sexta-feira, 6 de junho de 2008

Lima Barreto (Quase ela deu o "sim", mas...)

João Cazu era um moço suburbano, forte e saudável, mas pouco ativo e amigo do trabalho.

Vivia em casa dos tios, numa estação de subúrbios, onde tinha moradia, comida, roupa, calçado e algum dinheiro que a sua bondosa tia e madrinha lhe dava para os cigarros.

Ele, porém, não os comprava; "filava-os" dos outros. "Refundia" os níqueis que lhe dava a tia, para flores a dar às namoradas e comprar bilhetes de tômbolas, nos vários "mafuás", mais ou menos eclesiásticos, que há por aquelas redondezas.

O conhecimento do seu hábito de "filar" cigarros aos camaradas e amigos, estava tão espalhado que, mal um deles o via, logo tirava da algibeira um cigarro; e, antes de saudá-lo, dizia:

—Toma lá o cigarro, Cazu.

Vivia assim muito bem, sem ambições nem tenções. A maior parte do dia, especialmente a tarde, empregava ele, com outros companheiros, em dar loucos pontapés, numa bola, tendo por arena um terreno baldio das vizinhanças da residência dele ou melhor: dos seus tios e padrinhos.

Contudo, ainda não estava satisfeito. Restava-lhe a grave preocupação de encontrar quem lhe lavasse e engomasse a roupa, remendasse as calças e outras peças do vestuário, cerzisse as meias, etc., etc.

Em resumo: ele queria uma mulher, uma esposa, adaptável ao seu jeito descansado.

Tinha visto falar em sujeitos que se casam com moças ricas e não precisam trabalhar; em outros que esposam professoras e adquirem a meritória profissão de "maridos da professora"; ele, porém, não aspirava a tanto.
Apesar disso, não desanimou de descobrir uma mulher que lhe servis convenientemente.

Continuou a jogar displicentemente, o seu football vagabundo e a viver cheio de segurança e abundância com os seus tios e padrinhos.

Certo dia, passando pela porteira da casa de uma sua vizinha mais ou menos conhecida, ela lhe pediu:

— "Seu" Cazu, o senhor vai até à estação?

— Vou, Dona Ermelinda.

— Podia me fazer um favor?

— Pois não.

— É ver se o "Seu" Gustavo da padaria "Rosa de Ouro", me pode ceder duas estampilhas de seiscentos réis. Tenho que fazer um requerimento ao Tesouro, sobre coisas do meu montepio, com urgência, precisava muito.

— Não há dúvida, minha senhora.

Cazu, dizendo isto, pensava de si para si: ,'É um bom partido. Tem montepio, é viúva; o diabo são os filhos!" Dona Ermelinda, à vista da resposta dele, disse:

— Está aqui o dinheiro.

Conquanto dissesse várias vezes que não precisava daquilo — o dinheiro — o impenitente jogador de football e feliz hóspede dos tios, foi embolsando os nicolaus, por causa das dúvidas.

Fez o que tinha a fazer na estação, adquiriu as estampilhas e voltou para entregá-las à viúva.

De fato, Dona Ermelinda era viúva de um contínuo ou cousa parecida de uma repartição pública. Viúva e com pouco mais de trinta anos, nada se falava da sua reputação.

Tinha uma filha e um filho que educava com grande desvelo e muito sacrifício.

Era proprietária do pequeno chalet onde morava, em cujo quintal havia laranjeiras e algumas outras árvores frutíferas.

Fora o seu falecido marido que o adquirira com o produto de uma "sorte" na loteria; e, se ela, com a morte do esposo, o salvara das garras de escrivães, escreventes, meirinhos, solicitadores e advogados "mambembes", devia-o à precaução do marido que comprara a casa, em nome dela.

Assim mesmo, tinha sido preciso a intervenção do seu compadre, o Capitão Hermenegildo, a fim de remover os obstáculos que certos " águias" começavam a pôr, para impedir que ela entrasse em plena posse do imóvel e abocanhar-lhe afinal o seu chalézito humilde.

De volta, Cazu bateu à porta da viúva que trabalhava no interior, com cujo rendimento ela conseguia aumentar de muito o módico, senão irrisório montepio, de modo a conseguir fazer face às despesas mensais com ela e os filhos.

Percebendo a pobre viúva que era o Cazu, sem se levantar da máquina, gritou:

— Entre, "Seu" Cazu.

Estava só, os filhos ainda não tinham vindo do colégio. Cazu entrou.

Após entregar as estampilhas, quis o rapaz retirar-se; mas foi obstado por Ermelinda nestes termos:

— Espere um pouco, "Seu" Cazu. Vamos tomar café.

Ele aceitou e, embora, ambos se serviram da infusão da "preciosa rubiácea" , como se diz no estilo "valorização".

A viúva, tomando café, acompanhado com pão e manteiga, pôs-se a olhar o companheiro com certo interesse. Ele notou e fez-se amável e galante, demorando em esvaziar a xícara. A viuvinha sorria interiormente de contentamento. Cazu pensou com os seus botões: "Está aí um bom partido: casa própria, montepio, renda das costuras; e além de tudo, há de lavar-me e consertar a roupa. Se calhou, fico livre das censuras da tia..."

Essa vaga tenção ganhou mais corpo, quando a viúva, olhando-lhe a camisa, perguntou:

— "Seu " Cazu, se eu lhe disser uma cousa, o senhor fica zangado?

— Ora, qual, Dona Ermelinda?

— Bem. A sua camisa está rasgada no peito. O senhor traz " ela" amanhã, que eu conserto "ela".

Cazu respondeu que era preciso lavá-la primeiro; mas a viúva prontificou-se em fazer isso também. O player dos pontapés, fingindo relutância no começo, aceitou afinal; e doido por isso estava ele, pois era uma " entrada" , para obter uma lavadeira em condições favoráveis.

Dito e feito: daí em diante, com jeito e manha, ele conseguiu que a viúva se fizesse a sua lavadeira bem em conta.

Cazu, após tal conquista, redobrou de atividade no football, abandonou os biscates e não dava um passo, para obter emprego. Que é que ele queria mais? Tinha tudo...

Na redondeza, passavam como noivos; mas não eram, nem mesmo namorados declarados.

Havia entre ambos, unicamente um "namoro de caboclo", com o que Cazu ganhou uma lavadeira, sem nenhuma exigência monetária e cultivava-o carinhosamente.

Um belo dia, após ano e pouco de tal namoro, houve um casamento na casa dos tios do diligente jogador de football. Ele, à vista da cerimônia e da festa, pensou: "Porque também eu não me caso? Porque eu não peço Ermelinda em casamento? Ela aceita, por certo; e eu..."

Matutou domingo, pois o casamento tinha sido no sábado; refletiu segunda e, na terça, cheio de coragem, chegou-se à Ermelinda e pediu-a em casamento.

— É grave isto, Cazu. Olhe que sou viúva e com dois filhos!

— Tratava "eles" bem; eu juro!

— Está bem. Sexta-feira, você vem cedo, para almoçar comigo e eu dou a resposta.

Assim foi feito. Cazu chegou cedo e os dous estiveram a conversar. Ela, com toda a naturalidade, e ele, cheio de ansiedade e, apreensivo.

Num dado momento, Ermelinda foi até à gaveta de um móvel e tirou de lá um papel.

— Cazu — disse ela, tendo o papel na mão — você vai à venda e à quitanda e compra o que está aqui nesta "nota". É para o almoço.

Cazu agarrou trêmulo o papelucho e pôs-se a ler o seguinte:

1 quilo de feijão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .600 rs.
1/2 de farinha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
1/2 de bacalhau. . . . . . . . . . . .. . . . . . . .1.200 rs.
1/2 de batatas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360 rs.
Cebolas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
Alhos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .100 rs.
Azeite. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300 rs.
Sal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 rs.
Vinagre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.260 rs.

Quitanda:

Carvão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...280 rs.
Couve. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....200 rs.
Salsa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...100 rs.
Cebolinha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......100 rs.

tudo: . . . . . . . . . . . ..............................3.860 rs.

Acabada a leitura, Cazu não se levantou logo da cadeira; e, com a lista na mão, a olhar de um lado a outro, parecia atordoado, estuporado.

— Anda Cazu, fez a viúva. Assim, demorando, o almoço fica tarde...

— É que...

— Que há?

— Não tenho dinheiro.

— Mas você não quer casar comigo? É mostrar atividade meu filho! Dê os seus passos... Vá! Um chefe de família não se atrapalha... É agir !

João Cazu, tendo a lista de gêneros na mão, ergueu-se da cadeira, saiu e não mais voltou...

(mantida a grafia da época)

Fonte:
O texto acima foi extraído da revista "Careta" - Rio de Janeiro, edição de 29/01/1921. Consta, também, do livro "O homem que sabia javanês e outros contos", Pólo Editorial do Paraná - Curitiba (PR), 1997. Disponível em http://www.releituras.com

Manuel da Fonseca (Os Olhos do Poeta)

O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gelos dos pólos,brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando como contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pro mar amaldiçoando a tempestade:
todas as cores, todas as formas do mundo se agitam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas,
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.

Fonte:
http://campodetrigocomcorvos.zip.net/index.html

Millôr Fernandes (Barata à Vista)

A barata é a mais lídima das aquisições democráticas do mundo. Quase toda a casa a possui. Aos pobres lhes cabe melhor quinhão desses insetos, muito embora o Sr. Guinle não possa se queixar pois o Copacabana também as tem apesar de todo o DDT. Pertencendo à família das BLATÍDEAS, muito conhecida nos buracos de rodapés, cantos de estantes, fundos de arquivos e de gavetas, as baratas têm hábitos próprios interessantíssimos com os quais me familiarizei nos meus longos anos de pertinaz contato com arcanos e alfarrábios.

Para se lidar com baratas há quem acredite em inseticidas e baraticidas. Como em tudo mais, acredito em psicologia. Para se aplicar a psicologia é preciso um certo método e uma vasta disciplina. Vejamos.

Encontra-se a barata. Para se encontrar uma barata não é preciso muito gasto de energia. Em geral ela nos procura. E mais em geral ainda ela vem ao meio de nossos dedos quando pegamos aquela pilha de livros que estava embaixo da escada. No momento em que sentimos a barata presa em nossos dedos um sentimento de horror inaudito corre nossa espinha. Largamos livros, agitamo-nos furiosamente, batemos no chão, nos móveis e nos livros com o primeiro pano ou jornal que se nos depara, mas, a essa altura, a barata já estará longe, escondida numa das 365 mil páginas dos 870 livros que espalhamos no chão. Como encontrá-la? eis o problema. Esse problema, depois de acalmados nossos nervos e esfregadas nossas mãos com sabão e bastante álcool, é que procuramos resolver.

Existe, para se pegar uma barata, dois processos distintos. Um é chamar a empregada e dizer: "Tem uma barata aí! Quero isso bem limpo!" e virar covardemente as costas. Dessa atitude pode resultar que a barata atinja um extraordinário grau de longevidade pois a empregada passará um pano nos livros e jogará por cima deles um pouco de DDT, dando-se por satisfeita. A barata também. E daqui há seis meses, quando você for pegar aquele velho exemplar de Balzac, terá a desagradável surpresa de ver, à página 276, olhando-o com aqueles olhos brejeiros e aquelas antenas irônicas que lhe são próprios, a mesma barata que você tinha condenado à morte. Vocês fitar-se-ão demoradamente. Ela continuará baloiçando as antenas. E você, depois de um segundo de inércia, saltará para o ar, jogará o livro para o outro lado e berrará femininamente. Pois eis que as baratas têm o extraordinário poder de nos afeminar a todos, afirmativa essa que se aceitará sem contestação se se atentar para o grande número de baratas que há em nossos teatros.

Portanto não se deve virar as costas a uma barata, como fazem os elementos da ribalta, mas sim enfrentá-la masculamente. Para isso precisamos, antes de mais nada, saber se a barata é uma BLATÍDEA comum ou se é uma PERIPLANETA AMERICANA, ou, em linguagem menos científica, uma dessas baratas que voam. Se é dessas aconselho o leitor a desistir de qualquer pretensão máscula, arrumar as malas, fechar as portas de sua casa e entrar para o Teatro.

Agora, se é das outras, sempre há recursos:

1 — Pegue um Correio da Manhã bem dobrado, deixando à mostra o artigo de fundo. Sacuda os livros e espere, trepado numa cadeira. Atente sobretudo para o estilo de bater quando a barata surgir. Lembre-se: o estilo é o homem.

2 — Quando a barata surgir bata de uma vez. Não durma na pontaria. Ela normalmente pára um pouquinho, para sondar o ambiente cá de fora e confrontá-lo com a literatura em que vive metida. esse o momento de atacar.

3 — Trate de verificar se o inseto em que você está batendo é uma barata ou um barato. Nunca se esqueça: o barato sai caro.

4 — Nunca aproxime e afaste o jornal para fazer pontaria. As baratas sabem muito bem o que as espera quando sentem esse ventinho, quando você bater de verdade ela já terá embarcado para a Europa.

5 — Não tenha pena de bater. Bata firme, forte, decididamente. É a vida dela ou a sua. Se você não a matar terá que passar a existência inteira alimentando-a a inseticida.

6 — Não se importe com as coisas que o cercam. Afinal de contas que são meia dúzia de copos partidos, um tapete manchado, dois livros com as páginas rasgadas e uma perna de cadeira quebrada se você conseguiu eliminar uma barata?

7 — Se falhar, só a paciência lhe dará outra oportunidade. A barata não lhe dará outra tão cedo, enquanto permanecer em sua memória o trauma da pancada que quase lhe tirava a vida. Não adianta você sacudir livro após livro porque se recusará a aparecer. Agarrar-se-á às páginas e, se cair ao chão, correrá rapidamente, escondendo-se por trás do guarda-roupa.

8 — Não se deixe levar pela vaidade. Às vezes você atinge uma barata de leve e ela vira-se de barriga para o ar agitando as perninhas ininterruptamente, com a expressão de quem está dando uma gargalhada, achando você engraçadíssimo. Isso poderá lisonjeá-lo mas não a poupe por esse motivo.

9 — Às vezes elas tentam outro truque sentimental. Atingidas de leve elas vão se arrastando tristemente, de vez em quando olhando para você com um olhar que 1he dilacera o coração, como quem diz: "Seu malvado, viu o que você fez?" Antes de começar a chorar bata até matar. Depois chore.

10 — De seis em seis meses faça um teste consigo próprio para ver se você está mais desbaratador do que no semestre anterior. Se a resposta for negativa não esmoreça. Continue lutando até que possa, como nós, cobrar caro pelas lições administradas. E essa é nossa última recomendação: cobre sempre caro pelos seus conselhos nesse setor. Não se barateie!

Millôr Fernandes, ao que parece, padece do mesmo horror a baratas que muitos de nós têmos.

Fonte:
FERNANDES, Millôr. Lições de Um Ignorante. RJ: José Álvaro Editor, 1967, pág. 113. Disponível em http://www.releituras.com

Lairton Trovão de Andrade (1943)


Fonte:
Portal CEN

Lairton Trovão de Andrade (Trovas)



Fonte:
Portal CEN

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Silvia Plath (Devaneios)

Para que serve minha vida e o que vou fazer com ela? Não sei e sinto medo. Não posso ler todos os livros que quero; não posso ser todas as pessoas que quero e viver todas as vidas que quero. E por que eu quero? Quero viver e sentir as nuances, os tons e as variações das experiências físicas e mentais possíveis de minha existência. E sou terrivelmente limitada. (…)Tenho muita vida pela frente, mas inexplicadamente sinto-me triste e fraca. No fundo, talvez se possa localizar tal sentimento em meu desagrado por ter de escolher entre alternativas. Talvez por isso queira ser todos - assim, ninguém poderá me culpar por eu ser eu. Assim, não precisarei assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento do meu caráter e de minha filosofia.
Eis a fuga pra loucura...

Fonte:
http://portas-lapsos.zip.net/index.html

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense - Parte VI)

ANOS 1970

Seguindo informações de alguns historiadores ou cronistas da Literatura Brasileira, 1975 é o marco de uma nova era. No Ceará, entretanto, e em outros Estados talvez, esse marco não é bem nítido, eis que bem antes daquele ano se publicaram importantes livros de contos de escritores cearenses, como Mundinha Panchico, de Juarez Barroso, em 1969; A Morte Trágica de Alain Delon, de Francisco Sobreira, em 1972; Os Olhos do Lixo, de Socorro Trindad, no mesmo ano, com prefácio de Câmara Cascudo; Pluralia Tantum, de Gilmar de Carvalho, em 1973. Sem falar nos romances e conjuntos de poemas.

No Ceará alguns observadores já vinham apontando a existência de uma espécie de paralisia na literatura. Eusélio Oliveira, ao escrever sobre o primeiro livro de Francisco Sobreira, dizia: “A Morte Trágica de Alain Delon, antes de ser mais um livro de contos, é uma prova inequívoca de desafio contra o relaxamento improdutivo do movimento literário cearense”. João Antônio, nas dobras do livro Joaquinho Gato, de Juarez Barroso, afirma: “a publicação de alguns novos autores” (...) “motivou a palavra boom como designativo de um movimento literário vindo de publicações levadas a público a partir de 1975”.

A revista O Saco começou a nascer em 1975 e foi em volta dela que, no Ceará, os novos contistas se tornaram mais ou menos conhecidos no resto do Brasil, iniciando-se um período de edição de seus livros no Rio de Janeiro e em São Paulo e de contos esparsos em jornais e revistas de todo o país. Alexandre Barbalho escreveu o mais importante estudo daquele período, no Ceará, dando ênfase àquela publicação, no livro Cultura e Imprensa Alternativa. Um dos capítulos (pág. 35) assim se inicia: “Para perceber o boom da imprensa alternativa dos anos 70 é necessário saber que a eclosão editorial e a proliferação de publicações, nas mais variadas formas, ocorreram por todo o país”. Entretanto, bem antes de O Saco alguns escritores novos já divulgavam suas narrativas em jornais, revistas e antologias. Outros publicaram seus primeiros livros de histórias curtas, como se observou no início deste capítulo. Sendo assim, aquela revista significou a conseqüência de uma agitação iniciada individualmente e não ainda como grupo.

Em 1976 Glauco Mattoso e Nilto Maciel organizaram uma antologia de contos dos novos escritores brasileiros, intitulada Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal, publicada no ano seguinte. Do Ceará participaram A. Rosemberg (que em seguida adotou o nome Rosemberg Cariry), Airton Monte, Carlos Emílio Corrêa Lima, Edvar Costa, Francisco Sobreira, Jackson Sampaio, João Bosco Sobreira Bezerra, Nilto Maciel, Paulo Véras e Victor Cintra, quase todos inéditos em livro naquele ano.

A seguir viria o Grupo Siriará de Literatura, que continuaria, de certa forma, o trabalho desenvolvido pelo pessoal de O Saco, aglutinando os escritores cearenses em torno de um programa e de uma revista. Consoante a opinião de Dimas Macedo, em “Literatura e Escritores Cearenses” (CI, págs. 145/158), o Siriará, “que eclodiu no final da década de setenta, além de um manifesto e de uma revista que morreu com o primeiro número, não deixou a meu juízo uma contribuição significativa, enquanto movimento de renovação estética e literária”. E mais adiante: “Mas é indiscutível também que do Siriará provêm alguns dos melhores escritores cearenses da década de 1980, com raízes num período bem anterior, que remonta à criação da revista O Saco”.

Noticia F. S. Nascimento, no livro Augusto dos Anjos: “Com o advento da revista cultural O Saco em abril de 1976, reconhecidamente o mais audacioso projeto editorial da época no Ceará, a jovem intelectualidade da terra ganhava o espaço gráfico reclamado para o exercício de sua criatividade, fazendo literatura e desenvolvendo suas aptidões artísticas. Comandado por Manoel Raposo, Jackson Sampaio, Carlos Emílio Corrêa Lima e Nilto Maciel, o empreendimento tornou-se responsável pela afirmação de poetas, ficcionistas e ensaístas hoje com acesso aos suplementos literários e demais publicações de âmbito nacional, o que autoriza dizer que O Saco fez em sua meteórica existência o que outros órgãos do gênero não têm conseguido realizar em dezenas de anos”.

Adriano Spínola, em “A Nova Ficção Cearense”, afirma: “Numa terra tradicionalmente de poetas – talvez por ser o modo mais fácil de se destacar culturalmente, num meio de poucas oportunidades, ou porque o Ceará seja mesmo um manancial de talentos poéticos, quem sabe – a ficção narrativa tem merecido pouca atenção/dedicação por quantos militam na literatura. Da velha geração, há o exemplo raro de fidelidade ao conto, acompanhado de um constante aprimoramento, por parte do Sr. Moreira Campos, mestre inconteste no gênero, reconhecido nacionalmente; o Sr. Fran Martins, novelista de primeira, ao que parece contentou-se com o seu Dois de Ouro, um trabalho notável, nada nos dando, porém, posteriormente, que se lhe igualasse em peso; o Sr. Jáder de Carvalho, há muito preferiu ser poeta lírico, com qualidades; e há o Sr. Eduardo Campos, que, tendo-se realizado mais plenamente na área dramática, com algu­mas peças de merecido sucesso nacional, abandonou, ao que tudo indica, a novelística; Juarez Barroso, não fora a morte prematura, bem que nos poderia ter dado uma ficção que se ligasse à força de uma D.Guidinha do Poço, por exemplo. Vivência não lhe faltava, nem talento. Mas não o fez”.

No mesmo artigo Adriano anotou: “Na nova geração, o interesse pela narrativa literária ganha poucos adeptos. Tomando como base o Grupo Siriará, formado em 79, dos seus 24 membros, apenas 4 a 5 se empenharam na criação de personagens e enredos. O resto, tome poesia! Era, na verdade, muito mais um grupo de poetas, todos ansiosos em revelarem suas produções nascentes e serem os primeiros bardos anunciadores de um novo tempo, que se avizinhava, ao cair do obscurantismo político-cultural, que sentíamos ainda grudado nos dedos”.

Para concluir, Spínola observou: “Se poucos foram os que se ligaram à prosa ficcional, em compensação o fizeram com uma garra e uma categoria superlativa. Como é o caso de Airton Monte, Nilto Maciel, Paulo Véras e Carlos Emílio”.

Durante os anos 1970 diversos foram os livros de contos de novos escritores cearenses editados em Fortaleza, bem como em outras capitais. O primeiro deles, em 1972, foi A Morte Trágica de Alain Delon, de Francisco Sobreira. No mesmo ano se publicaram mais três coleções: Exercício Para o Salto, de Cláudio Aguiar; Os Olhos do Lixo, de Socorro Trindad; e A Coleira de Peggy, de Holdemar Menezes, com uma peculiaridade: o primeiro e o terceiro fora do Ceará e o segundo no Ceará, porém de escritora nascida em outro Estado. Em 1973 apareceu um dos mais importantes e singulares livros de ficção curta do Ceará: Pluralia Tantum, de Gilmar de Carvalho. Em 1974 Nilto Maciel estreou com Itinerário. Em São Paulo no ano de 1975 veio a lume O Casarão, de Caio Porfírio Carneiro, que havia estreado ainda em 1961 e, portanto, não se enquadra no rol dos novos contistas. O mesmo se pode dizer de Juarez Barroso, com seu Joaquinho Gato, de 1976. Desse ano é O Menino D’água, de Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral. No ano seguinte saíram Depoimento de um Sábio, de Cláudio Aguiar, Milagre na Salina (catalogado como romance), de Mario Pontes, e Coisas & Bichos, de José Hélder de Souza, todos então radicados fora do Ceará. No mesmo ano se publicou Tocaia, de Yehudi Bezerra. Os mais velhos continuaram editando narrativas curtas, como Moreira Campos, que em 1978 apresentou ao público Os Doze Parafusos. Naquele ano estrearam duas contistas: Socorro Trindad, com Cada Cabeça uma Sentença, e Glória Martins, com Reencontro. 1979 pode ser visto como um ano fértil em livros de contos no Ceará. Francisco Sobreira editou seu segundo volume, A Noite Mágica, e aconteceu a estréia de quatro contistas: Gerardo Mello Mourão, com Piero Della Francesca ou As Vizinhas Chilenas; Geraldo Markan, com O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro; Airton Monte, com O Grande Pânico; e Paulo Véras, com O Cabeça-de-Cuia.

Alguns contistas surgidos naquele período só viriam a publicar livro de contos muito depois, como é o caso de Carlos Emílio Corrêa Lima, Joyce Cavalcante, Audifax Rios, Batista de Lima, Barros Pinho, Rosemberg Cariry e Marly Vasconcelos. Dois faleceram ainda jovens: Paulo Véras e Yehudi Bezerra. Outros desapareceram do cenário das letras impressas. Poucos se mantiveram ativos no gênero conto.

Os contistas surgidos por volta de 1970 podem ser agrupados em três segmentos: o dos que viviam fora do Ceará, o dos que viviam no Ceará e publicaram seus primeiros livros de histórias curtas a partir de 1970 e o dos que só viriam a editar coleções de narrativas após 1980, embora já as escrevessem e até as publicassem em jornais, revistas e antologias. Do primeiro segmento fazem parte Francisco Sobreira, Cláudio Aguiar, Holdemar Menezes, Mario Pontes, José Hélder de Souza, Gerardo Mello Mourão e Moacir C. Lopes. Integram o segundo grupo Socorro Trindad, Gilmar de Carvalho, Nilto Maciel, Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral, Yehudi Bezerra, Glória Martins, Geraldo Markan, Airton Monte e Paulo Véras. O último segmento é composto de Nilze Costa e Silva, Fernando Câncio, Carlos Emílio Corrêa Lima, Rosemberg Cariry, Joyce Cavalcante, Audifax Rios, Barros Pinho e Batista de Lima.

Um dos que se dedicaram quase que exclusivamente à peça ficional curta é Francisco Sobreira. Sua obra tem sido objeto de inúmeros estudos. Já publicou oito livros de peças curtas. Nas dobras do primeiro volume, Eusélio Oliveira anotou: “Francisco Sobreira consegue dominar com segurança logística o código de intercâmbio vivencial latente em cada constelação ficcional de seus contos”. Ao publicar A Morte Trágica de Alain Delon, Francisco Sobreira não chegou a ultrapassar as limitadas fronteiras da província cearense, permanecendo, por assim dizer, no ineditismo. Seu segundo livro, A Noite Mágica, nada tem de revolucionário, de vanguardista, de inovador. Muito pelo contrário, é tecnicamente conservador, tal como a obra de José Lins do Rego que, por esta mesma razão, adquiriu renome dentro do romance regionalista brasileiro.

Francisco Sobreira não faz nenhuma alquimia de estilo, não cria nenhuma nova linguagem. No entanto, esta aparente acomodação do contista não indica seja ele um simples contador de histórias.

Sendo conservador na forma, o livro de Sobreira segue a trilha da prosa de ficção de pós-1964. Perpassa por quase todos os contos um vento forte de paranóia, caudaloso na literatura urbana brasileira dos últimos anos do século XX. Histórias de medo, terror, alucinação. Medo de ser preso, de perder o emprego, de morrer de fome, medo disso e daquilo. As pessoas se sentem caçadas como bichos, ameaçadas, perseguidas. Os amigos e os parentes são delatores ou espiões a serviço do Poder. A própria sombra de cada ser humano é um dedo-duro em potencial. Esse horror kafkiano é notório em “O Caçado”, “Enquanto o Diabo Esfrega o Olho”, “O Falso Álibi”, “O Caçador de Nostálgicos”, percebido até nos títulos. O narrador, sempre perseguido, sempre paranóico, torna-se perseguidor, delator, comparsa da polícia (representação do direito de perseguir), como em “A Voz do Vizinho”.

O absurdo é, assim, o ingrediente principal da iguaria narrada. Às vezes um absurdo que, de tão cotidiano, perde o sabor de coisa literária. Em “A Lâmina”, por exemplo. Porque ninguém é mais dono de nada. Outras vezes, o absurdo apresenta-se como se o personagem fosse apenas um deficiente mental, incapaz de perceber a vida e a morte ao seu redor, manejado por tentáculos tão torturantes quanto os fantasmas dos pesadelos. A realidade narrada aproxima-se, então, do sonho. Os protagonistas e os espectadores são meros joguetes nas malhas de seres todo-poderosos que inventam a vida ou o fato. Por isto, em alguns contos a presença do elemento onírico é perfeitamente perceptível ou mesmo preponderante. Os atos e as imagens se sucedem de forma incoerente, deixando o personagem simplesmente perplexo, espantado diante da estranha realidade de que tenta desesperadamente fugir. Assim, reduz à condição de ficção, de brincadeira de mau gosto, de encenação, quando muito de logro, a peça que lhe pregam. Não acredita ser possível tão absurda realidade. Por fim se convence e tenta fugir. Porém já é tarde demais. “A Pedra” é belíssima obra e tem dimensão diferente dos demais. No entanto, o mesmo clima de perseguição, de repressão, na pessoa de um pobre sertanejo virado pagador de promessas.

No artigo “Fitas”, estampado no Jornal do Brasil, Antônio M. Nunes se refere ao uso e abuso do “insólito dos acontecimentos para instaurar uma outra realidade que, devido a sua linguagem e estrutura, aproxima-se do thriller cinematográfico”.

Ao comentar Um Dia... Os Mesmos Dias, Jorge de Sá, em “Como Se Fosse Uma Objetiva”, enuncia: “o contista se afasta do “fantástico” e se aproxima de uma realidade própria dos documentários”.

Na apresentação de O Tempo Está Dentro de Nós, Jaime Hipólito Dantas chama a atenção do leitor para a “prosa trabalhada, aqui e ali um pouco dramática, é certo, mas sempre sem qualquer obscuridade ou afetação”.

Wilson Martins se manifestou assim: “Os contos reunidos em Clarita são de qualidade desigual, muitos deles (a começar pelo que dá título ao livro, e é o melhor) tomando a invenção arbitrária, ou seja, inverossímil, por imaginação criadora”.

Em “Sobreira: aderindo à vigorosidade da vida” (Jornal O Norte, João Pessoa, PB, 3/8/97), ao comentar Grandes Amizades, Hildeberto Barbosa Filho observa que os personagens e as situações, “mesmo as mais cotidianas, adquirem certa nuance enigmática que, a seu turno, termina por envolver os seus contos numa atmosfera de suspense e de estranhamento”.

Nas dobras de Crônica do Amor e do Ódio, Nelson Patriota comenta: “Com personagens despojados de grandes projetos existenciais, uma vez que estes aconteceram, e se mostraram falhos, no passado, Sobreira vai construindo uma obra fiel ao seu tempo”.

A obra literária de Cláudio Aguiar está exaustivamente analisada por diversos críticos, brasileiros e estrangeiros, em artigos e ensaios reunidos no livro Viento del Nordeste, com o subtítulo Homenaje Internacional al Escritor Brasileño Cláudio Aguiar, em espanhol, da Universidad Pontificia de Salamanca, 1995. Num dos ensaios, “El Descubrimiento en Caldeirão”, César Real Ramos, Professor de Literatura Espanhola da referida Universidade, faz a gênese do Caldeirão e vê no primeiro livro de histórias curtas de Cláudio os primeiros pingos d’água que iriam gerar o grande rio do romance: “En Exercício, además, a través de continuos cambios de focalizacion y de voz narrativa, poco a poco nos vamos adentrando en el interior de los personajes, en las almas, en las conciencias”.

Holdemar Menezes não deixou vasta obra no gênero conto. No dizer de Assis Brasil, “podemos sentir a mão do ficcionista, numa linguagem forte, contundente, participante, onde já se abrigavam Dalton Trevisan e Rubem Fonseca”. Em “Repressão, Revolta e Engajamento”, capítulo do livro Itinerário do Conto, Hélio Pólvora o filia “à linha ficcional de Albert Camus e pensadores assemelhados”. E sintetiza: “Na ficção brasileira deste último meio século, Holdemar Menezes é o narrador consciente dos pequenos dramas provocados pela tragédia essencial do ser e pela tragédia da repressão político-social que o violenta, emudece e constrange”.

Embora venha escrevendo desde muito antes de 1970, Mario Pontes tem publicado pouco. Em 1999 deu a lume Andante com Morte, composto de quatro histórias longas. Ivo Barroso, nas dobras, relembra o primeiro livro, Milagre na Salina, como “Uma série de narrativas que se interpenetram, que se recosem para formar um painel picasseano de linhas simples e dramáticas, onde não falta igualmente o colorido vivo da ironia e do humor”. Ao se referir ao segundo livro, o chama de reunião de quatro novelas. E sintetiza: “Uma delas, ‘A Morte Infinita’, anteriormente batizada com o mesmo título do livro Andante com Morte, impressionou tanto a Didier Lamaison, o tradutor francês de Carlos Drummond de Andrade, que logo se propôs a transladá-la para sua língua, numa permanente reescrita, com a mesma meticulosidade com que o autor trabalhara seu texto. É uma novela de andamento cinematográfico em que a ação se prolonga num ralenti quase insuportável, longo como a aridez do areal em que ela se desenrola, para, de repente, adquirir uma dinâmica de duelo faroéstico, violentas imagens em zoom e primeiros planos cortantes e minuciosos como o grande close da boca de um revólver no momento do disparo”. De 2003 é Um Homem Chamado Noel, cuja estrutura narrativa é semelhante à de Milagre na Salina (1977). Ambos podem ser lidos como coletâneas de contos ou como novelas.

Outro que vive fora do Ceará há tempos é José Hélder de Souza. Seu primeiro livro, Coisas & Bichos (1977), mereceu estudo de Clovis Sena, na introdução intitulada “Caçadas Humanas & Bala de Prata”, onde argumenta: “Aqui o principal não está propriamente na linguagem elaborada, opção literária bonita, sem ser bem o caso. Neste conjunto de contos de José Hélder a beleza se acha na narrativa mesma”. No terceiro parágrafo, observa Sena: “Com um poder narrativo ora lírico, ora dramático, por vezes humorado, o Autor nos coloca em face da situação da caçada: perseguido-perseguidor”.

Em “Um Contador de Causos” (CI, págs. 26/28), Dimas Macedo destaca “a sua fidelidade à linguagem popular, ao lado do seu estilo e do seu jeito de dizer muito peculiar, porque individualíssima a sua escritura literária. Histórias, enredos bem arquitetados ao gosto do leitor, fala e linguajar matutos que penetram bem fundo o coração, sentando tendas na alma, cravejando punhais de beleza nos olhos, invadindo a imaginação do leitor até a sedução total do espírito”.

No prefácio ao terceiro livro de Hélder, Pequenas Histórias Matutas, observou Dimas Macedo: “Sendo poeta de fino amanho com o convívio das musas, sabe ser também o imenso ficcionista que é: um contista consciente do valor do universo que pretende explorar, que quer denunciar para melhor se fazer compreender, pelo gosto mesmo de esculpir a expressão, a matéria-prima de sua bela escritura artesanal”. Em outro parágrafo anotou: “Sem desmerecimento para nenhum dos seus livros, penso que em Rio dos Ventos (1992) reside o valimento maior da sua trajetória de escritor, especialmente a sua trajetória de contista” (...).

Embora nascido em 1917 (Moreira Campos é de 1914), Gerardo Mello Mourão se inclui neste capítulo em razão do ano da publicação de seu primeiro livro de contos, 1979. É tido como um dos nomes fundamentais da poesia brasileira e reside há vários anos no Rio de Janeiro. Nas orelhas de Piero Della Francesca ou As Vizinhas Chilenas o editor escreveu: “O autor nos deixa aqui, às vezes, diante da parábola pura, diante do conto, a história inventada e contada, em que as coisas, as pessoas e os lugares saltam vivos da inventada fantasia. Nesses contos, de resto, escritos quase todos em dias de exílio ou de peregrinação por outros países da América, há muitos nomes de pessoas reais. Talvez os fatos em que elas se envolvem nem sempre sejam mera coincidência. O próprio autor, porém, faz questão de deixar claro que ele mesmo não sabe se Abigail Gonçalves se suicidou ou se Miguel Eyquem continua a carregar Helena Vial na garupa de sua motocicleta. Mas tanto no relato épico do Coronel paraguaio, como na aventura lawrenciana de Rosa Maria Bandera, é difícil distinguir entre a fantasia e a realidade, até porque a fantasia e a realidade são uma única e mesma coisa”.

Moacir C. Lopes não costuma ser mencionado em livros de história e crítica literária cearenses. Também de geração muito anterior à daqueles que estrearam nos anos 1970, organizou e editou a Antologia de Contistas Novos em 1971. Apesar disso, seu primeiro livro é O Navio Morto e Outras Tentações do Mar, de 1995. As nove composições reunidas no volume se centram em temas do mar. Nas abas do volume anotou o editor: “Histórias em que, além de jogos de estilo originais, o autor exercita um animismo muito particular – erotizado – da natureza, que se torna algo maligno, cruel, obsceno, em “Do Corpo de Marisa Brotarão Orquídeas”, ou selvagem e exótico, poético e surpreendente em “O Mar Devolverá o Corpo de Clarissa”, principalmente quando os humanos são tomados pelos espíritos marinhos”.
***********

Estrearam com livro de contos nos anos 1970 Socorro Trindad, Gilmar de Carvalho, Nilto Maciel, Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral, Yehudi Bezerra, Glória Martins, Geraldo Markan, Airton Monte e Paulo Véras.

Salvo engano, Socorro Trindad publicou somente duas coleções. Após o livro de estréia, editou Cada Cabeça uma Sentença, em 1978, com prefácio de Aguinaldo Silva, intitulado “A Árdua Batalha Contra os Papangoos”. São dele estas palavras: “Enquanto invenção, este livro, a nosso ver, situa-se solitariamente dentro do que se convencionou chamar de “o novo conto brasileiro”. Esta solidão é pelo fato de que a autora não se prende à linha que começa com Dalton Trevisan e que vai até a assimilação da influência dos modernos latino-americanos”.

“O Massacre no Mangue” é uma crônica atualíssima de sabor página policial, até mesmo estilisticamente, e também à maneira do romance gótico. Socorro Trindad tem duas virtudes essenciais: o poder de misturar o joio e o trigo e uma esplêndida cultura literária. Leia-se “Bodas de Ouro”, história de trancoso tão extraordinária como as do arco-da-velha.

Entre os que acreditaram ter concluído sua obra de contista está Gilmar de Carvalho. No entanto, pela singularidade de suas narrativas, não pode ser comparado a nenhum prosador de ficção do Ceará. Não somente porque seus contos são fundados na erudição, seja no latim, no inglês, na História, na Filosofia, na mitologia, na Bíblia etc. Também porque ora escreve como poeta, ora como salmista, ora como ninguém. Juarez Barroso, nas dobras de Pluralia Tantum, diz que a literatura de Gilmar é “uma afirmação de liberdade. Mas ele não fica junto à turma do sereno, ao bloco da contracultura. Formalmente, rejeita o marginalismo artístico, os vanguardismos escandalizantes. Seu estilo é clássico, sua narração, fabular, levemente borgiana. A partir daí ele constrói, ou destrói, ri dos deuses, mais perto de Lúcifer que do Arcanjo São Miguel (afinal de contas, uma figura do establishment), simpatizante dos exus, louvador da pomba-gira, Vênus mestiça e mais sensual, naturalmente”. A seguir se nega chamar de contos os textos de Gilmar. Na verdade, não são contos tradicionais. Em comum com estes apenas o terem títulos, alguns personagens, alguma narração. O resto é bem diferente. Afirma Juarez: “Gilmar não escreve contos. O conto, por mais de vanguarda que seja, tem a sua disciplina, sua forma de discurso. Gilmar é um compositor de cantos em prosa, discípulo remoto do Rei Salomão, que tanto trabalho deu ao Senhor com sua rebeldia e sua mania de amor. Amante da vestal romana, consagrada em virgindade ao deus maior, Gilmar, libertário e libertador sofre agora o mesmo castigo de Prometeu. Zeus acorrentou-o ao relógio da Praça do Ferreira, à Coluna da Hora. Que, aliás, não existe mais”.

Na apresentação do citado livro, em forma de carta, Mario Pontes confessa: “Na minha humilde fantasia, seu texto me dá a impressão de ter sido escrito por uma criatura semelhante àquela divindade indiana de muitas mãos. Como cada mão escreve algo diferente da outra, o meu comodismo quer me obrigar a ver no produto final apenas uma colagem arbitrária, um trabalho habilidoso de justaposições meramente formais. Mas mesmo um preguiçoso como eu acabo por suspeitar que, de fato, a “simples” colagem mascara um sem número de relações particulares e ricas. E entregando-me à suspeita, chego até ao espanto diante dessa prodigalidade de teses e antíteses, desse jogo calidoscópico de coincidências e contrastes, dessa facilidade de supressão de distâncias que me arrastam ao centro de um redemoinho de significados inacessíveis à minha miopia crítica”.

Ensina Dimas Macedo, em “A Ficção de Gilmar de Carvalho” (Leitura e Conjuntura, págs. 54/56): “sua concepção borgeana e, portanto, inusitada do apreender a concretude do universo ficcional, aliada a uma refinada capacidade de resgatar o insólito através de recursos estilísticos alegorizantes, tudo isso tem concorrido para emprestar à produção literária de Gilmar de Carvalho uma situação privilegiada entre o inventário dos seus contemporâneos de geração”.

Outro que, como Francisco Sobreira, tem se dedicado à elaboração de histórias curtas é Nilto Maciel, com sete volumes editados. Em “Os Contos de Nilto Maciel” (Novos Ensaios, págs. 106/110), Sânzio de Azevedo observou: (...) “de nada adiantaria ao escritor engendrar estórias bem urdidas, fundamentá-las com os alicerces dos mitos, se não pudesse dispor de um instrumento lingüístico adequado”.

F. S. Nascimento reuniu num só estudo, “A Ficção de Nilto Maciel”, (AAA, págs. 177/186), três ensaios estampados em jornais. Constata: “O avanço do contista ficou bem evidenciado, tanto na manipulação da linguagem, como no tratamento ficcional dado aos episódios reproduzidos”. José Alcides Pinto (PA-II, págs. 76/78) considera Tempos de Mula Preta “um dos livros de conto mais ousados que foram editados nesses últimos dez anos, não só em termos do Ceará, mas em todo o País, ao lado de outro grande livro, este de autor consagrado pela crítica e de nome firme na literatura — Os Doze Parafusos, do mestre Moreira Campos”.

Em “A Nova Ficção Cearense”, Adriano Spínola escreveu: “Inscreve-se ele no que de melhor temos no momento em matéria de contos no Brasil. Percebe-se no autor um tal domínio do ficcional, uma capacidade inventiva e transfigurante da linguagem, aliada a uma não menos capacidade de alteridade, versátil e verossímil, com relação aos personagens, que o colocam entre os mais avançados e promissores contistas da atualidade”.

No prefácio de Punhalzinho Cravado de Ódio, Dimas Macedo viu no contista um “mestre na arte de contar estórias inesperadamente fabulosas”. Tanussi Cardoso, em “A Impressão da Realidade em As Insolentes Patas do Cão, de Nilto Maciel”, observou: o contista “lima as gorduras do texto e, vigorosamente, trabalha com a palavra certa, no lugar certo e na hora certa”. E o inclui no “rol dos grandes escritores deste país”.

Em “As Insolentes Patas do Cão” (TC, págs. 21/24), Francisco Carvalho escreveu: “Nilto Maciel é atualmente, sem nenhum favor, um dos nomes mais representativos da moderna literatura brasileira”. E mais: “O leitor razoavelmente familiarizado com a disciplina literária não terá dificuldade em concluir que entre essas narrativas, todas elas de excelente extração, existem algumas obras-primas da moderna ficção brasileira”. Para ele, o contista “é um narrador admirável. Possui todas aquelas virtudes (talento, imaginação, invenção, técnica de narrar e de expor) que de modo algum podem faltar a um bom contador de histórias”.

Diz Carlos Augusto Viana, em “Nilto Maciel Reconstrói o Mundo a Partir da Linguagem” (DN, 1/3/1995): “Lançando o seu olhar agudo sobre o cotidiano, filtrando as ações humanas a partir do humor e da ironia, flagra o insólito, o inesperado, os momentos abissais da condição humana”.

Anotou Caio Porfírio Carneiro, em “A Unidade de Babel”: “Senhor de todos os segredos da arte de contar, caminhando, com segurança, pelo regional, o fantástico, o alegórico, o mágico, indo do fotográfico ao sombrio” (...). Astrid Cabral, em “Babel Contemporânea” (Literatura n.º 14), escreveu: “Aberto a múltiplas tendências, NM ora reverencia a tradição literária consagrada, ora se lança na experimentação lingüística e estrutural”.

Yehudi Bezerra não teve tempo de escrever mais. Deixou publicado apenas o livro Tocaia. Em carta-prefácio, Airton Monte escreveu: “Você, seu judeu safado, de rosto cheio de esquinas de ângulos, possui a rebeldia dos que viveram o que escrevem, não a piedade inútil, humilhante dos que sabem por ouvir dizer, dos que chegam no sertão e ficam olhando tudo, como se fosse tudo uma pintura imóvel no tempo e no espaço, com o olhar mais bobo que o de quem está num jardim zoológico espiando a bicharada fazer o que eles gostam de ver, não o que na verdade é”. E depois: “Tocaia surge de repente no universo das letras cearenses como um pé-de-vento, para arrebentar o mofo de uma literatura mumificada, quebradiça e facilmente digestiva. No seu livro as coisas são ditas com seus verdadeiros nomes, há a despreocupação das sofisticações temáticas, das frescuras estéticas que tanto deliciam o senso estético duvidoso das patotas divinas”.

Na categoria dos que escreveram ou publicaram pouco está Glória Martins. Teve o livro Reencontro prefaciado por Pedro Paulo Montenegro, para quem “a nota dominante (no livro) é a espontaneidade, espontaneidade tão grande que pode mesmo a alguns parecer, em determinados momentos, descuidos formais.” E conclui: “Duas grandes notas podemos detectar numa leitura de Reencontro: imaginação e capacidade de observação da parte da autora e, como mensagem mais profunda, aquela ânsia de libertação”. Composto de nove narrativas, o livro apresenta narração linear, ora na primeira, ora na terceira pessoa. A contista pouco se vale do diálogo, mais presente em “Se Eu Passo no Botequim Eu Fico”. Um ou outro monólogo interior, como em “Sim, Doutor”, história urbana, como a maioria, com uma pitada de humor. “Tia Bela” oscila entre o romantismo e o realismo, em ambiente de fazenda.

Embora Geraldo Markan tenha nascido em 1929, estreou no gênero conto somente em 1979, com O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro. Dias da Silva, no artigo de título igual ao do livro, integrante do volume III do livro Da Pena ao Vento (2001), enuncia: “De começo, devo dizer que não é tão simples determinar-se o gênero da obra. Livro de contos? Livro de crônicas? Momentos de puros devaneios da imaginação sensível? Textos fantásticos? De gênero maravilhoso? De gênero estranho?

Raras vezes, um diálogo menos artificial ou uma narração de fatos. Até porque o outro está sempre indo embora, fugindo, escorregadio ou inacessível. E o narrador termina só, ruminando seu desespero. Isso se reflete no próprio corpo das narrativas. No final, Geraldo Markan faz poesia ou crônica leve, apesar de se dizer o nunca-poeta. Termina fazendo markanices, ele também personagem.

O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro é título poético e metafórico, porque, na verdade, o mundo refletido naquilo que simboliza o poder: à época de Alexandre e companhia, as armas brilhantes do guerreiro; hoje, o ouro, a moeda, o carro, a piscina – adereços e o próprio ser, a um só tempo. O mundo refletido no ouro do burguês.

Passeiam, pelas páginas quase sempre de uma delicadeza e uma pureza clássicas, personagens de voz amena, alguns falando inglês ou citando Baudelaire, Fernando Pessoa e o lírico Camões. Remoendo seus vazios, tateando os muros escuros de seus labirintos pegajosos. Vez por outra, um deslize imperdoável ante a poesia a minar de cada palavra. E surge quase uma historinha de fotonovela: “Ecidujerp, ou seja, Otiecnocerp”. Apesar disso, um ranço bom de naturalismo ainda inexplorado – a nostalgia do domínio holandês no Nordeste.

Embora a crítica esperasse uma avalanche de livros de Airton Monte, tal não se deu. No entanto, poderá ter as gavetas empanturradas de contos. Seja como for, é ele um dos mais importantes contistas cearenses surgidos depois de 1970. Os críticos lhe concederam os melhores louvores. Em “O Grande Pânico, de Airton Monte” (FM, págs. 197/200), Batista de Lima assim resume seu livro inaugural: “São 102 páginas contendo 15 histórias breves, densas e crispadas, retiradas dos pontos mais sombrios e marginais da sociedade. Transcrição de um mundo transeunte de suas retinas de vampiro da quase grande noturna Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, do Farol do Mucuripe, dos hospícios e dos campos de futebol. A marginalização. A tragédia de uma sociedade obcecada pela vontade de viver. O medo, a loucura e a fome. Reinvenção dos mitos que essa gente cultiva”.

Seus personagens são seres humanos desesperados no amor impossível. Farrapos humanos que teimam em viver ou perdem toda e qualquer esperança. Cegos, mendigos, prostitutas decaídas, cornos, devoradores de moscas, tarados, velhos, solitários, assassinos arrependidos e idiotizados, loucos, todos loucos, pois a loucura não é senão sentir-se sem rumo, sem esperança, sem saída.

A linguagem de Homem Não Chora é poética, ritmada, ondulante, viva, apaixonada. Como em “Velho ao Telescópio”, talvez um dos mais poéticos e inventivos contos da literatura brasileira.

Incrédulo diante do homem, o contista vasculha as vísceras de uma sociedade embrutecida e revela criaturas que os mais crédulos pensavam existirem apenas no reino da fantasia.

As peças ficcionais de Airton Monte são voltadas para o drama do homem suburbano, do marginal, da “gente chinfrim, ralé miúda”. Na mesma categoria estão os loucos, os alcoólatras, as prostitutas pobres, os pivetes, os fracassados de todo o gênero.

Para Dimas Macedo, em “Os Contos de Airton Monte” (LC, págs. 79/81), “seus contos revelam um engajamento humano quase que sem precedentes na nova safra de contistas seus contemporâneos, são textos graves que dissecam o cotidiano de marginalidade e penetram nos recônditos do desespero e da tragédia dos perseguidos pelos fantasmas de uma sociedade opressora. Relatos pungentes da odisséia dos drogados da vida, dos enlouquecidos e abandonados, dos embriagados pelo absurdo existencial, os seus contos refletem igualmente, por assim dizer, o sórdido e o patético do estrangulado universo social que paulatinamente nos vem resgatando”.

Em “Homem Não Chora (Mas... Ama)” (PA-II, págs. 71/72), José Alcides Pinto comenta: “A plasticidade da linguagem, a comovente reação dos personagens (ele trabalha com poucos), os recursos criativos, a consciência de um mundo caótico, conflitante, o desamor, tudo isso vem juntar-se à denúncia social, ao grito e à dor humana para completar o painel de agonia e sofrimento em que se esbate a humanidade de hoje.”

Como Yehudi Bezerra, falecido precocemente, Paulo Véras deixou poucos contos, reunidos em O Cabeça-de-Cuia (Editora Moderna, São Paulo, 1979). Lígia Morrone Averbuck, na contracapa do livro, anotou: “O que mais impressiona no ficcionista Paulo Véras é a sua prodigiosa inventividade, a riqueza de sua criação de personagens, plenas de força e atuantes numa ampla gama de situações. Movendo-se num universo de fantasia e realidade, essas personagens pertencem a um tempo mítico, são recuperadas do passado pela memória, projetando-se num clima difuso e indefinido, sem perderem sua força de verdade”.

Paulo Véras enveredou também pela análise psicológica das personagens. Suas obras são quase todas tecidas a partir do fio da memória, razão por que os personagens situam-se entre a infância e a adolescência.

As composições de O Cabeça-de-Cuia são todas curtas, quase sintéticas, quase à maneira de Dalton Trevisan. Períodos incisivos, sem rodeios, sem malabarismos de linguagem. Espécie de roteiro para elaboração de narrativas mais extensas.

Os vinte e seis contos de O Cabeça-de-Cuia carregam esta mesma maneira de escrever, porém não há homogeneidade temática. Uns são mais voltados para o interior das personagens, outros para o binômio homem-ambiente. E são estes últimos, quase todos circunscritos ao espaço rural, os que apresentam melhor feição. Gravitam em torno de personagens situados entre a infância e a adolescência. Neles o contista melhor se revela.

Em “Os Contos de Paulo Véras” (FM, págs. 224/225), Batista de Lima afirma: “Usando de uma linguagem que muito bem se casa com o clima da trama. Usando de um estilo flexível. Às vezes períodos curtíssimos, às vezes longos e em uma oportunidade, “O Cochicho dos Cavalos” (história de um suicida), todo um conto sem um ponto sequer”.
.......
continua...
.......
Fonte:

Situações didáticas – Língua Portuguesa

Mais do que letras

Até dominar a leitura e a escrita, a garotada passa por experiências enriquecedoras, como ler sem saber ler e escrever sem saber escrever

Cada criança chega à escola em uma fase da alfabetização – o nível de compreensão depende das possibilidades prévias de contato com o mundo da escrita. Apesar de uma classe ter alunos em estágios diferentes de conhecimento, todos podem aprender. “O ambiente escolar deve ser pensado para propiciar inúmeras interações com a língua escrita”, afirma Telma Weisz, especialista em Psicologia Escolar e uma das maiores autoridades em alfabetização no Brasil. O papel do professor é mediar interações.

Para auxiliá-lo na tarefa de facilitar o ingresso da meninada no universo da linguagem escrita, o docente tem à disposição algumas atividades consagradas. “Aprendi que a leitura para a classe é uma delas e faço isso diariamente. Sento-me em roda com a turma, mostro um livro, falo sobre o autor e leio por cerca de 15 minutos”, afirma Cintia Dante de Queiroz Minelli, da EMEB Professor Bráulio José Valentim, na zona rural de Mogi Mirim, a 160 quilômetros de São Paulo. A educadora incentiva a escrita utilizando letras móveis ou lápis: “É para que as crianças descubram que tudo o que falam pode ser escrito”.

A conclusão da alfabetização inicial ocorre após os dois primeiros anos de escolaridade. Nas séries seguintes, a garotada aprofunda conhecimentos sobre diferentes gêneros de texto e ganha maior autonomia na produção e na leitura. Maria Ussifati, da EM Tempo Integral, de Umuarama, a 600 quilômetros de Curitiba, vê o progresso de seus alunos da 4ª série. Eles lêem uns para os outros e indicam títulos a amigos. “Percebo que mesmo os que não têm o hábito de ler ficam interessados quando vêem o colega com um livro ou contando uma história curiosa”, ela explica. As cinco situações didáticas de Língua Portuguesa estão descritas em duas fases, alfabetização inicial e continuidade. Como o nível de leitura e escrita varia dentro de uma classe, é importante identificar em que fase cada aluno está e escolher atividades adequadas para a turma.

Seqüência Didática

Contos do mundo todo

Leitura para a classe (na alfabetização inicial)

O que é
A turma forma uma roda, e o professor lê em voz alta textos literários, jornalísticos, regras de jogos etc. Os gêneros devem variar para que o repertório se amplie. Além de contos de fadas, valem notícias que tratem de algum assunto de interesse de crianças. Também é imprescindível garantir a qualidade do material à disposição da meninada.

Quando propor
Diariamente.

O que a criança aprende
Os usos e as funções da escrita, as características que distinguem os gêneros e as diferenças entre o oral e o escrito. Ela se familiariza com a linguagem e os elementos dos livros (que contam histórias), dos jornais (que trazem notícias) e dos textos instrucionais (que incluem regras de jogos ou receitas culinárias).

Leitura para a classe (na continuidade)

O que é
Leitura de livros literários mais longos (podem ser selecionados capítulos inteiros, por exemplo) e textos informativos mais complexos. O objetivo é que a turma construa uma compreensão coletiva de cada obra.

Quando propor
Diariamente.

O que a criança aprende
Características de textos mais difíceis e de diferentes gêneros.

Prática de leitura

Leitura para aprender a ler (na alfabetização inicial)

O que é
A tentativa de ler listas ou textos conhecidos de memória (poemas, canções e trava-línguas). Sabendo o que es tá escrito (nomes de frutas, por exemplo), é possível antecipar o que pode estar escrito e confirmar por meio do conhecimento das letras iniciais ou finais, entre outras formas (leia o quadro abaixo).

Quando propor
Em dias alternados aos de atividades de escrita.

O que a criança aprende
O funcionamento do sistema de escrita. Além disso, ela compreende como acionar as primeiras estratégias de leitura.

Leitura para aprender a ler (na continuidade)

O que é
O crescimento da autonomia. O estudante pode entrar em contato com diferentes gêneros para saber quando e como usá-los e, assim, aprender a buscar informações e a ler para estudar.

Quando propor
Em dias alternados aos de atividades de escrita.

O que a criança aprende
A compreender textos mais desafiadores. Durante a leitura, ela pode localizar e selecionar informações apoiandose em títulos, subtítulos ou imagens e apontando o que é interessante.

RODA DIÁRIA - A garotada fica atenta à professora Cintia, que lê boas histórias com capricho na entonação

Produção textual (na alfabetização inicial)

O que é
Os pequenos ditam um texto, e o professor escreve no quadro. Eles ficam com o controle do que se escreve e acompanham como isso é feito. Podem ser feitas perguntas para provocar participações e estruturar a escrita. Ao fim da atividade, a produção deve ser revisada.

Quando propor
Várias vezes por semana, sempre que houver uso da escrita.

O que a criança aprende
A organizar as idéias principais de um texto conhecido e a modificar a linguagem, passando da forma oral para a escrita.

Produção textual (na continuidade)

O que é
A reescrita e a produção de textos com autonomia crescente. O aluno define o leitor, o propósito e o gênero, revisa e cuida da apresentação final.

Quando propor
Diariamente.

O que a criança aprende
A usar procedimentos de escritor: planejar o que escrever, fazer rascunhos, reler e revisar.

AMIGOS OUVINTES - O gosto pelos livros é incentivado na EM Tempo Integral com leituras feitas por alunos

Comunicação oral (na alfabetização inicial)

O que é
Atividades em que a garotada narra histórias, declama poemas, apresenta seminários e realiza entrevistas. Podem ser feitos saraus e apresentações para expor um tema usando roteiros ou cartazes para apoiar a fala.

Quando propor
Algumas vezes por mês, dependendo dos projetos e das atividades em desenvolvimento.

O que a criança aprende
A utilizar a linguagem oral com eficiência, defendendo pontos de vista, relatando acontecimentos, formulando perguntas e adequando sua fala a diferentes situações formais.

Comunicação oral (na continuidade)

O que é
Preparação e realização de atividades e projetos que incluam a exposição oral, articulando conteúdos de linguagem verbal e escrita. É interessante incentivar a turma a falar com base em um roteiro e a fazer entrevistas e seminários.

Quando propor
Algumas vezes por mês, dependendo dos projetos e das atividades em desenvolvimento.

O que a criança aprende
A participar de situações que requeiram ouvir com atenção, intervir sem sair do assunto tratado, formular perguntas, responder a elas justificando suas respostas e fazer exposições sobre temas estudados.

Fonte:
http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0213/aberto/mt_281449.shtml

Silas Corrêa Leite

Silas Correa Leite é autor de um vasto material ainda inédito, de romances a trabalhos sobre a Prática Educacional Vivenciada, poesia para jovens, coletânea de contos de realismo fantástico e outros, ele conta, com a eloqüência que lhe é peculiar, que pensa em traduzir seus trabalhos e tentar lançá-los no exterior, como fez com sucesso Ignácio de Loyola Brandão. Mas, sua versatilidade não pára por aí.
" Componho rocks, alas & blues, tenho pesquisas sobre Ética e Cidadania da Comunidade Carente e trabalhos para o público infanto-juvenil".
Silas é membro da UBE-União Brasileira de Escritores. " Sou uma espécie de " plantador de sonhos", um "inventor do inexistente", eterno aprendiz da alma humana, sonhando um neosocialismo de resultados. " Escrevo para não ficar louco, ou melhor, para livrar-me do que crio, feito um "Sentidor", para citar Clarice Lispector. A poesia que produzo é a oxigenação da minha alma", ele diz.. Ele se define como " um Rimbaud pós-moderno (antena da época) que não acredita em sonho que não seja libertação, e registra para o futuro esses tempos tenebrosos de primatas globalizando a miséria absoluta e a violência sem fronteira, num país continental de muito ouro e pouco pão. Acredito, também, que só a mulher pode mudar o mundo. Como nem sempre elas captam funcionalmente isso, prefiro escrever meu despojo insano para dar meu testemunho nessa difícil lição da viagem de Existir".

Silas colabora com diversos Suplementos Culturais, jornais, revistas e tablóides, com artigos, resenhas críticas, poemas, microcontos, trabalhos sobre "teens", Educação, Política, Terceira Idade, Ética e outros temas. Dentro do Mapa Cultural Paulista (Secretaria de Estado de Governo), foi escolhido por dois anos, representando Itararé, como um dos dez melhores contistas do Estado São Paulo.

Fonte:
Jornal de Poesia
http://www.secrel.com.br/jpoesia/

Silas Correa Leite (O Poeta e o Ser Humano)

O ser humano diz: eu me orgulho de ser o que sou por mim mesmo
O Poeta diz: eu sou cidadão vivendo para a comunidade plural

O ser humano diz: eu abri as mãos e possui o mundo
O Poeta diz: abrindo o coração plantei esperanças

O ser humano diz: quando morrer quero ser reconhecido
O Poeta diz: meus poemas falarão de mim plantando sonhos

O ser humano diz: eu sempre venço os meus inimigos.
O Poeta diz: eu preciso de inimigos para escrever na luz

O ser humano diz: eu vivi por mim mesmo e adquiri posses
O Poeta diz: não tenho mais do que ninguém, o que tenho lutei para ter

O ser humano diz: as pessoas obedecem minhas ordens.
O Poeta diz: eu devo amar as pessoas como elas são.

O ser humano diz: eu sempre pensei em mim e por isso sou herói
O Poeta diz: vivi pelos que amo pois sou eterno aprendiz

O ser humano diz: eu destruo os obstáculos todos
O Poeta diz: eu me transformo na vida para a vida comunitária

O ser humano diz: estudei, fiquei rico e venci
O Poeta diz: estudando compreendi que conhecimento é luz

O ser humano diz : eu tomo a espada a venço a todos
O Poeta diz: eu ajudo todo mundo a carregar a cruz

Fonte:
Jornal O Guarani de Itararé
http://itatudo.com.br/

Salvino Pires (“As Quatro Estações”, Novo Livro de Poemas)

por Silas Correa Leite

“Lá vem o Poeta
Salvino Pires
Servindo, ourives
Seus poemas em pratos límpidos


Foi assim que entrei verdadeiramente no verbo ler, o novo livro “Quatro Estações” do mineiro Salvino Pires Sobrinho, Alvo Artes Gráficas Editora (salvino@jorlan.com) Floresta, Belo Horizonte/Minas Gerais, recentemente lançado. Salvino Pires tem poesia na alma? Decerto que é assim porque ele está melhor do que nunca, aperfeiçoando sempre o oficio de bem poetar. De seu primeiro trabalho, Perfumes, a Quatro Estações agora, ele continua tocando o seu belo rebanho de poemas, nas margens despertas da vida que recolhe em seus alheamentos e desenredos, em seu entorno e derredor que capta com olhares alados, feito uma espécie assim de ourives – ou melhor dizendo, encantador de versos alumbrados, alguns até mesmo sinceramente proverbiais. Harmonia e autenticidade. Páginas da mente humana em sintonia com a vida arrebentando viço, poemas dela tirados entre o sub e o sobre; poemas de se ler com ternura. Na poesia Salvino Pires percorre caminhos, percorre olhares, percorre reinações, conta pra gente o seu enfoque límpido de ourives, registra o enlivramento. Emily Dickinson disse: “Não há melhor fragata do que um livro para nos levar a terras distantes”. Salvino Pires recolhe a sua terra para a sua alma cristalina, ventila (na serpentina das idéias) para a poesia, depois, resgatando tudo e dando lírica formosa a tudo, bravamente lança Quatro Estações.

“Construtor de Poemas, Conflitos Quase Andaimes, Afloramento Confessional, Apuro Severo com a Linguagem, Exploração de Sentimentos”, todos os críticos têm um lógico pensar a respeito dele enquanto engenheiro erguedor de versos; opiniões verdadeiras e perenes, porque ele é mesmo um poeta de quilate, um especial olhar sempre atento a tirar closes de simplismos e passagens, mão apurada assim no traquejo, escrevendo gostosamente bem seus quitutes de percursos. Depois de Quatro Estações, por certo, outras desnaturezas virão no mesmo confessionário de sua alma avelã, apanhadora, de sua ótica sensível para recolhes de fragmentos de acontecências simples que bem retrata no lírico, entre pertencimentos, reflexões, purezas e tantas outras coisas mais às quais dá envergadura literária entre o sub e o sobre. A vida não pára? Pois Salvino Pires faz os recolhes para louvações dela.

Reflexões em pensagens, sim. Letras de canção. Estados de espíritos. Pontos de fuga? Imagens e humor. Andaimes poéticos. Pedaços de frutas. Salvino Pires, engenheiro de sustento e ofício, é mineiro por ancestralidade, é poeta por dom e qualidade sensorial e, Quatro Estações, seu novo livro muito bem editado e com bela capa de excelente projeto gráfico, tem verão, primavera e inverno no contexto todo, e, claro, também outonais, catanças até de meias estações. Quer ver/ler só?:

Reflexões de Vôo (in, pg 27):

amarrado na poltrona
voando no céu profundo

há tanto espaço lá fora
e eu trancado no muro

Ou ainda: Poética I (Pg. 33)

para quem faz poesia
dor de poeta
não tem importância

desde que verseje bonito
e sofra com elegância

Em Quatro Estações Salvino Pires faz-se competente apanhador de mil lágrimas, de utilezas e pensadilhos, numa significação de seu estado reflexivo depurado e fino, a poetar, e então se prestar lastrador entre prós e contras num livro que denota o galeio de palavras, com poemas de excelente nível, ele mesmo, por certo, pelo que o seu versejar demonstra “gente mais maior de grande” como cantou Gonzaguinha na mpb. Quatro Estações é sim um caleidoscópio de pensar a arte poética enquanto também ser humano crítico, inteligente, alerta, sentidor, portanto. Ele reforça o que muito bem também cantou a Poetisa Elisa Barreto, recentemente falecida:

“A vida é sonho, é gaze, é véu, fumaça
Que a eternidade, com seus dedos finos
Tece na rotativa do universo
...”
(-In, A Poesia Brasileira de Elisa Barreto, Documentário, Paulino Rolim de Moura, Edição do Autor, 2006)

Aliás, inspirado por ele e, até mesmo parafraseando-o no poema Conflito (in, pg. 24) quando diz “Existe em mim/Um conflito que me espanta/A cigarra trabalha/A formiga canta”, de presto destilei minha troca de poema na mesma temática, continuando o seu trovar:

Paradoxo
Para Salvino Pires

Um paradoxo me atrapalha
E, conflitante se agiganta:

Infeliz a formiga trabalha
Tão contente a cigarra canta?

(Talvez a tal felicidade santa
Só o prazer de viver a vida em viço valha)

Quatro Estações de Salvino Pires é isso mesmo: extremamente inspirador. Será que o adulto Poeta Salvino Pires escreve para voltar a ser criança, e, muito mais que sê-la, exercitá-la? Sim, meus camaradas, talvez nessa nossa insana vida socializada haja muita lama, o pântano dói nos olhos sensíveis, mas, ainda assim e por isso mesmo – resistir é preciso? - alguns poetas por excelência ainda sabem ver estrelas em todas as estações.

Fonte:
http://www.secrel.com.br/jpoesia/

Nilto Maciel (Homens de negócios)

A alta do dólar deixou Adão muito feliz. Aquilo merecia comemoração. E convidou sua mulher para jantarem fora. No Restaurante Business.

A felicidade do marido de pronto contagiou Cândida. Nem queria saber que mecanismos da economia haviam levado dinheiro aos bolsos de Adão. Importavam o presente e o futuro próximo: o jantar e mais jóias, vestidos, viagens...

Sentaram-se à mesa e trocavam idéias sobre o primeiro drinque. Ele preferia uísque. Ela pensava em champanhe, vinho ou licor.

Passava próximo à mesa deles o colunista social Patrício. E parou para cumprimentá-los.

– Já me falaram de sua vitória de hoje. Parabéns!

Adão sorriu e disse duas ou três palavras sem sentido aparente. O outro seguiu em frente.

– Não sei como ele vai conseguir ler aquele livro.

– Que livro?

– Você não viu?

Patrício conduzia um livro de título em inglês. Com certeza sobre economia.

Finalmente decidida pelo champanhe, Cândida voltou a sorrir. Os olhos de Adão não a viam, porém. Preferiam ver as pessoas em volta de outra mesa. Pareciam muito mais alegres que sua mulherzinha. Especialmente o colunista.

– Ele está falando de nós dois.

– Quem, meu bem?

Esvaziada sua taça, Adão perguntou se seria conveniente tomar outro uísque.

– E o jantar?

Ele nem percebeu o sentido da pergunta. Olhava para os movimentos de Patrício. Levantara-se, afastara a cadeira e caminhava no rumo deles.

– Ele está vindo para cá.

– Quem, meu bem?

O colunista queria apresentá-los a uns amigos. Ora, a noite devia ser de muita alegria. Por que não se juntarem todos?

– Vamos então para a mesa de vocês.

Cândida sorriu. Seu champanhe já devia estar morno. As grandes letras do livro de Patrício brilhavam: Galbraith ou Gallbrat?

Chegados à grande mesa, o colunista tratou de apresentar Adão e Cândida aos outros. Eram três senhores: Fausto, Celestino e Petrônio. Fumavam e bebiam. Uma garrafa de uísque quase vazia balançava no centro da mesa. O odor de cigarros fumados infestava o ar. Os cinzeiros estavam repletos de pontas.

Não havia nenhum indício de que fossem jantar. O garçom não parava de servir bebidas. Das bocas dos homens os sons irrompiam feito lavas. Como se ninguém ouvisse ninguém. E ora riam, ora pareciam zangados.

– Vamos sair daqui, meu bem – murmurou Cândida. – Estou tão cansada...
Ao mesmo tempo, um dos homens dizia qualquer grande verdade. Pois os outros, calados, olhavam para ele.

– Se não for a alma, é o espírito – completou Fausto.

E todos gargalharam e fizeram um brinde à inteligência do médico. Exceto Cândida, que repetiu o apelo.

Adão, porém, parecia mais interessado na filosofice dos negócios. Aqueles senhores pertenciam ao seu mundo. O jantar ficaria para depois. Afinal, queria comemorar a alta do dólar. E nada mais oportuno para a ocasião do que um legítimo scotch.

Derrotada, Cândida sorriu e olhou para trás. E viu mesas, cadeiras e pessoas como aquelas de seu ambiente. Havia até um belo rapaz parecido com Adão. Apenas mais novo. E uma bonita moça parecida consigo. Talvez namorados ou noivos. Deviam se amar. Como ela e Adão se amaram. A primeira noite e o sonho romântico a desfazer-se. O amor não passava daquilo. Animalidade pura.

Quando se voltou para a frente, um olho malicioso piscava para ela. Buscou o marido, sua couraça. Ele gargalhava, como se tivesse uma convulsão. Um dos homens dava palmadas nas costas de outro.

– A do Armando é pior, meus amigos.

O olho malicioso deixou de piscar, Adão enxugou os seus e o homem das palmadas coçou as costas.

– Dizem que sustenta um pobretão de vinte e poucos anos.

Mais dois ou três comentários sobre a mulher de Armando, e Patrício aproximou a boca do ouvido de Fausto. Quase não disse nada. Ciciou apenas. Logo, porém, chegou aos ouvidos de Celestino uma versão das palavras do colunista social. Não tardou, até Cândida se inteirou do teor do cochicho.

Por último, Adão alcançou a ponta da maledicência. E, alegando cansaço e embriaguez, decidiu ir embora.

Com a retirada do casal, as gargalhadas voltaram à mesa.

– É mesmo verdade, Patrício?

– Ora, minhas informantes não mentem.

Mais uísque beberam, mais cigarros fumaram, mais palavras disseram. Fulano gostava de domésticas, sicrano de mocinhas, beltrano de rapazes.

– Você gosta de quê, Celestino?

Houve risadas e a expectativa da resposta terminou impondo silêncio.

– Não vai dizer? – insistiu Patrício.

Celestino engoliu dois dedos de bebida.

– Ele adora brincar com as filhinhas do Fausto.

– Mentira! Mentira, seu safado!

– Não, não é mentira. Mas não fique nervoso. Você não será levado à fogueira. Não estamos mais na Idade Média.

Enquanto o colunista falava, os outros bebiam sofregamente. Celestino, porém, não quis ouvir a lengalenga do companheiro. E retirou-se. No banheiro trancou-se. Olhou para o espelho. Aquele homem feio não precisava mais viver. Retirou o revólver do bolso e apontou para o ouvido.

O estampido chamou a atenção dos garçons e fregueses do Business. Houve correria, confusão.

Horas depois, Adão e Cândida acordaram assustados. Ao telefone, uma voz trôpega falava da morte de Celestino. E eles deveriam prestar declarações à polícia.

Fonte:
http://www.secrel.com.br/jpoesia/
http://oglobo.oglobo.com (imagem)

Gérson Valle (Vozes Novas para Velhos Ventos)

por Fernando Py

Vozes novas para velhos ventos, de Gérson Valle (Brasília: Thesaurus, 2007)1, é um livro que se assemelha ao último caso: sem exceção, trata-se de contos inspirados em obras-primas da literatura universal, sem fazer paráfrase ou paródia do texto original. Se as histórias de Valle não imitam nem tentam “melhorar” a fonte de que se servem, é porque o autor, embora se sentisse subjugado pelo alto valor da obra-prima referenciada, soube trabalhar numa tônica muito diferente, em que apenas o “miolo” foi conservado, ou nem isso.

Para o leitor comum, e mesmo para o escritor, contumaz ou não, os grandes clássicos da literatura exercem uma atração profunda e irresistível, sobretudo quando se trata de um principiante das letras. Este vai se sentir estimulado pela leitura de uma obra-prima, estímulo que lhe serve de apoio e, muitas vezes, de material a ser imitado ou emulado, de acordo com seu talento e perspectivas. Se o primeiro é escasso e as segundas ainda não lhe estão bem delineadas na mente, o produto em geral será uma imitação servil ou até assume contornos de plágio involuntário. Se for dotado de maior talento e inventividade, poderá escrever algo importante, que será lido com interesse apesar das óbvias relações com a obra-prima de referência. Existem casos em que o autor parte deliberadamente de um texto para construir outro, seja na tentativa de explicar certos episódios, seja para concluir de maneira diversa um desenlace que não lhe satisfaz – ou que oferece uma solução diversa –, seja ainda para retomar personagens ou até aspectos do texto original e elaborar um texto inteiramente diferente.

No primeiro caso, temos o romance A esfinge dos gelos, de Júlio Verne, e o conto To the mountains of madness ('Nas montanhas da loucura'), do norte-americano H. P. Lovecraft, ambos tentando explicar episódios estranhos ou deixados incompletos na Narrativa de Arthur Gordon Pym, de Edgar Allan Poe. O segundo caso pode ser explicitado por vários contos, em geral de ficção policial, como os de Jack Moffitt, que “refez” contos de Maupassant ('O colar de brilhantes') e outros. O último caso é o do livro Missa do galo: variações sobre o mesmo tema, em que seis escritores brasileiros retomam personagens do conto machadiano e produzem textos que pouco têm a ver com a história que lhes serviu de fonte. Em todos os casos, podemos ver que o escritor recria o texto porém os personagens já não são exatamente os mesmos ou quase não aparecem, como em Júlio Verne, estando ausentes de todo em Lovecraft. A esposa frívola do conto de Maupassant não se repete exatamente na história de Moffitt, e os personagens machadianos têm perfil psicológico variado nas histórias dos outros escritores. São mais ou menos como clones que o autor do texto aproveita para dar uma aparência do personagem original, para sugerir verossimilhança ao que está sendo narrado.

Vozes novas para velhos ventos, de Gérson Valle (Brasília: Thesaurus, 2007)1, é um livro que se assemelha ao último caso: sem exceção, trata-se de contos inspirados em obras-primas da literatura universal, sem fazer paráfrase ou paródia do texto original. Se as histórias de Valle não imitam nem tentam “melhorar” a fonte de que se servem, é porque o autor, embora se sentisse subjugado pelo alto valor da obra-prima referenciada, soube trabalhar numa tônica muito diferente, em que apenas o “miolo” foi conservado, ou nem isso. Acima de tudo, Valle fez questão de manter o “espírito” do texto original; assim, as obras-primas em que se baseou são unicamente pontos de partida para a elaboração de um texto bastante diverso, um texto inventivo, mais próprio à criação de Gérson Valle, criação que às vezes surpreende nas entrelinhas da elaboração de uma frase.

O primeiro dos dez textos do livro – “Amor clonado” – aborda justamente o problema da clonagem, tendo como referência o conto “As ruínas circulares”, do argentino Jorge Luis Borges. Assim como em Borges um homem deseja criar um ser humano, simples aparência, por meio do sonho, e afinal descobre que ele próprio era uma aparência, que outra pessoa o estava sonhando, o Dr. Pater Clonem, personagem de Gérson Valle, reproduz uma aparência de mulher, o clone feminino Broda Bruda Hermana y Hermana, por quem, qual novo Pigmaleão, se apaixona. Mas não consegue que esse clone corresponda ao seu amor, e sua frustração o faz perceber a inanidade daquele amor pela criatura que realizou, cuja ética, por sua vez, poderia fazê-la desejar não somente o corpo, “que se copia e reproduz, mas o impossível além de todos nós...”
Em “Bromélias enfiteutas”, a fonte de referência é o romance Contraponto, de Aldous Huxley. A técnica de Huxley consiste em justapor na narrativa dois ou mais blocos de acontecimentos com certa independência de desenvolvimento, mas sempre ligados entre si. Gérson Valle se utiliza não propriamente do contraponto huxleyano mas de uma espécie de contínuo flash-back. no qual o economista Carlos Carreira da Costa, negro e de origem humilde, recorda o seu passado principalmente desde uma ocasião em que estivera por algum tempo em Petrópolis, de namoro com uma mocinha rica. O conto põe em relevo, com alguma ironia, os prejuízos que o tempo e a ocupação desenfreada das encostas causaram na paisagem e no nível de vida da cidade imperial.

O terceiro texto, “Missas de galo”, aproveita o mote do conto de Machado para desenvolver uma história bastante diversa. É o caso de um sujeito muito dedicado à obra machadiana, e que vai a Parati a fim de procurar conhecer pessoalmente o cineasta Nélson Pereira dos Santos, que ali filmava Um azyllo muito louco, baseado em 'O alienista', conto do livro Papéis avulsos de Machado. E assim como na “Missa do galo” de Machado, o adolescente Nogueira, ingênuo e de boa-fé, perde canhestramente a oportunidade de ouro “de comer uma balzaquiana” como a Conceição, assim o narrador se perde e se atrapalha diante do cineasta a quem admira e não realiza seu maior desejo, além de mostrar-se inadaptado às condições de vida que exigem mais determinação e força de vontade.

Já o conto “Crimes sem castigos”, a partir mesmo do título, tem como referência o romance Crime e castigo de Dostoievski. O romance do escritor russo se enquadra na questão do “crime permitido”, ou seja, aquele que do ponto de vista do criminoso seria perdoável, como, por ex., a eutanásia. Assim, o protagonista da história de Gérson Valle – um rapaz russo de nome (Raskolnikov) americanizado significativamente para Nick Raskow, que vive no exílio em Nova York – adora passear no Central Park, onde se sente em casa, apaixona-se por uma moça, Sonetchka (diminutivo de Sônia, como a heroína de Dostoievski), que se prostitui para sustentar o velho pai bêbado e imagina que matá-lo seria um benefício. Percebe que não conseguiria cometer o crime. Mas conhece duas velhinhas que só fazem se lamentar da solidão na velhice e desejam que a morte as visite. Raskow então resolve lhes fazer a vontade. E passou a viver disso, poupando o desgosto da velhice às pessoas idosas e solitárias, encontrando naquele serviço a sua identificação com o american way of life, numa sociedade onde só é apreciado aquele que cumpre “um trabalho com competência”, seja qual for... A visível ironia de Valle, nem sempre exposta com nitidez, surge aqui em todo o seu caráter subreptício de condenação.

O conto seguinte, “Alguma coisa vai acontecer”, cujo texto inspirador é o romance Doutor Fausto (1947), de Thomas Mann, recupera a idéia de fazer um pacto com o demônio, vendendo a alma em troca de prazeres ou benefícios terrenos. A história de Mann deve provir da lenda de um certo alemão Faust (1480? – 1540?), que teria vendido a alma ao diabo, fato que, de certa maneira, sintetiza as aspirações de dominação do homem renascentista. A lenda se tornou grandemente popular, tendo sido aproveitada por diversos escritores, como Christopher Marlowe (1588) e sobretudo Goethe, que lhe confere uma alta significação filosófica e humana. O romance de Mann foi escrito durante a II Guerra Mundial, e o doutor Fausto é um compositor erudito, Adrian Leverkühn, personagem que alcança grande força simbólica, corporificando a soberania e a queda da Alemanha inteira, à época em que a nação compactuava com as forças demoníacas do nazismo.

O protagonista do conto de Gérson Valle é um funcionário público que conhece num dos bares da Cinelândia, no Rio de Janeiro, um indivíduo manco, de cabelos de fogo, que lhe faz promessas, “como se dissesse: Tome seus chopinhos e eu lhe darei tudo que suas frustrações não lhe têm permitido. Não tem dúvida que, durante a noite, alguma coisa vai acontecer...” E assim, durante anos, iludido no íntimo, o funcionário, que nunca mais se encontrou com o sujeito manco, fica à espera do que virá... De certo modo, Gérson Valle está ironizando a credulidade do funcionalismo público – e por extensão, do próprio povo – nas promessas sempre postergadas dos políticos.

Quando a humanidade pode se ver reduzida a simples números de registro e identificação, seria o caso de organizar uma insurreição geral, ainda mais que praticamente todos os seus atos são vigiados por um ser superior que se intitula Big Brother. Este é o caso do romance 1984, de George Orwell, referência para o conto “027.135”, de Gérson Valle. Sabemos que, na história de Orwell, um homem se apaixona por uma mulher (secretamente, pois o amor é proibido e as pessoas só podem ter relações exclusivamente para procriar, quase como animais) e ambos decidem enfrentar o poder do Big Brother. Algo semelhante ocorre na história de Valle, com algumas diferenças fundamentais. O homem, aliás narrador do conto, é tratado pelo número que dá título à história; possui um temperamento bastante contemplativo e esse é o apelido que a moça Barrolda lhe dá. Por sua vez, é Barrolda quem, achando excessiva a intromissão dos dirigentes no controle de suas vidas, sugere uma rebelião, que afinal não se concretiza. Contemplativo se perde em filosofias vagas, mostrando-se incapaz de passar da reflexão à ação, como muita gente no nosso mundo.

O protagonista do conto seguinte, “O fantasma de Hamlet”, é um certo mineiro Joel Campos. Aqui, a história de Valle tem como referencial a peça de Shakespeare, enfatizada sob o aspecto da dúvida. Joel Campos desconfia da eficácia da atual globalização, sobretudo quando chega pela primeira vez a Londres, de avião – para ele, como para muita gente, “todos os aeroportos se parecem”.2 As decepções que sofre na capital britânica, que julgara melhor do que parecia ser, e suas dúvidas a respeito do personagem de Shakespeare, cuja peça assistira então pela primeira vez, acabam por fazer com que ele alugue um carro e saia de qualquer jeito, na contramão, como para libertar-se psicologicamente daquela globalização castradora e impor seu modo de ser em todas as circunstâncias.

Temos visto que os textos aproveitados por Gérson Valle como referência para seus contos são quase sempre, além de obras-primas, histórias que destilam um tom especial, seja no assunto ou na maneira de desenvolvê-lo, seja na atração exercida sobre o leitor – e aí Gérson Valle é um pouco de todos nós, leitores. O mesmo ocorre com o romance O processo, de Franz Kafka, que serve como ponto de partida para o conto “O encontro”. O título já é estranho em si, pois uma das características do escritor tcheco é o “desencontro”, tanto dos protagonistas com os demais personagens, quanto consigo mesmos. Mas o encontro da história de Valle se refere a um encontro verdadeiro com K., “um ser tão comum!” exclama o narrador. Esse encontro, todavia, é de fato um tête-à-tête incompleto, pois K tanto pode ser o autor Kafka como um de seus muitos personagens chamados apenas por essa inicial, ou que a transportam no nome. De qualquer modo, o narrador tenta discutir com esse K todas as dúvidas e perplexidades que a leitura de Kafka lhe provoca. Mas em vão. K não aceita discutir, pois o enorme sentimento de culpa que carrega consigo impede que seu retrato se faça completo aos olhos e à palavra do narrador.

Mas é necessário que o leitor de Valle atente para o que escrevi no começo a propósito das entrelinhas da elaboração de uma frase. “O encontro” principia com a seguinte frase: “Na frente da catedral, encontrei K.” Nada de mais? Vejamos: “na frente” pode significar, “no princípio de”; catedral começa com ca, ou seja, o fonema k. Assim temos: “no começo da catedral achei o fonema k.” Dirão que é irrelevante, e eu concordaria se em Kafka e na história de Valle a catedral não tivesse nenhum destaque. Mas não é o caso, pois qualquer leitor de Kafka sabe como é importante a letra (o fonema) K em sua obra. Valle, portanto, de modo subreptício, concede pistas para a leitura de seus textos.

O conto final não tem como referência uma obra literária, mas um conjunto de textos musicais. “24 prelúdios” tem como origem o conjunto das 24 peças com esse nome de Chopin, obra-prima do Romantismo pós-beethoveniano. Aqui, Valle cede ao seu lado de profundo conhecedor de música, não só como teórico mas libretista de óperas (como Olga, de Jorge Antunes, e Fronteira, de Guilherme Bauer, baseada no romance de Cornélio Pena), e que possui diversos textos poéticos musicados por Ernani Aguiar, Ricardo Tacuchian e muitos outros. Sua história narra, em 24 parágrafos, a vida de um certo Frederico, exímio no violão. O texto acompanha, até certo ponto, a vida e os amores do próprio Chopin, pois entre outras coisas conhece uma moça Aurora, que também se faz chamar Jorge,3 com quem vive um romance cheio de altos e baixos, exatamente como Chopin. A história, como na realidade que conhecemos, se resolve num rompimento entre os dois. E assim se encerra o livro de Gérson Valle, que, por sua originalidade e desenvolvimento, é um dos melhores lançamentos deste ano.
_
Notas
1. Prêmio Nacional da ANE (Associação Nacional de Escritores, de Brasília) no ano de 2006.
2. Adaptação da frase de Georges Bernanos no começo do romance Journal d'un curé de campagne: “Toutes les paroisses se ressemblent” ('Todas as paróquias se assemelham”.)
3. Aurora: prenome da escritora francesa Aurore Dupin, baronesa Dudevant (1804-1976); Jorge, nome pelo qual era mais conhecida como escritora (George Sand). Teve uma relação amorosa e prolongada com Chopin.
=============
Fernando Py é poeta, escritor e tradutor, membro da Academia Brasileira de Poesia e da Academia Petropolitana de Letras.
===============
Fonte:
Jornal de Poesia
http://www.secrel.com.br/jpoesia/gvalle.html

Carlo Manzoni (Porcaloca)

"Desculpe, foi o senhor que telefonou para que eu viesse amputar a sua perna?

"Eu? O que é isso? Nem sonhando!"

"Mas o senhor se chama Dante del Torro, não é? Faz meia-hora, um fulano me telefonou para que viesse alguém que lhe cortasse uma perna."

"Eu não telefonei. Deve ser outro Dante del Torro."

"Não, não... O endereço que me deram foi este. E neste endereço só há um Dante del Torro, que é o senhor. Um parente seu deve ter telefonado."

"Impossível. Hortênsia, por acaso você telefonou para que viessem cortar a minha perna?"

"Eu, não. Telefonei para o mercadinho pedindo que mandasse marmelada."

"Aí está, viu? Se o senhor tiver um doce de marmelada..."

"Como posso ter um doce de marmelada? Eu trouxe uma serra, pois quem me telefonou me pediu que trouxesse a serra, uma vez que na casa não existia uma serra."

"Engana-se. Eu tenho uma serra."

"Mas é evidente que a sua não deve servir para cortar uma perna."

"Como não? É igual a sua."

"Mas se é igual a minha, por que me levaram ao incômodo de trazer outra serra?"

"Ó Dante, deixa de discussão, homem de Deus. Deixa logo cortar esta maldita perna, mande-o embora e acabe logo com isso."

"Desculpa, Hortênsia, mas por que haverei eu de mandar cortar a minha perna quando não fui eu que telefonei? Tenho ou não tenho razão?"

"O senhor tem razão. Mas o que é que eu faço agora? Alguém telefona, eu compro uma serra nova, gasto meu dinheiro, venho até aqui e acabo perdendo o meu dia a troco de nada. O senhor também deve me compreender..."

"Bem, com boa vontade sempre se pode encontrar uma maneira de se chegar a um acordo. Tampouco ele, coitado, tem culpa. Escuta, Dante, você devia de algum modo concordar com ele. Por que não deixa que ele ampute um dedo seu?"

"Epa! Pára lá!, minha senhora: um dedo não é o suficiente!"

"Antes isso de que nada. Compreenda: é apenas para agradá-lo, porque eu poderia mandá-lo embora de mãos abanando, mesmo porque não fui eu quem o chamou.

"Bem, nesse caso, dois dedos."

"Ou um ou nada."

"Está bem, como quiser. Mas nesse caso, precisa que seja um polegar."

"Vá lá, vá lá... Que seja o polegar, já que me coloca nesta posição, está bem? E que seja esta a última vez, ouviu? Da próxima vez me telefone de volta para confirmar a chamada... Se o senhor não fosse um cara tão simpático... Pode... Ai!... porc... ahhh....vá aos poucos, isso, aos pouquinhos... Uuuuh!"
===============
Sobre o Autor

Carlo Manzoni (1908), é autor de diversos livros de humor, entre eles "Brava Gente", "É sempre festa", traduzidos para o português, e "La Vera Storia (O Quasi) Del Cognac", "Ti Svito Le Tonsille, Piccola", "Io, Quella La Faccio A Fette!", "50 Scontri Col Signor Veneranda". Nascido na Itália, esse milanês mistura como poucos o patético, o grotesco, o non-sense e o absurdo em textos de humor negro.
============
Fonte:
COSTA, Flávio Moreira da (org.). Os 100 melhores contos de humor da literatura universal. RJ: Ediouro, 2001, pág. 481.Disponível em http://www.releituras.com/

José Afrânio Moreira Duarte (1931 - 2008)

Imortal da Academia Mineira de Letras, José Afrânio Moreira Duarte nasceu em Alvinópolis, Minas Gerais, em 8 de maio de 1931, mas vive em Belo Horizonte desde 5 de fevereiro de 1955, onde bacharelou-se em Direito pela UFMG. Foi duas vezes condecorado pelo Governo de Minas Gerais, com a Medalha da Inconfidência e a Medalha do Centenário de Belo Horizonte.

Conhecido de todos os escritores de Minas Gerais e do Brasil, José Afrânio Moreira Duarte é contista, ensaísta, crítico literário, entrevistador e poeta. Publicou os contos “O Menino do Parque”, “A Muralha de Vidro” e “Azul: Estranhos Caminhos” e os ensaios “Fernando Pessoa e os Caminhos da Solidão” e “Henriqueta Lisboa: Poesia Plena”.
Faleceu 4 de junho de 2008, em sua residencia, em Belo Horizonte. Foi sepultado no mesmo dia.

Fonte:
Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais
http://www.cultura.mg.gov.br/