,
nem vibro mais de emoção!

Se recordo a juventude,
SE ANTIGOS TRAÇOS PERSIGO,
o espelho me desilude,
não tenho nele um amigo!

É hora do meu sol posto
e é o fim da minha estrada...
ENCONTRO O TEMPO EM MEU ROSTO,
só vejo sulcos, mais nada!

O meu depois, já chegou...
Aceitar-me, eu não consigo,
por isso, lutando, eu vou
NUM DESENCONTRO COMIGO!...
Fonte:
CANALES, Gislaine. Glosas Virtuais de Trovas VIII.2003.
Biblioteca Virtual "Cá Estamos Nós". Portal CEN
http://www.portalcen.org

segunda-feira, 9 de junho de 2008

4ª Semana do Escritor recebe inscrições


Estão abertas as inscrições para autores que desejam divulgar suas obras durante a 4ª Semana do Escritor de Sorocaba, que será realizada de 22 a 27 de julho na Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba - Fundec. (As inscrições vão até o dia 18 de julho).

Organizado pelo escritor Douglas Lara, a Semana do Escritor é uma oportunidade para autores, principalmente os iniciantes, divulgarem o seu trabalho. Também é uma forma de dar visibilidade às obras locais, já que Sorocaba e região contam com grande número de autores sendo a maioria desconhecidos pela população de sua própria cidade. A administração do evento fica com a conhecida owner da confraria de poetas e escritores: Teia dos Amigos, Sonia Maria Grando Orsiolli (teiadosamigos@uol.com.br)

A participação será de R$ 50,00 (lançamentos R$ 100,00) por título, sendo que o escritor interessado deve disponibilizar para o evento 10 exemplares do livro, que poderá ser vendido pela metade do preço de livraria. Coletâneas contribuem com R$ 200,00, nos casos de 10 ou mais participantes. O escritor que ainda não fez o lançamento de sua obra poderá fazer durante o evento.

A semana literária reunirá dezenas de autores independentes, editoras e livrarias, com sessões de autógrafos, lançamentos e palestras.

Como acontece em todos os anos, haverá no dia 24 o lançamento da coletânea Roda Mundo 2008 junto a uma grande surpresa que será o lançamento da primeira antologia infanto-juvenil o Rodamundinho 2008.

A Semana do Escritor conta com patrocínio do Gabinete de Leitura Sorocabano e Editora Ottoni
.
Autores interessados em divulgar suas obras podem entrar em contato com escritor Douglas Lara pelo telefone (15) 3227-2305 ou pelo e-mail douglara@uol.com.br

A Semana do Escritor de Sorocaba será realizada de terça-feira a sábado, das 14h às 22h, e no domingo, das 10h às 18h com entrada gratuita. A Fundec fica na Rua Brigadeiro Tobias, 73 Sorocaba/SP. Telefone: (15) 3233-2220.

Evento patrocinado pelo:
Gabinete de Leitura Sorocabano e Editora Ottoni

Apoio Institucional:
Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba - Fundec

Cintian Moraes - jornalista
Telefones: (15) 8119-2476 ou pelo e-mail: cintian.moraes@yahoo.com.br

As mais bellas lendas do continente americano

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 25 de dezembro de 1938
Neste texto foi mantida a grafia original

Como surgiu a "Monja Blanca", a flôr nacional da Guatemala

Realizou-se no anno passado, na Guatemala, um original concurso literario, promovido pelo governo dequella republica. O thema desse concurso era a "Monja Blanca", a formosa orchidea dos Andes, que é a flor nacional da Guatemala. O trabalho que publicamos a seguir, "Avatar", foi um dos premiados nesse concurso e é de autoria da poetiza guatemalense Angelina Acuna. Traduziu-o especialmente para o Supplemento da "Folha da Manhã" o sr. J. R. Marcondes Machado, detentor da Cadeira da Guatemala na Academia de Letras Americanas da Faculdade de Philosophia, Sciencias e Letras da Universidade de São Paulo.

Oh, Xmucané! Clamava a donzella - Oh, Xpiyacoe! Vós que fizestes homens de "tzité", mulheres de "zibak"; vós que fizestes seres perfeitos com a polpa branca do milho moido...! Que farei eu, pobre de mim, para realizar este milagre?

E ao pé dos "galayos" erguidos em ameaça de precipicios, a terna princeza Ismaleg fazia rosarios de angustia, com as contas escorregadiças de suas lagrimas. Em vão percorrera as selvagens ribeiras do Chixoy, as intricadas ramargens de Havitz e de Joyabaj; os montes e os rios escondiam-lhe os thesouros com aggressivo egoismo.

Entretanto, na longinqua Zamaneb, a poderosa cidade, gemia prisioneiro, num dos nove castelos encantados, coroados de almeias de lendas fantasticas e macabras, o amado de sua alma!... Creou uma rede fatal sobre sua vida a ousadia de amal-a... A ella! A princeza mimada do Ahau do Rabinal!... quando só podia offerecer-lhe as gemmas preciosas dum amor incommensuravel, encastoadas no estojo delirante de seu coração! Ia consummar-se o sacrificio impio, que, ao castigar com a morte o atrevimento do jovem "quecchi", abriria num transbordamento de cálidos rubis, a urna que encerra o seu milagroso thesouro, quando a princeza se abateu, qual avezinha de azas quebradas, aos pés do cacique, implorando, com grito de angustia, o perdão da victima.

O gemido lastimoso furou, como uma flecha diamantina, o coração granitico do Ahau, e fez de reconditos lugares a clara serpentina dum frio de ternura:

- Vaite de minhas vistas! Gritou á filha. Perdoarei a vida deste vassallo perfido, porém não voltarás a vel-o enquanto não me trouxeres seu resgate...

O olhar supplice de Izmaleg como uma interrogante imploração, descerrou o cenhudo perfil do indignado senhor:

- Antes que a lua redonda alumie a collina do Xucaneb - ordenou-lhe - has de trazer-me algo que possa substituir, ante os deuses, a offerenda do coração do teu amante... Ha de ter, como um coração, a belleza que agrada aos deuses: deve encerrar a essencia vital do grande amor que diz sentir por ti; deve ter vida e o merito que implica o sacrificio, emblema da redempção!...

Desde esse instante, Izmaleg se poz a vagar em busca do milagre;. entretanto, no mais fundo subterraneo do castello de Zamaneb, enlutavam-se de noites dolorosas, os dias de seu amante... e uma meia lua amarellada, como dourada foice, cegava molhos de estrellas nas fulgidas eras da noite!...

- Oh Xmucané! Oh, Xpiyacoc! Vós fizestes seres perfeitos com a polpa branca do milho moido" que farei eu, pobre de mim? - chamava Izmaleg. A lua levantar-se-á de prompto sobre a christa do Xucaneb, redonda... redonda...

Enquanto assim implorava, ao pé do abrupto penhasco, esgotadas as forças e as lagrimas na busca angustiosa, aconteceu que o Pastor luminoso que cuida das ovelhas-estrellas nos redis estellares, deixou cahir entre as mãos morenas de Izmaleg, a alvura explendorosa duns myrificos flocos. Sem lhe dar tempo de sahir de seu assombro, a voz da cascata que se despenha em franjas, falou em claro murmurio:

- Levanta-te donzella, aqui esta a minha espuma; é a neve fundida que venho arrastando de altissimos cumes, jámais tocada por planta alguma! Que mais queres?

O gozo ineffavel urdiu dextresas inauditas nas ageis mãos que se puzeram a modelar fantasiosamente flocos sidereos e espumas impeccaveis; e, num ensalmo de maravilha, feerico milagre, abriu-se em candida corolla de alvura prodigiosa, uma exotica flôr!... A que deuses não agradaria sua explendida belleza? Porém - ah! - era uma flor sem vida... de niveas pétalas mortas, que nenhum alento vital exhalavam!...

O coração de Izmaleg alçou de novo o queixumoso arrulo; e, pesando na fatidica sorte do amado, que talvez nunca mais visse, rodaram-lhe as lagrimas, em um debulho de chrystallinas ternuras, sobre o calice de neve, que tremia em suas mãos; as pétalas estremeceram-se, então, sob a chuva milagrosa., Oh!, poder do amor...

"Ha de ter vida... e o merito que cria o sacrificio emblema de redempção...!" A phrase implacavel volteava-se como fatal mariposa de impossiveis, sobre a flor que parecia desfazer-se em diaphanas deliquescencias de neve, apagar-se como reflexos de estrellas moribundas...

- A vida... a vida...! oh, Xpiyacoc! Onde acharei a vida? Oh Xmucané! Só falta à lua uma restea de luz, uma resteazinha que lhe ha de pregar em sua borda o Oleiro Celeste com greda de luzeiros, e assomará amanhã sobre o Xucaneb, redonda... redonda...

Como se o lamento de Izmaleg tivesse a magia de um sortilegio, a montanha abriu em seu flanco o portico de uma gruta fantastica e, numa labareda prateada, surgiu a barba luminosa do bruxo do monte.

- Que me pódes dar em troca do milagre? - perguntou a Izmaleg.

Com grandiosa renuncia, disse:

- Se te bastasse a vida... dar-te-ia!

A voz prophetica do feiticeiro fez tremer a montanha, quando clamou:

- Farei o milagre: tua flor terá a vida... e o merito que te exigem! Vae a Zamaneb, e amanhã, antes que a lua avive sua bandeja redonda, cheia de luz, sobre o Xucaneb, deixarás a flor nas mãos do Ahau...

Na noite de azues mysterios sonhavam os astros; e, como prenuncio da lua vinha um halo luminoso subindo a testada do Xucaneb, quando Izmaleg chegou, desfallecida, á cidade dos nove castellos encantados da lenda. Cheia de fé na magia do bruxo, á espera do milagre que já presentira, prostrou sua fadiga e suas roupagens aos pés do cacique inplacavel! Vestida sómente do manto negro de sua cabelleira, alçou no reconcavo de suas mãos o thesouro, e disse tremendo:

- Senhor... eis o resgate. Não ha outra igual sobre a terra! É tão bella e tão pura! Tem a essencia do amor atormentado que verteram minhas lagrimas em sua corola...

- Mas isto é uma flor artificial!... interrompeu zangado o cacique. Isto não tem vida!... Não viste ainda como palpita o coração das victimas nas mãos do sacrificador?... Fala! Que me respondes?...

Porém Izmaleg, prostrada para sempre sob o sudario negro de seus cabellos, não poderia mais responder com seus labios á cruel interrogação. A flor, com uma suave estremecimento, como ultimo alento de um coração, começou a palpitar entre as mãos tremulas do aterrado Ahau do Rabinal, enquanto um effluvio vital, saturando as petalas como doce selva, parecia exclamar:

- Assombra-te e treme, alma cruel, ante o mais prodigioso e tremendo dos milagres! Sou a vida de Izmaleg; sou o supremo sacrificio de sua alma pura, que clamava pela redempção do captivo!

Sobre Xucaneb, a lua tambem contemplava, pasmada, aquella scena.

Desde então vive na solidão dos cumes a mystica orchidea ("Lycaste Skineri Alba") "Monja Blanca". Nos altares tropicaes de Tezulutan é o calice sagrado em que se communga pela redempção dos captivos... Coração impolluto em que palpita um alento de abnegação e sacrificio, a alma da raça aborigene; flor sensivel, predestinada, como Izmaleg que lhe deu a alma branca e pura, como o Evangelho da Paz com que o doce frei Bartholomeu conquistou as agrestes serranias de Zamaneb; flor emblematica que ama os cumes dos Andes, aonde não chegam as exhalações do pantano, que talvez manchariam a sua immaculada nobreza...

Que eloquente symbolo sobre o pendão da minha Patria, sob o iris esplendido do Quetzal!

Fontes:
http://almanaque.folha.uol.com.br/
http://www.buriedmirror.com/ (imagem)


Leny Magalhães Mrech (A Criança e o Computador : Novas Formas de Pensar)

1. INTRODUÇÃO

Em todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, a Informática tem sido um dos campos que mais tem crescido atualmente. Este processo tem atingido sobretudo as áreas de Educação e Lazer. Em decorrência, constata-se que, no mundo todo, o computador tem entrado cada vez mais cedo na vida das crianças. Tornando-se, então, estratégico saber de que maneira ele pode determinar os novos rumos da construção do pensamento das crianças.

É interessante perceber que tem havido poucas pesquisas no estudo da interação entre as estruturas sócioeconômicas, as estruturas de pensamento da criança e o uso do computador. Na grande maioria das vezes elas se apresentam direcionadas apenas para um dos lados ou, no máximo, visando a interação entre dois aspectos. O que tem faltado é exatamente uma concepção dinâmica que estabeleça uma leitura múltipla direcionada para uma interação entre aqueles referenciais básicos. É o que este artigo se propõe a fazer identificando as relações dinâmicas entre as estruturas sociais, as estruturas do pensamento da criança e o uso dos computadores.

2. OS COMPUTADORES: UM NOVO PRODUTO E UMA NOVA FACE DA CULTURA

Tradicionalmente os computadores têm sido pensados apenas como meros instrumentos de transmissão rápida de informações. No entanto, sua capacidade efetiva ultrapassa bastante este plano redutor.

Os computadores são um novo tipo de produto social. Eles são chamados "produtos inteligentes" ; isto é, produtos com possibilidade de desencadear alterações nas relações entre as pessoas. Portanto, o que os caracteriza basicamente é que eles não são meros produtos para um consumo imediato, trazem acoplado novos rumos para aqueles que os utilizam.

" Estas máquinas inteligentes já estão começando a ser usadas para tudo, desde calcular os impostos da família e monitorar o uso de energia em casa, jogando jogos, conservando um arquivo de petiscos, lembrando seus donos de próximos compromissos e servindo como “datilógrafas espertas”. Isto, entretanto, oferece apenas um minúsculo vislumbre de seu potencial completo. (...) Viver num ambiente assim levanta questões filosóficas de arrepiar. As máquinas assumirão o controle? Poderão máquinas inteligentes, especialmente se entrelaçadas em redes de intercomunicação, ultrapassar a nossa habilidade de compreendê-las e controlá-las? (...) Até que ponto nos tornaremos dependentes do computador e do cartão? Na medida em que bombearmos mais e mais inteligência no ambiente material, atrofiar-se-ão as nossas próprias mentes?”

Há, geralmente, uma postura inicial que acompanha a todos aqueles que se iniciam na utilização de computadores : uma maneira preconceituosa de concebê-los. Primeiramente, os usuários partem da crença de que eles são máquinas que não pensam. Na verdade, eles são produtos de ponta de uma tecnologia inteligente, isto é, uma tecnologia que se desenvolve e se estrutura a partir de componentes oriundos da decodificação de processos cerebrais. São máquinas semânticas, utilizando formas de linguagem bastante sofisticadas, tais como : imagens, códigos de linguagem, processadores de texto e cálculo, etc.

Em segundo lugar, os computadores costumam ser vistos como máquinas frias que não possibilitam o contato humano. Contudo, este processo tem mudado rapidamente através das redes de computação. O que possibilitou a emergência de novas maneiras de conceber as relações sociais. Surgiram as chamadas relações virtuais. Elas são estabelecidas através dos microcomputadores conectados em rede. Em decorrência, seja através dos grandes bancos de dados, das trocas de mensagens por correio eletrônico ou dos chats (conversas online em pares ou grupos); o que acaba por se estruturar são novas formas de interação, onde as distâncias e o tempo se encurtam nos processos de comunicação entre as pessoas.

" (Invadir) o cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando à sua saturação com informações, diversões e serviços. Na Era da Informática, que é o tratamento computadorizado do conhecimento e da informação, lidamos mais com signos do que com coisas. Preferimos a imagem ao objeto, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real. PORQUE DESDE A PERSPECTIVA RENASCENTISTA ATÉ A TELEVISÃO, QUE PEGA O FATO AO VIVO, A CULTURA OCIDENTAL FOI UMA CORRIDA EM BUSCA DO SIMULACRO. SIMULAR POR IMAGENS COMO NA TV, QUE DÁ O MUNDO ACONTECENDO, SIGNIFICA APAGAR A DIFERENÇA ENTRE REAL E IMAGINÁRIO, SER E APARÊNCIA. Mas o simulacro, tal qual a fotografia a cores, embeleza, intensifica o real. Ele fabrica um hiper-real, espetacular, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. O hiper-real simulado nos fascina porque é o real intensificado na cor, na forma, no tamanho, nas suas propriedades. (...) ELES NÃO NOS INFORMAM SOBRE O MUNDO; ELES O REFAZEM À SUA MANEIRA, HIPER-REALIZAM O MUNDO , TRANSFORMANDO-O NUM ESPETÁCULO." (GRIFO NOSSO)

Quando o aluno se volta para a sociedade atual, através da Informática, não está apenas frente a um novo instrumento de consumo ou brinquedo. O computador estrutura um novo recorte da realidade. Um recorte que possibilita ao usuário recriar uma parte da realidade. Este fato nunca antes tinha acontecido nas dimensõe atuais. O real ficava sempre como o último recurso da certeza do sujeito. Era no real que estava a concretude do pensamento. Era nele que o professor teria que se basear para estruturar o seu processo de ensino-aprendizagem. No momento atual, assinala Jair Ferreira dos Santos " (que) os filósofos estão chamando de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito, ou seja, o referente (a realidade) se degrada em fantasmagoria e o sujeito (o indivíduo) perde a substância interior, sente-se vazio."

Com o processo de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito como é que fica o processo de formação dos alunos? De que maneira o professor deverá agir para lidar com os alunos a partir desta nova realidade?

" Não é o saber ou o saber fazer o fulcro da ação educativa: é a criança, o adolescente, que devem ser preparados para viverem com os seus semelhantes, para dialogarem com eles, para participarem em sociedades gradualmente mais tirânicas, sem por isso deixarem de ser eles mesmos, sem serem dominados, avassalados por máquinas e burocracia de qualquer tipo".

Pode-se dizer que os computadores não são apenas os produtos mais comuns da nossa época. Eles são a metáfora do nosso tempo. Eles trazem em seu bojo as possíveis transformações que a sociedade do futuro terá. Uma sociedade que exige que os sujeitos sejam preparados para viver em realidades cada vez mais redefinidas e recortadas, onde o conceito de real e de realidade antigos não dão conta das indicações dos caminhos por onde ir. Os alunos precisam ser preparados para uma sociedade pós-moderna onde os parâmetros cognitivos serão continuamente redefinidos.

A questão básica passa a ser, em decorrência, o que a Educação pode fazer para auxiliar os alunos e professores neste processo. No passado partia-se do privilegiamento do plano da razão ou consciência.

3. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE NO EIXO DA RAZÃO

Durante muitos séculos o grande marco norteador da história do pensamento humano foi o chamado modelo consciencialista, baseado no modelo filosófico. Foi através dele que o ser humano se pensou e tem se pensado para encontrar o rumo da sua sociedade e de si próprio.

Neste nível, pode-se dizer que a história do pensamento filosófico durante muitos séculos foi também a história do processo educacional. Ou seja, os grandes filósofos foram, ao mesmo tempo, os grandes pensadores e educadores da humanidade. Foram eles que ajudaram a construir o conhecimento e a inteligência universais. Eles que determinaram o que deveria ser visto e pensado.

A partir daí, a consciência passou a ser vista como sinônimo do próprio processo de conhecimento e de desenvolvimento da inteligência. Uma pessoa inteligente era acima de tudo uma pessoa consciente, e uma pessoa consciente era uma pessoa sábia.

A razão tornou-se o instrumento indispensável de autodeterminação do ser humano. A crença era que, através da razão, o homem encontraria a medida e os elos de ligação entre o social e o individual, entre o estático e o dinâmico, entre o particular e o universal. Isto acabou por levar à uma concepção onde a consciência e a inteligência eram vistas como faces da mesma moeda.

Entretanto, com o desenvolvimento das sociedades e das transformações tecnológicas tudo isto se altera. As produções gradativamente se tornaram mais sofisticadas intelectualmente.

Atualmente é possível comprar produtos mais elaborados do ponto de vista cultural: um texto denso de um escritor de vanguarda, um computador de última geração, uma música inovadora, um livro que aborde a última teoria de ciências, etc. O capitalismo criou um novo modelo de saber, onde a tecnologia assume uma dinâmica cada vez maior. As Artes e a Literatura também se densificaram e se estruturaram de outra forma. Os produtos atuais não usam apenas uma mídia como no passado, mas várias. Por exemplo, o músico Jean-Michel Jarre em seus trabalhos usa dos recursos multi-midia que incluem dança, parte cênica ( iluminação e o cenário), cinema e tv ( exibição de vídeos e filmes), ao mesmo tempo em que ele e o seus músicos tocam a sua última produção artística ( a música contemporânea - o jazz- fusion).

Em suma, o modelo capitalista de produção, distribuição e consumo instituiu novas formas de se pensar a cultura, a própria sociedade e o indivíduo. Em síntese, do ponto de vista da história do conhecimento humano, a ciência contemporânea trouxe uma mudança bastante radical em relação aos paradigmas de saber anteriores. A própria concepção de pensamento e inteligência humana foi alterada.

" As grandes teorias sociais construíram o seu paradigma sob a influência da crença no triunfo inexorável da razão e do progresso, numa história civilizatória da humanidade. As Ciências Sociais (às quais à Filosofia e à Educação estão estreitamente ligadas) tiveram, até agora como premissa que a vida social está condicionada por uma lógica, que vai da tradição à modernidade, da fé à razão, da reprodução à produção, da comunidade à sociedade (SADER,1988). Forjou-se, assim, um modelo geral de análise de caráter macroscópico, que privilegia a apreensão das regularidades sociais, a partir dos movimentos que gravitam no plano institucional e nas estruturas sociais. Contudo, todas essas teorias e suas premissas, que orientavam a pesquisa social, foram-se mostrando progressivamente insuficientes e incapazes de explicar os fenômenos sociais nas sociedades contemporâneas. Emergiram, com força crescente, novas dimensões da realidade que, até então, eram insuficientes, surpreendendo os cientistas sociais."

Quando se pensa nas estruturas de pensamento das crianças, as pesquisas se voltam para o desenvolvimento da inteligência. Isto quer dizer que aquilo que interessa aos psicólogos, professores, psicopedagogos e psicanalistas são as formas de pensar mais eficazes, aquelas que possibilitam o crescimento maior dos sujeitos. Porém, esta não é uma tarefa fácil de ser executada, porque a Psicologia e a Psicanálise constataram que os sujeitos não se direcionam apenas para o seu bem, mas também para a sua destruição. Isto quer dizer que, através da utilização da razão, os seres humanos ainda não conseguiram deter as fontes de sua própria destruição. Eles apenas conseguiram mapeá-las ligeiramente. É o que Freud designa como pulsão de morte, isto é, o que leva o sujeito a sempre escolher o pior, aquilo que leva à sua destruição.

Este aspecto torna-se um elemento fundamental nas discussões porque tem sido feita uma ligação muito grande entre as possilidades de mau uso dos computadores e a destruição dos sujeitos ou da humanidade.

Como se, através do mau uso dos computadores, emergisse uma dinâmica destrutiva não constatada anteriormente. No entanto, a questão não é bem esta. Na história da humanidade sempre houve guerras e os seres humanos continuamente se destruiram. Nos dois últimos séculos chegamos a duas guerras mundiais. Mas por que isto acontece? As razões para os processos destrutivos nos seres humanos não se encontram nos computadores, mas nos próprios sujeitos e nos seus processos culturais. Além disso, do ponto de vista dos computadores, acredito que haja aqui um enorme descompasso. Normalmente os sujeitos lidam com eles como se fossem objetos produzidos da mesma forma que os demais produtos da cultura. Mas será que isto é verdadeiro?

Em primeiro lugar, os computadores fazem parte de uma linhagem nova de produtos: aqueles que são a concretização de formas de pensamento concebidas através da linguagem. Este processo começou a ser identificado com mais clareza a partir do século passado com a emergência da Linguística e da Antropologia. A linguagem remete-nos à uma instância que é fundamentalmente de orientação social. Ela seria o elemento maior de ligação entre o social e o individual.

Um dos autores que mais estudou este processo foi Lev Vygotsky. Ele partia da perspectiva de que a linguagem é socialmente formada e que, aos poucos, a criança a incorpora atraves daquilo que vivencia na família.

Dessa forma, o processo de construção da realidade social é um dos principais fatores do processo de construção da inteligência humana. Há um vínculo estreito entre a estruturação das chamadas funções psíquicas superiores dos sujeitos e o processo de construção da linguagem e da fala.

" Essa nova abordagem para a psicologia fica explícita em três idéias centrais que podemos considerar como sendo os "pilares" básicos do pensamento de Vygotsky: *as funções psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividade cerebral; *o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior,as quais desenvolvem-se num processo histórico; *a relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos."

Tradicionalmente a construção da inteligência humana tem sido pensada apenas como se fosse um mero produto biológico decorrente da combinação de gens humanos ou um produto social. O modelo de Vygotsky incorpora estes dois aspectos, privilegiando tanto um corpo genéticamente construído quanto à sua vinculação com o social no desenvolvimento das potencialidades do sujeito. Consequentemente, a concepção torna-se dialética, onde a interação entre as variáveis biológicas e sociais é constantemente referida a um processo contínuo de mudança.

Não há apenas o cérebro genéticamente dado, mas um cérebro que, após o nascimento, se estrutura e transforma a partir de conteúdos oriundos do ambiente social do sujeito.

4. AS ONDAS SOCIAIS E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA: AS INTERAÇÕES ENTRE O SOCIAL E O INDIVIDUAL

Os historiadores contemporâneos estudando a sociedade atual delineam três períodos na história da humanidade. No campo da Informática e Educação, uma das leituras mais divulgadas, neste sentido, tem sido aquela proposta pelo futurólogo Alvin Tofler. Seus trabalhos se iniciaram na década de 60.
O seu livro de maior impacto foi A Terceira Onda, lançado em 1983, onde é feito um relato das três “ondas” sucessivas de civilização humana. A metáfora da onda é usada para designar um fluir da sociedade que não vai em uma direção só, mas que apresenta fluxos e refluxos contínuos, tal como a água do mar, em seus aspectos superficiais e profundos de dinamização.

A primeira onda surgiu no início dos tempos e vigorou até finais do século XVII. A sociedade neste período se caracterizava por ser essencialmente agrícola. As pessoas viviam em bandos isolados, produzindo alimentos para o seu próprio consumo. Os antropólogos nomearam este tipo de civilização de sociedade primitiva.

A segunda onda surgiu após o século XVII e se caracterizou por apresentar um enorme desenvolvimento industrial. Houve a própria transformação das relações agrárias, através da produção de quantidades cada vez maiores de alimentos. Com isso, tornou-se possível a saída das pessoas do campo na direção das cidades. O que acabou por levar as indústrias a incorporarem cada vez mais mão de obra.

A sociedade da segunda onda introduziu uma nova forma de pensar e se relacionar, distinta daquela apresentada pelo modelo da primeira onda. Enquanto na primeira onda as pessoas eram tanto produtores quanto consumidores, na segunda onda tornou-se patente a emergência de um novo modelo social onde a produção e o consumo foram drásticamente dissociados. Ou seja, na segunda onda, as pessoas não produziam mais os seus produtos. Elas consumiam os produtos previamente preparados pelos produtores.

Um outro aspecto a ser assinalado, ao longo da segunda onda, é que a própria civilização tornou-se um produto de consumo. A própria cultura passou a ser industrializada. Houve a produção, distribuição e massificação das informações. A estrutura de pensamento passou a se direcionar para o consumo de maiores quantidades de informações, produtos,etc.

Atualmente, nos países de primeiro mundo, nós já chegamos à chamada terceira onda de civilização, onde os produtos passam a ser personalizados e direcionados para um consumo interativo entre os sujeitos.

5. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA: OS DIVERSOS EM CONFRONTO

Normalmente quando as pessoas analisam as sociedades, elas o fazem através de uma leitura redutora do social, como se este fosse apenas o delineamento de uma tendência. O modelo tradicionalmente predominante é aquele onde o social é apreendido como se fosse uma totalidade. Na realidade, o modelo de Toffler revela que a sociedade é uma realidade multifacetada, em constante processo de transformação, a partir de um entrejogo de várias tendências e perspectivas estruturantes.

Para começar, muitas das mudanças da atualidade não são independentes umas das outras. Nem são fortuitas. (...) Enquanto as considerarmos mudanças isoladas e nos escapar esta significação maior, não poderemos idear uma resposta coerente e eficaz para elas. Como indivíduos, nossas decisões pessoais ficam sem objetivo ou autoneutralizadas. Como governos, caminhamos aos trancos de crises para programas de emergência, entrando pelo futuro adentro sem plano, sem esperança e sem visão.”

Neste sentido, cumpre assinalar que, da mesma forma que o social é reduzido à uma única vertente, o processo educacional também. Com isso, a realidade educacional perde seu entrejogo do diverso, diluindo-se em captações imaginárias semelhantes. Ou seja, apreende-se as semelhanças entre as várias instituições escolares a partir de seus contextos sociais e exclui-se tudo aquilo que aparece de diferente nelas. A proposta de Alvin Toffler resgata este encaminhamento multifacetado e interativo entre o social e o educacional. Ela captura tanto o aspecto macrossocial quanto microssocial. O social e o sujeito. As instituições e o grupo. Em suma, ela incorpora tanto o processo social mais abrangente, o microssocial e a própria interação entre eles, em uma construção com múltiplas formas e vários caminhos possíveis. Como conseqüência imediata, o próprio processo de construção da inteligência da criança é apreendido de maneira mais complexa. Não sendo reduzido à uma vertente social e educacional única, mas capturado em um entrejogo de possibilidades, que fogem muitas vezes da própria percepção mais direta do aluno, do professor e de especialistas.

Um dos aspectos principais das colocações de Alvin Toffler diz respeito a convivência, ao mesmo tempo, dos determinantes das três ondas civilizatórias. Eles sobrevivem no mundo todo e em cada país. Quando os partidários de uma das tendências se encontra com os demais, há a emergência de situações de brigas e confronto de idéias.

" Personalizo às vezes a própria civilização, argumentando que a civilização da Primeira Onda ou da Segunda Onda “fez” isto ou aquilo. Naturalmente, eu sei, e os leitores sabem, que as civilizações não fazem nada; as pessoas é que o fazem. Mas, atribuindo isto ou aquilo, de vez em quando, a uma civilização , poupa-se tempo e fôlego. (...) A Terceira Onda descreve a civilização de uma “tecnosfera”, uma “sociosfera”, uma “infosfera” e “poderesfera”; depois dispõe-se a mostrar como cada uma destas está sofrendo mudança revolucionária no mundo atual; tenta mostrar as relações destas partes de uma com a outra, bem como com a “biosfera” e a “psicosfera” - esta estrutura de relações psicológicas e pessoais através da qual mudanças ocorridas no mundo exterior afetam as nossas vidas mais íntimas”.

Os sociólogos, antropólogos e psicólogos têm percebido gradativamente a importância de uma concepção que privilegia a chamada superestrutura. É através dela onde se jogam os rumos da construção do pensamento dos sujeitos. Toffler chama este processo, emergido a partir da segunda onda, de indust-realidade.

“ A Segunda Onda criou não só uma nova realidade para milhões, mas também um novo modo de pensar a realidade.

Chocando-se em mil pontos com os valores, os conceitos, os mitos e os costumes da sociedade agrícola, a Segunda Onda trouxe consigo uma redefinição de Deus ... de justiça ... de amor... de poder ... de beleza. Despertou novas idéias, atitudes e analogias. Subverteu e suplantou pressuposições antigas a respeito do tempo, do espaço , da matéria e da causalidade. Emergiu uma visão de um mundo poderoso, coerente, que não só explicava, mas também justificava a realidade da Segunda Onda. Esta visão da sociedade industrial do mundo não tem um nome. Poderia ser designada “indust-realidade”.

Um dos aspectos da “indus-realidade” é que ela traz em seu bojo uma forma bastante abrangente de compreensão do mundo.

“Cada um de nós cria em seu cérebro um modelo mental da realidade - um armazém de imagens. Algumas destas são visuais, outras auditivas, mesmo palpáveis. Algumas são apenas “ perceptos” - vestígios de informaçõe sobre o nosso meio, como um vislumbre do céu azul visto pelo rabo de um olho. Outras são “ligações” que definem relações, como as duas palavras “mãe” e “filho”. Algumas são simples, outras complexas e conceptuais, como a idéias de que a “inflação é causada pelo aumento dos salários”. Juntas, tais imagens formam a nossa imagem de mundo, localizando-nos no tempo, no espaço e na rede de relações pessoais em volta de nós.”

Durante a primeira onda os “perceptos” foram estabelecidos basicamente através das relações pessoais familiares ou grupais. Eram os parentes próximos, os mais velhos, as autoridades políticas e religiosas, etc ; que propiciavam ao sujeito as informações básicas e necessárias. Grande parte da humanidade, nesta época, jamais saiu do seu local de nascimento. Vivia-se com as informações que eram transmitidas através das gerações passadas.

Com a segunda onda tudo isso começa a mudar. A ampliação do mercado, devido à quantidade enorme de produtos produzidos pelas indústrias e pelo campo, levou à exploração de novos mercados. Os limites das aldeias, cidades e países foram ultrapassados. Os contatos comerciais se tornaram determinantes na busca de novos locais onde achar um mercado comprador ainda virgem.

“A segunda Onda multiplicou o número de canais de que o indivíduo tirava a imagem da realidade. A criança não mais recebia apenas imagens da natureza ou das pessoas, mas também as recebia dos jornais, das revistas de massa, do rádio e, mais tarde, da televisão.

Pela maior parte, a igreja, o estado, o lar e a escola continuaram a falar em uníssono, reforçando-se uns aos outros. (...) Certas imagens visuais, por exemplo, foram tão amplamente distribuídas em massa e foram implantadas em tantos milhões de memórias particulares que, com efeito, se transformaram em ícones. A imagem de Lenin, o queixo projetado para a frente em triunfo sob uma esvoaçante bandeira vermelha, assim se tornou tão icônica para milhões de pessoas como a imagem de Jesus Cristo na cruz. A imagem de Charlie Chaplin, com chapéu- coco e bengala, ou Hitler esbravejando em Nuremberg, a imagem de corpos empilhados em Buchenwald, de Churchill fazendo o sinal do V ou Roosevelt usando uma capa preta, de Marilyn Monroe com a saia levantada pelo vento, de centenas de estrelas de propaganda e milhares de diferentes produtos comerciais universalmente reconhecíveis - a barra do sabão Ivory nos Estados Unidos, o chocolate Morinaga no Japão, a garrafa de Perrier na França - todas figuras se tornaram peças padronizadas de um arquivo universal de imagens.

Estas fantasias produzidas centralmente, injetadas na “mente da massa” pelos meios de comunicação de massa, ajudaram a produzir a padronização do comportamento exigida pelo sistema de produção industrial.”

Ao longo da segunda onda emergiu um novo modelo social onde a moral, os costumes, as idéias foram pré-fabricadas. Este processo instituiu uma padronização das formas de pensar, através da chamada indústria cultural. Cada produto era simplificado ao máximo para poder ser consumido por todos. Isto acabou por criar uma cultura de aparência, onde as informações eram minimamente capturadas.

Na terceira onda tudo isto mudou. Com a criação da rede de computadores, e principalmente da Internet, não basta apenas o sujeito aprender a lidar com as informações mais gerais. É preciso aprofundá-las, decodificando-as em toda a sua complexidade. Isto porque agora o sujeito está sozinho frente ao processo de transmissão e produção/reprodução das informações. Cada vez mais elas tendem a crescer e apresentar um fluxo contínuo avassalador. O sujeito precisa saber lidar com as informações, selecionando-as , agrupando-as , reordenando-as.

“ O que na superfície parece ser uma série de eventos desconexos resulta ser uma onda de mudanças intimamente correlatas, rodando através do horizonte dos meios comunicação, dos jornais e rádio num extremo, às revistas e televisão no outro. Os meios de comunicação de massas estão sob ataque. Novos veículos de comunicação desmassificados estão proliferando, desafiando - e algumas vezes mesmo substituindo - os meios de comunicação em massa que foram dominantes em todas as sociedades da Segunda Onda.

A Terceira Onda começa assim uma verdadeira nova era: a idade dos veículos de comunicação desmassificados. Uma nova infosfera está emergindo juntamente com a nova tecnosfera. E esta terá um impacto de longo alcance nessa esfera, a mais importante de todas , a que está dentro dos nosso cérebros. Pois, tomandas em conjunto, estas mudanças revolucionarão a nossa imagem do mundo e a nossa habilidade para lhe encontrar sentido.”

O sujeito na terceira onda adquiriu um novo status no campo do conhecimento. De um mero recebedor de informações como na segunda onda, ele precisa tornar-se um produconsumidor, isto é, o que Alvin Toffler designa como um produtor/consumidor de informações. Não basta apenas ele consumir as informações, ele tem de criá-las também. Sob este aspecto pode-se dizer que a cultura na Terceira Onda acabou por se personalizar. Ela não é mais um produto de massa.

“ A desmassificação dos meios de comunicação de massa desmassifica igualmente as nossas mentes. Durante a era da Segunda Onda o martelar contínuo das imagens padronizadas expelidas pela propaganda criou o que os críticos chamaram uma “mentalidade de massa”. Hoje, em vez de massas de pessoas recebendo todas as mesmas mensagens, grupos desmassificados menores recebem e enviam grandes quantidades de suas próprias imagens de uns para os outros. Enquanto a sociedade inteira se desloca para a diversidade da Terceira Onda, os novos meios de comunicação refletem e aceleram o processo. (...) O consenso de despedaça. Num nível pessoal, são todos cercados e assaltados por fragmentos de fantasia, contraditória e desconexa, que abala as nossas velhas idéias e chega até nós sob a forma de blips quebrados ou desencarnados. Nós vivemos, de fato, numa “ cultura do blip”.

Com isto, há uma diferença básica entre a vivência dos sujeitos da Segunda Onda e da Terceira Onda: a criação de uma autonomia maior. O que leva os indivíduos presos aos valores da Segunda Onda a se sentirem ameaçados pelos valores e propostas da Terceira Onda.

“ As pessoas da Segunda Onda, ansiosas pela moral pronta para uso e as certezas ideológicas do passado, estão incomodadas e desorientadas pela blitz de informação. Sentem nostalgia dos programas de rádio da década de 30 ou dos filmes da década de 40. Sentem-se excluídos do ambiente dos novos meios de comunicação, não apenas porque muito do que ouvem é ameaçador ou perturbador, mas porque as próprias embalagens em que chega a informação são estranhas.”

Face à um novo mundo que cobra posições pessoais, o sujeito se sente muitas vezes, a partir de suas vivências anteriores, incapaz de dar uma resposta. São principalmente aqueles que aprenderam a pensar através de processos simplificados préviamente estabelecidos. Ao fazê-lo no circuito atual sentem-se impotentes, sem os parâmetros necessários de avaliação. Por outro lado, frente à geração passada, a geração atual criada dentro do contexto da Terceira Onda se vê com grandes vantagens..

“Em vez de recebermos longas e relacionadas “enfiadas” de idéias, organizadas e sintetizadas para nós, estamos cada vez mais a breves e modelares blips de informação - anúncios, pedidos, teorias, fiapos de notícias, fragmentos truncados que se recusam a encaixar-se perfeitamente nos nossos arquivos mentais preexistentes. As novas fantasias resistem à classificação, em parte porque freqüentemente caem fora das velhas categorias conceituais, mas também porque vêm em embalagens demasiado estranhas de forma, transitórias e desconexas. Assaltadas pelo que elas percebem como o tumulto da cultura blip, as pessoas da Segunda Onda sentem uma raiva reprimida contra os meios de comunicação.

As pessoas da Terceira Onda, ao contrário, estão mais à vontade no meio deste bombardeio de blips - a intersecção de recortes de notícias (devido) a um comercial de 30 segundos, um fragmento de canção e letra, um cabeçalho, um cartoon, uma montagem, um item de panfleto, um print-out de computador. Leitores insaciáveis de livros de bolso de ler e jogar fora e de revistas de interesse especial engolem enormes quantidades de informação em pequenos bocados. Mas também estão de olho naqueles novos conceitos ou metáforas que reúnem ou organizam blips em totalidades maiores. Em vez de tentarem atulhar com os novos dados modulares as categorias ou estruturas padronizadas da Segunda Onda, aprendem a fazer as suas, a formar as suas próprias “enfiadas” do material “blipado” disparado sobre eles pelos novos meios de propaganda. “

Em decorrência, são introduzidas formas diferentes de pensar a partir dos dois tipos de civilização : a Segunda e a Terceira Onda. Na Segunda Onda o aluno vai estar pedindo modelos prontos, enquanto que aqueles que vivenciaram os valores da Terceira Onda estarão pedindo mais liberdade para pensar individualmente.

Em vez de apenas recebermos o nosso modelo mental de realidade, nós agora somos impelidos a inventá-lo e continuamente a reinventá-lo. Isto coloca um enorme fardo sobre nós. Mas também conduz à maior individualidade, à desmassificação da personalidade, assim como da cultura. Alguns de nós rebetam sob a nova pressão ou se recolhem à apatia ou à raiva. Outros emergem como indivíduos bem formados, crescendo continuamente, competentes, capazes de operar, por assim dizer, num nível mais alto. ( Num ou noutro caso, quer a tensão se revele grande demais ou não, o resultado está muito longe dos robôs uniformes, padronizados, facilmente arregimentados, previstos por tantos sociólogos e escritores da ficção científica da era da Segunda Onda).

Acima de tudo isto, a desmassificação da civilização, que reflete e intensifica os meios de comunicação, traz com ela um enorme salto na quantidade de informação que todos trocaremos uns com os outros. E é este aumento que explica por que estamos nos tornando uma “sociedade de informação”. “

6. CONCLUSÃO: O NOVO PAPEL DA EDUCAÇÃO

O que isso tem a ver com as necessidades básicas do professor em seu processo de formação e posterior prática pedagógica? Acreditamos que a Terceira Onda introduza uma posição inédita na cultura humana: por um lado, o professor é um elemento altamente estratégico e, por outro, pode ser facilmente dispensável. No primeiro caso, ele pode auxiliar os alunos a aprender a selecionar melhor as suas alternativas e recursos de acesso à informação. Em segundo lugar, o professor precisará estar constantemente atualizado para não se tornar um elemento descartável.

Uma outra variável que não pode ser esquecida : tal como o professor o aluno precisará de reciclagens constantes. A diferença é que ele necessitará de um professor com um alto nível técnico de formação e informação.

Isto introduz uma alteração significativa no quadro de professores. A atualização de conhecimentos torna-se um processo estratégico. Alguns serão facilmente dispensáveis; aqueles não se atualizam. Para os demais, haverá sempre um novo campo de trabalho a ser tecido e estruturado, a partir da própria demanda dos alunos.

Em decorrência, pode-se dizer que a própria escola muda. Enquanto na Segunda Onda as informações básicas vinham através dela, na Terceira Onda os computadores parecem deter este lugar estratégico. A base de informações maiores não virá dos professores, mas dos próprios computadores que poderão ser acionados nos lares, nas bibliotecas ou na própria escola. O professor se tornará então um orientador de formas de estudo mais adaptadas às necessidades dos alunos. Assim, por exemplo, em vez de uma aula de história tradicional, um cd-room elaborado com os mais recentes recursos de multimídia propiciará ao aluno um contato mais aprofundado com a matéria. Ele poderá receber, além de um relato sobre os fatos mais importantes do evento histórico, outras informações complementares. Saber como se constituia a terra naquela época, como era o clima, o céu, a saúde dos sujeitos, etc. Ou seja, estamos saindo de uma história monocromática para uma hipercromática e de recursos de multimídia.

Cabe aos professores, se quiserem participar deste processo de transformação social, uma constante reciclagem. Para que eles não se tornem - como já ouvimos de muitos professores - o "lixo" descartável desta nova era. Um professor atualizado é aquele que tem olhos no futuro e a ação no presente, para não perder as possibilidades que o momento atual continuamente lhe apresenta. Porém, isto não é alguma coisa que o sistema educacional possa obrigar os professores a fazerem. A Informática é ainda uma opção, uma decisão do professor frente aos seus novos rumos de trabalho.

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Fonte:
http://www.educacaoonline.pro.br/

O folclore negro na literatura norte-americana

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 28 de setembro de 1947
Neste texto foi mantida a grafia original

A idéia do negro assustadiço, patologicamente supersticioso, já deu varias vezes a volta ao mundo, nas asas da literatura. O cinema, onde raramente aparece um afro-americano que não faça palhaçadas, acaricie a "patinha de coelho" ou se espante com fantasmas, encarregou-se de recolher essa patranha.

No entanto, a brilhante tradição revolucionaria dos filhos de Cam - afirma o sr. Nestor R. Ortiz Oderigo, no interessante artigo sobre o folclore negro na literatura americana, que publicou na revista argentina Nosostros - deram ao mundo figuras admiraveis como as de Toussaint Louverture e Falucho, Maceo e Denmark Vessey, Nat Turner e Barcala, Ansina e John Brown.

Muitos historiadores se empenharam em afirmar que, durante a guerra civil norte-americana, os negros não lutaram nos exercitos do norte, ficando, apenas, a cuidar das casas, enquanto os senhores iam à frente de batalha. Sobram, porem, documentos comprobatorios do contrario.

As danças, a musica, a poesia e as narrações que, por tradição, correm de boca em boca, exerceram poderosa atração sobre a critica e o publico do mundo inteiro, notando-se na densa trama da literatura norte-americana diversos traços do folclore afroamericano.

Na Cabana do Pai Tomás, no capítulo intitulado "Uma noite na cabana de Pai Tomás", aparecem versos do cancioneiro de Alabama, do escritor Carl Cramer; os dramas de acerbo conteudo social, como Dont't You Want to be Free?, de Langston Hughes, por exemplo, em cujas paginas deslizam melancolicos blues, estão todos saturados de criações de arte negras.

Referindo-se aos escritores jovens, principalmente os regionalistas e nativistas, diz Ortiz Oderigo que se nota neles a salutar tendencia de dar aos negros o lugar que merecem. A maioria dos que se dedicam a esses generos conhece perfeitamente o material de que se serve.

Entre os primeiros escritores que trataram do assunto, está Dorothy Scarborough, que publicou, há dois decenios, a novela In the Land of Cotton, que tem como cenario as plantações de algodão do Estado de Texas. A autora, que conhece a fundo as canções de trabalho dos negros humildes, pois as estudou com carinho em suas numerosas viagens, teceu com elas, em seu livro, uma trama vivida, que se entrelaça ao enredo, dando à sua obra um carater de indiscutivel conteudo humano.

Ao grupo de escritores provenientes da Carolina do Sul pertencia o novelista e dramaturgo DuBose Heyward, falecido em 1940, cujos livros refletem a vida dos negros "gullah""(termo derivado de Angola, segundo o etnologo A. E. González) em seu "ghetto" da cidade de Charleston, denominado "Catfish Row". Porgy (1925) e Mamba's Daughters (1927), que constituiram extraordinario exito nos palcos de Nova York, se desenvolvem dessa moldura.

Pertence, também, ao grupo da Carolina do Sul, a novelista Julia Peterkin, dona da plantação Lang Syne, nesse Estado norte-americano. Seus livros refletem os velhos conceitos que sobre a raça negra tinham os senhores do sul. Não obstante, revelam rica fonte de ensinamentos sobre os curiosos rituais e tradições praticados pelos escravos e seus descendentes. A autora desenvolve com notavel desembaraço o tema folclorico. Em Black April (1927) descreve, com riqueza de material, as superstições do homem do campo, suas interpretações dos fenomenos fisicos, seus pressentimentos, distanciando-se da tecnica novelistica para aproximar-se do denso estudo do folclore. A sua obra mais importante, Scarlet Sister Mary, apareceu em 1928, sendo-lhe outorgado, pela sua realização, o premio "Pulitzer" de literatura desse ano.

Roark Bradford tambem se dedicou profundamente ao folclore em seus contos, novelas e obras teatrais. Embora pertença às ultimas gerações de escritores, encontra em seu ponto de vista de lastro dos autores sulistas do seculo passado, para os quais o negro constituia objeto decorativo. Sem chegar ao plano reacionario de Octavius Roy Cohen, Bradford adultera o material folclorico, deturpa-o, como os menestréis desvirtuavam as canções afro-americanas. Em This Side of Jordan, Bradford narrar a vida dos negros nos campos que o imenso Mississippi banha e fertiliza, rio que é, ao mesmo tempo, o Nilo e o Jordão dos homens de côr. Há, nesse livro, grande abundancia de "folk songs". Os "revival meetings" - os batismos nas calidas aguas do rio descoberto por De Soto - são descritos com grande riqueza de pormenores.

Em seu estudo, Ortiz Oderigo transcreve a seguinte canção, que aqui reproduzimos para os leitores brasileiros:
Não tenho dinheiro,
Não tenho blusa,
Não tenho "overalls",
Mas agradeço a Deus,
Porque possuo uns empoeirados,
Empoeirados, empoeirados sapatos!

Quanto às tendências do autor de This Side of Jordan, podemos ter delas uma idéia através dos versos por ele escolhidos, pois o livro não inclui nenhum dos cantos de protesto ante o trato dos brancos e as injustiças sofridas pela gente de côr. Pertence ao mesmo autor a serie de narrações intitulada Ol'man Adam an'his Chillun, concebidas sobre cenas do Antigo Testamento nas quais a inclusão de "Spirituals" se justifica plenamente.

O dramaturgo Marc Connelly inspirou-se nesses contos de Bradfort para conceber a sua farsa Green Pastures, muito popular nos Estados Unidos, e da qual se fez uma versão cinematografica. Nesse trabalho, os argumentos se misturam, de maneira indissoluvel, com o material e os cantos folcloricos, constituindo um todo sobremaneira homogeneo.

Zora Neale Hurston é o nome de outra cultura do folclore. O notável etnologo Franz Boas, da Universidade de Columbia, considera-na como a melhor entre os escritores que reconheceram em seus livros as tradições, os cantos, as danças e as superstições do afroamericano do campo. Prenhe de conteudo folclorico é a sua novela intitulada Jonah's Gourd Vine, em que narra a vida de um humilde negro de Alabama.

Embora em plano diferente do de Zora Neale Hurston, a escritora Edna Ferber tambem contribuiu para a divulgação do tema literario folclorico, utilizando em seu melodrama Show Boat, de maneira discreta, cantos dos remadores do Mississippi, derivados dos "cantos de remar" dos africanos.

Na parte final do seu artigo, Ortiz Oderigo refere-se ao interesse de Eugene O'Neill, o maior dramaturgo norte-americano, pelo tema negro folclorico, do qual se utilizou, pela primeira vez, em 1918, em sua peça The Moon of the aribees que trata dos afroantilhanos, iniciando com essa obra o seu "ciclo negro". Lançou, em seguida, Emperor Jones (1920), conhecida no Brasil, tambem, através da versão cinematografica de Paul Robeson. Dreamy Kid (1921) e All God's Chillun Got Wings encerram esse ciclo.

Dentre as figuras folcloricas da gente de côr dos Estados Unidos que entraram na novela, na narração, no palco, na poesia - diz Oderigo - a que despertou maior interesse entre os escritores foi John Henry, figura legendaria, recortada pela fantasia inesgotavel do povo, mas com inquestionavel fundo humano e real, personificada por um negro operario da construção do tunel Big Bend, em West Virginia. John Henry viveu há mais de meio seculo, sendo admirado pelos trabalhadores negros dos Estados Unidos pela sua capacidade de trabalho, pois "podia trabalhar por seis homens", e pela sua tragica morte, lamentadissima, ocorrida na defesa dos seus afazeres. Seu perfil, refletiu-se na poesia, na musica, no teatro e na novela folcloricos norte-americanos.

Terminando o seu estudo sobre o tema folclorico afro-americano, Ortiz Oderigo menciona diversos poetas raciais, entre os quais Langston Hughes, Sterling Brown, Alexander e James Weldon Johnson, e, entre os brancos que se dedicam à poesia negra, Carl Sandburg, DuBose Heyward Clemente Wood e E. L. Adams.

Fonte:
http://almanaque.folha.uol.com.br