segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Ziraldo (Ler é muito mais Importante que Estudar)


Para ele, em geral, um menino feliz vira um cara legal. Cartunista e criador do famoso personagem “o Menino Maluquinho”, o mineiro Ziraldo encerrou a programação de palestras da Expo-Literária de Sorocaba, no dia 1º de novembro, quando falou sobre o tema “Ler é mais importante que estudar”. Uma curiosidade sobre o autor é que ele conhece bem a região de Sorocaba, já que sua irmã viveu aqui durante 10 anos. Simpático e bom de papo (ele adora conversar), Ziraldo não hesita em afirmar “estudar é importante, mas ler é muito mais importante que estudar”.

O autor também fez uma análise sobre a literatura contemporânea. “O negócio é o seguinte: a gente tem uma quantidade de escritores atuando no Brasil no momento de altíssima qualidade. A gente só não tem o prestígio dos escritores espanhóis porque eles escrevem para 13 países que falam esse idioma. E a língua de Cervantes, para a história do mundo, é considerada mais importante que a de Camões, então a gente fica no segundo time”, afirma.

O país, para Ziraldo, tem craques fantásticos na área da literatura. “Machado de Assis, por exemplo, é um dos escritores mais respeitados do mundo. Qualquer escritor de qualidade conhece, cita e fala do Machado. O crítico americano Harold Bloom, por exemplo, que escreveu um livro sobre os escritores mais fundamentais da história da civilização, cita Machado, que é o primeiro grande escritor negro do mundo. Ele era um escritor espantoso, assim como Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, e agora até o Paulo Coelho, que acaba de ser aclamado em Frankfurt como um dos maiores intelectuais vivos do mundo. Se a gente escrevesse em espanhol ou inglês já teria ganhado pelo menos uns três nobels de literatura”, acredita.

Conforme Ziraldo, nos outros países, o autor de livro para a criança não é considerado um escritor, com todas as letras. “No Brasil, o escritor para a criança conseguiu esse status, como Ruth Rocha, Ana Maria Machado e Tatiana Belinky, então todos têm a responsabilidade e a condição de escritor”, considera.

Antonio Skármeta, autor chileno da obra que deu origem ao filme “O Carteiro e o Poeta”, conta Ziraldo, é de um país que tem dois prêmios Nobel de literatura (Pablo Neruda e Gabriela Mistral), e em uma conversa que teve com ele, perguntou qual livro infantil era conhecido no Chile. “E ele disse que não conhecia nenhum. Nos outros países há um certo preconceito contra a literatura infantil, e aqui a gente consegue uma respeitabilidade. A literatura infantil no Brasil é de muita qualidade. Esses escritores que citei aqui não têm a pressão do editor, então o escritor consegue escrever o livro sem ter de atender as leis do mercado”.

Questionado se é muito difícil escrever para criança, ele responde: “ou é fácil ou é impossível!”, brinca.

Para Ziraldo, a obra de Machado de Assis como um todo é contemporânea. “Todo grande escritor é sempre contemporâneo porque o ser humano não muda. A gente continua sofrendo pelas mesmas razões, matando pelas mesmas razões, suicidando-se pelas mesmas razões. Arranje um ser parecido com Bentinho, apaixonado por uma mulher como Capitu e coloque um Escobar para ficar com a mulher dele e veja se não vai se comportar como Machado reportou. Até matava o Escobar! De maneira que Machado está falando da alma humana. E o ser humano não muda, o coração do homem não muda. Por isso Machado é um craque, um gênio”.

Três obras de Ziraldo
- O Menino Maluquinho (Editora Melhoramentos)
- Uma Professora Muito Maluquinha (Editora Melhoramentos)
- Menina das Estrelas (Editora Melhoramentos)

Ziraldo indica

Autores de obras para crianças
- Ana Maria Machado
- Ruth Rocha
- Pedro Bandeira

Obras de Machado de Assis
- Memórias Póstumas de Brás Cubas
- Dom Casmurro
- As publicadas com o pseudônimo Dr. Semana: “Para quem quiser conhecer um pouco mais da alma do escritor”

Fontes:
Reportagem de Daniela Jacinto para o Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno D, de 16 de novembro de 2008.
Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece
Desenho =
http://www.ziraldo.com/

Ziraldo (1932)

Ziraldo Alves Pinto nasceu em 24 de outubro de 1932 em Caratinga, Minas Gerais. É o mais velho de uma família de sete irmãos. Seu nome vem da combinação do nomes de sua mãe, Zizinha com o de seu pai Geraldo: assim surgiu o Zi-raldo, um nome único.

Passou a infância em Caratinga, onde cursou o Grupo Escolar Princesa Isabel. Em 1949 foi com o avô para o Rio de Janeiro, onde cursou dois anos no MABE (Moderna Associação de Ensino). Em 1950 voltou para Caratinga para fazer o Tiro de Guerra. Terminou o Científico no Colégio Nossa Senhora das Graças. Formou-se em Direito na Faculdade de Direito de Minas Gerais em Belo Horizonte, em 1957.

No ano seguinte casou-se com D. Vilma, após sete anos de namoro. O casal tem três filhos, Daniela, Fabrizia e Antônio, e quatro netos.

Ziraldo tem paixão pelo desenho desde a mais tenra idade. Desenhava em todos os lugares - na calçada, nas paredes, na sala de aula... Outra de suas paixões desde a infância é a leitura. Lia tudo que lhe caia nas mãos: Monteiro Lobato, Viriato Correa, Clemente Luz ( O Mágico), e todas as revistas em quadrinhos da época. Já nesse momento, ao ler as páginas do primeiro "Gibi", sentiu que ali estava o seu futuro.

A carreira de Ziraldo começou na revista Era Uma Vez... com colaborações mensais. Em 1954 começa a trabalhar no Jornal A Folha de Minas com uma página de humor. Por coincidência foi esse mesmo jornal que publicou o seu primeiro desenho em 1939, quando tinha apenas seis anos de idade!

Em 1957, começou a publicar seus trabalhos na revista A Cigarra, e posteriormente em O Cruzeiro. Em 1963 começou a colaborar com O Jornal do Brasil, onde até hoje publica diariamente uma tira de comics. Trabalhou, ainda na revista Visão e Fairplay.

Ziraldo fez cartazes para inúmeros filmes do cinema brasileiro como Os Fuzis, Os Cafajestes, Selva Trágica, Os Mendigos, etc. Foi no Rio de Janeiro que Ziraldo se consagrou como um dos artistas gráficos mais conhecidos e respeitados nacional e internacionalmente.

Entretanto, dada a diversidade de sua obra, não é possível limitá-lo apenas às artes gráficas. É um artista que tem ao longo dos anos desenvolvido várias facetas de seu talento. Ziraldo é também pintor, cartazista, jornalista, teatrólogo, chargista, caricaturista e escritor.

No decorrer dos anos 60 seus cartuns e charges políticas começaram a aparecer na revista O Cruzeiro e no Jornal do Brasil. Personagens como Jeremias, o Bom, a Supermãe e posteriormente o Mineirinho, tornaram-se popularíssimas.

É igualmente no início da década de 60, que realizou seu sonho infantil: transformou-se num autor de comics e lançou a primeira revista brasileira do gênero feito por um só autor, reunindo uma turma chefiada pelo Saci Pererê, figura mais importante do imaginário brasileiro. Os personagens dessa turma incluíam um pequeno índio e vários animais formadores do universo folclórico brasileiro tais como a onça, o jabuti, o tatu, o coelho e a coruja. A Turma do Pererê marcou época na história dos quadrinhos no Brasil.

Em 1964, com a tomada do poder pelos militares, a revista encerrou sua carreira. Era nacionalista demais para sobreviver ao golpe fascista no Brasil. Entretanto, a força desses personagens, tão tipicamente brasileiros, resistiu aos duros anos do militarismo.

Em 1973 a Editora Primor do Rio de Janeiro viria a reeditar em 3 álbuns uma seleção das melhores histórias do Saci Pererê com o nome - A Turma do Pererê. As histórias passaram então a fazer parte de vários livros didáticos publicados no país, ajudando a criança brasileira a conhecer melhor sua cultura.

Durante o período da Ditadura Militar ( 1964-1984 ), Ziraldo realizou um trabalho intenso de resistência à repressão. Fundou, junto com outros humoristas, o mais importante jornal não-conformista da história da imprensa brasileira, O Pasquim. Ziraldo considera que o Pasquim foi também o grande celeiro de humoristas pós 68.

Quando foi editado o AI - 5, durante a Revolução Militar, muita gente contrária ao regime, procurou se esconder para fugir à prisão. Ziraldo passou a noite ajudando a esconder os amigos e não se preocupou consigo mesmo. No dia seguinte à edição da famigerado Ato, foi preso em sua residência e levado para o Forte de Copacabana, por ser considerado um elemento perigoso.

Em 1968, Ziraldo teve reconhecido o seu talento internacionalmente, com a publicação de suas produções na revista Graphis, uma espécie de Panthéon das artes gráficas. Teve ainda trabalhos publicados nas revistas internacionais Penthouse e Private Eye da Inglaterra, Plexus e Planète da França e Mad nos Estados Unidos.

No ano de 1969 grandes acontecimentos marcaram a vida do artista. Ganhou o Oscar Internacional de Humor no 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas e o prêmio Merghantealler, prêmio máximo da imprensa livre da América Latina, patrocinado pela Associação Internacional de Imprensa, recebido em Caracas, Venezuela. Foi convidado a desenhar o cartaz anual da UNICEF, honraria concedida pela primeira vez a um artista latino.

Ziraldo fez um mural para a inauguração do Canecão, casa noturna do Rio de Janeiro, numa parede de mais de cento e oitenta metros quadrados. Esta obra foi reproduzida em várias revistas do mundo, mas encontra-se hoje escondida atrás de um painel de madeira.

Foi ainda nesse ano que publicou seu primeiro livro infantil, FLICTS. É a história de uma cor que não encontrava seu lugar no mundo. Nesse livro usou o máximo de cores e o mínimo de palavras. A Embaixada Dos Estados Unidos no Brasil presenteou com um exemplar os astronautas americanos que pisaram na lua pela primeira vez, quando de sua visita ao Brasil. Neil Armstrong, um dos astronautas leu o livro e comovido, escreveu ao autor: The moon is FLICTS.

Na década de 70, com seu trabalho já consagrado, Ziraldo prosseguiu abrindo caminhos no Brasil e no mundo Desde 1972 seus trabalhos são sempre selecionados pela revista Graphis Anual e Graphis Porter.

Diversas revistas internacionais usam seus desenhos em capas, inclusive Vision, Playboy, e a GQ ( Gentlemen's Quaterly). Os seus cartuns percorrem revistas de várias partes do mundo. Alguns de seus desenhos foram selecionado para fazer parte do acervo do Museu da Caricatura de Basiléia, na Suiça.

A partir de 1979 Ziraldo passou a dedicar mais tempo à sua antiga paixão: escrever histórias para crianças. Nesse ano publicou O Planeta Lilás, um poema de amor ao livro, onde ele mostra que o livro é maior que o Universo que cabe inteirinho dentro de suas páginas.

Em 1980 Ziraldo recebeu sua maior consagração como autor infantil na Bienal do Livro de São Paulo, com o lançamento de O Menino Maluquinho. O livro se transformou no maior sucesso editorial da Feira e ganhou o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro em São Paulo. Esse livro foi adaptado para o teatro, cinema, WWW, e em ópera infantil pelo Maestro Ernani Aguiar. O Menino Maluquinho virou um verdadeiro símbolo do Menino Nacional.

Em 1994, O Menino Maluquinho, o Bichinho da Maçã, a Turma do Pererê o e próprio Saci Pererê, transformam-se em selos comemorativos do Natal. Nessa homenagem dos Correios e Telégrafos ao artista sua arte foi espalhada pelos quatro cantos do planeta, com votos de Boas Festas, Feliz Natal e Feliz Ano Novo. Os livros de Ziraldo já foram traduzidos para várias línguas, entre elas, espanhol, italiano, inglês, alemão, francês e basco.

Como todo bom brasileiro, Ziraldo aprecia o Carnaval. Foi dos primeiros a desfilar com a Banda de Ipanema ao lado de Albino Pinheiro, Leila Diniz e a turma do Pasquim. O seu livro FLICTS já foi enredo de escola de samba em Juiz de Fora, e Ziraldo desfilou no chão ao lado do filho Antonio. Mais recentemente, no Carnaval de 1997, Ziraldo foi novamente homenageado. Desfilou no alto de um carro com um enorme Menino Maluquinho, do qual desceu com o auxílio de um guindaste!

Ziraldo tem diversas passagens pela televisão. Participou como jurado de inúmeros programas, festivais e até de concurso de Miss Brasil nos idos anos 60. É também apresentador e entrevistador. Quando entrevistado tem sempre pontos de vista interessantes a defender. Uma de suas frases mais conhecidas é Ler é mais importante do que estudar.

Sua arte faz parte do nosso quotidiano, e pode ser identificada em logotipos famosos como o da Telerj, caixinhas de fósforo que viraram ítens de colecionador, cartazes da Feira da Providência, centenas de camisetas, símbolos de campanhas, etc. Ziraldo está sempre envolvido em novos projetos, e uma das novidades na prancheta é a revista Bundas, uma resposta bem-humorada à ostentação emergente de Caras. "Quem mostrou a bunda em Caras jamais vai mostrar a cara em Bundas"...

Fonte:
http://www.ziraldo.com/historia/biograf.htm

Dorothy Jansson (O Tempo está passando muito rápido)

Dizemos que o tempo voa,
e enquanto filosofamos,
ele vive aí... à toa,
e somos nós que voamos.

Cena mais bela e de graça
é o sol a se despedir
a cada dia que passa,
e de manhã... ressurgir.

Fonte:
Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece

domingo, 23 de novembro de 2008

Santuário da Poesia 1



Tere Penhabe (Presente do Tempo)

Lá vem o tempo,
com um pacote de presente
vem trazendo irreverente
mais um ano pra viver...

Eu quero o meu
e espero ainda poder
fazer toda a diferença
na hora de acontecer...

Que o tal de amor
continue a me rondar
não precisa se instalar
basta minh'alma entreter...

Que as amizades
só façam multiplicar
que os rancores e as mágoas
vão cantar noutro lugar...

E a Paz Bendita
que por ela tantos clamam
que finalmente aconteça
sendo real e sem manhas...

Que os homens se encontrem
com o reflexo do espelho
envergonhem-se a tal ponto
que possam regenerar-se...

É mais um ano
outra chance de acertar
desejo de coração
que este ano seja bom...

Que as bênçãos do Menino Deus
que de nós não Se esqueceu
façam ainda maravilhas
com o ano, meu e seu!

Santos, 29/12/2005
––––––––––––––––––––
Margaret Pelicano (Lá vem o tempo)

Lá vem o tempo.
Corre célere para com o dia amanhecer
é um novo ano que chega,
trazendo um novo reconhecer:
de idade, de vivências,
de calma, tranquilidade,
um pote cheio de ouro - A serenidade!

Lá vem o tempo tirando a tampa do pote!
Passa rápido,
mas com o homem não pode!
Este nunca perde a ilusão, a vontade de vencer,
o amor pelas mulheres
pelo futebol, pela dança,
e ironicamente... gosta de ver acontecer...

Lá vem o tempo,
como um jornaleiro,
trazendo notícias diariamante
para todos os companheiros:
É uma guerra aqui, outra acolá,
velhos sendo maltratados
crianças abandonadas...isso é muito do que há!

No caderno dois, muita vitalidade:
gente rica e poderosa
moda, horóscopo, crônicas, prosa...
depois nos classificados: acompanhantes para a noite
e começa a baixaria...
Lá vem o tempo, agora, como uma velha tia
rabugenta, implicante, desfrutuosa...

É, o tempo é um noticiário,
um velho espantalho,
que, às vezes camufla as verdades,
e quando as descobrimos, já é tarde!
Por outro lado,
um bom amigo:
quando nos cansamos,
ele nos leva para dourados campos de trigo,
em sonhos delirantes, ou pesadelos preocupantes...

Enfim, sempre haverá um novo ano,
novas expectativas
novos desejos de mais amor,
mais dinheiro,
diálogos corriqueiros,
contas a pagar,
e nós, pobres humanos, contamos que tudo vai mudar!

Brasília, DF - 30/12/2005
–––––––––––––––––––––-
Zena Maciel (Peregrino do Tempo)

O ser humano constrói a
existência nos braços
na liturgia do tempo
Tempo de nascer..
De crescer...
De aprender...
De amar...
De sonhar...
De viver...
De sofrer...
De ser...
De ter...
De ganhar...
De perder...
De olhar para a vida
e tentar desmistificar
o imensurável tempo
Tempo de ser
Ser eterno peregrino do tempo
Esta é a síntese da finitude do ser

Recife-30 de dezembro de 2005
–––––––––––––––––––––––-
Regina Bertoccelli (O Tempo)

Agora, neste exato momento
em que disponho de alguns minutos ociosos,
roubados de tarefas e deveres que deveria estar cumprindo,
me permito apenas divagar, refletir, pensar...
Deixo as horas passarem lentamente e sem atropelos,
lânguidas, seguindo seu curso natural
Preciso de um tempo sem cobranças,
sem compromissos marcados,
sem a presença de relógios, sem pessoas me esperando.
Afinal, já vivi tanto em função de horários estabelecidos,
marcados, agendados
Hoje , preciso e me reservo o direito de lidar com o tempo
de uma forma mais prazerosa e inconsequente
Cansei das correrias e das agitações do cotidiano
Afinal, nunca deixo nada por fazer, e nem pessoas me esperando
Apenas sou mais parcimoniosa e aprendi a administrar as horas
Hoje, este é o meu tempo
Mais lento, mais cauteloso,
mais sabiamente direcionado

"O tempo não para!!!
Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."
( Mário Quintana )
––––––––––––––––––
Jorge Linhaça (Tempo de Despertar)

Tempo que te quero tempo
tempo de alegria e não de lamento
Tempo de reconstrir
Tempo de viver

Tempo que te quero tempo
Tempo de afinal um alento
tempo de amar sem sofrer

Novo ano que se anuncia
esperanças que se renovam
tempo novo que pronúncia
palavras de boas novas

Tempo, tempo, ó bom tempo
que resplandeça sobre nós a paz
que se finde todo o tormento
que a falta de tempo nos traz

Arandú,31/12/2005
–––––––––––––––––––
Valeriano Luiz da Silva (Tempo)

Creio que ninguém duvidará
Que o tempo em nossa vida
Nunca mais voltará...
E o que ficou para traz são experiências adquiridas
O que for útil você deve aproveitar
E as faltas que cometestes deverão ser esquecidas

Anápolis-Go, 18/06/05
–––––––––––––––––––––
Lauro Kisielewicz (O Tempo)

O tempo voa...
O tempo urge...
O tempo passa...
Mas,
que tempo é esse
que o tempo todo
nos deixa sem tempo
de ignorar
se é tempo propício
para amar?!
Sempre alegando
Falta de tempo,
não achamos tempo
para amar nossos filhos
e quando eles,
escolados por nós,
têm seus filhos,
nem notam os brilhos
do brilhante olhar
dos nossos netos...
Os filhos crescem
e desaparecem
às vezes se esquecem
que nós existimos...
não os meus... não os meus...
Graças a Deus,
estes se lembram
e por mais que o tempo passe
que boas lembranças
se amassem
e que em pouco tempo passem
a nem serem mais lembradas...
Foi tempo que passou...
ou fomos nós
que passamos pelo tempo,
sem encontrar tempo
de viver, sorrir e amar?
O tempo, NÃO VOLTA ATRÁS!
Ama,
sorri
e vive agora!
Depois,
será tarde demais!
Não terás tempo...
O tempo ficou para trás...
–––––––––––––––––––––
Maria Thereza Neves (Parem o Tempo!)

O mundo roda, roda
e gira e volta
o tempo escapa-me entre os dedos
preciso segurar o vento
deter os ponteiros do relógio
as letras estão correndo
V O A N D O
o pensamento cansado, lento
sem tempo para o apressado tempo .
––––––––––––––––––––
Patrícia Neme (E aqui vai o meu Tempo)

Verdade, só pode ser ,
uma tremenda ironia:
um ano tão doloroso,
que moeu todo o meu ser,
de jeito cruel, manhoso...
Em seus momentos finais,
chega-me, assim, carinhoso,
regalando-me, em poema,
um repensar tão profundo,
qual promessa do Eterno,
que em gesto fiel, fecundo,
faz-me relembrar que o Tempo,
qualquer seja o seu momento,
é seguro em Sua mão.
Que em todo e qualquer instante,
Ele é presença constante...
Que o sofrimento é um tropeço,
nas vias de um recomeço;
e qual seja o meu tormento,
Ele é PAZ, em prosa e verso,
que Ele é vida, e não reverso.
Então eu fico quietinha,
com minh’ alma acalentada,
dizendo muito obrigada,
a esse quarteto de anjos
que me soube recordar,
que eu vivo além do instante,
de relógio ou convenção.
Que eu vivo da poesia,
minha fonte de alegria,
no cantar e na oração.
Então, rogo ao meu Senhor,
Paz, Saúde, Luz, Ventura,
a Terê, a Magareth,
ao Lauro, e também a Zena,
que tenham as sendas planas,
de muita serenidade,
onde a vida lhes sorria
com toda a sua doçura.
E o Tempo...
O Tempo será o amigo
que um dia nos unirá;
neste aqui, ou neste agora...
ou pelos lados de lá...
Pois quem tem sangue poeta,
vive aqui, vive acolá!
–––––––––––––––––
Bernardino Matos (Há Tempo para a Felicidade!)

“Vamos dar tempo ao tempo”, revela prudência,
“não há como um dia atrás do outro”,sabedoria,
“ponha a cabeça no travesseiro”, paciência.
“Dê-me um tempo”, para não se ficar na teoria.

O tempo não é uma unidade de medida,dia,mês,ano,
é parte integrante e vital de nossa trajetória,
ele agrega nossas tristezas, alegrias,abre o pano,
do teatro de nossa vida, registra nossa história.

Há tempo para amar, sofrer,sorrir, sobreviver,
nós somos os gestores,os responsáveis pelas ações,
que definem nossa rota,destino, nosso acontecer,
ele é o palco onde atuamos, onde tomamos decisões.

Se formos sempre atentos, prudentes, precavidos,
poderemos atingir nossas metas, nossos objetivos,
contribuiremos pro sucesso dos momentos vividos,
e teremos, para enfrentar nossa luta, os motivos.

No início de cada ano, revisamos nossas vivências,
planejamos uma correção de rota, novos caminhos,
no lugar das amarguras,de tantas imprudências,
queremos colocar pitadas de ternuras e carinhos.

“Quem por algum amor não sofreu, passou pela vida,
não viveu”,sobrevoou, não percebeu a importância,
da paixão, das emoções,das amizades, em sua lida,
se desgastou,andou em vão,correu sem consistência.

Não existe tempo para um gesto sincero de carinho,
para um beijo apaixonado, para uma declaração
de amor,para uma atitude de perdão e devagarzinho,
arrancarmos os espinhos da injustiça e ingratidão.

Temos tempo para tudo,inclusive para a felicidade,
mas afastamos a essência da vida,andamos perdidos,
procuramos atalhos,fugimos dessa grande realidade,
que sem Deus, sem fé, sem esperança,somos falidos.

Urge aproveitarmos bem todos os nossos momentos,
para construirmos um mundo melhor, mais acolhedor,
onde o ser humano possa dar vazão aos sentimentos,
de solidariedade,de fraternidade, de muito amor.

Fortaleza, 01 de janeiro de 2006.
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Maria Granzoto da Silva (1948)



(Arapongas, PR, 03/05/1948)

Arapongas(PR) é cognominada a “ Cidade do Passarinhos”. Segundo Parque Moveleiro do País, possui vida industrial muito intensa! Aqui, todas as ruas têm nome de pássaros, a iniciar pelo nome do Município, Arapongas, devido ao grande número desse pássaro-ferreiro que aqui existia.

Começou a escrever desde criança ensaiava a escrita de versos, a que meus professores e, em especial, minha mãe, incentivavam.

Adorava memorizar versos de Castro Alves e Olavo Bilac! Depois, abracei Manuel Bandeira, hoje meu patrono na Academia.

1º trabalho literário: Foi um poema intitulado “ Meu Filho!, escrito em 1965, divulgado na página literária do Jornal “ O Radar”, de Apucarana (PR)

Poemas publicados em coletânea da Academia de Letras, Ciências e Letras Centro-Norte do Paraná, da qual é sócia-fundadora.

– Membro da Academia de Letras, Artes e Ciências Centro-Norte do Paraná
– Delegada da UBT/PR – Arapongas.
– Professora da Universidade Norte do Paraná – campus de Arapongas-PR

Como escritora ama a Poesia, a Literatura como um todo! Gosta de brincar com as palavras, descobrir em cada palavra um novo sentimento!

Quando vem o desejo de compor, pode estar na rua, em casa, no trabalho. E as palavras vêm e o poema acontece!

Conselho a uma pessoa que começasse agora a escrever: «Tenho feito isso a todos os meus acadêmicos que demonstram talento literário, incentivando-os a prosseguir. O mundo precisa de poetas e as novas gerações têm um potencial que não podem guardar apenas para si! Não desistir, mas perseverar e prosseguir!»

Fonte:
http://www.caestamosnos.org

Maria Granzoto da Silva (Trovas)


Falar de trovas, meu Deus!
Missão que faz me encantar!
Falar de trovas aos meus!
– Ainda não sei trovar!

Juro que estou a pensar
como se estivesse em prova.
Comecei com Deus falar
que me inspirasse uma trova.

Senti muito a sua ausência
naquele dia sem sol.
Só depois, pura demência,
descobri o meu arrebol.

Foi hilário aquele encontro!
que parecia escondido!
Não é que bati meu ponto
na sala do seu marido?

Tire essa barba nojenta,
bota vergonha na cara!
Hoje ninguém mais agüenta
vê-lo nem ouvir sua fala!
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Fonte:
Portal CEN. http://www.caestamosnos.org

Maria Granzoto da Silva (Teia de Poesias)



Um Natal Diferente

A diferença do meu natal
Será uma árvore
Sem igual!
Nela pendurarei
Momentos que já passei.
Da minha mãe, a saudade.
A lágrima pelo meu pai.
Não colocarei a maldade,
Porque do mundo já não sai.
Mas um pouquinho da ilusão
Que alimenta meu sonho
E habita meu coração
Em viver num mundo de paz
E não num mundo tristonho.
Colocarei os poucos amigos,
Os fiéis e verdadeiros.
No cimo, como ponteiro,
Apenas um cruzeiro
E um Cristo iluminando
Pessoas do mundo inteiro.
Circundando a árvore dileta,
Todo o site
Alma de Poeta!
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Ex Tempore

Vivi um tempo
Sem tempo pra sorrir
Pra amar ...
Vivi um tempo
Sem ver o tempo partir!
Ele não espera e
Por isso não
Me esperou!
Agora, que tenho tempo,
O grande sonho
Acabou...
Já não há mais sorriso,
Já não há mais amor...
Assim, perdi o juízo
E ganhei a grande dor
Perene em meu coração:
Estar só, na multidão...
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Amor em silêncio

Na noite de sono agitado,
Insone, clamo teu corpo sem rosto...
Grito em silêncio teu nome, amado!
Lavro a palavra lavada
em silencioso silêncio...
Esse silêncio que pensa
e produz a miragem
da tua imagem...
Talvez sejas a pergunta
que em silêncio faço ao vento silente!
Quantas coisas me dizes na quietude,
que eu, demente, doente de amor,
arquiteta da dor, não decifro esses
planos que não são compartilhados.
Quando nada é dito, nada fica combinado.
Num frágil fragmento de silêncio,
tento harmonizar o silêncio e a solidão.
O nosso silêncio tão cortado
pela imagem da ilusão.
Na indagação de gestos tão vários,
há o silêncio
das palavras várias,
com tantas variantes!
E o silêncio, vibrante,
mostra as variáveis
incontroláveis
que me expõem ao avesso
da dor que explode
ao abrir-se em amor...
Então,na tela
fico à espera
da poesia
que há por vir,
que há de ir
com certeza, exprimir
a tua meiguice
e a minha sandice...
E em silêncio a minha poesia começa
onde termina a tua ternura
e prossegue a minha desventura.
Em silêncio...
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Maria Ganzoto da Silva (Uma “ Consoada “ com Manuel Bandeira)


Na obra de Manuel Bandeira a temática da morte é constante. Ele revela uma certa tranqüilidade ao construir um eufemismo na poesia Consoada. O poeta demonstra a aceitação da “Indesejada”, porque a dor de viver é quase sempre insuportável. Constrói uma poesia sem dizer o nome da convidada e nos surpreende ao vermos que sua convivência com a Indesejada é serena.

CONSOADA

QUANDO A INDESEJADA das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
– Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios).
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

Ao contemplarmos o eu lírico de Bandeira aguardando sua convidada, a “iniludível” fica nítido que, apesar do receio inevitável da noite e de seus “sortilégios”, o poeta apresenta sua composição com a idéia de sua própria efemeridade. Afinal, ao ter a “consoada” por sua companheira destina-lhe um justo lugar, em suas concepções pessoais.A biografia de Bandeira nos mostra que também ele viveu, perenemente, sob a sombra da morte. Condenado ainda em sua juventude pelos médicos, fez da Indesejada a sua própria sombra, fazendo-o aceitar e compreender que a vida é uma “...agitação feroz e sem finalidade / Que a vida é traição... ”.

Nota-se uma afinidade de sentimentos entre Bandeira e o francês Baudelaire, que expressou a futilidade da contenção no seu “Remorso Póstumo”: “... porque o túmulo sempre há de entender o poeta / na insônia sepulcral dessas noites sem fim, / Dir-te-á: “de que serviu, cortesã incompleta, / não ter tido o que em vão choram os mortos sós?”/ - E o verme te roerá como um remorso atroz ...”.

Bandeira se esforçou para escapar da sua aproximação mais estreita da morte, fiel companheira retratada em Consoada. Com isto demonstrou possuir uma consciência aguçada de que a condição humana é provisória. Desvairado por ter sido lançada em seu caminho a verdade comum a todos os mortais, Bandeira suplica, em “Renúncia”, “... humildemente a Deus que a faça/ Tua doce e constante companheira ...”. Esta intimidade com a dor e a morte gera uma amizade que é um contentamento amoroso, uma rotina para um homem acompanhado permanentemente da “indesejada das gentes”. Neste sentido podemos afirmar que foi, sim, Bandeira o traidor, pois durante toda sua existência traiu sua perseguidora (a morte) com sua amante fugidia e involuntária (a vida).

E o poeta reconcilia-se com a traída, convidando-a para a Consoada, a princípio temeroso (por não saber se a morte chegaria de maneira dura ou caroável). Aqui, talvez, caiba falar do segundo sentido de consoar, de soar em conjunto, estar de acordo. Assim, consoante com a morte, pode o poeta incluí-la em seu rol de conquistas, que ela se torna não apenas inspiração como também, musa! Foi, afinal, ela quem colaborou com o poeta para que seu campo fosse lavrado com tanta ternura. Foi a morte que plantou a semente, não do poeta, pois (como o próprio afirma no Itinerário de Pasárgada) este já estava em formação, mas, sim de algumas belíssimas obras, que fazem parte, neste receptivo jantar: um cardápio como finas iguarias dispostas ao longo de uma vida que deixou cada coisa em seu lugar.

Em Consoada, Bandeira conseguiu superar as aflições, em um ritual de sedução, em uma confraternização, em um jantar, que é uma das atividades normais da vida.Uniu os princípios da vida e da morte. Ela, a traidora e amante indesejada, sob o mesmo teto, à mesma mesa, em um banquete servido pela poesia em pessoa.
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Fonte:
Portal CEN. http://www.caestamosnos.org/

José Rodrigues de Oliveira (O Cordel na Propaganda)



EPRAMAR - O sossego do fígado e do coração

Este folheto não é
Do Pavão Misterioso
Do Soldado Jogador,
Mas é folheto gostoso,
Vamos falar dum remédio
Pode crer que é milagroso.

EPRAMAR é o dito cujo
Que referências eu dou,
Você toma e fica bom,
Assim diz quem fabricou
Eu digo porque tomei
EPRAMAR, que me curou.

EPRAMAR é para o fígado
Mas serve pro coração
Pois com o fígado doente
Não se ama com paixão
Não se vê mulher bonita
Prá despertar emoção.

Eu agora me recordo
Por isso vou lhe contar,
O caso Zé Amarelo
Que não queria casar
Mas mudou de opinião
Quando tomou EPRAMAR.

Aliás, Zé Amarelo,
Toda doença ele tinha,
Não podia comer queijo,
Bolo de arroz com galinha
Laranja, maçã ou uva,
Charque, feijão ou farinha.

O coitado sempre triste
A sua vista amarela,
Tinha mais barriga inchada
Caroço no nó da goela,
O sangue feito o de jaca
Ou toucinho de mortadela.

Tudo isso era do fígado
Ou da hepática função,
Mas EPRAMAR resolveu
Além desta outra questão
Aliás, a principal,
A questão do coração.

Pois Zé resolveu casar,
Viver só não agüentou,
Deixou de ser vergonhoso
Com mais de dez namorou,
No correr de 15 dias
O nosso herói se casou.

Também com tanta saúde,
Razão de sobra ele tem,
Se sabe que se Deus tarda
Já no caminho Ele vem,
Agradece a EPRAMAR
E a DEUS do CÉU também.

EPRAMAR tem Sorbitol,
Mais Citrato de Colina
Restaura as funções hepáticas
Com a B6 Vitamina
Qualquer Cirrose tem fim
Co´ Adenosina e Metionimna.

Você pode engolir chumbo
Que o fígado não vai sofrer
Pode até solver arsênico
Nada vai acontecer
Desde que o EPRAMAR
Você tenha prá beber.

Qualquer intoxicação
De bebida ou de alimento
Eu lhe receito EPRAMAR
Como bom medicamento
Pois seus componentes são
Para o fígado Cem por Cento.

Quem tem EPRAMAR em casa
Prá família proteger,
E se alguém se intoxicar
Poderemos socorrer,
EPRAMAR está curando
Até quem a bula ler.

Se gostou do meu folheto
Mostre a outro camarada,
Se não gostou, dê a outro
Que encontrar na estrada
Com a ajuda dos amigos
A corrente tá formada.
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Geraldo Magella de Menezes Neto (A literatura de cordel no Pará)



Quando se fala em literatura de cordel a primeira referência que temos é o Nordeste. Logo lembramos os repentistas nordestinos cantando poemas com personagens e temas do Nordeste, como Lampião, Antônio Conselheiro, Antônio Silvino, Padre Cícero, a seca, o cangaço, a guerra de Canudos. Mas o que muitas pessoas desconhecem é que o cordel também se manifestou em outros lugares do Brasil, incorporando novos temas e olhares. Um desses lugares é o Pará, que teve na primeira metade do século XX uma das maiores editoras de folhetos do Brasil, a editora Guajarina.

A tradição do cordel chega ao Pará com a migração nordestina no período do auge da economia da borracha (1870 - 1910). Muitos nordestinos vinham para a Amazônia fugindo da seca e com a perspectiva de enriquecimento com a extração do látex, matéria-prima da borracha. A migração traz também tradições e valores culturais do Nordeste, como as histórias contadas em versos. Essa tradição oral se expande pela Amazônia, principalmente nos grandes núcleos de imigrantes nordestinos, que no Pará se fixavam principalmente no nordeste paraense, na chamada zona bragantina.

Em 1914 o pernambucano Francisco Lopes cria a editora Guajarina para a difusão da literatura de cordel. Os folhetos da Guajarina tiveram grande aceitação, visto que a tradição oral já estava enraizada, tanto a poesia já tradicional da Amazônia, quanto a poesia nordestina. Além de publicar folhetos de poetas famosos do Nordeste, como Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Firmino Teixeira do Amaral e Tadeu Serpa Martins, muitos dos quais sem a autorização de seus autores, a Guajarina publicava folhetos de poetas paraenses e de nordestinos radicados no Pará, como Zé Vicente, Ernesto Vera, Mangerona-Assu, Apolinário de Souza e Arinos de Belém.

Uma particularidade dos poetas paraenses é que, ao contrário dos nordestinos, eles utilizavam pseudônimos. Zé Vicente era o pseudônimo de Lindolfo Mesquita; Ernesto Vera, de Ernani Vieira; Mangerona-Assu, de Romeu Mariz; Arinos de Belém, de José Esteves. A razão disso é que esses poetas, diferentemente dos poetas do Nordeste, não viviam exclusivamente da produção dos folhetos de cordel. O caso mais significativo é o de Zé Vicente. Lindolfo Mesquita era um conhecido jornalista que trabalhou nos jornais Folha do Norte e O Estado do Pará. Durante o Estado Novo foi prefeito da cidade de Vigia e diretor do DEIP (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda). Já Romeu Mariz, além de jornalista, era membro da Academia Paraense de Letras. Como o cordel era mais identificado com as classes populares, esses poetas não queriam que seus verdadeiros nomes fossem associados às classes mais baixas. Contudo, eles assimilaram o modelo da escrita com a linguagem popular em versos e produziram folhetos de muito sucesso.

Além dos temas nordestinos, que tinham grande aceitação, principalmente as histórias sobre Lampião, os folhetos da Guajarina traziam temas locais como o Círio de Nazaré, a interventoria de Magalhães Barata, a vida do seringueiro, e os crimes de grande repercussão. Também devemos acrescentar os folhetos com temas nacionais e internacionais, destacando os folhetos sobre a Revolução de 1930, o Estado Novo, e a Segunda Guerra Mundial. Os folhetos eram verdadeiros jornais populares, informando sobretudo a população das camadas mais baixas, que não tinham acesso aos jornais ou ao rádio.

A Guajarina se localizava em Belém, mas ela tinha uma extensa rede de revendedores: no interior do Pará, em cidades como Santarém e Marabá; na região amazônica, em cidades como Manaus e Rio Branco; e até mesmo no Nordeste, principal centro irradiador da literatura de cordel, em cidades como São Luís, Fortaleza, Teresina, Natal, Juazeiro e Campina Grande. O fato dos folhetos da Guajarina circularem no Nordeste demonstra o sucesso que essa editora teve na primeira metade do século XX.

A editora Guajarina fechou em 1949. Desde então, o Pará não teve outra editora de folhetos de cordel com o mesmo destaque. Apesar disso, os poetas paraenses continuaram a produzir folhetos, muitos de maneira independente. Outros temas passaram a ser abordados como a Ditadura Militar, os conflitos agrários na Amazônia, a morte de Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves, a construção da Transamazônica, a visita do Papa João Paulo II, a corrida do ouro em Serra Pelada, a inflação no governo Sarney, a eleição de Fernando Collor, a morte da missionária Dorothy Stang. Entre os poetas que produzem folhetos de forma independente hoje, temos Antônio Juraci Siqueira, Apolo de Caratateua, João de Castro, Manoel Ilson Feitosa, Paulo Melo, João Bahia.
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Geraldo Magella de Menezes Neto. Graduando em História pela UFPA, bolsista do projeto de pesquisa Literatura de cordel e experiências culturais em Belém do Pará nas primeiras décadas do século XX, coordenado pela Prof. Dra. Franciane Gama Lacerda.
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Fonte:
http://www.ablc.com.br/comercial/comercial.htm

João Dias de Souza Filho (A importância da biblioteca)



Uma biblioteca, sempre é importante. Muito importante. E, é muito importante, na medida em que é circulante e em que é freqüentada. Ou na medida em que seus livros são consultados. Essa importância atinge seu clímax, quando quem cuida do setor é alguém que gosta de ler. Alguém que orienta e sugere leituras. Os bibliotecários das escolas estão sempre disponíveis para o empréstimo de livros e, inclusive para apresentar sugestões, em consonância com interesses de pesquisas, que complementam as informações de salas de aulas.

Ao longo de minha vida profissional, no exercício da missão de professor, trabalhei em unidade escolar do Sesi, onde, entre minhas obrigações, cuidava da biblioteca, dentro de uma missão, muito específica: Curso de Orientação de Leitura. Esse Curso tinha uma missão peculiar, ou seja: os alunos retiravam livros e, depois, ao devolvê-los participavam de reunião, para comentar o livro e tirar dúvidas. Ao lado dessa tarefa, discutia-se muito. Havia, também, tratativa do noticiário da Imprensa.

Anteriormente a essa fase, fui aluno do Estadão. Estive entre os que foram alunos do Professor João Tortelo e, com ele tive uma ampla visão da importância do livro. E, mais. A biblioteca do Estadão era dirigida pelo bibliotecário Adail Odin de Arruda. Ia com freqüência à biblioteca e, com ele, Adail, trocava idéias sobre livros e, muitos dos quais li, sugeridos por ele. Ele era elétrico, rápido no raciocínio. Posteriormente, bem posteriormente, vim, a saber, também, que ele foi um grande maçom, com o mesmo perfil de energia e liderança. É um exemplo e referencial nos meios maçônicos até hoje.

Em Sorocaba não se pode falar de livros, sem que se faça menção ao histórico Gabinete de Leitura Sorocabano, fundado em 13 de janeiro de 1867, por alemães e pelo húngaro Luiz Matheus Maylasky. Interessante o espírito prático do estatuto redigido por ele: poderiam ser sócias, todas as pessoas sem distinção de nacionalidade, de profissão honrada, de bons costumes, maiores de 18 anos. Os menores poderiam ser apresentados pelos pais ou tutores. Estatutariamente observa-se que jornais e dicionários não poderiam sair da sede. Seus fundadores, além de Maylasky, foram: Joaquim Pereira de Castro Vasconcellos, Virgílio Augusto de Aguiar e Manoel F. Lallemant.

O maior historiador de Sorocaba (exemplo consumado de humildade cristã) Aluísio de Almeida, diz em seu livro Sorocaba: três Séculos de História que com a formação dessa primeira diretoria, desaparecia o caráter alemão da sociedade que se tornava nitidamente sorocabana e, é hoje uma das glórias de Sorocaba. Uma das melhores bibliotecas do interior do Estado. Tive honra de ser diretor de biblioteca dessa instituição, quando a mesma foi presidida pelo saudoso mestre e saudoso amigo, Dr. José Pereira Cardoso.

Sorocaba tem atualmente excelente acervo reunido em bibliotecas que se espalham pela cidade, a partir de unidades escolares, além de se dar, também, destaque e referencial em relação àquelas que integram.

Bibliotecas das Universidades e de outras instituições, inclusive, Lojas Maçônicas. Um outro aspecto interessante e de oportunidade, é que no terminal de ônibus da Avenida Afonso Vergueiro, também há um serviço de biblioteca, destinado ao atendimento dos que ali tomam condução. Uma experiência corajosa. Seu êxito depende, e muito, da própria maturidade de seus consultantes. Como modesto observador do cotidiano de Sorocaba, almejamos que o corajoso projeto dê certo.

Esse rápido bosquejo traduz a importância que as bibliotecas têm dentro da comunidade.

Bem a propósito desse tema, há algum tempo, um companheiro de ideal, Paulo Maurício Guimarães de Andrade, escreveu para O Esquadro, afirmando que a Biblioteca antecedeu o próprio livro, através de papiros. A mais antiga data de 2000 anos a.C. Já imaginaram os leitores, o que significa isto, em termos de cultura? Posto isto, consta que essa Biblioteca foi organizada em Mênfis, fundada pelo Rei Osimandias, em 2000, antes do nascimento de Cristo.

A biblioteca tem uma importância histórica. Importância incrível, fantástica e extraordinária. Não obstante a referência à biblioteca de Mênfis, ainda registra-se que a História destaca como a de grande importância, também, a que foi instituída em Alexandria, por Ptolomeu Sóter (General de Alexandre, O Grande). Essa Biblioteca chegou a reunir 700.000 volumes e sofreu três incêndios, um dos quais quando a cidade foi atacada pelas tropas de Júlio César, em 46 antes de Cristo.

No rol deste tema registra-se dentro da modernidade, que a Biblioteca do Congresso Nacional dos Estados Unidos, foi criada em 24 de abril de 1800 e, conta com mais de 110 milhões de itens, dispondo de um quadro de 5.000 funcionários.

Biblioteca dinâmica é sinal visível e de cultura. A afirmação é óbvia em tempos em que se valoriza, resumos. O hábito da leitura não é muito cultivado. O que se quer é resumo. É a esperteza das cópias. A importância da Biblioteca é minimizada, por muitos.

Pesquisas desenvolvidas nessa área levam a registrar que grandes Bibliotecas Públicas existem em Nova York, em Boston e a do Museu Britânico, a Lênin (Moscou), a Nacional de Paris e a do Vaticano. No Brasil, a Biblioteca mais antiga é a Nacional, situada no Rio de Janeiro. Ela foi instituída em 1811 e, seu acervo há alguns anos era de 10 milhões de livros.

Dentro da perspectiva histórica da Biblioteca, destaca-se a do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. É considerada, tecnicamente, uma das maiores do país, no que diz respeito às finanças. E, de grande importância, também, é a do Grande Oriente do Brasil/ Brasília. Segundo consta, esse espaço tem todas as condições de conforto, para os que lá se dirigem para desenvolver trabalhos de pesquisa de temática maçônica.

Ao longo do tempo os Grãos-Mestres Gerais, sensíveis à importância do acervo cultural, têm investido na aquisição de obras que propiciam qualidade à formação de maçons. A Biblioteca é do GOB é digna de sua importância.

Essa Biblioteca tem grande catálogo de editoras especializadas em publicações maçônicas, entre as quais A Trolha, Gazeta Maçônica, Madras e Aurora, totalizando 358 títulos. A este acervo some-se ainda 530, originárias da Kessinger Publications dos Estados Unidos da América, onde estão incluídas obras raríssimas.

Nesse contexto consideram-se a Enciclopédia Britânica e a coleção completa de Os Pensadores, além de dicionários de vários idiomas, entre os quais a Bíblia - a Vulgata - de Jerusalém, além de Livros como o Alcorão e o Torah. Sempre na perspectiva de atender aos que gostam de leitura, há que se considerar no GOB, a coletânea integral de anuários da mais antiga Loja Maçônica de Pesquisa do Mundo, que é a Quatuor Coronati Lodge, de Londres, cujo primeiro volume é do ano de 1886.

De outro lado enfatiza-se a importância de cuidadoso e detalhado trabalho de catalogação, utilizando-se modernas técnicas de comunicação, através da Informática. Todas essas técnicas propiciam um atendimento de longa distância, dentro do contexto de Brasil. A técnica em questão reflete aspecto de modernidade, através da amplitude que se nos oferece a Informática. Essa dinâmica aumentou de forma considerável, a qualidade do atendimento para os que fazem da Cultura fonte inesgotável de conhecimento.

Agora, o que é o óbvio, é que as pessoas não façam desse valioso recurso, oportunidade de mau gosto, o que acaba por implicar o comprometimento de metas de trabalho sério. Muito sério. O que deve fazer é estimular, sempre, a consulta, valorizando-a como fator de qualidade e de crescimento cultural. Esse processo todo tem o grande mérito e condão de ser educativo, propiciando crescimento intelectual e de ordem espiritual. É nesse particular que entra o decisivo papel do Professor, enquanto valioso colaborador do crescimento da sociedade como um todo.

Fazendo um pequeno e breve parênteses na seqüência deste artigo, a figura do Professor deve ser sempre respeitada. Ele é, em nossa opinião, a dinâmica do crescimento e da sedimentação de uma Nação. Infelizmente o professorado não é prestigiado e valorizado como seria uma meta ideal. Sem essa valorização e motivação, o que acaba por ser comprometida é a qualidade do ensino, tendo como vítima primária o aluno. Ao trabalho do professor ao vivo e a cores, a Informática hoje é, também, fator de importância para a Educação.

Na perspectiva deste tema ao lado do Gabinete de Leitura Sorocabano, há que se considerar e destacar, por oportuno e por ser de justiça, a Biblioteca Pública Municipal, que se situa no Alto da Boa Vista, nas proximidades do Palácio dos Tropeiros. Essa Biblioteca é um primor. Dentro da amplitude das obras que se constituem em um acervo de grande importância, some-se, por ser, também de relevância, a qualidade do atendimento.

Por ser de justiça e por propiciar atendimento de qualidade, temos a levar em consideração a Biblioteca Infantil, que funciona na Rua da Penha e, a Biblioteca do Parque Municipal Quinzinho de Barros. Acrescente-se a estas, a da Casa de Aluísio de Almeida, as de nossas Universidades e estabelecimentos de ensino e classistas.

Esse conjunto é um importante instrumental de cultura, disponível à população. Agora, por derradeiro, consideramos o exemplo do Cidadão Pedro Alves de Souza, catador de materiais recicláveis, que recolhe livros do lixo e montou uma Biblioteca e empresta livros para a vizinhança. É exemplo superior de vida. Merece lembrança e homenagem. Por testemunho, exemplo de vida ele sabe, a importância de uma Biblioteca. É assim que se fazem grandes os pequenos. Parabéns.

Fonte:
Notícia publicada na pag.2 do Caderno A, do Jornal Cruzeiro do Sul, em 23/06/2008 e 07/07/2008

sábado, 22 de novembro de 2008

Viegas Fernandes da Costa (O velho, a velha e o violino)



Hoje as lembranças estão confusas e as pernas se enroscam em um tango solitário. Escuto as notícias do dia ao longe, mantra de sangue onde mergulham meus olhos; as mãos, suspensas no ar, caçando suspiros perdidos no éter. Quero parir o poema dorido abortado nos lábios - poema suspiro! Encontro-o na placenta do mundo; ao fundo, as cordas desafinadas de um violino que um dia vi tocado numa praça em Curitiba: dedos rugosos esgravatando sons num tempo conhecidos por aqueles ouvidos setuagenários e que por hora reconhecem apenas o tilintar das pobres moedas ao prato. E a chuva lava meu dia.

Hoje procuro o verso urbano que aquela senhora pendura à sacada: o verbo grafado nos olhos que buscam ao cio. Quero subir as escadas, bater-lhe na porta; a estrada, no entanto, devolve-me à praça e ao violino desafinado e infestado de cupins: gargalha a boca de moles gengivas ao som dos gemidos do arco às cordas. Que toca, desejo saber? Inaudíveis sinfonias, reconhecidas apenas por si. E dança a velhinha a polca imaginária: rotas chinelas, gretados os pés. Carrega consigo tão alvos cabelos, tão pobre vestido, tão poucos desejos. Mira seu homem que toca contente, ternura e lembrança do amante de ontem. Para onde migrarão, depois, tão flácidos corpos? À cama de tábuas, ao estrado de palha?

Busco o alento nas pias batinas ou sob o hábito da freira que me sorri todas as manhãs: os olhos devassos, as mãos e o rosário. É tenra. Escuta minha pele, arranha minha alma; amor nervoso às sombras dos muros. Não é o caso, agora; é claro o dia e os muros, iluminados, refletem sombras passageiras e apressadas. A polca, meu deus! A polca, das pernas de canelas tão finas! Como dançam as pernas e os braços que abraçam o vazio! É praça, e há toda esta multidão de juízes que reconhece a loucura ao ritmo de palmas, balança a cabeça e abandona centavos. Pálida razão de multidão que pasta em nossas cidades.

Há sempre uma história e muitos destinos: violino encontrado na lata de lixo. Sim, e a lembrança das notas fluídas em som, por que não? Arco improvisado, cordas choradas; e a velhinha que chega curiosa, escuta e entende que o dia chegara: há amores tardios. Assim, três eram os destinos - o velho, a velha e o violino - estes que vejo em minhas lembranças confusas. Estão aqui, neste banco que buscam meus olhos, nestes pombos que ciscam o chão, ainda que praça vazia, ainda que mortos se vão. Estão aqui, as mesmas mãos carinhosas, de senhora, que domaram seu rosto magro, tomaram seu corpo ralo, ensinaram-lhe o amor. Por isso sorri o sorriso de velho maluco? Não, de velho feliz, suponho, que conheceu a quentura de dormir abraçado e do passado lembra apenas os muitos violinos que seus dedos já tocaram. Não o reconhecem os músicos da filarmônica por trás de toda aquela barba, por trás de todo aquele riso. Siso, esperam sempre os que de sério se supõem. Não o reconhecem, portanto, em toda aquela praça tão sua, naqueles trapos tão seus. Passam senis, com suas tubas e flautas, suas cordas e percussões, ensimesmados e murchos, olhos no palco buscando aplausos, no anonimato da razão e do conjunto da orquestra. “Quem vai lá - perguntam alguns - com os cabelos desgrenhados?” “O tocador de tuba” – respondem uns, “O que soa a flauta” – afirmam outros. “Quem está cá?” – indago. “O velho do violino e sua velha dançarina” – sabem todos. Estão identificados na identidade do desvario.

Este verso urbano que sempre vi dependurado à sacada, preso às esquinas, esparramado sob os semáforos, diluído nestas lembranças confusas; viu-o esta que ora dança, e soube tomá-lo. Não o velho que meus olhos enxergam, mas de antanho o músico, dos tempos da tez louçã da atraente mulher que era: primeira fileira, poltrona central, suspiros perdidos no palco, naqueles olhos que nunca a viram, nos nervos atentos à música, o corpo teso na cadeira. Como era bonito então! E bonito lhe parece agora, também, porém seu! Dança-lhe de dia, compartilham o pão, a pobreza e a cama, e o recebe, ela, em seu corpo, tais quais arco e violino seus dedos delicados.

Anseio este poema onde busco enternecer-me: choque no concreto. Anseio piegas de chorar baixinho e sentir o alento do sol. Procurava-no ela: o poema e o profeta que roubara seu futuro. Tomou-lhe neste presente que vejo passar, aleatório e espectral, pelas retinas da memória. É bonita esta história que nunca aprendi a contar, que nunca souberam entender: viam apenas a miséria das roupas, o encardido desta que deveria parecer respeitável barba, o desarranjo do som e a flacidez da sua senhora. Sua senhora, enfim! Era tudo que viam, porém - doença, demência e fome - , esta multidão apressada e aprisionada em sua significância de gado. No entanto, a honra do abandonar do dia quando se punham em marcha aos lares infaustas massas dispersadas nas calçadas – tão cansadas! Recolhia seu caixote e seu instrumento, ele; ela, recolhia seu homem ao peito, e caminhavam lentos para onde minhas vontades nunca me levaram: vaga alusão à tragicômica despedida chapliniana. Andar curvado e claudicante, o dele; de princesa altiva, o dela, que conduz um príncipe fatigado e seu violino sustentando sob o braço.

Hoje as lembranças estão confusas e as pernas se enroscam em um tango solitário! Fujo das notícias embebidas em linfa, dos versos de alcovas, dos prazeres em casta carne sob os muros. Tudo que procuro é o alento deste encontro na praça: o velho, a velha e o violino, que já não estão mais. Como também eu há tanto já não estava. Tantos rostos que passam por esta praça. A alguns pergunto para onde foram, mas ninguém nunca os vira. Àquela vendedora de bonés, sim, que também por aqui andava naqueles tempos, que tanto reclamava dos barulhos do violino que lhe afastavam a freguesia, pergunto sobre o casal e seu instrumento, mas apenas me olha com a surpresa e piedade com que se olha para um louco. Então nunca os houve? Nunca houve esta história daquela moça ainda jovem, tão bonita, que sozinha se sentava na platéia para o admirar amoroso do violinista já maduro? Nunca houve esta história do desencontro e do vazio por tantos anos, e da desrazão senil, o esquecimento, deste músico que certo dia mirou no lixo o velho instrumento carcomido, improvisou-lhe as cordas, e foi tocá-lo à praça, numa Curitiba que nunca conhecera? Nunca houve esta senhora de peles flácidas, vestido pobre, finas pernas, a encontrá-lo e reconhecer sob tanta barba e velhice o homem maduro que nunca deixara de amar? Nunca houve assim, tampouco, a polca ao som indefinível de uma sinfonia inteligível apenas aos ouvidos da sua imaginação? Então nunca sentiu nosso músico o calor da carne, as mãos e o prazer daquela sua bailarina? E o alento que este poema urbano – reescrito a cada novo dia, as mesmas roupas, o mesmo som, a mesma dança – me trazia? Também não houve este alento?

“Queria parir o poema dorido abortado nos lábios” – disse-o. Descobri-me este poema abandonado em meio à praça estranhamente vazia. Da sacada, aquela senhora me abana nudez e promessas. Quero subir as escadas, bater-lhe na porta; a estrada, no entanto, devolve-me à praça e ao violino desafinado e infestado de cupins, às moles gengivas, à polca imaginária da sua senhora. Toca para mim, dança para mim! E a chuva lava meu dia...

Blumenau, setembro de 2005.

Fontes:
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/2008/11/o-velho-velha-e-o-violino-viegas.html
Fotomontagem em cima de foto da http://www.fotopg.com.br/

Viegas Fernandes da Costa (1977)


(Blumenau/ SC/ Brasil - 21/02/1977)

Filho do português Carlos Alberto Fernandes da Costa e da brasileira Anneli Fernandes da Costa.

Realizou seus estudos fundamentais e secundários em escolas públicas. Formou-se no curso de Magistério em 1995. Já no ano seguinte começou a trabalhar como professor de Geografia no colégio onde se formara. Em 1997 ingressa na faculdade de História da Universidade Regional de Blumenau, licenciando-se historiador em fevereiro de 2001.

Durante o curso superior participou ativamente do movimento estudantil, sendo um dos fundadores do Movimento Estudantil Independente Rompendo Amarras.

Participou ainda da diretoria do Centro Acadêmico de História (que ajudou a fundar), do Departamento de História e Geografia como representante do corpo discente, do Conselho do Centro de Ciências Humanas e da Comunicação e da comissão que redigiu o projeto do Laboratório de História Oral da FURB.

Também desenvolveu atividades de pesquisa de história regional, e dentre seus orientadores estava a professora Maria Luiza Renaux.

Foi ainda na graduação que iniciou suas leituras do filósofo francês Michel Foucault e começou a estudar a história dos "corpos diferentes".

Como professor, leciona desde os 19 anos, tendo passado por diversas instituições de ensino públicas e privadas, lecionando História, Filosofia, Sociologia, Atualidades e Geografia.

Em 2003 produziu e apresentou, em parceria com Ilze Zirbel e Ricardo Machado, o programa "Freqüência Alternativa", na Rádio Comunitária Fortaleza de Blumenau, dedicado à música brasileira e a entrevistas com artistas, professores e pesquisadores universitários.

Teve seu primeiro poema publicado (Refúgio Escuro) em 1996, na efêmera revista "Top News". Em 1999 teve o conto "A Voz Sem Som" escolhido para integrar a antologia Conto Poesia, publicado pelo Sinergia de Florianópolis. Em 2004 seu poema "Quem Plantou os Cogumelos?" escolhido pela Câmara Brasileira do Jovem Escritor dentre quase seis mil poemas de todo Brasil para integrar a antologia dos 100 melhores poemas de 2004.

Neste mesmo ano realiza intervenções culturais nas praças e ruas de Blumenau juntamente com um grupo de artistas locais. Sua coluna de crônicas é distribuída para milhares de endereços eletrônicos do Brasil e do exterior e seus textos publicados e A editora Hemisfério Sul publica seu primeiro livro, "Sob a Luz do Farol" (crônicas) em 2005.

Bibliografia de Viegas Fernandes da Costa:

Livro:
- SOB A LUZ DO FAROL. Blumenau: Hemisfério Sul, 2005 (Crônicas)

Participação em Antologias:
- Quem Plantou os Cogumelos? (poema). In. PANORAMA LITERÁRIO BRASILEIRO 2004/2005: Poesia: as 100 melhores de 2004. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira do Jovem Escritor, 2004, p. 104.

- Quem Plantou os Cogumelos? (poema). In. ANTOLOGIA DE POETAS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS, v. 1. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira do Jovem Escritor, 2003, p. 64.

- Canto Guajira (poema). In. PAINEL BRASILEIRO DE NOVOS TALENTOS, v. 20. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira do Jovem Escritor, 2003, p. 64-65.

- A Voz Sem Som (conto) In. CONTO POESIA: 3º Concurso Literário: Florianópolis: Sinergia, 1999, p. 47-54.

Artigos em Revistas Especializadas

- A Arte e a História da Arte: Caminhos e Descaminhos na Pós-Modernidade. In. REVISTA DE DIVULGAÇÃO CULTURAL. Ano 24, nº 76, Blumenau, janeiro/abril, 2002, p. 56 - 59.

- Um Projeto de Nação: O Discurso de Afonso Balsini. In. BLUMENAU EM CADERNOS. Tomo XLII, nº 5/6, Blumenau, maio/junho, 2001, p. 73 - 82.

- Concurso de Robustez Infantil: Um olhar sobre a política eugenista em Blumenau. BLUMENAU EM CADERNOS. Tomo XL, nº 5, Blumenau, maio, 1999, p. 47 - 54.

Fontes:
http://viegasdacosta.hpg.ig.com.br/biografia.htm
Foto = http://www.verdestrigos.org/

Humberto de Campos (A "Festa dos Ovos")



O último número do "Pathé-Journal", que está sendo exibido em um dos nossos cinemas, registra, entre outros acontecimentos curiosos, a chamada "Festa dos Ovos", levada a efeito recentemente em Wilkes Barre, nos Estados Unidos.

Entre os divertimentos populares dessa pequena cidade da Pensilvânia, está esse, que é, realmente, pitoresco. Em um parque das redondezas, são escondidos cuidadosamente, nos ramos das árvores, nas raízes, na cavidade das pedras, nos montes de folhas e nos tufos de relva, milhares de ovos, que devem ser descobertos pela criançada das escolas. Conduzida, este ano, ao parque, e dado o sinal, a pequenada composta de sete mil colegiais, dispersou-se pela enorme planície arborizada, à procura dos vinte e cinco mil ovos escondidos. E era de ver a algazarra, o tumulto, a alegria bulhenta, com que aquele exército de crianças se lançava em todos os rumos, na ânsia de fazer a maior colheita possível!

O comendador Inocêncio Coutinho havia estado, anteontem, com a sua jovem esposa, D. Odaléa, no conhecido cinema da Avenida, e gozado, em gargalhadas enormes, o interessante episódio de Wilkes Barre, quando resolveu, ontem, reproduzi-lo em família, para afugentar, bonacheirão, o tédio da sua encantadora companheira. Com esse intuito, saiu ele do Banco de que é diretor e, dirigindo-se a uma quitanda das proximidades, adquiriu, aí, três ovos, que escondeu, cuidadosamente acondicionados, no forro do chapéu. Chegado à casa, foi gritando, logo, do vestíbulo:

- Sinhazinha? Ó Sinhazinha? Sinhazinha? Vem cá!

A esposa acorreu, displicente, e o comendador convidou, feliz, num riso largo, ingênuo, bonachão:

- Vamos fazer a "festa dos ovos"? Olha: eu comprei uns ovos, e os escondi, comigo. Se os encontrares, como as crianças do cinema, ganharás um colar novo, de pérolas, para as festas do Rei. Está feito?

Incentivada pela idéia do prêmio, a linda senhora atirou-se, sorrindo, à procura dos objetos que o esposo ocultara. Lépida, risonha, barulhenta como uma colegial, meteu as mãozinhas de neve nos fundos bolsos do marido, remexeu-lhe a bainha da calça, examinou-lhe a manga do casaco, passou, em suma, no comendador, uma revista completa.

E não os achou, a infeliz!...

Fontes:
http://www.biblio.com.br
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http://www.oesteinforma.com.br

Antonio Feijó (A Lenda dos Cysnes)


António Joaquim de Castro Feijó (Ponte de Lima, 1 de Junho de 1859 – Estocolmo, 20 de Junho de 1917) foi um poeta e diplomata português.

Fez os estudos liceais em Braga e estudou Direito na Universidade de Coimbra terminando o curso em 1883.

Em 1886 ingressou na carreira diplomática.

Exerceu cargos no Brasil (consulados de Pernambuco e Rio Grande do Sul) e, a partir de 1895, na Suécia, bem como na Noruega e Dinamarca.

Casou em 24 de Setembro de 1900 com a sueca Maria Luisa Carmen Mercedes Joana Lewin (nascida em 19 de Agosto de 1878), cuja morte prematura, em 21 de Setembro de 1915, o viria a influenciar numa temática fúnebre, patente na sua obra

Como poeta, António Feijó é habitualmente ligado ao Parnasianismo.

Principais obras
Transfigurações, 1862
Líricas e Bucólicas, 1884
Cancioneiro Chinês, 1890
Ilha dos Amores, 1897
Bailatas, 1907
Sol de Inverno, 1922
Novas Bailatas, 1926
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O Lago dos Cisnes (pintura de Elisabete Abreu)
À Julio Dantas
Gedulde Dich, stilles, hoffendes Herze! Was Dir im Leben versagt
ist, weil Du es nicht ertragen könntest, giebt Dir der Augenblick
Deines Todes.
Herder.

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Da praia longinqua, na areia doirada,
O Cysne pensava, fitando a Alvorada:

— «Que immensa ventura, na minha mudez,
Se dado me fôsse cantar uma vez!»

— «Meu canto seria, na luz do arrebol,
Dos hymnos mais altos á gloria do Sol...»

Não é das gaivotas e gansos do lago
O canto que em sonhos ardentes afago;

É quando nos bosques as aves escuto
Que a inveja confrange minh'alma de luto.

Se a Aurora se lança do cume dos montes,
Até d'alegria murmuram as fontes;

Só eu, passeando o meu tedio supremo,
Nem rio, nem choro, nem canto, nem gemo.

Oh Sol, que já vejo surgindo do Mar,
Tem dó de quem, mudo, não pode cantar!»--

E o Cysne, em silencio, chorava, escutando
A orchestra das aves que passam em bando.

Das aguas rompia a quadriga d'Apollo,
E o pobre a cabeça escondia no collo...

Mas Phebo detem-se nas nuvens ao vê-lo,
Com feixes de raios no fulvo cabello,

E diz-lhe, sorrindo, n'um halo de fogo:
— «No Olympo sagrado ouviu-se o teu rogo...»--

E nesse momento a Lyra Sem Par,
Da mão luminosa deixou resvalar...

O Cysne, orgulhoso da graça divina,
Da Lyra d'Apollo as cordas afina,

E rompe cantando... Calaram-se as fontes,
Calaram-se as aves... As urzes dos montes

Tremiam de goso a ouvi-lo cantar...
E o vento sonhava na espuma do Mar.

O Cysne cantava, tirando da Lyra
Um hymno que nunca na terra se ouvira;

Não pára, nem sente, na sua emoção,
Que a vida lhe foge naquella canção.

Mas quando, entre nuvens, a tarde cahia
No enlevo do canto que a essa hora gemia,

E Apollo no seio de Thetis desceu,
O pobre do Cysne, cantando, morreu...

Gemeram as aves; choraram as fontes;
Torceu-se nas hastes a giesta dos montes,

E o mar soluçava na tarde sombria,
Que o manto de luto com astros tecia.

Sollicita espera-o, das aguas á beira,
Do Cysne, já morto, fiel companheira;

Espera que o Esposo de prompto regresse,
Mas treme e suspira, que a Noite já desce...

As aguas luzentes parecem-lhe, ao vê-las,
Um panno d'enterro picado d'estrellas.

Então, no seu luto, sentindo que morre,
Oceanos e praias distantes percorre;

Mergulha nas aguas, colleia nas ondas,
Espreita as galeras de velas redondas,

Que ao longe parece que vão a voar...
E o Cysne não volta, não pode voltar!

Chorosa viuva, nas aguas deslisa,
Levada na fresca salsugem da brisa...

No seu abondono nem sente canseira;
Caminha, caminha, fiel companheira,

Chorando o perdido, desfeito casal...
Tão funda era a mágoa, tão grande o seu mal,

Que o peito sentindo de dor estalar,
— De dor e d'angustia começa a cantar!

E canta com tanta ternura e paixão,
Que a Vida lhe foge naquella canção.

As aves despertam; calaram-se as fontes;
Nas hastes tremiam as urzes dos montes;

A Lua escutava; detinha-se a Aurora,
E as vagas gemiam no vento que chora...

Na terra, no espaço, nos astros, no ceu,
Mais alta harmonia ninguem concebeu;

E os Deuses recebem, ouvindo-a, a chorar,
A alma do Cysne que expira a cantar...

Desde esse momento, no Olympo onde entraram,
Em honra dos Cysnes que tanto se amaram,

Das almas que foram leaes e sinceras,
Se Venus se mostra, surgindo da bruma,
São elles que tiram, nas altas espheras,
A concha de nácar, cercada de espuma...

Fonte:
http://pt.wikisource.org/
Pintura = http://www.elisabeteabreuartes.com

Manuel Botelho de Oliveira (À Ilha de Maré)



Manuel Botelho de Oliveira (Salvador, 1636 — Salvador, 5 de janeiro de 1711) foi um advogado, político e um poeta barroco brasileiro. Foi o primeiro autor nascido no Brasil a ter um livro publicado.

Cursou Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal. De volta ao Brasil, passou a exercer a advocacia e se elegeu vereador da Câmara de Salvador. Em 1694 tornou-se capitão-mor dos distritos de Papagaio, Rio do Peixe e Gameleira, cargo obtido em função de empréstimo de 22 mil cruzados para a criação da Casa da Moeda, na Bahia.

Manuel Botelho de Oliveira conviveu com Gregório de Matos e versou sobre os temas correntes da poesia de seu tempo.

A sua primeira obra impressa foi Hay amigo para amigo escrita em 1663 e publicada em Coimbra. Sua principal obra é a coletânea de poemas Música do Parnaso, escrita em 1705 e publicado em Lisboa, tornando-o o primeiro autor nascido no Brasil a ter um livro impresso. Na obra, destaca-se o poema À Ilha Maré, com vocabulário típico dos barrocos, e um dos primeiros a louvar a terra e descrever com esmero a variedade de frutos e legumes brasileiros, lembrando sempre a inveja que fariam às metrópoles européias.
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À ILHA DE MARÉ TERMO DESTA CIDADE DA BAHIA

Jaz oblíqua forma e prolongada
a terra de Maré toda cercada
de Netuno, que tendo o amor constante,
lhe dá muitos abraços por amante,
e botando-lhe os braços dentro dela
a pretende gozar, por ser mui bela.

Nesta assistência tanto a senhoreia,
e tanto a galanteia,
que, do mar, de Maré tem o apelido,
como quem preza o amor de seu querido:
e por gosto das prendas amorosas
fica maré de rosas,
e vivendo nas ânsias sucessivas,
são do amor marés vivas;
e se nas mortas menos a conhece,
maré de saudades lhe parece.

Vista por fora é pouco apetecida,
porque aos olhos por feia é parecida;
porém dentro habitada
é muito bela, muito desejada,
é como a concha tosca e deslustrosa,
que dentro cria a pérola fermosa.

Erguem-se nela outeiros
com soberbas de montes altaneiros,
que os vales por humildes desprezando,
as presunções do Mundo estão mostrando,
e querendo ser príncipes subidos,
ficam os vales a seus pés rendidos.

Por um e outro lado
vários lenhos se vêem no mar salgado;
uns vão buscando da Cidade a via,
outros dela se vão com alegria;
e na desigual ordem
consiste a fermosura na desordem.


Os pobres pescadores em saveiros,
em canoas ligeiros,
fazem com tanto abalo
do trabalho marítimo regalo;
uns as redes estendem,
e vários peixes por pequenos prendem;
que até nos peixes com verdade pura
ser pequeno no Mundo é desventura:
outros no anzol fiados têm
aos míseros peixes enganados,
que sempre da vil isca cobiçosos
perdem a própria vida por gulosos.

Aqui se cria o peixe regalado
com tal sustância, e gosto preparado,
que sem tempero algum para apetite
faz gostoso convite,
e se pode dizer em graça rara
que a mesma natureza os temperara.
Não falta aqui marisco saboroso,
para tirar fastio ao melindroso;
os polvos radiantes,
os lagostins flamantes,
camarões excelentes,
que são dos lagostins pobres parentes;
retrógrados cranguejos,
que formam pés das bocas com festejos,
ostras, que alimentadas
estão nas pedras, onde são geradas;
enfim tanto marisco, em que não falo,
que é vário perrexil para o regalo.

As plantas sempre nela reverdecem,
e nas folhas parecem,
desterrando do Inverno os desfavores,
esmeraldas de Abril em seus verdores,
e delas por adorno apetecido
faz a divina Flora seu vestido.

As fruitas se produzem copiosas,
e são tão deleitosas,
que como junto ao mar o sítio é posto,
lhes dá salgado o mar o sal do gosto.

As canas fertilmente se produzem,
e a tão breve discurso se reduzem,
que, porque crescem muito,
em doze meses lhe sazona o fruito,
e não quer, quando o fruto se deseja,
que sendo velha a cana, fértil seja.

As laranjas da terra
poucas azedas são, antes se encerra
tal doce nestes pomos,
que o tem clarificado nos seus gomos;
mas as de Portugal entre alamedas
são primas dos limões, todas azedas.

Nas que chamam da China
grande sabor se afina,
mais que as da Europa doces, e melhores,
e têm sempre a ventagem de maiores,
e nesta maioria,
como maiores são, têm mais valia.

Os limões não se prezam,
antes por serem muitos se desprezam.
Ah se Holanda os gozara!
Por nenhuma província se trocara.

As cidras amarelas
caindo estão de belas,
e como são inchadas, presumidas,
é bem que estejam pelo chão caídas.

As uvas moscatéis são tão gostosas,
tão raras, tão mimosas;
que se Lisboa as vira, imaginara
que alguém dos seus pomares as furtara;
delas a produção por copiosa
parece milagrosa,
porque dando em um ano duas vezes,
geram dous partos, sempre, em doze meses.

Os melões celebrados
aqui tão docemente são gerados,
que cada qual tanto sabor alenta,
que são feitos de açúcar, e pimenta,
e como sabem bem com mil agrados,
bem se pode dizer que são letrados;
não falo em Valariça, nem Chamusca:
porque todos ofusca
o gosto destes, que esta terra abona
como próprias delícias de Pomona.

As melancias com igual bondade
são de tal qualidade,
que quando docemente nos recreia,
é cada melancia uma colmeia,
e às que tem Portugal lhe dão de rosto
por insulsas abóboras no gosto.

Aqui não faltam figos,
e os solicitam pássaros amigos,
apetitosos de sua doce usura,
porque cria apetites a doçura;
e quando acaso os matam
porque os figos maltratam,
parecem mariposas, que embebidas
na chama alegre, vão perdendo as vidas.

As romãs rubicundas quando abertas
à vista agrados são, à língua ofertas,
são tesouro das fruitas entre afagos,
pois são rubis suaves os seus bagos.

As fruitas quase todas nomeadas
são ao Brasil de Europa trasladadas,
por que tenha o Brasil por mais façanhas
além das próprias fruitas, as estranhas.

E tratando das próprias, os coqueiros,
galhardos e frondosos
criam cocos gostosos;
e andou tão liberal a natureza
que lhes deu por grandeza,
não só para bebida, mas sustento,
o néctar doce, o cândido alimento.

De várias cores são os cajus belos,
uns são vermelhos, outros amarelos,
e como vários são nas várias cores,
também se mostram vários nos sabores;
e criam a castanha,
que é melhor que a de França, Itália, Espanha.

As pitangas fecundas
são na cor rubicundas
e no gosto picante comparadas
são de América ginjas disfarçadas.
As pitombas douradas, se as desejas,
são no gosto melhor do que as cerejas,
e para terem o primor inteiro,
a ventagem lhes levam pelo cheiro.

Os araçazes grandes, ou pequenos,
que na terra se criam mais ou menos
como as pêras de Europa engrandecidas,
com elas variamente parecidas,
de várias castas marmeladas belas.

As bananas no Mundo conhecidas
por fruto e mantimento apetecidas,
que o céu para regalo e passatempo
liberal as concede em todo o tempo,
competem com maçãs, ou baonesas
com peros verdeais ou camoesas.

Também servem de pão aos moradores,
se da farinha faltam os favores;
é conduto também que dá sustento,
como se fosse próprio mantimento;
de sorte que por graça, ou por tributo,
é fruto, é como pão, serve em conduto.

A pimenta elegante
é tanta, tão diversa, e tão picante,
para todo o tempero acomodada,
que é muito aventajada
por fresca e por sadia
à que na Asia se gera, Europa cria.

O mamão por freqüente
se cria vulgarmente,
e não o preza o Mundo,
porque é muito vulgar em ser fecundo.
O marcujá também gostoso e frio
entre as fruitas merece nome e brio;
tem nas pevides mais gostoso agrado,
do que açúcar rosado;
é belo, cordial, e como é mole,
qual suave manjar todo se engole.

Vereis os ananases,
que para rei das fruitas são capazes;
vestem-se de escarlata
com majestade grata,
que para ter do Império a gravidade
logram da croa verde a majestade;
mas quando têm a croa levantada
de picantes espinhos adornada,
nos mostram que entre Reis, entre Rainhas
não há croa no Mundo sem espinhas.

Este pomo celebra toda a gente,
é muito mais que o pêssego excelente,
pois lhe leva aventagem gracioso
por maior, por mais doce, e mais cheiroso.

Além das fruitas, que esta terra cria,
também não faltam outras na Bahia;
a mangava mimosa
salpicada de tintas por fermosa,
tem o cheiro famoso,
como se fora almíscar oloroso;
produze-se no mato
sem querer da cultura o duro trato,
que como em si toda a bondade apura,
não quer dever aos homens a cultura.

Oh que galharda fruita, e soberana
sem ter indústria humana,
e se Jove as tirara dos pomares,
por ambrósia as pusera entre os manjares!

Com a mangava bela a semelhança
do macujé se alcança;
que também se produz no mato inculto
por soberano indulto:
e sem fazer ao mel injusto agravo,
na boca se desfaz qual doce favo.

Outras fruitas dissera, porém, basta
das que tenho descrito a vária casta;
e vamos aos legumes, que plantados
são do Brasil sustentos duplicados:
os mangarás que brancos, ou vermelhos,
são da abundância espelhos;
os cândidos inhames, se não minto,
podem tirar a fome ao mais faminto.

As batatas, que assadas, ou cozidas
são muito apetecidas;
delas se faz a rica batatada
das Bélgicas nações solicitada.

Os carás, que de roxo estão vestidos,
são lóios dos legumes parecidos,
dentro são alvos, cuja cor honesta
se quis cobrir de roxo por modesta.

A mandioca, que Tomé sagrado
deu ao gentio amado,
tem nas raízes a farinha oculta:
que sempre o que é feliz, se dificulta.

E parece que a terra de amorosa
se abraça com seu fruto deleitosa;
dela se faz com tanta atividade
a farinha, que em fácil brevidade
no mesmo dia sem trabalho muito
se arranca, se desfaz, se coze o fruito;
dela se faz também com mais cuidado
o beiju regalado,
que feito tenro por curioso amigo
grande ventagem leva ao pão de trigo.

Os aipins se aparentam
coa mandioca, e tal favor alentam,
que tem qualquer, cozido, ou seja assado,
das castanhas da Europa o mesmo agrado.

O milho, que se planta sem fadigas,
todo o ano nos dá fáceis espigas,
e é tão fecundo em um e em outro filho,
que são mãos liberais as mãos de milho.

O arroz semeado
fertilmente se vê multiplicado;
cale-se de Valença, por estranha
o que tributa a Espanha,
cale-se do Oriente
o que come o gentio, e a lísia gente;
que o do Brasil quando se vê cozido
como tem mais substância, é mais crescido.
Tenho explicado as fruitas e legumes,
que dão a Portugal muitos ciúmes;
tenho recopilado
o que o Brasil contém para invejado,
e para preferir a toda a terra,
em si perfeitos quatro AA encerra.
Tem o primeiro A, nos arvoredos
sempre verdes aos olhos, sempre ledos;
tem o segundo A, nos ares puros
na tempérie agradáveis e seguros;
tem o terceiro A, nas águas frias,
que refrescam o peito, e são sadias;
o quatro A, no açúcar deleitoso,
que é do Mundo o regalo mais mimoso.

São pois os quatro AA por singulares
Arvoredos, Açúcar, Águas, Ares.
Nesta ilha está mui ledo, e mui vistoso
um Engenho famoso,
que quando quis o fado antigamente
era Rei dos engenhos preminente,
e quando Holanda pérfida e nociva
o queimou, renasceu qual Fênix viva.

Aqui se fabricaram três capelas
ditosamente belas,
uma se esmera em fortaleza tanta,
que de abóbada forte se levanta;
da Senhora das Neves se apelida,
renovando a piedade esclarecida,
quando em devoto sonho se viu posto
o nevado candor no mês de agosto.

Outra capela vemos fabricada,
A Xavier ilustre dedicada,
que o Maldonado Pároco entendido
este edifício fez agradecido
a Xavier, que foi em sacro alento
glória da Igreja, do Japão portento.

Outra capela aqui se reconhece,
cujo nome a engrandece,
pois se dedica à Conceição sagrada
da Virgem pura sempre imaculada,
que foi por singular e mais fermosa
sem manchas lua, sem espinhos rosa.

Esta Ilha de Maré, ou de alegria,
que é termo da Bahia,
tem quase tudo quanto o Brasil todo,
que de todo o Brasil é breve apodo;
e se algum-tempo Citeréia a achara,
por esta sua Chipre desprezara,
porém tem com Maria verdadeira
outra Vênus melhor por padroeira.

Fontes:
http://pt.wikisource.org/
Imagem = http://seletun.blogspot.com/

Humberto de Campos (O Poliglota)

Achava-se Emílio de Menezes em uma roda da Pascoal, quando chegou um amigo e apresentou-lhe um rapaz que vinha em sua companhia:

— Apresento-te Fulano; é nosso patrício e tem corrido o mundo inteiro. Fala corretamente o inglês, o francês, o italiano, o espanhol, o alemão.

O rapaz sorria, modesto, ante os elogios e a palestra voltou ao que era. Ao fim de uma hora, durante a qual apenas proferiu alguns monossílabos, o viajante despediu-se, e se foi embora.

— Que tal esse camarada? — perguntou a Emílio um dos da roda.

— Inteligentíssimo e, sobretudo, muito criterioso, — opinou o rei dos boêmios.

— Mas, ele não disse palavra.

— Pois, por isso mesmo, — tornou Emílio.

E rindo:

— Você não acha que é ter talento saber ficar calado em seis línguas diferentes?

Fonte:
CAMPOS, Humberto de. Brasil Anedótico. http://www.dominiopublico.gov.br