segunda-feira, 27 de abril de 2009

Raimundo Faoro (1925 – 2003)



Raimundo Faoro (Vacaria, 27 de abril de 1925 — Rio de Janeiro, 15 de maio de 2003) foi um escritor, advogado, cientista político e historiador brasileiro. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de 1977 a 1979. Conhecido como O Embaixador da Cidadania.

Raymundo Faoro nasceu em Vacaria, nono distrito, (RS), em 27 de abril de 1925. Faleceu no Rio de Janeiro em 15 de maio de 2003.

Filho de agricultores, depois de 1930 sua família mudou-se para a cidade de Caçador (SC). Lá fez o curso secundário, no Colégio Aurora. Formou-se em Direito, em 1948, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Transferiu-se, em 1951, para o Rio de Janeiro, onde advogou e fez concurso para a Procuradoria do Estado, de onde se aposentou.

Colaborou na imprensa desde o tempo de estudante universitário. Co-fundador da revista Quixote, em 1947, escreveu para diversos jornais do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Além de jurista, foi um dos mais importantes cientistas sociais brasileiros, autor de ensaios de direito e ciências humanas. Referência obrigatória na teoria política do Brasil contemporâneo, Faoro conquistou o respeito dos intelectuais do país através de suas análises críticas do Estado, que contribuíram para o desenvolvimento da literatura crítica nacional.

Seus leitores mais críticos (entre os quais Mino Carta e Bob Fernandes) lhe atribuíram dons proféticos. Em Os donos do poder, publicado em 1958, analisou a formação do patronato brasileiro e buscou as raízes de uma sociedade na qual o poder público é exercido, e usado, como se fosse privado. É um teorema que Faoro demonstrou percorrendo a história luso-brasileira dos seus primórdios até Getúlio Vargas e antecipando os rumos seguintes. Em enquete feita pela revista Veja com os principais intelectuais brasileiros, este ensaio foi incluído entre os vinte livros mais importantes já publicados por autores brasileiros.

No ensaio A pirâmide e o trapézio, publicado primeiramente em 1974 (mesmo ano da reedição revista e ampliada de Os donos do poder), Faoro interpretou com mestria e originalidade a obra de Machado de Assis, cuja mensagem está na dissecação da sociedade da capital do país no final do século XIX. Ao escrever seu ensaio levou em conta os estudos machadianos até o início dos anos 70, dialogando especialmente com Augusto Meyer, Eugênio Gomes, Astrogildo Pereira, Raimundo Magalhães Jr., e também Sílvio Romero.

Este vasto estudo sobre Machado de Assis pode ser visto como uma continuidade e um complemento do ensaio anterior. Seu grande objeto de estudo era ainda o Brasil, pois pretendia captar a vida que Machado de Assis infundiu em seus personagens e ao Brasil, o funcionamento concreto e cotidiano da ação dos donos do poder e seus agregados, a presença dos valores e da ideologia, os vícios e as virtudes, a constrição das instituições (família, Estado, igreja), os preconceitos, o amplo e variadíssimo jogo da vida social e individual.

Foi presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, de 1977 a 1979. Lutou pelo fim dos Atos Institucionais e ajudou a consolidar o processo de abertura democrática nos anos 70. Com ele a sede da OAB, no Rio, transformou-se num front de resistência pacífica contra o regime militar. Partiu de lá a primeira grande denúncia circunstanciada contra a tortura de presos políticos. No governo João Figueiredo lutou pela anistia ampla, geral e irrestrita. Com a anistia e a retomada das liberdades políticas, a casa de Faoro nas Laranjeiras tornou-se lugar de encontro de políticos como Tancredo Neve e Luís Inácio Lula da Silva. Este propôs, sem sucesso, que Faoro entrasse na disputa presidencial em 1989, como candidato a vice-presidente.

Desde o momento em que deixou a OAB, foi colaborador permanente da revista Senhor (segunda fase), inspirador e parceiro na revista IstoÉ e no Jornal da República, das quais foi presidente. Colaborou também na revista Carta Capital.

Recebeu o Prêmio José Veríssimo, da Academia Brasileira de letras (1959); Prêmio Moinho Santista - Ciências Sociais -1978 (foi o terceiro premiado, depois de Fernando de Azevedo e Gilberto Freyre); Medalha Teixeira de Freitas, do Instituto dos Advogados do Brasil.

Faleceu vítima de enfisema pulmonar, aos 78 anos, no Rio de Janeiro, velado na ABL e enterrado no Cemitério São João Batista.

Formação histórico-social brasileira

Raimundo Faoro é autor de Os donos do poder, obra que aponta o período colonial brasileiro como a origem da corrupção e burocracia no país, colonizado por Portugal, então um Estado absolutista. De acordo com o autor, toda a estrutura patrimonialista foi trazida para cá. No entanto, enquanto isso foi superado em outros países, acabou sendo mantido no Brasil, tornando-se a estrutura de nossa economia política.

Nesta sua concepção de Estado patrimonialista, Faoro coloca a propriedade individual como sendo concedida pelo Estado, caracterizando uma "sobrepropriedade" da coroa sobre seus súditos e também este Estado sendo regido por um soberano e seus funcionários. O autor assim nega a existência de um regime propriamente feudal nas origens do Estado brasileiro. O que caracteriza o regime feudal é a existência da vassalagem intermediando soberano e súditos e não de funcionários do estado, como pretende Faoro.

Desenvolvendo seu raciocínio, Faoro conclui que o que se teve no Brasil foi um capitalismo politicamente orientado, conceito este de inspiração weberiana. Negando-se em atribuir um papel hipostasiado à economia com relação à política, Faoro vê em seu país uma forma pré-capitalista. Esta característica pré-capitalista, no entanto, ainda será entendida no interior do pensamento weberiano em que capitalismo é definido como uma aquisição racional de lucros burocraticamente organizada, diferente do capitalismo politicamente orientado em que tal aquisição será direcionada por interesses dos Estado e da sua concorrência com outros estados. Destacando-se da análise da dialética marxista, esta forma de capitalismo não irá inevitavelmente desembocar numa forma de capitalismo mais avançado, mas poderá perpetrar-se na medida em que coexiste com formas racionais de organização da produção.

O capitalismo politicamente orientado atribui ao Estado patrimonial e seus funcionários características de um estamento burocrático, ainda que este impeça a consolidação de uma ordem burguesa propriamente dita no país.

Foi o quinto ocupante da cadeira número 6 da Academia Brasileira de Letras, tendo sido eleito em 23 de novembro de 2000, na sucessão de Barbosa Lima Sobrinho, e recebido pelo acadêmico Evandro Lins e Silva em 17 de setembro de 2002.

Bibliografia
Os donos do poder. Porto Alegre, Editora globo, 1958.
Machado de Assis - A pirâmide e o trapézio. Rio de Janeiro, 1975.
A Assembléia Constituinte - A legitimidade recuperada. Rio de Janeiro, Brasiliense, 1980.
Existe um pensamento político brasileiro?. Rio de Janeiro, Editora Ática, 1994.
Publicou também obras de direito e ciências humanas.

Fontes:
Academia Brasileira de Letras. http:// http://www.academia.org.br/
http://pt.wikipedia.org
http://www.brasilescola.com/

domingo, 26 de abril de 2009

Abel Botelho (A Fritada)

Aldeia de Aveloso, freguesia de Tendais
Este conto, incluído na coletânea intitulada “Mulheres da Beira” (publicada pela primeira vez em 1888), tem como cenário principal a aldeia de Aveloso, da freguesia de Tendais. É uma viagem por vários planos e espaços: o de uma certa consciência social que o autor quis argumentar através das personagens que criou, o de uma imagem da serra grandiosa e estéril, subitamente acordada e atordoada pela chegada dos gados transumantes, fenômeno hoje extinto. A imagem de uma aldeia sombria, triste e pobre, onde os senhores da Casa Grande deixavam entrever o modelo de poder que Botelho repudiava para o País, e a súbita chegada dos gados com enfeites multicores vindos cordilheira da Estrela, deve ter suscitado no autor uma profunda impressão, pela forma como se demora na descrição minuciosa dos pormenores, deixando de fora, com certeza propositadamente, a descrição do Cortejo e da Família Real entrando em Lamego.

Por isso, o seu espírito realista e positivista transformou o que poderia ser apenas mais uma novela social num impressionante documento histórico e uma miscelânea de apontamentos geográficos e etnográficos. Conhecedor, e com certeza frequentador dos caminhos da região (Botelho casara com uma senhora da nobreza de Cinfães tendo permanecido algum tempo em Arouca onde fizera prospecções geográficas a serviço do Exército), o escritor relatou minuciosamente vários percursos todos longe da ficção, dos quais se destaca o de Lamego a Aveloso, espinha dorsal da acção, e que atravessa o maciço de Montemuro. Impensável, pois, que A. Botelho nunca houvesse calculado os planos que descreve, os picos e planaltos da serra, ou apenas o tivesse feito uma única vez.

As suas anotações de locais, como a Alagoa de D. João, o Talegre, a enumeração que faz de pontos de orientação e as distâncias que parece conhecer de forma precisa (como as léguas que separam Aveloso de Tendais) fazem de “A Fritada” quase um estudo minucioso das relações sociais e de espaço privilegiados dos viajantes pela serra

Fonte:
Nuno Resende. http://montemuro.wordpress.com/

Abel Botelho (1855 – 1917)


Abel Acácio de Almeida Botelho (Tabuaço, 23 de Setembro de 1855 — Argentina, 24 de Abril? de 1917) foi um militar, e diplomata português, destacou-se também como escritor. Representante em Portugal do realismo extremo, conhecido como Naturalismo, escreveu, entre outros, o O Barão de Lavos e O Livro de Alda, os dois primeiros títulos da série Patologia Social.

Abel Botelho nasceu em Tabuaço, pequena vila da Beira Alta, a 23 de outubro de 1856, e faleceu em Buenos Aires, como ministro da República Portuguesa, em 1917. Iniciando-se na carreira das armas como simples soldado raso, foi galgando os mais altos postos do Exército, tendo chegado a Coronel. Entre outras funções, exerceu a chefia do Estado Maior da Primeira Divisão Militar (Lisboa). Pertenceu a várias agremiações (Academia das Ciências, Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses, de Lisboa e do Porto, Associação da Imprensa, Sociedade Geográfica de Lisboa, etc.), e foi como um dos delegados dessa última agremiação que esteve em São Paulo, em 1910, por ocasião de um congresso de Geografia. Em 1911 é nomeado ministro da República em Buenos Aires, onde falece em 1917. Sua carreira literária, começou-a em 1885, com um livro de versos chamado "Lira Insubmissa".

No ano seguinte, lança "Germano", drama em cinco atos, em verso. Proposta à direção do teatro Nacional, esta peça foi recusada. Originou-se uma polêmica, por causa do artigo que Abel Botelho dirige aos responsáveis por sua não aceitação. Daí por diante escreverá outras peças de teatro: "Jacunda" (comédia em três atos; 1895), "Claudina" (estudo duma neurótica; comédia em três atos, representada no Teatro do Príncipe Real de Lisboa, na festa artística da atriz Lucinda Simões, a 18 de março de 1890), "Vencidos da Vida" (peça satírica, representada a 23 de março de 1892 no Teatro do Ginásio; três atos), "Parnaso" (peça lírica, em verso, em um ato, escrita para a récita de estudantes, em benefício da Caixa de Socorros a Estudantes Pobres, realizada no Teatro de São Carlos, em 3 de maio de 1894), "Fruta do Tempo" (comédia, escrita para a atriz Lucinda Simões; 1904). Sendo de assunto no geral escabroso, delicado, como pedia o Naturalismo, essas peças causavam agitação, especialmente "Imaculável", que terminou em arruaças e apupos, e "Vencidos da Vida", que não pôde prosseguir em cena pelo que continha de crítica ao grupo literário que dá título à peça, e por ser considerada imoral, originando-se daí uma polêmica entre Abel Botelho e os responsáveis pela proibição.

Em 1891, Abel Botelho inicia o estudo da sociedade portuguesa na série "Patologia Social", que deveria ser o exame exigente e científico dos males gerais que infestavam Portugal, sobretudo Lisboa, capital e centro urbano de maior prestígio. O primeiro é "Barão de Lavos" (1891), seguido de "O Livro de Alda" (1898), "Amanhã" (1901), "Fatal Dilema" (1907), "Próspero Fortuna" (1910). Além desses, deixou mais três romances: "Sem Remédio..." (1900), "Os Lázaros" (1904), e "Amor Crioulo" (incompleto e póstumo; seu título anterior era "Idílio Triste"; 1919) e o livro de contos "Mulheres da Beira" (1898; anteriormente haviam sido publicados no "Diário de Notícias", entre 1895 e 1896).

Dados
- O Barão de Lavos terá sido o primeiro livro escrito em português sobre a realidade da homossexualidade em Portugal.
- Morreu na Argentina, durante a Primeira Guerra Mundial.
- A ele se fica a dever o projeto gráfico da bandeira da República Portuguesa, em que o verde representa a esperança e o vermelho o sangue derramado pelo povo nas muitas guerras travadas.

Obras
Germano (1886)
Claudina (1890)
O Barão De Lavos (1891)
Os Vencidos Da Vida (1892)
Jucunda (1895)
A Imaculável (1897)
O Livro De Alda (1898)
Sem Remédio (1900)
Amanhã (1901)
Os Lázaros (1904)
Fatal Dilema (1907)
Próspero Fortuna (1910)
Amor Crioulo (1913)

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
Camara Municipal de Tabuaço. http://http://www.cm-tabuaco.pt

Solenidade de Posse da Academia de Letras do Brasil







Comunico com satisfação, que em agosto deste ano, na cidade de Piracicaba/SP, a Academia de Letras do Brasil estará efetuando a Solenidade de Posse dos Novos Membros, ocasião em que terei a honra de estar participando ao assumir a Cadeira Vitalícia, representando o Estado do Paraná.
José Feldman

Vicente Aleixandre (Aniversario de Nascimento)

Vicente Aleixandre (Antologia Poética)


NA PRAIA

És esplêndido, esplendidamente humilde, vivificador e profundo
sentir-se sob o sol, entre os demais, impelido,
levado, conduzido, misturado, rumorosamente arrastado.

Não é bom
deixar-se na margem
como o quebra-mar ou como o molusco que quer calcareamente imitar a rocha.
No entanto é puro e sereno arrasar-se no destino
de fluir e perder-se,
encontrando-se no movimento com que o grande coração dos homens palpita
estendido.

Como aquele que ali vive, ignoro em que piso,
e que vi descer pelas escadas,
e enfiar-se valentemente na multidão e perder-se.
A grande massa passava. Mas era reconhecível o diminuto coração afluído.
Ali, quem o reconheceria? Ali com esperança, com resolução ou com fé, com temeroso denodo,
com silenciosa humildade, ali ele também
transcorria.

Era uma grande praça aberta, e havia odor de existência.
Um odor de grande sol descoberto, de vento eriçando-o,
um grande vento que sobre as cabeças passava sua mão,
sua grande mão que roçava os rostos unidos e os reconfortava.

E era o serpear que se movia
como um único ser, não sei se desvalido, não sei se poderoso,
mas existente e perceptível, mas fecundador da terra.
Ali cada um pode se ver e pode se alegrar e pode se reconhecer.
Quando, na tarde escaldante, só em teu gabinete,
com os olhos estranhos e a interrogação nos lábios,
queres perguntar algo à tua imagem,
não te busques no espelho,
num extinto diálogo em que não te ouves,
Desça, desça devagar e busca-te entre os outros.
Ali estão todos, e tu entre eles.
Oh, desnuda-te, e funde-te, e reconhece-te.
Entra devagar, como banhista que, temeroso, com muito amor e receio da água,
enfia primeiro seus pés na espuma,
e sente a água subir, e já se atreve, e quase se decide.
E agora com a água na cintura todavia não confia.
Mas estende os braços, abre enfim os dois braços e se entrega completo.
E ali forte se reconhece, e cresce e se lança,
e avança e joga espumas, e salta e confia,
e bate e pula nas águas vivas, e canta, e é jovem.

Assim, entra com os pés nus. Entra no fervor, na praça.
Entra na torrente que te reclama e ali sê tu mesmo.
Oh pequeno coração diminuto, coração que quer pulsar
para ser também o unânime coração que alcança!
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OS BEIJOS

Só tu és, contínua,
graciosa, quem se entrega,
quem hoje me chama. Toma,
toma o calor, a fortuna,
a cerração de bocas
fechadas. Docemente
vivemos. Morres, rendes-te.
Só os beijos reinam:
sol lento e amarelo,
rente, delicado,
que morre aqui, nas bocas
felizes, entre nuvens
rompentes, entre azuis
afortunados, onde brilham
os beijos, as delícias
da tarde, o alto
deste poente louco,
quietude, que vibra
e morre. — Morre, sorve
a vida. — Beijas. — Beijo.
Oh mundo assim dourado!
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COMO O MAR, OS BEIJOS

Não importam os emblemas
nem as vãs palavras que são um só sopro.
Importa o eco do que ouvi e escuto.
Tua voz, que morta vive, como eu que ao passar
aqui ainda te falo.
Eras mais consistente,
mais duradoura, não porque te beijasse
nem porque em ti era assim firme a existência.
Talvez porque como o mar
que invade a areia temerosa se afunda.
Em verdes ou em espumas o mar, se afasta.
Como ele se foi e voltastes e nunca voltas.
Talvez porque, girando
sobre a praia sem fim, não pude achar-te.
O vestígio de tua espuma,
quando a água se vai, resta nas bordas.
Só bordas encontro. Só o fio de voz que
em mim ficara.
Como uma alga teus beijos.
Mágicos na luz, pois mortos retornam.
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A FELICIDADE

Não. Basta!
Basta para sempre.
Fuja, fuja; só quero,
só quero a tua morte cotidiana.

O busto erguido, a terrível coluna,
o colo febril, a convocação dos carvalhos,
as mãos que são pedra, lua de pedra surda
e o ventre que é sol, o único extinto sol.

Seja erva! Erva ressecada, raízes amarradas,
folhagem nos músculos onde nem os vermes vivem,
pois a terra nem pode ser grata aos lábios,
a esses que foram, sim, caracóis do úmido.

Matar a ti, pé imenso, gesso esculpido,
pé triturado dias e dias enquanto os olhos sonham,
enquanto há uma paisagem azul cálida e nova
onde uma menina íntegra se banha sem espuma.

Matar a ti, coagulação completa, forma ou montículo,
matéria vil, vomitação ou escárnio,
palavra que pendente de uns lábios roxos
vem dependurada na morte putrefata ou no beijo.

Não. Não!
Ter-te aqui, coração que pulsou entre meus dentes enormes,
em meus dentes ou cravos amorosos ou dardos,
o tremular de tua carne quando jazia inerte
como o vivaz lagarto que se beija e se beija.

Tua catarata de números,
catarata de mãos de mulher com argolas,
catarata de pingentes os cabelos se protegem,
onde opalas ou olhos estão aveludados,
onde as mesmas unhas se guardam entre encaixes.

Morre, morre como o clamor da terra estéril,
como a tartaruga esmagada por um pé desprotegido,
pé ferido cujo sangue, sangue fresco e novíssimo
quer correr e ser como um rio nascente.

Canto o céu feliz, o azul que se desponta,
canto a felicidade de amar doces criaturas,
De amar o que nasce sobre as pedras limpas,
agua, flor, folha, sede, lâmina, rio ou vento,
amorosa presença de um dia que sei existe.

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/

Fotomontagem = José Feldman

Vicente Aleixandre (1898 – 1984)


Vicente Pío Marcelino Cirilo Aleixandre y Merlo (Sevilha, 26 de abril de 1898 — Madri 14 de dezembro de 1984) foi um poeta espanhol. Seu primeiro livro, chamado "Âmbito", foi publicado em 1928. Recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1977.

Filho de uma família da burguesia espanhola, o seu pai foi engenheiro de caminhos de ferro. Nasceu em Sevilha em 1898, mas passou a sua infância em Málaga, onde foi colega de escola do futuro escritor Emilio Prados.

Nasceu em Sevilha em 26 de abril de 1898 e faleceu em Madrid em 14 de dezembro de 1984. Pertence à Geração de 27 e ganhou o Prêmio Nobel de 1977. Com dois anos de idade, sua família foi para Málaga — cidade que ele chama em sua obra de “o Paraíso”, pois ali passou a infância. Em 1909, instalou-se em Madrid. Em 1919 licencia-se em Direito e obtém o título em Direito Mercantil, matéria que passou a ministrar na Escola de Comércio de Madrid (1920-1922).

Em 1917 conhece Dámaso Alonso em Las Navas del Marqués, onde veraneava, e através deste contacto descobre Rubén Darío, Antonio Machado y Juan Ramón Jiménez. Inicia deste modo uma profunda paixão pela poesia.

A sua saúde começa a deteriorar-se em 1922. Em 1925 diagnosticam-lhe uma nefrite tuberculosa, que termina com a extirpação de um rim, operação realizada em 1932. Publica os seus primeiros poemas na "Revista de Occidente" em 1926. Conhece e relaciona-se com Cernuda, Altolaguirre, Alberti e García Lorca.

Depois da Guerra Civil não se exila, apesar das suas ideias esquerdistas. Permanece na Espanha, é galardoado com o "Prêmio Francisco Franco" em 1949 e transforma-se num dos mestres e exemplos para os poetas jovens.

Bibliografia:
– Ámbito, Editra Litoral, 1928;
– Espadas como labios, Espasa Calpe, 1932;
– La destrucción o el amor, Signo, 1935;
– La destrucción o el amor, Signo, 1935;
– Sombra del Paraíso, Adán, 1944;
– Mundo a solas, Javalambre, 1950;
– Nacimiento último, Ínsula, 1953;
– Historia del corazón, Espasa Calpe, 1954;
– En un vasto dominio, Revista de Occidente, 1962;
– Retratos con nombre, El Bardo, 1965;
– Poemas de la consumación, Plaza & Janés, 1968; e
– Diálogos del conocimiento, Plaza & Janés, 1974.
Além destes de poesia, publicou quatro livros em que retrata, sobretudo, a obra de autores de sua geração:
– En la vida del poeta: el amor y la poesía (1950), Real Academia Española;
– El niño ciego de Vázquez Díaz (1954), Ateneo;
– Algunos caracteres de la nueva poesía española (1955) , Aguilar; e
– Los encuentros (1958), Aguilar.

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/
http://pt.wikipedia.org/

Mário de Sá-Carneiro (Aniversário do Falecimento)

FotoMontagem = José Feldman

Mário de Sá-Carneiro (Antologia Poética)


ÂNGULO

Aonde irei neste sem-fim perdido,
Neste mar oco de certezas mortas? —
Fingidas, afinal, todas as portas
Que no dique julguei ter construído...

— Barcaças dos meus ímpetos tigrados,
Que oceano vos dormiram de Segredo?
Partiste-vos, transportes encantados,
De embate, em alma ao roxo, a que rochedo?...

Ó nau de festa, ó ruiva de aventura
Onde, em Champanhe, a minha ânsia ia,
Quebraste-vos também, ou porventura,
Fundeaste a Oiro em portos de alquimia?...

...................................................................................................

Chegaram à baia os galeões
Com as sete Princesas que morreram.
Regatas de luar não se correram...
As bandeiras velaram-se, orações...

Detive-me na ponte, debruçado.
Mas a ponte era falsa — e derradeira.
Segui no cais. O cais era abaulado,
Cais fingido sem mar à sua beira...

— Por sobre o que Eu não sou há grandes pontes
Que um outro, só metade, quer passar
Em miragens de falsos horizontes —
Um outro que eu não posso acorrentar...
================================

CINCO HORAS

Minha mesa no Café,
Quero-lhe tanto... A garrida
Toda de pedra brunida
Que linda e fresca é!

Um sifão verde no meio
E, ao seu lado, a fosforeira
Diante ao meu copo cheio
Duma bebida ligeira.

(Eu bani sempre os licores
Que acho pouco ornamentais:
Os xaropes têm cores
Mais vivas e mais brutais.)

Sobre ela posso escrever
Os meu versos prateados,
Com estranheza dos criados
Que me olham sem perceber...

Sobre ela descanso os braços
Numa atitude alheada,
Buscando pelo ar os traços
Da minha vida passada.

Ou acendendo cigarros,
— Pois há um ano que fumo —
Imaginário presumo
Os meus enredos bizarros.

(E se acaso em minha frente
Uma linda mulher brilha,
O fumo da cigarrilha
Vai beijá-la, claramente)

Um novo freguês que entra
É novo actor no tablado,
Que o meu olhar fatigado
Nele outro enredo concentra.

É o carmim daquela boca
Que ao fundo descubro, triste,
Na minha idéia persiste
E nunca mais se desloca.

Cinge tais futilidades
A minha recordação,
E destes vislumbres são
As minhas maiores saudades...

(Que história de Oiro tão bela
Na minha vida abortou:
Eu fui herói de novela
Que autor nenhum empregou...)

Nos cafés espero a vida
Que nunca vem ter comigo:
— Não me faz nenhum castigo,
Que o tempo passa em corrida.

Passar tempo é o meu fito,
Ideal que só me resta:
Pra mim não há melhor festa,
Nem mais nada acho bonito.

— Cafés da minha preguiça,
Sois hoje — que galardão! —
Todo o meu campo de acção
E toda minha cobiça.
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DISTANTE MELODIA

Num sonho de Íris morto a oiro e brasa,
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule -
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.

Então os meus sentidos eram cores,
Nasciam num jardim as minhas ânsias,
Havia na minha alma Outras distâncias -
Distâncias que o segui-las era flores...

Caía Oiro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me...
- Noites-lagoas, como éreis belas
Sob terraços-lis de recordar-me!...

Idade acorde de Inter-sonho e Lua,
Onde as horas corriam sempre jade,
Onde a neblina era uma saudade,
E a luz - anseios de Princesa nua...

Balaústres de som, arcos de Amar,
Pontes de brilho, ogivas de perfume...
Domínio inexprimível de Ópio e lume
Que nunca mais, em cor, hei-de habitar...

Tapetes de outras Pérsias mais Oriente...
Cortinados de Chinas mais marfim...
Áureos Templos de ritos de cetim...
Fontes correndo sombra, mansamente...

Zimbórios-panteões de nostalgias,
Catedrais de ser-Eu por sobre o mar...
Escadas de honra, escadas só, ao ar...
Novas Bizâncios-Alma, outras Turquias...

Lembranças fluidas... Cinza de brocado...
Irrealidade anil que em mim ondeia...
- Ao meu redor eu sou Rei exilado,
Vagabundo dum sonho de sereia...
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ESPERANÇA

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu fi-lo perfeitamente,
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo como realidade

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei-o de cor.
Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que esperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e só promete.
Esperança:
pobre mãe louca
que quer pôr o filho morto de pé?

Esperança
único que eu tenho
não me deixes sem nada
promete
engana
engano que seja
engana
não me deixes sozinho
esperança.
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O LORD

Lord que eu fui de Escócias doutra vida
Hoje arrasta por esta a sua decadência,
Sem brilho e equipagens.
Milord reduzido a viver de imagens,
Pára às montras de jóias de opulência
Num desejo brumoso --- em dúvida iludida...
(--- Por isso a minha raiva mal contida,
--- Por isso a minha eterna impaciência.)

Olha as Praças, rodeia-as...
Quem sabe se ele outrora
Teve Praças, como esta, e palácios e colunas ---
Longas terras, quintas cheias,
Iates pelo mar fora,
Montanhas e lagos, florestas e dunas...

(--- Por isso a sensação em mim fincada há tanto
Dum grande património algures haver perdido;
Por isso o meu desejo astral de luxo desmedido ---
E a Cor na minha Obra o que ficou do encanto...)
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ORFEU REBELDE

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam os rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
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Sobre o Autor
Mario de Sá-Carneiro (1890-1916)
Poeta e prosador português (19/5/1890-26/4/1916), considerado um dos mais originais e complicados autores do Movimento Modernista Português. Mário de Sá-Carneiro é o poeta que encarna as frustrações e os pesadelos de sua terra no início deste século, um país dividido entre a glória passada e a atração pela modernidade e pelas luzes da renovação européia. Isso é traduzido em sua obra por meio de uma linguagem de extrema violência verbal.

Sá-Carneiro nasce na cidade de Lisboa e estuda na Universidade de Sorbonne, em Paris. Publica os primeiros poemas, Dispersão, em 1914, mesmo ano da novela A Confissão de Lúcio. Retorna a Portugal em 1915 e lança a revista Orpheu em parceria com Fernando Pessoa, seu mentor e a maior expressão do Modernismo naquele país.

De volta a Paris, Sá-Carneiro passa por uma crise moral e financeira que o faz abandonar os estudos. De relações rompidas com o pai, leva uma vida de boêmia literária. Em 1916, durante uma crise, suicida-se em Paris. Antes de sua morte envia seus poemas inéditos a Fernando Pessoa, publicados apenas em 1937 sob o título Indícios de Ouro.
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Biografia mais detalhada = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/03/mario-de-s-carneiro-1890-1916.html
Poesias: Dispersão – Fim – Quase = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/03/mario-de-s-carneiro-poesias-quase-fim.html
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Fontes:
http://www.algosobre.com.br/
http://www.astormentas.com/
Fotomontagem = José Feldman

sábado, 25 de abril de 2009

Sarau em Votorantim, hoje, 20hs

Rua Moacir Ozeias Guite – 41 Votorantim – ao lado da Praça Lecy de Campo
Fonte:
Douglas Lara.