terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Adolfo Simões Müller (1909 – 1989)


Adolfo Simões Müller (Lisboa, 18 de Agosto de 1909 - 17 de Abril de 1989) foi um escritor e jornalista português.

Frequentou a Faculdade de Medicina mas abandonou o curso. Foi secretário de redação do jornal Novidades, fundador e diretor até 1941 do jornal infantil O Papagaio e diretor do Diabrete. Foi ainda diretor do gabinete de estudos de programas da Emissora Nacional e produtor de programas para a rádio. Inclusive foi o autor do primeiro folhetim de rádio As Pupilas do Senhor Reitor.

Estreou-se na literatura com o volume de poemas Asas de Ícaro (1926). No entanto, foi a literatura infantil que o celebrizou, tendo escrito obras como Caixinha de Brinquedos (1937, Prémio Nacional de Literatura Infantil) e O Feiticeiro da Cabana Azul (1942, galardoado com o mesmo prêmio).

Para o público juvenil escreveu, entre outros, os livros constantes da coleção Gente Grande para Gente Pequena, onde em cada livro romanceou a vida de personalidades como Madame Curie (A Pedra Mágica e a Princesinha Doente), Robert Scott (O Capitão da Morte),Camões (As Aventuras do Trinca-Fortes), Thomas Edison (O Homem das Mil Invenções), Gago Coutinho (O Grande Almirante das Estrelas do Sul), Wagner (O Piloto do Navio Fantasma), Gutenberg (O Exército Imortal), Florence Nightingale (A Lâmpada que Não se Apaga), Infante Dom Henrique (O Príncipe do Mar), Cervantes (O Fidalgo Engenhoso), Serpa Pinto (Através do Continente Misterioso), Marco Polo (O Mercador da Aventura), Fernão de Magalhães (A Primeira Volta ao Mundo - Prémio Nacional da Literatura em 1971), Baden-Powell (A Pista do Tesouro) ou Hans Christian Andersen (O Contador de Histórias).

Entre outras obras, adaptou para a juventude Os Lusíadas (1980), A Peregrinação (1980), A Morgadinha dos Canaviais (1982) e As Pupilas do Senhor Reitor (1984).

Em 1982, recebeu o Grande Prémio da Literatura Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian pelo conjunto da sua obra, onde também se incluem livros como Meu Portugal, Meu Gigante (1931), Jesus Pequenino (1934), A Última Varinha de Condão (1941), Historiazinha de Portugal (1944), A Última História de Xerazade (1944), Dona Maria de Trazer por Casa (1947), O Livro das Fábulas (1950) e A Viagem Maravilhosa de Comboio (1956), num total com mais de 70 obras.

Outras das suas obras são Tejo Rio Universal, Sola Sapato Rei Rainha, Douro: Rio das Mil Aventuras, Histórias do Arco da Velha, Moço Bengala e Cão ou a adaptação juvenil das Mil e Uma Noites.

Em 1990, a Editorial Verbo instituiu um prêmio com o nome do escritor, como homenagem à memória desse mestre da literatura infantil e como estímulo à revelação de novos autores.

Fonte:
Wikipedia

Alex Giostri (O Ator e a Poesia)



“O verdadeiro aplauso que deves procurar não são as palmas subitamente ouvidas após um verso deslumbrante, mas o profundo suspiro que escapa da alma e a alivia, após a opressão de um longo silêncio.”
DIDEROT, Denis

A relação do ator com a poesia deve ser íntima. Um ator que tenha um conhecimento médio no universo poético terá naturalmente uma maior desenvoltura em seu ofício. E a poesia não são apenas os versos que se lê em livros, mas também as letras musicais, as frases bem ditas, a maneira que se experimenta a vida.

Da poesia, da obra poética, é fundamental que o ator leia tudo o que puder. Quanto maior for o seu conhecimento maior será o seu espaço emocional e intelectual. O objetivo maior dessa aproximação entre o ator e a poesia é a questão lírica que a poesia contém em sua estrutura. O eu lírico do poeta é também o eu lírico do ator, que na verdade está levando á cena o eu lírico de uma personagem, que é fruto de um eu lírico do autor.

O poeta ao escrever seus versos expressa suas sentimentalidades nos versos. O ator, ao compor sua personagem, exala através de sua fala as palavras que o autor, que também já foi chamado de poeta dramático, escreveu. Ambos falam de seu eu. Um revela a própria verdade, o outro revela a verdade daquela pessoa que não é ele próprio, mas que também é naquele momento. Neste sentido, pode-se pensar que as impressões do ator emolduram as impressões da personagem, que revela ao público não apenas a sua impressão, mas também a impressão do ator e de sua vivência emocional pessoal. Todos falam ou tratam de si subjetivamente.

O fazer poesia para o ator é quando é capaz de ocultar-se e à palavra que diz, transformando-a apenas em impressões para os espectadores. A fala do ator é também poesia. Toda fala é também canção, assim como a canção vem da fala. Então, na medida em que o ator é sensível à poesia também é sensível à palavra, consequentemente à maneira de falá-la, declamá-la ao seu público.

E ao transformar a sua fala em poesia em cena, o ator se mune da boa respiração, das pausas, das inflexões, do conhecimento da língua, da pontuação e do sentido de tudo que está dizendo e fazendo. O ator completo é poesia.

E essa é a questão:

O que diferencia o poeta do ator é que o poeta é poeta de sua obra e o ator é poeta do mundo e do próprio poeta. É o ator que declama o que o poeta, que é também o dramaturgo, escreve em seus papéis.

Fonte:
http://www.alexgiostri.com.br/

Casa do Poeta de Canoas (Convite)

Mário de Andrade (O Cortejo)


Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bom giorno, caro."

Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! Os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção...
Giram homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

Estes homens de São Paulo,
Todos iguais e desiguais,
Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
Parecem-me uns macacos, uns macacos.

Mário de Andrade
Paulicéia Desvairada (1922)
----------------------
Análise da Poesia

O livro Paulicéia Desvairada foi publicado em 1922, mesmo ano da Semana de Arte Moderna. Trata-se do primeiro livro de poemas modernista, cuja "confecção tumultuária" Mário de Andrade descreveria muitos anos depois na famosa conferência de 1942 sobre o movimento que transformaria o panorama das artes no Brasil.

Como o autor descreve, havia muito tempo que ele intentava compor um livro à maneira do Les villes tentaculaires (As cidades tentaculares), do poeta belga Émile Verhaeren (1855-1916). Mas suas tentativas, no entanto, se frustravam.

O desejo por fim se realizou quando, num dia em que adquirira a famosa escultura Cabeça de Cristo, de Victor Brecheret, o poeta teve de enfrentar a injúria e a incompreensão da família, solidamente católica, diante de uma obra que ousava representar Jesus com tranças na cabeça. Enfurecido, subiu até seu quarto, onde, pela janela, podia avistar o movimento já frenético dos carros e dos bondes.

A visão da cidade que se urbanizava rapidamente e em que a paisagem industrial ia se desenhando [Lembremos que a casa de Mário de Andrade se situava, como se situa até hoje, na rua Lopes Chaves, no bairro da Barra Funda, em São Paulo], mais a desordem íntima que o escritor experimentava após a discussão familiar, talvez tivessem lhe proporcionado uma percepção poética de como escrever, em português e de maneira conforme à realidade local, paulista, um livro semelhante ao de Verhaeren, que procurou traduzir em imagens poéticas a cidade moderna, "tentaculizada" pela linhas de bonde. Paulicéia Desvairada seria escrita naquela noite mesmo, de um fôlego só.

É evidente que não foi apenas nessa noite que Mário de Andrade se deu conta do processo de modernização por que passava a cidade, em que os bondes, os postes de luz, a imigração e a especulação imobiliária mudavam a cada dia a cara da cidade. O que é interessante nessa anedota é o fato de que o autor, embora tivesse à vista um material semelhante ao de Verhaeren (a cidade grande, com as diferenças, entretanto, que há entre Brasil e Europa), precisava também sentir a "música" do tumulto associada a esse material.

Sem conjeturar mais acerca dos elementos que precederam a criação poética, importa notar que o poema O cortejo transcreve um pouco essa música da desordem, música que é obtida pelo cruzamento de diversas linhas melódicas, produzindo o que Mário chamou, no prefácio a Paulicéia Desvairada, de polifonia poética. Transcrevemos abaixo um trecho longo mas fundamental desse prefácio para compreendermos um poema como "Os cortejos":

"A poética está muito mais atrasada que a música. Esta abandonou, talvez mesmo antes do século 8, o regime da melodia quando muito oitavada, para enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia. A poética, com rara exceção até meados do século 19 francês, foi essencialmente melódica. Chamo de verso melódico o mesmo que melodia musical: arabesco horizontal de vozes (sons) consecutivas, contendo pensamento inteligível. Ora, si em vez de unicamente usar versos melódicos horizontais:

Mnezarete, a divina, a pálida Frinéia
Comparece ante a austera e rígida assembléia
Do Areópago supremo...

Fizermos que se sigam palavras sem ligação imediata entre si: estas palavras, pelo fato mesmo de se não seguirem intelectual, gramaticalmente, se sobrepõem umas às outras, para a nossa sensação, formando, não mais melodias, mas harmonias.

Explico melhor:
Harmonia: combinação de sons simultâneos.
Exemplo:
Arroubos...Lutas...Setas...Cantigas...
Povoar!...

Estas palavras não se ligam. Não formam enumeração. Cada uma é frase, período elíptico, reduzido ao mínimo telegráfico.

Si pronuncio Arroubos, como não faz parte da frase (melodia), a palavra chama a atenção para seu insulamento e fica vibrando, à espera duma frase que lhe faça adquirir significado e que não vem. Lutas não dá conclusão alguma a Arroubos; e, nas mesmas condições, não fazendo esquecer a primeira palavra, fica vibrando com ela. As outras vozes fazem o mesmo. Assim: em vez de melodia (frase gramatical) temos acorde arpejado, harmonia - o verso harmônico.

Mas, si em vez de usar só palavras soltas, uso frases soltas: mesma sensação de superposição, não já de palavras (notas) mas de frases (melodias). Portanto: polifonia poética
".

Mário de Andrade, também professor e pesquisador de música, explora a afinidade entre música e poesia para cobrar desta os mesmos desenvolvimentos da primeira. Assim como a música, já na Idade Média, passara da melodia (a disposição horizontal de sons consecutivos) para a harmonia (a superposição vertical, a combinação de sons simultâneos), assim a poesia deveria passar do verso considerado como articulação lógica entre as palavras para o verso caracterizado pela combinação de palavras sem relações visíveis entre si. Ou seja, a poesia, aproveitando a analogia com a música, deveria se emancipar do verso melódico e desenvolver o verso harmônico, espécie de arquipélago sonoro, em que as palavras vibram, descoladas umas das outras, à espera de um completamento de sentido que, no entanto, não vem, como enfatiza o poeta. Na verdade, ela não vem no próprio texto, pois é o leitor quem é solicitado a refazer as conexões entre aquelas ilhas de som e de sentido. Assim, numa seqüência como Tietê, de Paulicéia Desvairada, "Arroubos...Lutas...Setas...Cantigas...Povoar!... citada por Mário, a ligação entre os termos não está dada, embora caiba ao leitor imaginar as articulações, fornecidas pelo contexto do poema, que, por meios bastante sintéticos e telegráficos, mapeia a odisséia dos bandeirantes ao longo do rio que corta a cidade de São Paulo. Uma odisséia em que se misturam mortes, lutas, as "monções da ambição", as "gigânteas vitórias" e as cantigas de povoamento. Todo um capítulo da história brasileira o poeta pretendeu condensar em versos harmônicos. Se ele tivesse exprimido o mesmo conteúdo do verso acima em versos melódicos, poderíamos ter algo como:

"Os arroubos dos bandeirantes, sua ambição de enriquecer os levaram a desbravar a terra selvagem, enfrentando todo tipo de hostilidade"

"Lutavam com os índios na posse da terra e de riquezas naturais, e estes por fim acabavam ou apresados ou chacinados"
etc.

O sucesso da articulação entre aqueles signos descolados (arroubos, lutas, setas) será tanto maior conforme o conhecimento e a sensibilidade de cada um. É requerida, portanto, uma operação da inteligência.

O poema "Os cortejos" é bastante representativo do que o poeta chamou de "polifonia poética", explicada no trecho que destacamos do prefácio. A polifonia poética nada mais é do que a aplicação, na relação entre as frases num poema, do mesmo procedimento usado entre as palavras no interior do verso melódico. Temos agora um agrupamento de frases soltas, transmitindo umas às outras remotas vibrações, como as cordas de uma cítara:

Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bom giorno, caro"

Notemos que o poeta não faz aqui uso de verbos, a não ser no modo infinitivo e com função de adjetivo ["a se desenrolar" equivale ao qualificador "desenrolantes"]. Não estamos diante de orações, em que se exprime um pensamento lógico e encadeado. A ausência de verbo indica que estamos diante de frases mais marcadas pela efusão do sentimento. São frases não-oracionais, difíceis de analisar quanto à estrutura. Conforme a teoria poética de Mário, funcionariam como sons isolados e superpostos, produzindo a impressão de uma polifonia, na qual uma das várias linhas melódicas parece fazer as vezes de um monótono cantochão, repetido ao longo do poema:
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

A cidade é vista como um amontoado de cortejos, que, conforme a perspectiva, podem ser tanto carnavalescos ("serpentinas") como funerários ("monotonias"). É curioso que a utilização da polifonia poética, recurso mais apropriado que o verso melódico para representar o mosaico urbano de trabalho, massas, bondes, agitação, esporte, vitrines, sirva aqui a exprimir o aspecto monótono que essa mesma pluralidade de elementos pode assumir. A cidade pode também matar a poesia:

Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!

São Paulo se revela uma boca de mil dentes, uma língua trissulca (adjetivo que significa aquilo que tem três sulcos), que morde e mastiga os homens "fracos, baixos, magros". Estes são "todos iguais e desiguais", assim como os cortejos podem variar conforme o ângulo de quem os observa. Nas retinas saturadas do poeta, eles parecem

"...uns macacos, uns macacos".

Se a cidade moderna representaria, por um lado, a libertação e a afirmação do indivíduo, a qual não se daria no quadro de uma vida provinciana, por outro ela poderia achatar e tirar a singularidade desse mesmo indivíduo, inserido na divisão do trabalho e sujeito ao poder avassalador do dinheiro e do comércio. Se os homens parecem desiguais ao poeta, com características étnicas, sociais e culturais que os distinguem entre si, são também iguais e anônimos no aglomerado urbano e no mundo do trabalho. São nada mais que números. O excesso de estímulos visuais e sonoros produzidos pela Paulicéia, que o poema apreendera de maneira polifônica, não deixa de soar, no fim das contas, como uma melodia única, monocórdica, que a repetição no verso final enfatiza: uns macacos, uns macacos. Tais homens são menos que homens, pois parecem agir meramente por reflexos condicionados.

Paulicéia desvairada pode ser lida como um inventário das vivências, percepções e sensações desencadeadas pela modernização de São Paulo, com a qual Mário de Andrade terá uma relação ambígua ao longo de sua obra. A cidade ora é tumba de homens massacrados pelas "monções da ambição", de bandeirantes ou de capitalistas, ora é palco de multicoloridos festejos.

Fonte:
http://www.tvcultura.com.br/

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Trova LXXXIII - Osvaldo Reis (Maringá/PR)

Nota: Piazada é uma expressão do sul do Brasil, equivalente a garotada.
Fonte:
Trova sobre Estudo do Crânio, de Victor Farat, in http://victorfarat.com.br/

Adalto Gambassi de Araújo (Oração à Musa)


Musa ! Perdoa se não posso dar-te
Sons mais puros, acordes mais divinos...
Se não posso os sentidos Ter mais finos,
Para subir em vibrações de arte.

Procuro, alucinado, consagrar-te
A sensação de uns versos peregrinos,
Como se andasse um coro de violinos
Em meu peito, no céu, em toda parte

Quisera, Musa de asas condoreiras,
Elevar-me às regiões mais altaneiras,
A Alma toda a vibrar, cheia de graças.

Quisera levantar-me deste lodo,
Com as mãos desfibrar o corpo todo
E espalhar-me no chão onde tu passas.
=================

Sobre a Musa

Calíope, a da Bela Voz, foi uma das nove musas da mitologia grega. Filha de Zeus e Mnemósine. Foi a musa da epopéia, da poesia épica, da ciência em geral e da eloquência e a mais velha e sábia das musas, e é considerada por vezes a rainha destas. É representada sob a figura de uma donzela de ar majestoso, coroada de louros e ornada de grinaldas, sentada em atitude de meditação, com a cabeça apoiada numa das mãos e um livro na outra, tendo, junto de si, mais três livros: a Ilíada, a Odisseia e a Eneida. Em outras representações, traz como atributo um rolo de pergaminho e uma pena.

Camões, autor de “Os Lusíadas”, assim cita a Musa Calíope:

“AGORA tu, Calíope, me ensina
O que contou ao Rei o ilustre Gama;
Inspira imortal canto e voz divina
Neste peito mortal, que tanto te ama.
Assi o claro inventor da Medicina,
De quem Orfeu pariste, ó linda Dama,
Nunca por Dafne, Clície ou Leucotoe,
Te negue o amor devido, como soe."

Fragmento de “Os lusíadas” — Camões

A figura da Musa muitas vezes está associada à figura de uma mulher real ou idealizada pela qual o poeta é apaixonado.

Repare no poema, de autoria de Álvares de Azevedo, que a Musa é uma mulher real, ou seja, de carne e osso, por quem o poeta está apaixonado

MINHA MUSA

Minha musa é a lembrança
Dos sonhos em que eu vivi,
É de uns lábios a esperança
E a saudade que eu nutri!
É a crença que alentei,
As luas belas que amei
E os olhos por quem morri!

Os meus cantos de saudade
São amores que eu chorei,
São lírios da mocidade
Que murcham porque te amei!
As minhas notas ardentes
São as lágrimas dementes
Que em teu seio derramei!

Do meu outono os desfolhos,
Os astros do teu verão,
A languidez de teus olhos
Inspiram minha canção...
Sou poeta porque és bela
Tenho em teus olhos, donzela,
A musa do coração!

Se na lira voluptuosa
Entre as fibras que estalei
Um dia atei uma rosa
Cujo aroma respirei...
Foi nas noites de ventura,
Quando em tua formosura
Meus lábios embriaguei!

E se tu queres, donzela,
Sentir minh’alma vibrar,
Solta essa trança tão bela,
Quero nela suspirar!
E dá repousar-me teu seio...
Ouvirás no devaneio
A minha lira cantar!
----------------
Fontes:
Academia de Letras dos Campos Gerais. http://alcg.org.br/
Imagem = http://mais.uol.com.br/
http://pt.wikipedia.org/
http://www.mundocultural.com.br/

Carlos Drummond de Andrade (Campo de Flores)



Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.
Carlos Drummond de Andrade. Claro Enígma. (1951)
-----------------
Análise da Poesia

"Há que amar e calar" , diz Carlos Drummond de Andrade lá pelas tantas neste que é um de seus poemas mais lembrados. Não custa observar que o poema se inicia com o magnífico verso "Deus me deu um amor no tempo de madureza", com relação ao qual muitos estranham "madureza", sinônimo de "maturidade", provavelmente porque essa palavra evoque o antigo curso de madureza, que é como era chamado o curso supletivo.

Nosso poeta considera, numa alegria que não lhe dissolve a estridência irônica, que o amor se acompanha de silêncio na maturidade (sem os folguedos de juventude), que, portanto, é preciso amar e calar. E essa necessidade vem expressa pela forma mais grave que é o "há que", raríssima na fala cotidiana. Essa gravidade dá o tom ao poema, no qual um "amor crepuscular" surpreende o homem quase velho e que se supunha tomado demais pela melancolia. Como equacionar a graça de um amor a essa altura e a ferocidade de quem sempre foi torto na vida, como o poeta disse de si no Poema de sete faces (Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.), de seu primeiro livro de poesia? "Há que amar diferente", soluciona Drummond, "há que amar e calar". (Mas porque me tocou um amor crepuscular, /há que amar diferente. /De uma grave paciência/
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia/ tenha dilacerado a melhor doação./ Há que amar e calar/. Para fora do tempo arrasto meus despojos/ e estou vivo na luz que baixa e me confunde.)


A sintaxe (parte da gramática que estuda a relação entre as palavras na frase, ou entre as frases no discurso) do verbo haver é uma das mais complexas da língua portuguesa. O "Aurélio", por exemplo, registra 16 acepções para ele, entre as quais, curiosamente, não se encontra a de "ser preciso, urgir", que é a que nos interessa aqui hoje. O dicionário "Michaelis" e o "Caldas Aulete" também não trazem a forma usada por Drummond. Em todos eles encontramos a regência em que haver, seguido de infinitivo e sem preposição, assume o sentido de ser possível: "Não há persuadi-lo de seus planos" (equivalente a "Não é possível persuadi-lo de seus planos"). Mas não é bem o caso aqui, em que temos "haver que+infinitivo" , na acepção de "dever", "ser preciso", o que é registrado no "Dicionário de Regência Verbal" de Celso Luft. Este dá dois exemplos de peso: Vieira - "Não há que fiar em lágrimas" e um provérbio popular - "Não há que fiar em Deus em tempo de inverno". Notem que tanto nesses casos como no verso de Drummond não foi usado o pronome "se". Ele realmente não é necessário aqui, como não é necessário na expressão "osso duro de roer". Frases como "Há que se pensar em novas diretrizes", "Há que se melhorar a distribuição de renda" são deselegantes. Algo muito diferente do que ocorre no poeta de Itabira, em que o verbo é grave, sem jamais ser inflado e a eloqüência não faz estardalhaço.

Fontes:
http://www.tvcultura.com.br/
Pintura = http://poeticasemportugues.blogspot.com

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XVII



CAPÍTULO V

O MARAVILHOSO DA LENDA

I — Gargântua

Gargântua evoca Rabelais. Contudo Eloi Johanneau (Variorum, t. I, pág. 37), Ph. Chasles (Tableau de la littérature française, 1829), J. Grimm (Mythologie allemande, 1837), pensam numa tradição antiga. Rabelais criou um herói nacional cujo nome expressivo tornou-se uma imagem popular.

1. — Origem

H. Gaidoz (Revue archéologique, set. de 1868), baseando-se na radical da palavra — gar — vê nessa radical uma divindade; o deus da luz Garuda ter-se-ia tornado o Hércules gaulês. Esse principio druídico estaria ainda presente no seu culto das pedras.

Porém os gigantes são conhecidos; e o nome de Gargântua figura na Légende de maistre Pierre Paileu de Charles Bourdigné (1526). Tiel Ulespiègle legou a palavra “espiègle” mas esse farsante insípido e sem espírito, comparado com Panurge, não tem nem a sua sutileza nem a dicacidado. Rabelais teria se inspirado na Histoire maccaronique de Merlin Cocaie (História macarrônica de Merlin Cocaie). Com efeito, o episódio dos carneiros é também encontrado no primeiro.

2. — Os gigantes.

Como os elfos, os anãos ou os ciclopes, os gigantes são a personificação dos grandes fenômenos (furacões. estações, geadas...); quase deuses: Thrym rouba o martelo do deus Thor; Mimir, o gigante das águas, aconselha Odin. São entes poderosos: Egir é o senhor dos mares e sua esposa Ran captura os navegadores.

Para a Igreja católica, o gigante substitui o diabo. Em 1100 os elementos pagãos e cristãos se misturam; o povo aceita o cristianismo sem contudo rejeitar as crenças tradicionais. E desta forma que Geoffroi de Monmouth faz evoluir Gurgunt em sua epopéia bretã retomada por Wace (Roman de Brut, 1155).

3. — A obra de Rabelais

Depois do êxito das Grandes et inestimables chroniques de l’énorme géant Gargantua (Grandes e inestimáveis crônicas do enorme gigante Gargântua) (1532) — devidas talvez a Billon d’Issoudun — Rabelais edita Les horribles et épouvantables faíts et prouesses du très renommé Pantagruel (Os horríveis e espantosos feitos e proezas do mui renomado Pantagruel) na editora Claude Nourry, conhecido por Le Prince (3 nov., 1532); o livro é assinado Alcofribas Nosier; o Almanach pantagrueline pronostication aparece em 1533 (Lião, François Juste).

A Faculdade de Teologia condena o Pantagruel em 23 de outubro de 1533. Porém, Rabelais, como médico, acompanha o bispo de Paris, Jean de Bellay, que parte para Roma onde vai pleitear os interesses de Henrique VIII excomungado por haver esposado Ana Bolena (1534). Com essa proteção Rabelais publica, em 1534, seu Gargântua (edição definitiva, 1542, Lião, François Juste). Le tiers livre (1546), de gosto mais rebuscado, expõe a questão do casamento, Le quart livre (Lião, 1549) narra as buscas da “Dive Bouteille”. e da passagem do Noroeste.

4. — Valor dessa obra

Os romances de Rabelais tiveram imensa popularidade. São os livros de um erudito que, de maneira divertida, num estilo falado, contêm alusões políticas e religiosas. Gargântua é um preito em favor do Renascimento e da Reforma. Apesar de Rabelais ser prudente, de pregar sem falar demais, percebe-se nele o pensamento de Erasmo, célebre pelo seu Institution du prince chrétien. Rabelais também foi um iniciado.

Saulnier (Mercure de France, 1-4-1954) mostrou que essa filosofia do beber era o símbolo de uma busca da sabedoria. O festim perante Chaneph é erguido com alusões à Ceia e faz pensar na Comunhão Eucarística.

Les grandes et inestimables chroniques (1532) teriam inspirado Rabelais. Ora, nelas encontramos novamente o mágico Merlin, que dá origem aos pais de Gargântua, futuro servidor do rei Artur. É talvez aí que se deve buscar a analogia que notamos entre a busca da “Dive Bouteille” e alguns episódios do Santo Graal.

Na verdade a obra de Rabelais, de intenção evangélica, continua profundamente esotérica com seu simbolismo aparente.

5. — A sucessão literária

Rabelais foi muito imitado. Os livros transportados pelos bufarinheiros referem-se, em geral, às Grandes e inestimables chroniques de 1532: é o caso de Deckherr em Montbéliard, de Placé em Tours, de Pellerin em Epinal ou de Oudot em Troyes.

Mas Gargântua — denominado também o Judeu Errante — passeou por todas as regiões. Modelou o solo, formando lagos, córregos e deixando montes de lodo que são verdadeiras montanhas. Uma crônica do século XVI diz que ele “a engendré le fleuve du rosne en pissant trois mois, six jours, treize heures trois quarts et deux minutes”. Essa geografia gargantuesca foi notada por A. Van Genned em Le folklore de Bourgogne, 1934; (0 folclore de Borgonha) por Sébilot (Les Traditions populaires, 1883) (As tradições populares), e por Carnoy (Contes français, 1885).

6. — Conclusão

Rabelais, fiel à tradição das crônicas de gigantes, soube exprimir, entre suas invenções burlescas, idéias novas e profundas. Não temeu opor-se à ordem estabelecida e traçou um programa de vida no qual o humanismo evangélico ocupa um lugar preponderante.
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continua...

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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

domingo, 6 de dezembro de 2009

Falecimento de Joanyr de Oliveira

Secretaria da Cultura de Maringá (Programação de dezembro)


CLUBETEEN (entrada franca)

Livro: “Lua Nova”, Stephenie Meyer.
Dia 10/12, na Biblioteca Alvorada, às 14h00.
Dia 17/12, na Biblioteca Mandacaru, às 14h00.

CLUBINHO DE LEITURA – Especial de Natal (entrada franca)

Livro: “O Camelo e o Joelho”, de Sylvia Orthof.
Dia 08/12, na Biblioteca Alvorada, às 14h00.
Dia 09/12, na Biblioteca Palmeiras, às 10h00.
Dia 10/12, na Biblioteca Mandacaru, às 14h00.
Dia 15/12, na Biblioteca Operária, às 14h00.

Dia 05/12 – Livro: “Leite Derramado”, de Chico Buarque de Holanda, na Biblioteca Centro, às 10h00.

CONVITE AO TEATRO (sempre no Teatro Barracão, às 21h00, entrada franca).

Dia 11/12 – “O Menino Que Ganhou Uma Boneca” – Cia Tipos e Caras.

Dia 18/12 – “Barricada” – Cia Teatro & Ponto.

Dia 13/12 – Espetáculo: “Vida Cigana” (Renata Loyola), no Teatro Calil Haddad, às 19h30. Ingressos: R$12,00.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Celia Musilli (Nas alturas)

Os aviões são meu sonho de Ícaro, as asas metálicas que tomo por empréstimo

Por um destes acasos que não se explicam, sempre morei em locais que são rotas dos aviões. Em dois bairros onde vivi era assim e agora ouço os jatos logo de manhã, entre 7 horas e 8h30, vindos dos lados da UEL em direção ao aeroporto.

Adoro aviões e sei que muita gente tem medo de viajar neles. Eu não, considero este risco uma experiência necessária, uma aventura necessária, como o amor. Alguém aí tem cem por cento de segurança em matéria de voo? Alguém aí tem cem por cento de segurança em matéria de amor? Em qualquer um dos casos, decolem.

Os aviões são meu sonho de Ícaro, o transporte que me leva às nuvens, as asas metálicas que tomo por empréstimo como se eu mesma voasse. Porque voar pra valer não consigo e não teria despojamento nem coragem de me meter com asas-delta, porque nelas sim me sentiria vulnerável, sem o anteparo das paredes e das janelas, dos outros passageiros logo ali ao lado, das simpáticas aeromoças que perguntam: ''Água, suco ou refrigerante?'' Não tive a felicidade de beber champanhe indo a Paris. Quem me dera. Mas cruzei céus indo a Manaus e Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba, Rio, Fortaleza e São Luís do Maranhão. E, no litoral, a visão do mar dá a impressão de estarmos sobrevoando o paraíso, porque o paraíso, na minha cabeça, é líquido e azul. Se não líquido, pelo menos úmido e transparente.

Lá de cima, em vez de anjos, vemos os recortes das matas, das praias, das montanhas e isto basta para que a gente acredite em Deus. Alguém já disse que não vemos Deus, mas o sentimos. Eu sou do tipo que acredita muito mais no que sente, do que naquilo que vê, as imagens nos iludem.

Os aviões me lembram a ousadia de Santos Dumont, que não sei como teve a coragem de entrar naquele 14 Bis, tão frágil que até parecia um origami. Um origami voador, vejam só. Mas foi ele, um brasileiro, quem deslumbrou Paris quando deu a volta à Torre Eiffel para realizar o sonho de Ícaro sem queimar as asas. Construiu desta forma uma espécie de imortalidade, sendo, antes de tudo, um sonhador. Um sonhador que realizava.

Gosto das músicas que falam em avião, algumas falam também de amor: ''Foi por medo de avião, que eu segurei pela primeira vez a sua mão.'' Lembram?

Mas de vez em quando, os acidentes aéreos nos assustam, colocando todo mundo em pânico, porque pra este tipo de acidente não tem saída, não tem meio termo, não tem volta. Raramente alguém sobrevive, só um em mil, então as pessoas sentem-se mais seguras nas rodovias do que no ar. Mas vou confessar uma coisa a vocês: me apavoram muito mais as estradas cheias, aqueles caminhões-tanque, os motoristas imprudentes, sobretudo nesta época do ano, quando todo mundo quer chegar ou partir, sabe-se lá pra onde e por que têm tanta pressa.

Sinto-me muito mais segura no ar, apesar dos acidentes sem volta. Porque morte por queda de avião é coisa rápida e urgente. Além disso, lá em cima as aeronaves raramente se chocam, ninguém derrapa na curva, ninguém compete em velocidade. Lá em cima, as nuvens parecem um colchão macio ou um rebanho de carneirinhos que só se insinuam e, um minuto depois, se desmancham. Então, que coisa mais lúdica e linda é estar entre as nuvens. Muito melhor do que respirar óleo diesel, sentir as freadas, revoltar-se com as imprudências, errar o caminho, não ver as placas.

Gosto de acordar ouvindo os aviões que decolam ou aterrissam, alguns passam até bem perto da minha janela, enquanto durmo ou agora, enquanto escrevo, porque assim também me sinto no ar. Estar no ar, além do sonho de Ícaro, é sonho de poeta, sonho de maluco, sonho de quem não vê Deus, mas o sente, e acredita Nele, lá nas alturas. E acho que assim o avião não cai.
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CÉLIA MUSILLI é jornalista e poeta. Publicou o livro Londrina Puxa o Fio da Memória, em parceria com Maria Angélica Abramo, e o livro de poesias Sensível Desafio (AtritoArt, 2006) e edita o blog de mesmo nome.

Fonte:
Folha de Londrina. Folha 2. 6 de dezembro de 2009. p.4

sábado, 5 de dezembro de 2009

Trova LXXXII - Antonio Augusto de Assis (Maringá/PR)

Fonte da Imagem:
Trova sobre imagem obtida no site http://www.zineacesso.com

Academia de Letras (Objetivo)



As Academias de Letras têm como objetivo:

Congregar as pessoas que se dediquem as atividades literárias e artísticas nas mais diversas formas de expressão.

Promover, divulgar e apoiar atividades literárias e artísticas.

Praticar o intercambio com entidades congênitas no Brasil e exterior.

Os lugares ocupados pelos membros efetivos, chamados "Cadeiras" são vitalícios.

Não pode haver pressa no preenchimento de lugares vagos e quando alguém é convidado é porque já foi longa e cuidadosamente avaliado.

Quando alguém se candidata a um cargo vago passa pelo mesmo critério podendo ou não ser aceito e os acadêmicos (membros efetivos) tratam-se por "confrades" e "confreiras" e devem procurar, na medida do possível, manter entre eles uma evidência uma convivência social, importante para um convívio vitalício além do que, faz parte do espírito acadêmico desde a criação das academias.

Academia de Letras e Artes de Pato Branco (ALAP)

HISTÓRIA

Após contatos com o Presidente da Academia de Letras do Paraná em Curitiba, Dr. Túlio Vargas, incentivador da instalação de academias em cidades do interior do Estado, a pedido do Prefeito de Pato Branco, Clóvis Santo Padoan e do Diretor do Departamento Municipal de Cultura, Adair Kill, em dezembro de 2000, reuniram-se, numa das salas da FADEP, vários escritores, poetas e artistas com o propósito de fundar uma Academias de Letras e Artes em Pato Branco, com o apoio do Departamento de Cultura.

Várias reuniões foram feitas na FADEP e no Departamento Municipal de Cultura, sendo constituída uma diretoria provisória em 25 de janeiro de 2001, ficando Valério Borges da Silveira como presidente e passaram a se reunir às terças-feiras. A comissão, sob orientação de Tulio Vargas e da acadêmica Lucy Salete Bortolini Nazaro Presidente da Academia Palmense de Letras em seu trabalho de constituição da entidade, selecionaram-se mais acadêmicos, solicitando seus currículos para preenchimento das cadeiras propostas e elaboraram-se o regimento interno e os estatutos. Sete cadeiras foram ocupadas com acadêmicos já pertencentes à Academia Palmense de Letras, sendo 5 deles residentes em Pato Branco. Foram ocupadas as cadeiras até o número 27, ficando as demais para serem ocupadas oportunamente. As pesquisas na escolha dos patronos prosseguiram, devendo-se buscar pessoas envolvidas no pioneirismo e desbravamento de Pato Branco e região. Serviu como base a pesquisa dos professores Sittilo Voltolini e Neri França Fornari Bocchese sobre o histórico da cidade e região, já iniciada seis anos antes. Concomitantemente foram também escolhidos os membros honorários e beneméritos, também com a ajuda do Departamento Municipal de Cultura, levando-se em conta o que já estava determinado nos estatutos.

Concorreram para elaboração do brasão da Academia Andréa Barbosa Barão, Eloy de Lima e Cristiane Campestrini, tendo sido escolhida a proposta apresentada por esta última, que, em seguida, criou também a bandeira, com base no modelo do brasão. Em reunião do dia 10 de abril de 2001, ficou decidido que a efetivação da Academia seria no dia 22 de junho do mesmo ano, devendo, se aprovada, ser empossada a diretoria, no dia da instalação, no teatro municipal Naura Rigon. A esta solenidade compareceram representantes de outras academias, autoridades militares e civis, religiosos e representantes da sociedade dos mais diversos setores. A posse foi efetivada pelo presidente da Academia de Letras do Paraná e o orador foi o Frei Nelson Rabelo.

A Academia de Letras e Artes de Pato Branco teve sua sede em sala da própria Fundação Cultural até o final do ano de 2002 e, em janeiro de 2003, passou para Biblioteca Pública Naura
Rigon, com reuniões fora de seu horário de expediente.

O grande projeto, para logo após o lançamento da Revista, será conseguir sede própria, mesmo que seja em comodato, em sala ou imóvel municipal. Desde sua instalação, a ALAP tem contado com o apoio do jornal local, o Diário do Povo, para publicação de sua coluna semanal, redigida pela Comissão Permanente de Editoração que continua a mesma já em 2º mandato.

A ALAP possui ainda um mapeamento cultural do Sudoeste do Paraná com um questionário especifico distribuído em todos departamentos de cultura dos municípios, elaborado pelo acadêmico Antônio Reginaldo Maciel Freire. Como Diretor da Comissão Permanente de Editoração, teve ainda ele o projeto de edição da Revista Alap aprovado pelos acadêmicos, no qual foram todos incluídos como participantes diretos, elaborando trabalhos literários e/ou artísticos nas páginas dedicadas aos Patronos. Faz parte ainda do conteúdo da revista breve histórico das Academias, desde a Grécia antiga até os dias atuais, como já publicamos ainda em julho de 2001, assim como resumo bibliográfico sobre os membros honorários e beneméritos da ALAP.

Todos os currículos dos acadêmicos publicados na 1ª revista da ALAP foram fornecidos por eles próprios, tendo os redatores respeitado suas próprias informações. No lançamento da 1ª revista, também se lança um site em que consta o mesmo material que figura na revista, acrescido de material de divulgação de trabalhos literários e artísticos dos acadêmicos residentes em Pato Branco que tenham um terço de freqüência (4 presenças), nos últimos 12 meses, a contar da data em que se queira divulgar as produções; um sexto (2), para os que moram entre 100 e 150 km; e uma participação em reunião ordinária ou em uma solenidade importante da ALAP, no período de dois anos para os que moram a mais de 150 km. Isso tem a finalidade de incentivar maior participação e integração do acadêmico a Academia.

Busca ampliar os próprios conhecimentos em torno de assuntos culturais, muitas vezes aproveitando o próprio potencial dos acadêmicos, com palestras, como as já apresentadas sobre Oratória, Elaboração de Projetos e tantos outros assuntos importantes que hão de vir, nos 20 minutos do ESPAÇO DO ACADÊMICO em todas as reuniões mensais, e com possível publicação posterior, podendo alguns deles fazer parte de protocolos para atividades da própria
Academia.

Como já se fez referência, com o lançamento desta revista será lançado um site com a revista na íntegra além de maior espaço para outras divulgações e atualização permanente. Será lançado também o 1º concurso literário da ALAP, assim como o questionário para o mapeamento cultural do Sudoeste do Paraná elaborado pelo acadêmico Antonio Reginaldo Maciel Freire e ainda será efetuada a admissão do Sr. Carlos Antonio de Almeida Ferreira como novo membro efetivo da ALAP, o 1º após sua instalação.

ACADÊMICOS

Cadeira Nº 01 Valéria Borges da Silveira
Cadeira Nº 02 Aline Lionço Dal Molin Juglair
Cadeira Nº 03 Victor Hugo Ribeiro
Cadeira Nº 04 Neri França Fornari Bocchese
Cadeira Nº 05 Sittilo Voltolini
Cadeira Nº 06 Nelson Rabelo
Cadeira Nº 07 Lucy Salete Bortolini Nazaro
Cadeira Nº 08 Luiza Josefina Varaschin
Cadeira Nº 09 Nery de Mello
Cadeira Nº 10 Gilbert Antonio Rodrigues dos Santos
Cadeira Nº 11 Sinésio Pereira Chueiri
Cadeira Nº 12 Rudi Luiz Bodanese
Cadeira Nº 13 Luciane Nunes Pretto
Cadeira Nº 14 Cleria Jaeger
Cadeira Nº 15 Antônio Reginaldo Maciel Freire (Presidente da ALAP)
Cadeira Nº 16 Jõao Maria Alves de Paula
Cadeira Nº 17 Eloy de Lima
Cadeira Nº 18 Eliane Somacal Marcondes Gauze
Cadeira Nº 19 Cristiane Campestrini
Cadeira Nº 20 Antônio Augusto Favetti
Cadeira Nº 21 Osmar Rubens Camargo
Cadeira Nº 22 Jurema Edy Pereira
Cadeira Nº 23 Luiz Geraldo Mazza
Cadeira Nº 24 Maria Genoveva Argenton
Cadeira Nº 25 Neli Dall'Agnol
Cadeira Nº 26 Marta Beatriz dos Santos Dall'Igna
Cadeira Nº 27 Adélia Maria Woellner
Cadeira Nº 28 Carlos Antônio de Almeida Ferreira
Cadeira Nº 29 Adriana dos Santos Auzani
Cadeira Nº 30 Elizabeth Maria Bodanese (Presidente da ALAP)
Cadeira Nº 31 Luís Veras Filho

Fonte:
- trecho do Texto da História de Antônio R. M. Freire, com base nos dados fornecidos por Neri França Fornari Bocchese,até a instalação da ALAP
Academia de Letras e Artes de Pato Branco. http://www.alap.org.br/

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XVI



III. — Tristão e Isolda

Esse par imortal influenciou inúmeros episódios do ciclo arturiano. É a epopéia do amor que se prolonga além da morte.

1. — O tema

Tristão de Loonois é criado por seu tio Marc, rei da Cornualha. Ferido pela espada envenenada do Morhout da Irlanda, a quem mata, Tristão se faz tratar pela irmã do monstro, a rainha da Irlanda, cuja filha é Isolda. Mais tarde, em nome de seu tio, Tristão pede a mão de Isolda e dessa forma reconcilia os dois países inimigos. Porém, durante a travessia, os dois jovens bebem um filtro de amor. Unidos pela paixão, traídos pelos que os circundavam, banidos por Marc, os dois amantes vivem na floresta de Morois; o rei perdoa-os; Tristão deixa Cornualha e esposa uma segunda Isolda. Ferido, pede à sua loura amiga para tratá-lo: um véu branco anunciará sua chegada, um véu preto sua recusa. A segunda Isolda, por ciúmes anuncia um véu preto. Tristão morre. Isolda chega e sucumbe ao lado do seu amante. O rei Marc, conhecendo a causa de sua paixão, perdoa e honra a sua memória. A loucura de Tristão é um episódio desse tema e a síntese do romance. Tristão, disfarçado em louco, quer rever Isolda. As alusões feitas aos seus amores são ousadas e formam um resumo assaz rico da lenda; a evocação de suas aventuras é a parte essencial do poema.

2. — As fontes

Os romances de Chrétien de Troyes e de La Chèvre não chegaram até nós. O texto de Béroul (1165-1170) conserva quatro mil, quatrocentos e oitenta e cinco versos (publicados por Muret, 1904 — manuscrito de Beme); o manuscrito do anglo-normando Thomas tem só três mil, cento e quarenta e quatro versos (dos dezenove mil) (publicados por. J. Bédier, 1903 e 1905; manuscrito de Oxford).

A loucura de Tristão (manuscrito de Oxford) acompanha de muito perto o poema de Thomas (tradução de Joseph Bédier, 1907). Os poemas de Eilhart d’Oberg e de Godofredo de Estrasburgo, os mil e quinhentos versos de um anônimo permitem a reconstituição desse conjunto.

Para André Mary (Tristan, N. R. F., 1941), a obra seria proveniente de jovens sacristãos letrados de língua francesa, que conheciam as lendas da Grécia (Teseu, o rei Midas) e que tinham lido Ovídio e Virgílio Pode-se discernir o elemento mítico no maravilhoso do filtro e na natureza do herói vencedor de monstros. Esse tema se encontra na Irlanda e Joseph Loth está inclinado por uma versão galesa.

3. — A obra literária

Godofredo de Estrasburqo prosseguiu o tema de Thomas e influenciou Friberg. Hans Sachs, dele tirou sua tragédia (1553). 0 conde de Tressan recolhe a lenda no século XVIII e os românticos o enalteceram. Schlegel (1800), Rückert (1839); Walter Scott (1811), Immermann (1839) compuseram poemas. Hermann Kurtz (1844) e depois Simrock (1855) estabelecem em alemão moderno o texto de Godofredo — Hertz completa essa tradução com a análise do texto de Thomas. Francisque Michel reúne os textos ingleses e normandos.

O drama musical de Wagner escrito entre 1857. e 1859 é interpretado em Munique em 1869 e em Paris em 1899. 0 assunto ainda é encontrado com Joseph Weilen (Breslau, 1860), L Schneegans (Leipzig, 1865), Carl Robert (Berlim, 1871) ou no Le lai du chèvrefeuille de Marie de France.

O filme de Cocteau (L’éternel retour) pela beleza estática de suas imagens lembra os Visiteurs du soir de Carné no qual o amor de duas criaturas triunfará das ciladas e da ira do diabo.

4. — Sobre alguns amantes eternos

Vem-nos à memória Romeu e Julieta, Dafne e Cloé, Paulo e Virginia, Manon e o cavaleiro dos Grieux, Fedro e Hipólito. Porém as desgraças de um par bem real, Heloísa e Abelardo são ainda mais tristes.

5. — Simbolismo da lenda

Isolda permanece virgem no adultério; engana o bom rei sem remorso aparente e essa mulher, apesar de tudo, continua simpática. Vemos com indulgência esses amantes que, mais do que os outros, são submetidos à fatalidade. As páginas que relatam seus amores reprováveis tornam-se assim patéticas. A simplicidade primitiva do conto eleva, acima de todas as leis, essa epopéia do amor.

A velha magia céltica está presente nesse filtro que implica a fatalidade do amor e cria esse liame misteriosamente indissolúvel. O amor, essa polaridade magnética — polaridade devida a Deus, pois Eva, o superior feminino, vem de Adão andrógino e é “sua sensibilidade volitiva” o que significa a separação do ente em dois pólos, o negativo e positivo — explica-se pelos efeitos da bebida. Porém Jean Marx (La légende arthurienne) vê em tudo isso a representação do “geis” imposto pela mulher ao seu apaixonado. Eis a razão por que essa lenda está sujeita ao fatalismo e à melancolia.

Em conclusão, o ciclo arturiano com sua maravilhosa Demanda do Santo Graal é a confirmação de um longo itinerário poético e espiritual. O esoterismo do Graal é inegável, e se revela nessa transmutacão de uma fábula predestinada num símbolo cristão. Exegese teológica e mística, esse tributo medieval é rico em ensinamentos e nunca morrerá, pois sempre surgirão dele novas interpretações.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Trova LXXXI - Waldir Neves (Rio de Janeiro)

Fonte das Imagens:
Trova sobre imagens obtidas nos sites http://www.homemsonhador.com/ e http://www.itta.com/

Rubem Braga (O padeiro)



Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.

Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:

- Não é ninguém, é o padeiro!

Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?

"Então você não é ninguém?"

Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...

Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como pão saído do forno.

Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
E assobiava pelas escadas.

Fontes:
- Para gostar de ler, Vol I -Crônicas . Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. SP: Ática, 989.
- Imagem = http://rafaxomes.blogspot.com

A Crônica


Origem

A palavra crônica deriva do Latim chronica, que significava, no início da era cristã, o relato de acontecimentos em ordem cronológica (a narração de histórias segundo a ordem em que se sucedem no tempo). Era, portanto, um breve registro de eventos.

No século XIX, com o desenvolvimento da imprensa, a crônica passou a fazer parte dos jornais. Ela apareceu pela primeira vez em 1799, no Journal de Débats, publicado em Paris.

Esses textos comentavam, de forma crítica, acontecimentos que haviam ocorrido durante a semana. Tinham, portanto, um sentido histórico e serviam, assim como outros textos do jornal, para informar o leitor. Nesse período as crônicas eram publicados no rodapé dos jornais, os "folhetins".

Essa prática foi trazida para o Brasil na segunda metade do século XIX e era muito parecida com os textos publicados nos jornais franceses. Alencar foi um dos escritores brasileiros a produzir esse tipo de texto nesse período .

Com o passar do tempo, a crônica brasileira foi, gradualmente, distanciando-se daquela crônica com sentido documentário originada na França. Ela passou a ter um caráter mais literário, fazendo uso de linguagem mais leve e envolvendo poesia, lirismo e fantasia.

Diversos escritores brasileiros de renome escreveram crônicas: Machado de Assis, João do Rio, Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Henrique Pongetti, Paulo Mendes Campos, Alcântara Machado, etc.

Ainda hoje há diversos escritores que desenvolvem esse gênero, publicando textos em jornais, revistas e sites.

CARACTERÍSTICAS

A crônica é, primordialmente, um texto escrito para ser publicado no jornal. Este, como se sabe, é um veículo de informação diário e, portanto, veicula textos efêmeros. Um texto publicado no jornal de ontem dificilmente receberá atenção por parte dos leitores hoje.

O mesmo tende a acontecer com a crônica. O fato de ser publicada no jornal já lhe determina vida curta, pois à crônica de hoje seguem-se muitas outras nas próximas edições.

Há semelhanças entre a crônica e o texto exclusivamente informativo. Assim como o repórter, o cronista se alimenta dos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica.

Entretanto, há elementos que distinguem um texto do outro. Após cercar-se desses acontecimentos diários, o cronista dá-lhes um toque próprio, incluindo em seu texto elementos como ficção, fantasia e criticismo, elementos que o texto essencialmente informativo não contém.

Com base nisso, pode-se dizer que a crônica situa-se entre o Jornalismo e a Literatura, e o cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia.

A crônica, na maioria dos casos, é um texto curto e narrado em primeira pessoa, ou seja, o próprio escritor está "dialogando" com o leitor. Isso faz com que a crônica apresente uma visão totalmente pessoal de um determinado assunto: a visão do cronista.

Ao desenvolver seu estilo e ao selecionar as palavras que utiliza em seu texto, o cronista está transmitindo ao leitor a sua visão de mundo. Ele está, na verdade, expondo a sua forma pessoal de compreender os acontecimentos que o cercam.

Geralmente, as crônicas apresentam linguagem simples, espontânea, situada entre a linguagem oral e a literária. Isso contribui também para que o leitor se identifique com o cronista, que acaba se tornando o porta-voz daquele que lê.

DESVENDANDO A CRÔNICA

Adiante, você verá algumas dicas para escrever sua própria crônica. Mas, caso você ainda não esteja muito confiante, aqui vai uma atividade que pode ajudá-lo a observar melhor esse gênero literário.

"Escândalos derrubam financista japonês"

Essa manchete foi publicada no jornal Folha de S. Paulo no dia 23 de julho de 1991. Com base nela, Ricardo Semler escreveu a crônica abaixo.

Crônica publicada no jornal Folha de S. Paulo, em 28 de julho de 1991.

É de puxar os olhos

E o camarão se mexeu. O danado estava vivo! Posso parecer um pouco caipira, já tinha comido peixe cru em restaurante japonês, mas cru e vivo, nunca! Foi só pegar no bicho com os tais pauzinhos e vuupt, o camarão deu um salto de samurai de volta para o prato. E assim progredia a visita ao Japão...

Descer no aeroporto de Narita leva à reflexão sobre o que incentiva milhares de nisseis a abandonarem o Brasil à procura de uma oportunidade no Japão. Logicamente, ganhar dinheiro verdadeiro é uma razão. Em vez de trocarem o seu esforço por uma moeda-piada do tipo cruzeiro, cruzado ou cruz-credo, o conforto de botar alguns iens no banco e saber que ainda estará lá quando for verificar o extrato. Até aí tudo bem. Mas fico pensando se o desespero é parte vital da decisão e se os nossos nisseis sabem no que estão se metendo.
Esta semana foi interessante aqui. A primeira-ministra da França, Edith "menina-veneno" Cresson, disse que os japoneses não sabem viver, que mais parecem umas formigas. O pessoalzinho daqui ficou uma vara. Passados alguns dias, bomba em cima de bomba com casos magistrais de corrupção nos mais altos níveis (ao leitor distraído reafirmo que estou em Tóquio e não em Brasília). Começou com o Marubeni, acusado de desvios de propinas para políticos. Aí, foi a vez da Nomura, a maior corretora de bolsa de valores do mundo, que andou desviando dinheiro e dando propina para políticos. E, para finalizar a novela da semana, a Itoman vê os seus executivos saírem algemados por envolvimento em - pasmem! - desvio de fundos e propinas para políticos. E foram três casos totalmente independentes um do outro...

Rumar para o Japão à procura do pote de ouro do fim do arco-íris é uma ingenuidade. O Japão é moderno, mas as suas tradições milenares desafiam qualquer análise ou compreensão superficial. É a meca da inovação, mas é também o país que mais copiou produtos na história industrial. Tem ares de liberdade de mercado, mas é uma das nações mais protecionistas e paternais do globo. É líder em tecnologia em diversas áreas, mas só deixa japoneses legítimos assumirem qualquer cargo de importância nas empresas. Fã do capitalismo livre, é mestre inigualável de intervenção estatal e poupança forçada. É nação orgulhosa de sua raça, mas os seus ídolos de comerciais não têm nem mesmo os olhos puxados, a exemplo de um comercial muito popular por aqui com o nosso "acerera A-i-roton"! Aos nisseis que pensam em vir para cá, cabe a mesma reflexão que vale para Nova Jersey ou Lisboa. Todas as nações têm muito a ensinar, mas também muito a aprender. Nivelar as expectativas com os pés no chão fará com que nossos imigrantes voltem algum dia ao Brasil para ajudar a desatolar o nosso país com o que vivenciaram fora. É bom colocar tudo no prato para evitar, como no caso do meu camarão rebelde, que se acabe comendo cru...

Texto extraído do livro
Embrulhando o Peixe - Crônicas de um Empresário do Sanatório Brasil. Ricardo Semler. Editora Best Seller. 2ª ed. São Paulo. 1992. p. 58 - 59.

Atividades com base na crônica

Com base na crônica e na manchete do jornal acima, tente realizar as atividades a seguir:

1) Quais são as idéias defendidas por Semler ao longo do texto? Tente fazer uma lista com essas idéias.

2) Será que você tem a mesma opinião sobre esse assunto? Faça uma lista com as suas idéias.

3) Em que parte do texto Semler menciona o acontecimento que dá origem à sua crônica? No início? Ao longo do texto?

4) Como Semler encerra sua crônica? Há alguma ligação entre a frase que encerra e a que inicia a crônica?

5) O escritor estabeleceu alguma relação entre o Brasil e o fato ocorrido no Japão?

6) Qual o "recado" central que Semler quer dar com esse texto? Existe, na crônica, alguma frase que sintetize essa idéia?

Muito bem! Você pode fazer exercícios como esse usando crônicas recentes, que são publicadas em jornais e revistas.

Ricardo Semler
O empresário Ricardo Frank Semler nasceu em São Paulo, em 1959. Ficou bastante conhecido graças ao seu livro Virando a própria mesa, no qual relata suas experiências ao propor uma gestão democrática em sua empresa. Foi eleito o empresário do ano em 1990 e em 1992. Mais tarde, passou a escrever crônicas para o jornal Folha de S. Paulo, abordando assuntos polêmicos de forma crítica e bem humorada.

FAÇA SUA CRONICA

Agora é a sua vez!

Ao ler crônicas, você conhece a visão de mundo daquela pessoa que escreveu o texto. Tão interessante quanto isso é você mesmo tentar encontrar a sua forma de ver e questionar o mundo ao seu redor. Como? Escrevendo sua própria crônica. Além de observar mais atentamente as pessoas e situações que fazem parte do seu dia-a-dia, você estará exercitado sua redação ao tentar construir textos claros e, ao mesmo tempo, criativos.
As etapas abaixo podem servir como um guia caso você esteja começando a se aventurar pelo mundo da crônica. Com o tempo, você desenvolverá seu próprio processo criativo e o texto surgirá de forma natural, sem que seja necessário seguir etapas definidas.

Etapas para escrever sua crônica:

1. Escolha algum acontecimento atual que lhe chame a atenção. Você pode procurá-lo em meios como jornais, revistas e noticiários. Outra boa forma de encontrar um tema é andar, abrir a janela, conversar com as pessoas, ou seja, entrar em contato com a infinidade de coisas que acontecem ao seu redor. Tudo pode ser assunto para uma crônica.
É importante que o tema escolhido desperte o seu interesse, cause em você alguma sensação interessante: entusiasmo, horror, desânimo, indignação, felicidade... Isso pode ajudá-lo a escrever uma crônica com maior facilidade.

2. Muito bem. Agora que você já selecionou um acontecimento interessante, tente formular algumas opiniões sobre esse fato. Você pode fazer uma lista com essas idéias antes de começar a crônica propriamente dita.
Frases como as que seguem abaixo podem ser um bom começo para você fazer a sua lista:

"Quando penso nesse fato, a primeira idéia que me vem à mente..."
"Na minha opinião esse fato é..."
"Se eu estivesse nessa situação, eu..."
"Ao saber desse fato eu me senti..."
"Sobre esse fato, as pessoas estão dizendo que..."
"A solução para isso..."
"Esse fato está relacionado com a minha realidade, pois..."

Como você deve ter notado, é muito importante que o seu ponto de vista, a sua forma de ver aquele fato fique evidente. Esse é um dos elementos que caracterizam a crônica: uma visão pessoal de um evento.

3. Agora que você já formou opiniões sobre o acontecimento escolhido, é hora de escrever sua crônica. Seu ponto de partida pode ser o próprio fato, mas esse também pode ser mencionado ao longo do texto, como ocorre na crônica exemplificativa de Ricardo Semler.

Escreva! Pratique! E procure usar a criatividade para criar seu próprio estilo, pois é isso que faz de um escritor um bom cronista.

Fontes:
http://www.tvcultura.com.br/

Andréia Donadon – Leal (O Passageiro)



Meu sonho era ser maquinista de trem. Desde criança ia para a estação de Santa Bárbara e ficava a namorar o cenário de trens, de passageiros, das malas... Acordava antes do sol raiar muitas vezes para encontrar o trem que vinha de cidades vizinhas trazendo passageiros. Mamãe quando descobriu minha obsessão por trens, incentivou-me a colar no pé de seu Amâncio. Homem mais velho, carrancudo, esquisito, trabalhou em todos os setores da estação do trem. Fora engraxate, vendedor de balas, salgados pipocas; depois trabalhou no guichê vendendo passagens, foi vigilante, trocador, maquinista e agora era o manda-chuva dos homens que trabalhavam na estação. Na parede de sua sala pendiam vários retratos espalhados de homens que trabalharam na ferrovia. Era coleção de seu Amâncio. Chamavam de galeria dos ferroviários mortos. Disse um dia para mim que logo sua foto estaria pendurada naquela parede. Olhei para ele assustado e não entendi nada, também nem queria entender, só queria uma boca na estação.

Um dia tomei coragem de homem e conversei com seu Amâncio sobre meu sonho:

- Senhor Amâncio! Sabe que quando crescer gostaria de ser como o senhor? Homem importante e sabido?!

- Zé, vê se isso lá é coisa de futuro para você, moleque! Vá estudar menino e quem sabe um dia trabalha aqui para nós. Rosnou o homem de cara e fala sistemática.

Após aquele conselho não tive mais dúvidas; entrei de cara nos estudos para valer e daí colhi total nos exercícios e provas da escola. Pensava obstinadamente em estudar para trabalhar na tão sonhada estação de trem. Meus irmãos me criticavam por que não brincava muito. Papai e mamãe queriam me internar, achavam que estava com neurose aguçada. Todos da minha rua me olhavam meio de lado. Eu estava nem aí pra língua do povo. O que importava era que um dia trabalharia na ferrovia.

O tempo passara e eu consegui com mérito o diploma de segundo grau. Estudei com esmero, e minha fama já se espalhara na cidadezinha. Enfim, chegou o dia em que me vi com a carteira de trabalho na mão, assinada por seu Amâncio. Iria começar trabalhando de trocador no trem. Falavam as más línguas que na partida para cidade de Balelema saía lotado de passageiros. Mas na volta vinha apenas um passageiro. Diziam que era assombração, passageiro vestido de terno escuro, chapéu de abas largas, barbudo e cheirando a flor de defunto. Sempre sentado na poltrona vinte e três...

Pura lenda de cidade pequena, onde ninguém tinha ocupação; levantavam mais cedo para terminar o serviço e ir para porta da rua futricar sobre a vida alheia e colocar minhocas assombrosas nas cabeças dos jovens e adultos. Eu, homem crescido, descrente e corajoso, ia de peito estufado e uniforme engomado para o primeiro dia de trabalho. Na primeira viagem noturna, o maquinista me esperava na porta para explicar o que fazer com os formulários, inspecionar crianças que entravam sozinhas, dinheiro para troco, conferir os bilhetes... Nem pisquei quando o bondoso maquinista falava. Prestava muita atenção nas instruções para não cometer erros! O coração batia acelerado no peito de contentamento e ansiedade. Faltava meia hora para a partida do trem das dezoito horas com destino à cidade de Balelema e já chegavam à porta alguns passageiros com os bilhetes para conferência. Cumprimentava todos com um sorriso largo nos lábios, desejando boa viagem. Observei todos que entravam, nenhuma figura estranha chegara até então. Tudo lorota do povo de cidadezinha do interior!

Tudo normal. Fui para perto do maquinista que conversou comigo alegremente. Chegamos à cidade por volta das vinte e três horas e quarenta e cinco minutos. Uma serração densa aguardava os passageiros na estação e um vento gelado penetrava nossos corpos. O lugar estava vazio, alguns vigilantes, mulheres e seus encontros, dois táxis, algumas pessoas aguardavam os passageiros do trem. Não consegui ver mais nada. Um friozinho passou minha espinha, quando todos os passageiros desceram apressados do trem e um homem de terno escuro entrou e sentou na poltrona vinte e três...

Logo que o trem deu a partida, caminhei rumo á poltrona vinte e três e conferi o bilhete com as mãos e pernas trêmulas. O homem exibia um olhar escuro e ao mesmo tempo fundo, enigmático... Não respondeu meu cumprimento, não queria conversa... Um cheiro de naftalina misturado com flores de defunto exalava de seu corpo. O medo começou a suar meu corpo com lembranças das histórias do passageiro da poltrona vinte e três! Como que adivinhando meus pensamentos, o homem levantou a cabeça, olhou demoradamente nos meus olhos e não balbuciou nenhuma palavra. Um clarão penetrou os olhos de tal maneira que numa fração de segundos fiquei completamente cego. Uma luz branca, meio amarelada invadiu os olhos... Não vi mais nada, acordei horas depois com o maquinista balançando meu corpo jogado na poltrona vinte e três. O uniforme estava todo babado. Tinha dormido na volta?! Pouco provável! Procurei avidamente o homem de terno escuro, não havia ninguém. Olhei para o maquinista e perguntei se o passageiro de terno escuro, alto, barbudo tinha descido do trem. O maquinista olhou para mim estranho e disse: nenhum passageiro veio neste trem. Aliás, ninguém jamais retornou de Balelema nos longos anos em que trabalho nesta rota. Perguntou se eu estava bem. Balancei a cabeça afirmativamente e fui bater ponto no relógio na sala do senhor Amâncio. Na galeria de fotos da parede da sala, pendiam vários retratos espalhados de homens que trabalharam na ferrovia. Estava lá, soberbo, primeiro retrato na galeria dos mortos, o homem vestido de terno escuro, chapéu de abas largas, barbudo, cheirando a naftalina e flor de defunto.

Fontes:
Jornal Aldrava Cultural.
http://www.jornalaldrava.com.br/

Fernando Pessoa (Caravela da Poesia)


Se tudo o que há é mentira

Se tudo o que há é mentira,
É mentira tudo o que há,
De nada nada se tira,
A nada nada se dá.

Se tanto faz que eu suponha
Uma coisa ou não com fé,
Suponho-a se ela é risonha,
Se não é, suponho que é.

Que o grande jeito da vida
É pôr a vida com jeito.
Fana a rosa não colhida
Como a rosa posta ao peito.

Mais vale é o mais valer,
Que o resto ortigas o cobrem
E só se cumpra o dever
Para que as palavras sobrem.
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Fosse eu...

Fosse eu apenas, não sei onde ou como,
Uma cousa existente sem viver,
Noite de Vida sem amanhecer
Entre as sirtes do meu dourado assomo ...

Fada maliciosa ou incerto gnomo
Fadado houvesse de não pertencer
Meu intuito gloriola com ter
A árvore do meu uso o único pomo ...

Fosse eu uma metáfora somente
Escrita nalgum livro insubsistente
Dum poeta antigo, de alma em outras gamas,

Mas doente, e, num crepúsculo de espadas,
Morrendo entre bandeiras desfraldadas
Na última tarde de um império em chamas ...
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Gato que brincas

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
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Tenho dó das estrelas

Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo ...
Tenho dó delas.

Não haverá um cansaço
Das coisas,
De todas as coisas,
Como das pernas ou de um braço?

Um cansaço de existir,
De ser,
Só de ser,
O ser triste brilhar ou sorrir ...

Não haverá, enfim,
Para as coisas que são,
Não a morte, mas sim
Uma outra espécie de fim,
Ou uma grande razão
Qualquer coisa assim
Como um perdão?
Boiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa,
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

Boiam como folhas mortas,
À tona de águas paradas.
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se pára, se flui;
Não sei se existe ou se dói.

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Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra cousa ainda.
Essa cousa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
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O menino da sua mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
Duas de lado a lado
Jaz morto, e arrefece.

Raia lhe a farda o sangue.
De braços estendidos
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
e cego os céus perdidos.

Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"o menino da sua mãe"

Caiu lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera lha a mãe.
Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embaínhada
De um lenço...
Dera lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há prece:
"Que volte cedo e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.
========================
Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
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Não digas nada!

Não digas nada!
Não, nem a verdade!
Há tanta suavidade
Em nada se dizer
E tudo se entender
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada!
Deixa esquecer.

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vâ
Toda esta viagem
Até onde quis.
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz...
Não digas nada.
========================
Tenho uma grande constipação.

Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor!
0 que fui outrora foi um desejo; partiu se.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando,
Não estarei bem se não me deitar na cama
Nunca estive bem senão deitando me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e de aspirina.
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"Cartas de Amor"

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem,
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal.
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade e que hoje
As minhas memorias Dessas cartes de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
como os sentimentos esdrúxulos.
São naturalmente
Ridículas)
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"Poeta fingidor"

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração
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Um dia, num restaurante...

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram se comigo. Nunca se pode ter razão, nem num restaurante. Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta, E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele. E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
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