sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Cristina Leite (50 Anos da Biblioteca Municipal de Paranavaí)

Roza de Oliveira no Sesc Paranavaí
A Biblioteca Pública Municipal Júlia Wanderley de Paranavaí festejou seu Cinqüentenário no último sete de dezembro. Além da apresentação da renomada Orquestra de Sopros de Paranavaí, inauguração do Telecentro Digital Paranavegar, destacamos o recital "A Música Erudita e seus Poemas " com a poetisa Roza de Oliveira e seu marido pianista Júlio Henrique Gómez. Roza é paranavaiense radicada em Curitiba, presidente da Academia Paranaense de Poesia, membro da Academia Sul-Brasileira de Letras, membro correspondente da Academia de Letras e Artes de Paranavaí e Imortal pela Academia de Letras do Brasil/PR. Júlio é especialista em música erudita, membro do Centro de Letras do Paraná e Academia Paranaense de Poesia.

A comemoração do aniversário contou com a presença do prefeito Rogério Lorenzetti, do vice-prefeito Alziro Lopes, do presidente da Fundação Cultural Paulo Cezar de Oliveira, da vice-presidente da Academia de Letras e Artes de Paranavaí Cristina Leite Goetten, do presidente da Câmara Municipal de Paranavaí Gil Júlio, da coordenadora da Biblioteca Ilca Zicka, secretários municipais, dentre outras autoridades.

O cerimonial foi conduzido pelo secretário de Comunicação Social Jorge Roberto Pereira da Silva.

A oradora oficial da A.L.A.P Dinair Leite discursou em nome da Academia, das Delegacias do Movimento Poético Nacional e UBT- União Brasileira de Trovadores em Paranavaí e do recém-fundado Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais - InBrasCI, no Paraná, do qual é a Presidente Fundadora e Governadora. Dinair ofereceu em nome de toda a comunidade cultural as boas vindas a Roza e Júlio.

A propósito, o talentoso casal fez belíssima apresentação de poesias, músicas e trovas em performance dirigida a concorrida platéia da terceira idade, no dia seguinte no SESC- Paranavaí.

Cora Coralina foi um dos nomes homenageados pela declamadora Roza, além de apresentação de belas obras de sua autoria. Tangos e boleros empolgaram os presentes através das mãos do pianista Júlio.

Paulo Cezar de Oliveira e o gerente executivo do SESC Ubiratan Angelo Fernandes contabilizam elogios pelas atividades realizadas nessa ocasião.

Fonte:
Dinair Leite
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Adolfo Simões Muller (Quando Eu Era Pequenino...)


Quando eu era pequenino,
gostava de ouvir contar
histórias de princesinhas
encantadas ao luar.

Havia então lá em casa
uma criada velhinha,
a Sérgia contava histórias
- e que graça que ela tinha!

Lendas de reis e de fadas,
inda me incheis a lembrança!
Que saudades de vós tenho,
ó meus contos de criança!

“Era uma vez...” As histórias
começavam sempre assim;
e eu, então, sem me mexer,
ouvia-as até ao fim.

Lembro-me ainda tão bem!
Os irmãos à minha beira,
calados! E a boa Sérgia
contava desta maneira:

“Era uma vez...” E depois,
olhos fitos nos seus lábios,
ouvia contos sem conta
de gigantes e de sábios”.

“Era uma vez...” E, por fim,
a voz da Sérgia parava...
E assim como eu te contei
era como ela contava.

Ai! que saudade, que pena,
que nos meus olhos tu vês!
Eu sentava-me e ela, então,
começava: - “Era uma vez...”
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Fontes:
O Príncipe Imaginário e Outros Contos Tradicionais Portugueses
Imagem = http://gatocomvertigens.com

Fabricio Carpinejar (Reveillon das Letras)

O escritor brasileiro está lotérico. Todo novo ano renasce a expectativa de ficar rico. Antes não existia essa bolsa de valores, esse pregão de títulos. Ser escritor correspondia a assumir um atestado de pobreza. Um voto de castidade orçamentária. A vocação pesava mais do que a carreira. O prazer substituía o ideário de estabilidade. Os pais permaneciam como fiadores da trajetória inteira. Das opções milionárias nas décadas de 1980 e 1990, restava a chance mínima de ser um best seller – mais fácil era acertar a Mega Sena. Hoje, existem prêmios polpudos na literatura que reforçam o valor das simpatias e crendices na virada do calendário: R$ 400 mil do governo de São Paulo, dividido entre romance de veterano e estreante; R$ 100 mil de Passo Fundo para romance; R$ 150 mil do Portugal Telecom (R$ 100 mil ao primeiro, R$ 35 mil para o segundo e R$ 15 mil para o terceiro); R$ 60 mil do Jabuti (dividido entre livro do ano ficção e não ficção) e R$ 212 mil do governo de Minas (R$ 120 mil para o conjunto da obra, R$ 25 mil para um poeta, R$ 25 mil para um ficcionista e R$ 7 mil para um jovem escritor mineiro); R$ 100 mil do Machado de Assis, além de sete outros prêmios da Academia Brasileira de Letras, no valor de R$ 50 mil cada.

Mais de 1 milhão de reais disponíveis para os melhores livros. Publicar tornou-se uma atividade esperançosa. São valores para acertar a conta bancária e direcionar um maior tempo do autor para os livros e para o computador.

Perspectivas para aguçar costumes esotéricos em 31 de dezembro. Qualquer sinal é importante, tanto para fazer poesia quanto para incluir na categoria de presságios. Joaninha e louva-a-deus, portadores de boa sorte, serão recebidos com alarido nas golas das camisas.

Tatiana Salem Levy, por exemplo, laureada com o Prêmio São Paulo de Literatura de 2008 com A chave de casa, é a rainha dos rituais do réveillon, adepta do banho de mar e de pular sete ondas. Já começa pela lingerie. "Ano-novo tem de ser com calcinha nova dada por alguém. Branca, se eu quiser paz; vermelha, paixão; rosa, amor; amarela, dinheiro", comenta.

Moradora do Rio de Janeiro, não perde a oportunidade de visitar o repuxo das águas e jogar flores para Iemanjá, além de vestir alguma peça com a cor do orixá. Já foi escandalosa nas oferendas. "Uma vez, fiz uma mandinga que precisava molhar uma rosa em leite materno – peguei com uma amiga! –, espalhar pelo corpo, depois amarrá-la em fita de cetim azul e jogá-la para Iemanjá, no dia 31, em troca de um novo amor", lembra.

Loucura? Nem tanto. Desejo bom tem de cansar. E o pedido acabou atendido. "No início de fevereiro, lá estava ele, prontinho pra mim", solta uma boa risada, prevendo que estará no Alentejo, em Portugal, na transição da década. Trocará o oceano pelo campo, para ver como funcionará a mudança de ares.

O catarinense Cristovão Tezza tem antecedentes para ser um pai de santo. Pela primeira vez, teve que fazer mais estantes em seu escritório: não para abrigar os livros, e sim para abrir espaço para os troféus. Só não ganhou a São Silvestre, e isso porque não correu. Nos dois últimos anos, recebeu mais de 400 mil reais em prêmios por O filho eterno. Arrebatou o Portugal Telecom, o Jabuti, o APCA, o Prêmio São Paulo de Literatura, o Bravo! e o Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon. Depois do anúncio de seu nome no segundo certame, ninguém mais o parabenizava.

Apesar da lua cheia editorial e da inveja ainda maior dos colegas, não é usuário da mandinga. Muito menos fã de lentilha. Por incrível que pareça, não acredita em nada. "Sou estéril, desprovido de crenças metafísicas", brinca.

Sua virada é prosaica. Refugia-se com a família na praia paranaense Gaivota, toma cerveja e dá risada calçando havaianas. "Vou para o litoral ficar cozinhando em casa. Como vampiro, não tomo sol, senão viro pó."

A paulista Ivana Arruda Leite, autora de Hotel Novo Mundo, já abusou das despedidas, das listas de intenções, dos patuás, de receber amigos e de preparar encomendas para os santos. Agora, quer paz. "Adorava entrar no ano-novo em grandes festas, fazendo todas aquelas mandingas pra ter dinheiro, amor, sucesso. Até que, em 2006, resolvi passar o réveillon sozinha na minha casa vendo televisão, de pijama, tomando cerveja e comendo canapé de salmão defumado. Pra quê? Foi o melhor da minha vida. De lá pra cá, nunca mais fiz coisa diferente. E esse vai ser igual. Assisto à queima de fogos e meianoite e meia estou na cama feliz da vida. Nada como se livrar de ção ritualística, ainda que ela tenha cara de festa", explica.

De acordo com a médica e psicanalista Christiane Ganzo, do grupo gaúcho Bororó e uma das autoras de A vida como ela é para cada um de nós,as pessoas trabalham mais para consumar os caprichos da passagem do que para concretizar os pedidos. Trata-se de uma ísica e alimentar que às vezes leva à gripe ou à indigestão.

As crendices são fruto da onipotência. Um fruto amargo. "Antropologicamente e individualmente, nos acostumamos a um imenso êxito e nos tornamos profundamente gulosos com nosso desempenho. Assim que dominamos algo, já o apetite aumenta e desejamos controlar o incontrolável", afirma.

A insatisfação virá, qualquer que seja o resultado. Porque sempre se pede mais do que é possível realizar. Nem os milagres são casuais. "Paciência, escritores, a fome é diferente do apetite. Ambos necessitam de respeito e amor. Amor a quem somos e podemos ser frente aos fatos de nossas vidas. O poder é apenas delírio, sequer existe. Somos potentes, sim. Muito potentes, mas não onipotentes. Inventamos a onipotência como uma saída para a suposta impotência."

A verdadeira sorte dos autores é que não há fracasso que não vire uma grande história. O que não aconteceu na vida pode virar arte.

Fonte:
Revista da Cultura. Ed. 29. Dezembro de 2009.

Ciranda de Trovas - Natal



01.
Natal! Tempo de harmonia,
de repensar seu agir,
de perdão, com alegria,
nova vida construir.
(Mifori)

02.
As vozes dizem: Hosana!
É Natal. Só paz e amor!
O Universo se engalana
num parto de luz e cor!
Gislaine Canales (SC)

03.
Era Natal na favela.
Bem limpinhos e arrumados,
foram postos na janela
dois sapatinhos furados!
Delcy Canalles (SC)

04.
Embora rudes e escassos
os bons atos, em geral,
o Natal recria laços
num simples “Feliz Natal!”
(Flávio Roberto Stefani/RS)

05.
No Natal é uma beleza,
tem presentes, festa e luz.
Mas vi que ao redor da mesa,
falta um lugar pra Jesus!
(Ademar Macedo/RN)

06.
Neste Natal vou pedir
ao Pai do Céu muitas graças
para eu não contribuir
na segregação de raças!
(Amilton Maciel Monteiro/SP)

07.
Sentamos juntos à mesa:
filhos, pais, irmãos, avós...
E o Natal mantém acesa
a chama do amor em nós!
(Marina Bruna/SP)

08.
Natal, tempo de bonança,
tempo de amor, de perdão;
deixa nascer a esperança
dentro do teu coração.
(Conceição A. de Assis/MG)

09.
Minha infância na favela
não teve um Natal de fato.
O que botar na janela
se eu não tinha nem sapato?!
(Arlindo Tadeu Hagen/MG)

10.
Esse Natal dos meninos
eles que sonham com santa.
Dão-lhes seus pais carinhos
e Santa Claus lhes encanta.
(Jaime Correa)

11.
Um Natal mais abrangente,
seria, para as crianças,
Papai Noel, consciente,
distribuindo esperanças!
(Elisabeth Souza Cruz)

12.
Que o Ano Novo, afinal,
seja de instantes risonhos
e que os sonhos do Natal
sejam muito mais que sonhos!
(Arlindo Tadeu Hagen/MG)

13.
Vou pedir com insistência,
neste Natal, um presente:
Amor e paz com urgência,
para este mundo carente!
(Vânia Ennes-Curitiba/PR)

14.
Menino Deus com ilusão,
eu sigo teus mesmos passos
paz e amor, a solução,
um Natal cheio de abraços!
(Carlos Imaz Alcaide / França)

15.
É Natal, Menino Deus,
e renasce uma esperança
às penas eu digo adeus,
ponho em ti minha confiança!
(Cristina Oliveira Chavez / USA)

16-
É Natal... E me parece
que os Natais se multiplicam
no amor fraterno que cresce
das Amizades que ficam.
(Divenei Boseli/SP)

17-
Quisera que Deus pudesse,
acabar com todo o mal
e que o mundo todo em prece
festejasse....é o natal!!!!
Eleandra Bonatto

18.
É Natal, noite de luz,
recordando a manjedoura:
José, Maria e Jesus,
traz-nos a paz duradoura.
(Arlene Lima)

19.
Nesse tempo o principal
menino que vai nascer
nesse dia de Natal
jamais ele vai morrer.
(Mário Osny Rosa)

20.
Que o Natal ao vento espalhe
toda angústia, toda dor,
e um sino alegre bimbalhe
novas mensagens de amor!
(Dorothy Jansson Moretti/SP)
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Fonte:
Mifori

João Carlos Lopes (Camões Guaicuru)


Vida do escritor Manoel de Barros vira documentário e sua poesia ganha a primeira tradução para o inglês

É em um pequeno quarto, no alto da casa, "escritório de ser inútil, isto é, de ser poeta", que Manoel de Barros prepara a "humanização das coisas" e a "coisificação do homem". Também inventa palavras, recorda-se de memórias que nunca existiram, dedica-se a uma poesia que tem o auge na construção do nada – tudo feito a lápis, em caderninhos por ele mesmo colados e pintados. Há um buquê de tocos de lápis velhos sobre a mesa – ele nunca os joga fora. Essa é a vida de vagabundagem que conseguiu adquirir: "Para escrever, é preciso ser vagabundo", acredita.

Uma rotina que só foi possível depois de muito trabalho. Autocondenado ao silêncio e à vida de fazendeiro por dez anos, Manoel rebelou-se e resolveu deixar a responsabilidade pelas terras nas mãos do filho, João. Foi quando se estabeleceu definitivamente na cidade de Campo Grande, aos 55 anos, para exclusiva dedicação à poesia, com idas semestrais ao Pantanal e visitas esporádicas ao Rio de Janeiro. Hoje, prefere o Pantanal da infância que viveu e da que ainda pode inventar, magoado com a degradação ambiental, o assoreamento dos rios e o avanço da fronteira agrícola. Venceu o prêmio Jabuti com O guardador das águas, em 1989, e com O fazedor do amanhecer, em 2002, e alerta que as águas e as alvoradas do Pantanal sofrem agora por abandono.

Aos 92 anos, Manoel de Barros continua em busca das miudezas. "Hoje, o meu olhar é ajoelhado no chão a ver os caracóis da terra, as rãs das águas, os lagartos das pedras", diz. A idade teima em o aproximar da infância. A surdez que o impede de ouvir as obrigações cotidianas e todas as coisas importantes, misteriosamente permite que ouça o tropel dos pássaros e a música de Brahms. A visão limitada, que dificulta a leitura de letras miúdas, serve para olhar bem de perto as formigas, as avencas e as violetas. Desbocado, diz aquilo que não gostaríamos de ouvir – e que até pode ser verdade. Para ele, seu último livro já foi escrito: Memórias inventadas: A terceira infância, que completa a trilogia de sua autobiografia ficcional. Se é possível que o autor personifique sua obra, Manoel atingiu a infância que narrou em seus versos.

OUTRA INFÂNCIA

Enquanto Nequinho brincava com as miudezas do chão, o pai, João Wenceslau Barros, fazia cercas, levantava acampamentos, cumpria a rotina da vida adulta no campo como capataz de fazenda. Do Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, a família mudou-se para o Pantanal de Corumbá, extremo oeste do Mato Grosso do Sul. A criança foi criada naquele chão, brincando com sapos, lagartixas e tropas de formigas. Aos 13 anos, já atendia por Manoel de Barros, interno no colégio dos Maristas, cidade do Rio de Janeiro: leu, pela primeira vez, Os sermões, do padre Antônio Vieira, e descobriu o que era poesia. Apaixonou-se pela palavra, embora ainda não soubesse o que era paixão. Chamava isso de “dom”.

Uma capacidade primitiva e inocente, dedicada apenas a coisas sem importância: "As coisas sem importância são bens da poesia", explica. Procurou pelas palavras em toda a literatura quatrocentista portuguesa. Sofreu a revolução dos versos de Rimbaud. Aprofundou os estudos de linguística, tendo em mãos as palavras sagradas dos profetas bíblicos. Também estudou Direito, revezando as aulas com fugas para a Biblioteca Nacional, onde tinha encontro marcado com a poesia. Exerceu a advocacia, ainda que na primeira audiência tenha vomitado sobre o processo, na mesa do juiz.

Para se tornar poeta, desafiou o destino. Seguiu para uma viagem sem rumo, passando por Bolívia, Peru, Equador até chegar a Nova York, onde viveu por um ano, dedicado apenas à leitura da poesia norte-americana, às exposições de arte e à música barroca. "Aí, a minha vida virou", conta. A visão da miséria latino-americana lhe rendeu alguns poemas e o choque com o mundo civilizado exigiu a lembrança das coisas primitivas do Pantanal de sua infância. Resolveu construir imagens com palavras para fazer delas insetos, pássaros, águas e assobios.

Voltou ao Brasil, publicou o primeiro livro, Poemas concebidos sem pecado, e enfim soube o que era a paixão: conheceu Stela, com quem teve três filhos. Só aos 60 anos foi lançado para o grande público, confundindo a crítica e a imprensa com a falsa impressão de um poeta inato, bucólico, guardado no regionalismo pantaneiro. Foi fazendeiro, mas antes de calçar as botas já era plenamente poeta. Decidiu formar sua fazenda Santa Cruz apenas aos 44 anos, pai de família, autor de dois livros. Durante o período em que viveu no campo, não escreveu um só poema.

Se o mérito de Luis Vaz de Camões, o mestre, está na consumação de seus versos como idioma corrente, a feitura da própria língua, Manoel de Barros promove o contrário com a mesma grandeza: faz do idioma um revés, aplica-se a construções linguísticas que despertam o lado mais estranho da própria língua, ao mesmo tempo tão íntimo e compreensível. Se faltam os mares que influenciaram Camões, merecem destaque as lendas guaicurus do Mar de Xaraés – o mar do sertão pantaneiro, a fonte das águas que Manoel versou. E, como Camões, superou os limites da poesia.

REINVENÇÃO DA LÍNGUA

A carreira de Manoel de Barros é marcada pela paciência – mais que pelas atribulações da vida, com publicações, em média, a cada cinco anos. A feitura do poema lhe toma tempo. É preciso que cada palavra seja desacostumada, talvez até destruída, reformulada. "Sempre achei a linguagem destroncada mais bela do que a comum. A linguagem é a minha matéria plástica", explica. É uma linguagem comparável ao ciclo das águas do Pantanal. As tribos de índios Guaicurus percorriam os desvãos do Pantanal, entre as cheias e as épocas secas, até que encontrassem os descampados ideais para viver. Manoel promove essa fuga constante a cada verso, subvertendo o curso da língua.

Com traduções para seis idiomas, incluindo catalão e alemão, neste último assinadas por Curt-Meyer Clason – tradutor que também se dedicou às obras de João Guimarães Rosa –, Manoel de Barros estreará na língua inglesa, no próximo semestre, com a antologia Birds for a Demolition. Foram traduzidos cerca de 70 poemas escolhidos livremente. “O que me atrai na poesia de Manoel é a invenção de palavras e o uso de estruturas gramaticais surpreendentes. Isso faz o leitor perceber a linguagem de uma maneira diferente e, por meio dela, perceber o mundo com um novo olhar”, explica Flávia Rocha, poeta e jornalista paulistana que auxiliou a premiada tradutora nova-iorquina Idra Novey na pesquisa para a primeira tradução do poeta para o inglês.

O jornalista Bosco Martins, que acompanhou durante os últimos 30 anos a vida cotidiana do poeta e seus encontros com personalidades, políticos, escritores e artistas, promete um livro-reportagem cujo lançamento acontecerá em breve, ainda sem título definido. Assim como a série fotográfica a que Lucas Barros, fotógrafo e neto do poeta, tem se dedicado. Um raro registro da intimidade da casa, da fazenda e da família, com chance de resultar em uma fotobiografia.

Nas telas de cinema, Manoel já se viu no longa-metragem documental dirigido por Pedro Cezar, a desbiografia oficial do poeta Só dez por cento é mentira, lançada em 2008 no Festival de Cinema do Rio de Janeiro. Essas aparições, ainda que apenas para contestar a versão romântica de um poeta tímido e recluso, são regalos de valor inestimável para os leitores. Embora ele ainda prefira as cartas, inclusive para fazer promessas, como no trecho que segue, desvendando um título e o enredo do que pode ser o seu novo livro: "A infância da palavra. Gosto da semente da palavra, que é a voz de Deus que habita nas crianças, nos tontos, nos profetas e nos poetas. Gosto da infância"

Fonte:
Revista da Cultura. Ed. 29. Dezembro de 2009.

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XIX

III. Roberto, o diabo

Este belo e doloroso conto da Idade Média francesa canta a esperança de cada homem: qualquer, que seja o grau de nossos pecados, podemos encontrar o caminho da salvação. Roberto, esse ser abjeto e amaldiçoado, torna-se um santo. Obra de moralização e de encanto, sua ação rápida, alerta, acentua os caracteres da cavalaria.

1. — O assunto

Roberto nasce sob uma influência infernal. Sua adolescência é marcada pelos seus atos de crueldade; porém, ao saber do segredo do seu nascimento, quer expiar-se. Em Roma, num recanto do palácio do imperador, imita um louco e come com os cães. Porém, quando os sarracenos devastam a região, Roberto, com autorização celeste, combate e expulsa o invasor.

Depois, no anonimato, retoma o seu lugar de truão. Três anos mais tarde seu feito glorioso se repete e a identidade do “cavaleiro branco” se desvenda; a princesa encontra novamente a palavra para glorificar Roberto que, fugindo às honras, se retira do mundo.

2. — Os manuscritos

Um antigo poema de duzentas e quarenta estrofes monorrimas de quatro versos datando do século XIII foi retomado por G. S. Trébutien (Silvestre, Paris, 1837). Outro manuscrito do século XIV (ou começo do século XV) recebeu os cuidados atenciosos de E. Loseth (1903).

3. — As fontes

a) Literárias — Um texto em latim — de Etienne de Bourbon, dominicano do século XIII, publicado por Lecoy de la Marche (1877) retoma o mesmo tema, bem como uma redação em alemão do século XV. Um regato atravessa o quarto da princesa: imaginamos o quarto de Isolda.

Este assunto se repete nos Mistérios de Nostradamus (ll.o milagre) e no Roman de Robert, le Dyable, manuscrito de La Vallière, n.o 80 (edição Frère, Ruão, 1836). Mas “Un miracle de Nostre-Dame d’un enfant qui fu donné au dyable, quand il fu engendré” (33o. milagre de Gautier de Coincy) é publicado pelo padre Poquet (1857; Frère, Ruão, 1836) e Petit de Julleville (t. 149; t. II, 310) contêm textos análogos; Paulin Paris ocupa-se do “Miracle d’un enfant que sa mere donna ao diable à l’eure que son père l’engendra et qui fut porté en enfer”. Mágicos presidiram também a esse nascimento: este tema de iniciação é estudado nos temas do conto de Barba Azul.

b) Histórico — Nas Chroniques de Normandie pretendeu-se atribuir a paternidade de Roberto, o Diabo, a Aubert, duque e governador, da Normândia no tempo de Pépin le Bref; depois foi Robert Courteheuse, filho de Guilherme; o Conquistador, que teve morte gloriosa em 1134, durante a primeira cruzada. Outros viram nesse personagem o pai de Guilherme, o Conquistador, Roberto, o Magnífico (1035).

Na verdade Roberto, o Diabo, parece ser uma criação. É o tipo do príncipe salteador da Idade Média.

4. — Sucessão literária

Se Liebrecht (zur, Volkskunde) vê nessa lenda a adaptação eclesiástica de um velho conto popular pertencente ao grupo do “Teigneux”, Borinski pensa em Robert Guiscard.

Realmente, muitas vezes o demônio se interessa pelas crianças para delas fazer suas criaturas. Guillaume d’Orange, as lendas alemãs de Orendel e de Wolf Dietrich, as sagas de Thidrek têm pontos de semelhança estudados por Cosquin nas literaturas do Cambodge, de Zanzibar, da Sibéria, etc. A criança se liberta desse jugo maléfico mas conserva os benefícios da iniciação nos segredos importantes.

Edelestand do Meril (Etudes d’archéologie), Littré e Gaston Paris (Romania, IX, 523; XV, 260) estudaram essa lenda que Edouard Fournier, depois de uma tradução (Denty, 1879), fez representar no Gaieté, no dia 2 de março de 1879. Fora a ópera de Meyerbeer (Paris, 1831), as obras de Scribe e de Delavigne são interpretações livres.

5. — Seu ensinamento

Este conto, cujo texto é de uma pureza exemplar, adotou as idéias do cristianismo medieval. Faz lembrar Saint Alexis que, no dia de seu casamento, para se mortificar, foge às alegrias de sua família. Esta idéia de penitência, de elevação, depois de uma decadência nativa, tem bem um caráter popular e moralizador. Roberto, o Diabo, continua a ser uma das lendas francesas mais recentes.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Trova LXXXV - Lairton Trovão de Andrade (Pinhalão/PR)


Montagem sobre imagem obtida em http://bibliofototeca.blogspot.com

João Gilberto Noll (Dois Ingressos)


“DOIS INGRESSOS”, Pedi me abaixando um pouco, espiando as tristes feições que me atendiam. Sabia que eu estava absolutamente sozinho, mas não me contive, repeti: “Dois ingressos”. Na verdade não me importava com o filme em cartaz. Apenas deixei que o vento batesse no que me restava de cabelo, e fiquei ali, esperando que a moça me entregasse os bilhetes para o filme sobre o qual eu nem vagamente ouvira falar. Uma criança, claro, me puxava pela calça para que eu comprasse suas pastilhas de hortelã. Dizem que na eternidade todas as coisas vão se conectar umas às outras sem que nenhuma pese demais, ou seja, sem que nada chame muito a atenção sobre si para que tudo possa se encadear indefinidamente, um papo assim. Pois foi nisso que fui pensar no momento em que aguardava os bilhetes. A criança vendedora de pastilhas já não estava por ali.

Entrei. Dormi. Acordei com o filme pelo meio. Dois corpos se beijavam dentro de um carro. Depois uma batalha esquisita entrava. Numa época anterior à possibilidade histórica de um carro. Depois... depois uma sombra azeitonada cochichava ao meu ouvido um torvelinho de sílabas com uma fenda voraz em certo trecho de toda a confusão; cochichava o que não sou doido de reproduzir, pois venho desenhando em mim um homem com a mania férrea de se manter na mansidão do que pensa aparentar. Mas... mas em que ponto mesmo eu ia tocar?

Ah, precisava dormir um pouco mais. A música na tela era um tanto militar, como se saísse de um tranco de guerra, de algo que de sonífero tinha apenas um instrumento calado, constantemente a postos, preparado para entrar...

Aliás, o que eu queria mesmo era só uma pausa momentânea diante de tanta erupção sem a guarda dos fatos... Compreende ou prefere se afastar? Mas espera!, espera... O que eu queria era voltar a antes da sessão, eu com as mãos sobre o mármore frio da bilheteria, pedindo calmamente dois ingressos em plena vigência de uma sesta impossível, com aquela baboseira sobre o rigor da eternidade na cabeça, lembro... Duas, duas e meia da tarde... Ah, não sei por que volto ao plano inicial na calçada, em frente ao orifício por onde a mão passava com o dinheiro e voltava com as entradas; só sei, vocês verão, que não tenho aonde chegar – é isso... Então me levantei, fui ao banheiro do cinema.

Exatamente assim: me levantei, fui ao banheiro do cinema, justamente nessa ordem quase demencial ao panorama da hora, e soube pelo espelho que eu caçoava de mim. Língua, dentes, orelhas, tudo, tudo já não se continha em si, já expunha um outro mundo onde criaturas como ele... ele, ele sim, esse que se olhava no espelho de um cinema sujo e malcheiroso, esse que nunca ninguém mais viu, inclusive eu, se eu ainda fosse um pronome utilizável aqui onde já nem me encontro – mas calma!, pois eu dizia... dizia que inclusive eu de fato nunca mais vira aquele homem que se olhava no espelho do banheiro do cinema, a reparar que toda aquela massa orgânica até então coesa já caçoava irremediavelmente de sua própria pele, de seu próprio desconsolo até, uma vez que o tal desconsolo já não tinha realidade que o pudesse sustentar, sustentar para na primeira oportunidade poder eliminá-lo num afago quem sabe, num beijo de morte talvez, enfim!, deixa pra lá...

“Dois ingressos”, repeti. “Dois ingressos”, murmurei o mantra esfarrapado saindo do cinema – ali, bem ali naquela esquina onde eu já não podia estar...

Fontes:
Revista Cult. Junho de 2001. p.26 (Ficção Cult)

João Gilberto Noll (1946)



João Gilberto Noll nasceu em 1946 na cidade de Porto Alegre (RS).

Em 1969, após ter abandonado o Curso de Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, muda-se para o Rio de Janeiro, onde começa a trabalhar como jornalista nos jornais “Última Hora” e “Folha de São Paulo.

Em 1970, publica seu primeiro conto na antologia “Roda de Fogo”, organizada por Carlos Jorge Appel, de Porto Alegre.

Transfere-se para São Paulo, indo trabalhar como revisor da Cia. Editora Nacional.

Retorna ao Rio e à “Ultima Hora”, em 1971, onde escreve sobre teatro, literatura e música.

No ano de 1974 volta aos estudos de Letras e, no ano seguinte, leciona no Curso de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Em 1980, um ano após concluir o Curso de Letras, publica seu primeiro livro, “O cego e a dançarina”.

Recebe os Prêmios “Revelação do Ano”, da Associação Paulista de Críticos de Arte, “Ficção do Ano”, do Instituto Nacional do Livro e o “Prêmio Jabuti”, da Câmara Brasileira do Livro.

Outros livros do autor:

1981 – “A fúria do corpo”
1985 – “Bandoleiros”
1986 – “Rastros de verão”
1989 – “Hotel Atlântico”
1991 – “O quieto animal da esquina”
1993 – “Harmada” (Prêmio Jaboti)
1996 – “A céu aberto” (Prêmio Jaboti)
1997 – “Contos e romances reunidos”
1999 – “Canoas e marolas”
2002 – “Berkeley em Bellagio"
2003 – “Mínimos múltiplos comuns”

Recebeu vários prêmios internacionais, teve livros lançados da Inglaterra, foi bolsista e professor convidado na Universidade de Berkeley – E.U.A.

Fontes:
Wikipedia
Projeto Releituras
Revista Cult

Paulo Leminski (A Lua no Cinema)



A Lua foi ao cinema,
Passava um filme engraçado,
A história de uma estrela
Que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
Uma estrela bem pequena,
Dessas que quando apagam,
Ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
Ninguém olhava para ela,
E toda a luz que ela tinha
Cabia numa janela.

A Lua ficou tão triste
Com aquela história de amor,
Que até a Lua insiste:
-Amanheça, por favor!

Adolfo Simões Muller (Malditos Poetas)

Grandes Poetas (arte de Iraima Bagni)
Malditos poetas, que disseram tudo
e tudo tão bem dito!

Malditos poetas, que me deixam mudo,
sem um ai, uma súplica ou um grito!

Raios os partam, cada qual maldito!

Malditos, que roçaram no seu voo,
com asas de veludo
o infinito!

Malditos poetas: Eu os abençoo…

José de Mello Jr. (A Evolução do Livro e da Leitura)



O livro como nós conhecemos hoje, surgiu no Ocidente por volta do Século II D.C., fruto de uma revolução que representou a substituição do Vólumen pelo Códex, ou da forma de organizar em rolos para a forma atual composta por cadernos reunidos. Essa mudança não ocorreu de súbito, os primeiros a aderir foram as comunidades cristãs ainda no Século II visto em sua totalidade dos manuscritos da Bíblia encontrada a partir deste período, vale-se deste suporte. O mundo grego-romano relutará em assumi-lo. Só por volta do Século V é que haverá tanto Códex quanto rolos.

Vários eram as vantagens da nova forma de suporte: a utilização dos dois lados do suporte, a reunião de um número maior de textos em um único volume, absorvendo o conteúdo de diversos rolos, a indexação permitida pela paginação, a facilidade de leitura; enquanto o Vólumen exigia para ser desenrolado e lido a utilização das duas mãos, o Códex depositado em uma mesa pode ser lido sem o auxílio das mãos, liberando-as para o exercício de anotações. As mudanças, como se vê, eram significativas: tornava-se possível a redução dos custos de fabricação e, ao mesmo tempo em que se facilitava a leitura, concedia-se ao leitor a oportunidade de anotar, comparar e criticar o texto lido.

Com o Códex criou-se a tipologia formal, abrindo caminho para toda a padronização de formatos associada a gêneros e tipos de livro, normatização da qual são herdeiras as formas atuais de editoração.

Nestes 18 séculos que nos separam da passagem do Vólumen ao Códex, outras transformações significativas ocorreram ao âmbito do livro e da leitura. A partir do século 14 os impressores passaram a se responsabilizar por todas as marcas, títulos, capítulos e cabeças de páginas, eliminando a intervenção direta do corretor ou possuidor do livro. A separação entre as palavras, o estabelecimento de parágrafos, a numeração de capítulos, dentre outros, são adventos que irão interferir diretamente na leitura e que tomarão possível a proliferação de um leitor silencioso, que se vale apenas do olhar para apropriar-se do texto. Todo o aparato da leitura que na Antigüidade era predominantemente um ato sonoro e coletivo (voz alta), transforma-se em um ato solitário.

O leitor silencioso, em geral, confunde-se com o leitor extensivo, qual seja, aquele que tem à sua disposição um número muito grande de títulos para se apropriar, comparar e fundar a partir de seus comentários e novos textos. É o oposto do leitor intensivo, predominante em toda a Idade Média, ou seja, um leitor que dispõe apenas de um pequeno número de livros, e que faz da leitura destes textos um ato sagrado.

O advento da imprensa de tipos móveis, criou condições para que o leitor silencioso proliferasse por toda a Europa, uma verdadeira cultura letrada desenvolveu-se à medida que os originais se multiplicavam e que a oferta de títulos aumentava vertiginosamente. Enquanto a leitura em voz alta permanecia forte nos meios populares, dedicando-se a um pequeno número de obras, em geral romances, contos populares e poemas, a leitura com os olhos se dedicava à mais ampla gama de assuntos, em especial os científicos e filosóficos, era portanto, praticada por um seleto grupo de leitores.

No século XXI, proliferaram dezenas de novos modelos de suporte para leitura. Desta vez tinha-se a impressão de que voltaríamos ao passado. Sim, porque o texto estava mais uma vez rolando em algo, desta vez, não através do Vólumen mas pelo Écran (tela do computador) e com a ajuda da barra de rolagem. O texto eletrônico permite, de alguma forma, que possamos ler num suporte muito próximo ao modelo do caderno, em termos de tamanho e peso, porém como se fosse em rolos. O Vólumen levava os pensamentos ali escritos em uma unidade. O caderno, tão moderno e tão sofisticado em si, leva folhas presas, grampeadas ou costuradas.

Da evolução do Vólumen ao Écran, passamos pelo Códex e chegamos aos eBooks.

Fonte:
Revista Editor. Trechos do artigo "O Livro Digital". ano 2 - Nº 8 - Fevereiro / Março 2000

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XVIII



II. — O Judeu Errante

O judeu Isaac Lequedem da tribo de Levi, denominado também Ahasvero — Sapateiro — recusou qualquer socorro a Jesus supliciado. Por essa falta de caridade, caminhará até o juízo final conforme a maldição divina.

1. — Criação literária

Em 1228, um arcebispo da Grande Armênia, ao visitar o mosteiro de Saint-Alban, narrou a lenda de José — ou Cartafilo — porteiro do pretório, que bateu em Jesus e foi condenado a esperar a volta do Senhor. Caindo, de cem em cem anos, em letargia, recupera sua aparência corporal do tempo da paixão (trinta anos). O arcebispo diz ter almoçado com José. Mathieu Paris, recolhe a lenda e registra-a, em 1252, na sua História Major; Philippe Mousket, bispo de Tournai, menciona o mesmo episódio na sua Chronique rimée (em aproximadamente 1243).

Entretanto, essa lenda não aparece no folclore armênio.

Gaston Paris (Légendes du Moyen Age, 1912), observa que Cartafilo devia ser romano e não judeu pois que foi empregado por Pilatos.

A. d’Ancona mostrou (Romania, t. X e XII) que o personagem obsedava a imaginação da Idade Média.

2. — Evolução da lenda

Uma carta em alemão, datada de 29 de junho de 1564 afirma que Paul d’Eitzen, doutor em teologia e bispo de Scheleszving, encontrou o Judeu errante em Hamburgo em 1542. 0 redator alemão, protestante, teve que se servir desse nome para autentificar uma narração lendária. A narração de Chrysostornus Duduloeus Westphalus (Leyde, 1602), teve numerosas reedições.

Em 1575 esse erradio é encontrado na Espanha; apresenta-se aos Magistrados de Estrasburgo; Pierre Louvet o vê em Beauvais (1614). 0 advogado Bouthrays, na Histoire de son temps (t. II, XI, 1604), observa que — toda a Europa se — ocupa com esse personagem que inspira as artes. Depois da .publicação em Bordéus dos Discours du véritable Juif Errant (Discursos do verdadeiro Judeu Errante) (1609), as cartas de Prétendu Espion Turc (Pretenso espião turco) torna-se Michob-Ader (Paris, 1680).

3. — Origem literária

Gaston Paris pensa em Caim, o erradio fugitivo, em Samiri que foi condenado por Moisés a caminhar sem descanso por ter adorado um bezerro de ouro. Malc, que esbofeteou o Cristo com sua luva de ferro e gira em torno de uma coluna até o juízo final. Mas a lenda mais notável parece ser a de Jean Boutedieu, conhecida pelas cruzadas estabelecidas na Síria. É encontrada nos mistérios provençais, na canção de gesta de Fierabras (Ferrabras) na qual o leproso Marcos bate Jesus e na Espanha sob o nome de Juan Espera-en-Dios. Philippe de Novare anotou-o no seu Livre en forme de plait (1250).

4. — Evolução do personagem

Discípulo bem-amado ou culpado? São João, bem como José de Arimatéia são imortais e entretanto o cristão espera apenas a graça do céu. A vida tranqüila de Cartafilo sucede a vida errante de Ahasvero. Mas o erradio pára nas vilas, professa, toma assento à mesa de Paul d’Eitzen. Esses dois homens são tão diferentes que Droschen (Iena, 1668), Frantzel e uma brochura de 1645 são de opinião de que existem dois testemunhos da paixão.

Porém, em aproximadamente 1800, o judeu errante não pode mais parar; possui apenas 5 soldos no bolso que se renovam à medida que os vai gastando. É um timorato. Goethe pensa em tratar dessa lenda, mas Fausto, que também pode renascer, é muito mais humano.

5. — A sucessão literária

Depois das obras anônimas, as edições tais como La chanson de Béranger, a ópera de Scribe e Saint-Georges com a música de Halevy. Gérard de Ner vai traduziu Schubart numa meditação filosófica.

Gustave Doré firma esse personagem que permite a Eugene Sue compor o primeiro romance-folhetim. Mélies, em 1904, consagra-lhe uma curta metragem cinematográfica e histórica; lendas relativas à Paixão encontram-se intercaladas nessa obra. Daí as obras de Edgard Quinet (Ahasverus, 1834), de Ed. Fleg (Albin Michel, 1953), de Alexandre Arnoux (Carnet de route du Juif Errant, Grosset, 1931). Depois deste livro vibrante t’Serstevens criou seu encontro com D. Juan (La Légende de Don Juan, Gonet, 1946); num diálogo cintilante D. Juan torna-se o Judeu errante do amor. J. C. Cordeau (Ahasverus, Jouve, 1951) observa os simuladores que vão do desertor (Léopold Delporte, 26 de maio de 1623), aos impostores, tais como o conde de Saint-Germain ou Cagliostro. Outros homens, seguindo a convocação geral do ano 1000, já haviam endossado essa personalidade.

6. — Conclusão

O Judeu Errante talvez tenha nascido da imaginação popular. Todavia, o castigo parece desmesurado em relação ao ato e dificilmente se compreende o rigor de Jesus que sabia perdoar. A lenda pode personificar a nação judaica que deve viver entre os outros povos depois da destruição de Jerusalém por Tito. Pode ser o emblema da humanidade que caminha continuamente para um fim imprevisto. É a alegoria da guerra; a explicação mitológica transforma-a no vento que a conduz. É também um tema protestante, um testemunho certo que fortalece a fé, um testemunho em favor da veracidade dos fatos narrados nos Evangelhos, que combate o mito cristão.

A lenda permite aos autores traçar o quadro dos usos e costumes de cada país por onde passa; ou contar a História Sagrada. Porém, o personagem, vencido por seu erro, não goza das alegrias mortais, as únicas alegrias que poderiam lhe ter criado na obra literária um lugar de destaque.
-------------
continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Trova LXXXIV - Pedro Ornellas (São Paulo)

Montagem da Imagem utilizando imagens recolhidas da internet

Adolfo Simões Muller (A Raposa e a Cegonha)



O sr. Pombo, o carteiro,
trouxe um bilhete à Cegonha,
em folha de pessegueiro,
que ela soletrou, risonha:

«Dona Raposa, a Vossência,
envia muito saudar,
aguardando a comparência
de Vossência no jantar

que às Tantas do dia Tal
do corrente, se efectua
no Retiro do Pardal,
na rua da Catatua.

Não diga nada ao correio
e creia-me ao seu dispor.
Traje: simples, de passeio
R.S.F.F. (Responda, se faz favor).»

É claro: à hora marcada,
no dia Tal, no bilhete,
Dona Cegonha, apressada
lá seguiu para o banquete.

Mas foi uma decepção,
pois a Raposa, matreira,
fez servir a refeição
numa pedra da ribeira...

E, enquanto a pobre Cegonha
achava o caso bicudo,
a Raposa, sem vergonha,
tratava de comer tudo!

Mas a Cegonha, à saída,
despediu-se em tom amigo:
- Gostei muito da comida!
Almoce amanhã comigo!

De manhãzinha, a Raposa,
sempre cheia de apetite,
não quis saber doutra coisa
senão daquele convite.

- Sim, senhora! Bela mesa! -
gritou logo, satisfeita –
Cheira que é uma beleza!
Há-de me dar a receita...

- Bem digo eu, afinal,
e a colegas das melhores,
que dona de casa igual
não há nestes arredores!

Pôs então o guardanapo,
pensando, de olhos em alvo,
que havia de encher o papo
graças a mais um papalvo...

Já a Cegonha servia,
prazenteira, o seu almoço,
numa bilha muito esguia
e funda que nem um poço.

Só um bico, desta vez,
podia chegar ao fundo...
Foi o que a Cegonha fez:
rapou tudo num segundo.

E fula, de olhar em brasa,
a Raposa, como louca,
teve de voltar a casa,
fazendo cruzes na boca.

Vingança é coisa mesquinha!
Mas na vida quem faz mal
paga às vezes a continha
com juros e capital...
--------------------------
Poesia baseada em fábula de Esopo

Imagem
http://fabulasdeesopo.blogspot.com

Adolfo Simões Müller (1909 – 1989)


Adolfo Simões Müller (Lisboa, 18 de Agosto de 1909 - 17 de Abril de 1989) foi um escritor e jornalista português.

Frequentou a Faculdade de Medicina mas abandonou o curso. Foi secretário de redação do jornal Novidades, fundador e diretor até 1941 do jornal infantil O Papagaio e diretor do Diabrete. Foi ainda diretor do gabinete de estudos de programas da Emissora Nacional e produtor de programas para a rádio. Inclusive foi o autor do primeiro folhetim de rádio As Pupilas do Senhor Reitor.

Estreou-se na literatura com o volume de poemas Asas de Ícaro (1926). No entanto, foi a literatura infantil que o celebrizou, tendo escrito obras como Caixinha de Brinquedos (1937, Prémio Nacional de Literatura Infantil) e O Feiticeiro da Cabana Azul (1942, galardoado com o mesmo prêmio).

Para o público juvenil escreveu, entre outros, os livros constantes da coleção Gente Grande para Gente Pequena, onde em cada livro romanceou a vida de personalidades como Madame Curie (A Pedra Mágica e a Princesinha Doente), Robert Scott (O Capitão da Morte),Camões (As Aventuras do Trinca-Fortes), Thomas Edison (O Homem das Mil Invenções), Gago Coutinho (O Grande Almirante das Estrelas do Sul), Wagner (O Piloto do Navio Fantasma), Gutenberg (O Exército Imortal), Florence Nightingale (A Lâmpada que Não se Apaga), Infante Dom Henrique (O Príncipe do Mar), Cervantes (O Fidalgo Engenhoso), Serpa Pinto (Através do Continente Misterioso), Marco Polo (O Mercador da Aventura), Fernão de Magalhães (A Primeira Volta ao Mundo - Prémio Nacional da Literatura em 1971), Baden-Powell (A Pista do Tesouro) ou Hans Christian Andersen (O Contador de Histórias).

Entre outras obras, adaptou para a juventude Os Lusíadas (1980), A Peregrinação (1980), A Morgadinha dos Canaviais (1982) e As Pupilas do Senhor Reitor (1984).

Em 1982, recebeu o Grande Prémio da Literatura Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian pelo conjunto da sua obra, onde também se incluem livros como Meu Portugal, Meu Gigante (1931), Jesus Pequenino (1934), A Última Varinha de Condão (1941), Historiazinha de Portugal (1944), A Última História de Xerazade (1944), Dona Maria de Trazer por Casa (1947), O Livro das Fábulas (1950) e A Viagem Maravilhosa de Comboio (1956), num total com mais de 70 obras.

Outras das suas obras são Tejo Rio Universal, Sola Sapato Rei Rainha, Douro: Rio das Mil Aventuras, Histórias do Arco da Velha, Moço Bengala e Cão ou a adaptação juvenil das Mil e Uma Noites.

Em 1990, a Editorial Verbo instituiu um prêmio com o nome do escritor, como homenagem à memória desse mestre da literatura infantil e como estímulo à revelação de novos autores.

Fonte:
Wikipedia

Alex Giostri (O Ator e a Poesia)



“O verdadeiro aplauso que deves procurar não são as palmas subitamente ouvidas após um verso deslumbrante, mas o profundo suspiro que escapa da alma e a alivia, após a opressão de um longo silêncio.”
DIDEROT, Denis

A relação do ator com a poesia deve ser íntima. Um ator que tenha um conhecimento médio no universo poético terá naturalmente uma maior desenvoltura em seu ofício. E a poesia não são apenas os versos que se lê em livros, mas também as letras musicais, as frases bem ditas, a maneira que se experimenta a vida.

Da poesia, da obra poética, é fundamental que o ator leia tudo o que puder. Quanto maior for o seu conhecimento maior será o seu espaço emocional e intelectual. O objetivo maior dessa aproximação entre o ator e a poesia é a questão lírica que a poesia contém em sua estrutura. O eu lírico do poeta é também o eu lírico do ator, que na verdade está levando á cena o eu lírico de uma personagem, que é fruto de um eu lírico do autor.

O poeta ao escrever seus versos expressa suas sentimentalidades nos versos. O ator, ao compor sua personagem, exala através de sua fala as palavras que o autor, que também já foi chamado de poeta dramático, escreveu. Ambos falam de seu eu. Um revela a própria verdade, o outro revela a verdade daquela pessoa que não é ele próprio, mas que também é naquele momento. Neste sentido, pode-se pensar que as impressões do ator emolduram as impressões da personagem, que revela ao público não apenas a sua impressão, mas também a impressão do ator e de sua vivência emocional pessoal. Todos falam ou tratam de si subjetivamente.

O fazer poesia para o ator é quando é capaz de ocultar-se e à palavra que diz, transformando-a apenas em impressões para os espectadores. A fala do ator é também poesia. Toda fala é também canção, assim como a canção vem da fala. Então, na medida em que o ator é sensível à poesia também é sensível à palavra, consequentemente à maneira de falá-la, declamá-la ao seu público.

E ao transformar a sua fala em poesia em cena, o ator se mune da boa respiração, das pausas, das inflexões, do conhecimento da língua, da pontuação e do sentido de tudo que está dizendo e fazendo. O ator completo é poesia.

E essa é a questão:

O que diferencia o poeta do ator é que o poeta é poeta de sua obra e o ator é poeta do mundo e do próprio poeta. É o ator que declama o que o poeta, que é também o dramaturgo, escreve em seus papéis.

Fonte:
http://www.alexgiostri.com.br/

Casa do Poeta de Canoas (Convite)

Mário de Andrade (O Cortejo)


Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bom giorno, caro."

Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! Os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção...
Giram homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

Estes homens de São Paulo,
Todos iguais e desiguais,
Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
Parecem-me uns macacos, uns macacos.

Mário de Andrade
Paulicéia Desvairada (1922)
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Análise da Poesia

O livro Paulicéia Desvairada foi publicado em 1922, mesmo ano da Semana de Arte Moderna. Trata-se do primeiro livro de poemas modernista, cuja "confecção tumultuária" Mário de Andrade descreveria muitos anos depois na famosa conferência de 1942 sobre o movimento que transformaria o panorama das artes no Brasil.

Como o autor descreve, havia muito tempo que ele intentava compor um livro à maneira do Les villes tentaculaires (As cidades tentaculares), do poeta belga Émile Verhaeren (1855-1916). Mas suas tentativas, no entanto, se frustravam.

O desejo por fim se realizou quando, num dia em que adquirira a famosa escultura Cabeça de Cristo, de Victor Brecheret, o poeta teve de enfrentar a injúria e a incompreensão da família, solidamente católica, diante de uma obra que ousava representar Jesus com tranças na cabeça. Enfurecido, subiu até seu quarto, onde, pela janela, podia avistar o movimento já frenético dos carros e dos bondes.

A visão da cidade que se urbanizava rapidamente e em que a paisagem industrial ia se desenhando [Lembremos que a casa de Mário de Andrade se situava, como se situa até hoje, na rua Lopes Chaves, no bairro da Barra Funda, em São Paulo], mais a desordem íntima que o escritor experimentava após a discussão familiar, talvez tivessem lhe proporcionado uma percepção poética de como escrever, em português e de maneira conforme à realidade local, paulista, um livro semelhante ao de Verhaeren, que procurou traduzir em imagens poéticas a cidade moderna, "tentaculizada" pela linhas de bonde. Paulicéia Desvairada seria escrita naquela noite mesmo, de um fôlego só.

É evidente que não foi apenas nessa noite que Mário de Andrade se deu conta do processo de modernização por que passava a cidade, em que os bondes, os postes de luz, a imigração e a especulação imobiliária mudavam a cada dia a cara da cidade. O que é interessante nessa anedota é o fato de que o autor, embora tivesse à vista um material semelhante ao de Verhaeren (a cidade grande, com as diferenças, entretanto, que há entre Brasil e Europa), precisava também sentir a "música" do tumulto associada a esse material.

Sem conjeturar mais acerca dos elementos que precederam a criação poética, importa notar que o poema O cortejo transcreve um pouco essa música da desordem, música que é obtida pelo cruzamento de diversas linhas melódicas, produzindo o que Mário chamou, no prefácio a Paulicéia Desvairada, de polifonia poética. Transcrevemos abaixo um trecho longo mas fundamental desse prefácio para compreendermos um poema como "Os cortejos":

"A poética está muito mais atrasada que a música. Esta abandonou, talvez mesmo antes do século 8, o regime da melodia quando muito oitavada, para enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia. A poética, com rara exceção até meados do século 19 francês, foi essencialmente melódica. Chamo de verso melódico o mesmo que melodia musical: arabesco horizontal de vozes (sons) consecutivas, contendo pensamento inteligível. Ora, si em vez de unicamente usar versos melódicos horizontais:

Mnezarete, a divina, a pálida Frinéia
Comparece ante a austera e rígida assembléia
Do Areópago supremo...

Fizermos que se sigam palavras sem ligação imediata entre si: estas palavras, pelo fato mesmo de se não seguirem intelectual, gramaticalmente, se sobrepõem umas às outras, para a nossa sensação, formando, não mais melodias, mas harmonias.

Explico melhor:
Harmonia: combinação de sons simultâneos.
Exemplo:
Arroubos...Lutas...Setas...Cantigas...
Povoar!...

Estas palavras não se ligam. Não formam enumeração. Cada uma é frase, período elíptico, reduzido ao mínimo telegráfico.

Si pronuncio Arroubos, como não faz parte da frase (melodia), a palavra chama a atenção para seu insulamento e fica vibrando, à espera duma frase que lhe faça adquirir significado e que não vem. Lutas não dá conclusão alguma a Arroubos; e, nas mesmas condições, não fazendo esquecer a primeira palavra, fica vibrando com ela. As outras vozes fazem o mesmo. Assim: em vez de melodia (frase gramatical) temos acorde arpejado, harmonia - o verso harmônico.

Mas, si em vez de usar só palavras soltas, uso frases soltas: mesma sensação de superposição, não já de palavras (notas) mas de frases (melodias). Portanto: polifonia poética
".

Mário de Andrade, também professor e pesquisador de música, explora a afinidade entre música e poesia para cobrar desta os mesmos desenvolvimentos da primeira. Assim como a música, já na Idade Média, passara da melodia (a disposição horizontal de sons consecutivos) para a harmonia (a superposição vertical, a combinação de sons simultâneos), assim a poesia deveria passar do verso considerado como articulação lógica entre as palavras para o verso caracterizado pela combinação de palavras sem relações visíveis entre si. Ou seja, a poesia, aproveitando a analogia com a música, deveria se emancipar do verso melódico e desenvolver o verso harmônico, espécie de arquipélago sonoro, em que as palavras vibram, descoladas umas das outras, à espera de um completamento de sentido que, no entanto, não vem, como enfatiza o poeta. Na verdade, ela não vem no próprio texto, pois é o leitor quem é solicitado a refazer as conexões entre aquelas ilhas de som e de sentido. Assim, numa seqüência como Tietê, de Paulicéia Desvairada, "Arroubos...Lutas...Setas...Cantigas...Povoar!... citada por Mário, a ligação entre os termos não está dada, embora caiba ao leitor imaginar as articulações, fornecidas pelo contexto do poema, que, por meios bastante sintéticos e telegráficos, mapeia a odisséia dos bandeirantes ao longo do rio que corta a cidade de São Paulo. Uma odisséia em que se misturam mortes, lutas, as "monções da ambição", as "gigânteas vitórias" e as cantigas de povoamento. Todo um capítulo da história brasileira o poeta pretendeu condensar em versos harmônicos. Se ele tivesse exprimido o mesmo conteúdo do verso acima em versos melódicos, poderíamos ter algo como:

"Os arroubos dos bandeirantes, sua ambição de enriquecer os levaram a desbravar a terra selvagem, enfrentando todo tipo de hostilidade"

"Lutavam com os índios na posse da terra e de riquezas naturais, e estes por fim acabavam ou apresados ou chacinados"
etc.

O sucesso da articulação entre aqueles signos descolados (arroubos, lutas, setas) será tanto maior conforme o conhecimento e a sensibilidade de cada um. É requerida, portanto, uma operação da inteligência.

O poema "Os cortejos" é bastante representativo do que o poeta chamou de "polifonia poética", explicada no trecho que destacamos do prefácio. A polifonia poética nada mais é do que a aplicação, na relação entre as frases num poema, do mesmo procedimento usado entre as palavras no interior do verso melódico. Temos agora um agrupamento de frases soltas, transmitindo umas às outras remotas vibrações, como as cordas de uma cítara:

Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bom giorno, caro"

Notemos que o poeta não faz aqui uso de verbos, a não ser no modo infinitivo e com função de adjetivo ["a se desenrolar" equivale ao qualificador "desenrolantes"]. Não estamos diante de orações, em que se exprime um pensamento lógico e encadeado. A ausência de verbo indica que estamos diante de frases mais marcadas pela efusão do sentimento. São frases não-oracionais, difíceis de analisar quanto à estrutura. Conforme a teoria poética de Mário, funcionariam como sons isolados e superpostos, produzindo a impressão de uma polifonia, na qual uma das várias linhas melódicas parece fazer as vezes de um monótono cantochão, repetido ao longo do poema:
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

A cidade é vista como um amontoado de cortejos, que, conforme a perspectiva, podem ser tanto carnavalescos ("serpentinas") como funerários ("monotonias"). É curioso que a utilização da polifonia poética, recurso mais apropriado que o verso melódico para representar o mosaico urbano de trabalho, massas, bondes, agitação, esporte, vitrines, sirva aqui a exprimir o aspecto monótono que essa mesma pluralidade de elementos pode assumir. A cidade pode também matar a poesia:

Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!

São Paulo se revela uma boca de mil dentes, uma língua trissulca (adjetivo que significa aquilo que tem três sulcos), que morde e mastiga os homens "fracos, baixos, magros". Estes são "todos iguais e desiguais", assim como os cortejos podem variar conforme o ângulo de quem os observa. Nas retinas saturadas do poeta, eles parecem

"...uns macacos, uns macacos".

Se a cidade moderna representaria, por um lado, a libertação e a afirmação do indivíduo, a qual não se daria no quadro de uma vida provinciana, por outro ela poderia achatar e tirar a singularidade desse mesmo indivíduo, inserido na divisão do trabalho e sujeito ao poder avassalador do dinheiro e do comércio. Se os homens parecem desiguais ao poeta, com características étnicas, sociais e culturais que os distinguem entre si, são também iguais e anônimos no aglomerado urbano e no mundo do trabalho. São nada mais que números. O excesso de estímulos visuais e sonoros produzidos pela Paulicéia, que o poema apreendera de maneira polifônica, não deixa de soar, no fim das contas, como uma melodia única, monocórdica, que a repetição no verso final enfatiza: uns macacos, uns macacos. Tais homens são menos que homens, pois parecem agir meramente por reflexos condicionados.

Paulicéia desvairada pode ser lida como um inventário das vivências, percepções e sensações desencadeadas pela modernização de São Paulo, com a qual Mário de Andrade terá uma relação ambígua ao longo de sua obra. A cidade ora é tumba de homens massacrados pelas "monções da ambição", de bandeirantes ou de capitalistas, ora é palco de multicoloridos festejos.

Fonte:
http://www.tvcultura.com.br/

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Trova LXXXIII - Osvaldo Reis (Maringá/PR)

Nota: Piazada é uma expressão do sul do Brasil, equivalente a garotada.
Fonte:
Trova sobre Estudo do Crânio, de Victor Farat, in http://victorfarat.com.br/

Adalto Gambassi de Araújo (Oração à Musa)


Musa ! Perdoa se não posso dar-te
Sons mais puros, acordes mais divinos...
Se não posso os sentidos Ter mais finos,
Para subir em vibrações de arte.

Procuro, alucinado, consagrar-te
A sensação de uns versos peregrinos,
Como se andasse um coro de violinos
Em meu peito, no céu, em toda parte

Quisera, Musa de asas condoreiras,
Elevar-me às regiões mais altaneiras,
A Alma toda a vibrar, cheia de graças.

Quisera levantar-me deste lodo,
Com as mãos desfibrar o corpo todo
E espalhar-me no chão onde tu passas.
=================

Sobre a Musa

Calíope, a da Bela Voz, foi uma das nove musas da mitologia grega. Filha de Zeus e Mnemósine. Foi a musa da epopéia, da poesia épica, da ciência em geral e da eloquência e a mais velha e sábia das musas, e é considerada por vezes a rainha destas. É representada sob a figura de uma donzela de ar majestoso, coroada de louros e ornada de grinaldas, sentada em atitude de meditação, com a cabeça apoiada numa das mãos e um livro na outra, tendo, junto de si, mais três livros: a Ilíada, a Odisseia e a Eneida. Em outras representações, traz como atributo um rolo de pergaminho e uma pena.

Camões, autor de “Os Lusíadas”, assim cita a Musa Calíope:

“AGORA tu, Calíope, me ensina
O que contou ao Rei o ilustre Gama;
Inspira imortal canto e voz divina
Neste peito mortal, que tanto te ama.
Assi o claro inventor da Medicina,
De quem Orfeu pariste, ó linda Dama,
Nunca por Dafne, Clície ou Leucotoe,
Te negue o amor devido, como soe."

Fragmento de “Os lusíadas” — Camões

A figura da Musa muitas vezes está associada à figura de uma mulher real ou idealizada pela qual o poeta é apaixonado.

Repare no poema, de autoria de Álvares de Azevedo, que a Musa é uma mulher real, ou seja, de carne e osso, por quem o poeta está apaixonado

MINHA MUSA

Minha musa é a lembrança
Dos sonhos em que eu vivi,
É de uns lábios a esperança
E a saudade que eu nutri!
É a crença que alentei,
As luas belas que amei
E os olhos por quem morri!

Os meus cantos de saudade
São amores que eu chorei,
São lírios da mocidade
Que murcham porque te amei!
As minhas notas ardentes
São as lágrimas dementes
Que em teu seio derramei!

Do meu outono os desfolhos,
Os astros do teu verão,
A languidez de teus olhos
Inspiram minha canção...
Sou poeta porque és bela
Tenho em teus olhos, donzela,
A musa do coração!

Se na lira voluptuosa
Entre as fibras que estalei
Um dia atei uma rosa
Cujo aroma respirei...
Foi nas noites de ventura,
Quando em tua formosura
Meus lábios embriaguei!

E se tu queres, donzela,
Sentir minh’alma vibrar,
Solta essa trança tão bela,
Quero nela suspirar!
E dá repousar-me teu seio...
Ouvirás no devaneio
A minha lira cantar!
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Fontes:
Academia de Letras dos Campos Gerais. http://alcg.org.br/
Imagem = http://mais.uol.com.br/
http://pt.wikipedia.org/
http://www.mundocultural.com.br/

Carlos Drummond de Andrade (Campo de Flores)



Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.
Carlos Drummond de Andrade. Claro Enígma. (1951)
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Análise da Poesia

"Há que amar e calar" , diz Carlos Drummond de Andrade lá pelas tantas neste que é um de seus poemas mais lembrados. Não custa observar que o poema se inicia com o magnífico verso "Deus me deu um amor no tempo de madureza", com relação ao qual muitos estranham "madureza", sinônimo de "maturidade", provavelmente porque essa palavra evoque o antigo curso de madureza, que é como era chamado o curso supletivo.

Nosso poeta considera, numa alegria que não lhe dissolve a estridência irônica, que o amor se acompanha de silêncio na maturidade (sem os folguedos de juventude), que, portanto, é preciso amar e calar. E essa necessidade vem expressa pela forma mais grave que é o "há que", raríssima na fala cotidiana. Essa gravidade dá o tom ao poema, no qual um "amor crepuscular" surpreende o homem quase velho e que se supunha tomado demais pela melancolia. Como equacionar a graça de um amor a essa altura e a ferocidade de quem sempre foi torto na vida, como o poeta disse de si no Poema de sete faces (Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.), de seu primeiro livro de poesia? "Há que amar diferente", soluciona Drummond, "há que amar e calar". (Mas porque me tocou um amor crepuscular, /há que amar diferente. /De uma grave paciência/
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia/ tenha dilacerado a melhor doação./ Há que amar e calar/. Para fora do tempo arrasto meus despojos/ e estou vivo na luz que baixa e me confunde.)


A sintaxe (parte da gramática que estuda a relação entre as palavras na frase, ou entre as frases no discurso) do verbo haver é uma das mais complexas da língua portuguesa. O "Aurélio", por exemplo, registra 16 acepções para ele, entre as quais, curiosamente, não se encontra a de "ser preciso, urgir", que é a que nos interessa aqui hoje. O dicionário "Michaelis" e o "Caldas Aulete" também não trazem a forma usada por Drummond. Em todos eles encontramos a regência em que haver, seguido de infinitivo e sem preposição, assume o sentido de ser possível: "Não há persuadi-lo de seus planos" (equivalente a "Não é possível persuadi-lo de seus planos"). Mas não é bem o caso aqui, em que temos "haver que+infinitivo" , na acepção de "dever", "ser preciso", o que é registrado no "Dicionário de Regência Verbal" de Celso Luft. Este dá dois exemplos de peso: Vieira - "Não há que fiar em lágrimas" e um provérbio popular - "Não há que fiar em Deus em tempo de inverno". Notem que tanto nesses casos como no verso de Drummond não foi usado o pronome "se". Ele realmente não é necessário aqui, como não é necessário na expressão "osso duro de roer". Frases como "Há que se pensar em novas diretrizes", "Há que se melhorar a distribuição de renda" são deselegantes. Algo muito diferente do que ocorre no poeta de Itabira, em que o verbo é grave, sem jamais ser inflado e a eloqüência não faz estardalhaço.

Fontes:
http://www.tvcultura.com.br/
Pintura = http://poeticasemportugues.blogspot.com

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XVII



CAPÍTULO V

O MARAVILHOSO DA LENDA

I — Gargântua

Gargântua evoca Rabelais. Contudo Eloi Johanneau (Variorum, t. I, pág. 37), Ph. Chasles (Tableau de la littérature française, 1829), J. Grimm (Mythologie allemande, 1837), pensam numa tradição antiga. Rabelais criou um herói nacional cujo nome expressivo tornou-se uma imagem popular.

1. — Origem

H. Gaidoz (Revue archéologique, set. de 1868), baseando-se na radical da palavra — gar — vê nessa radical uma divindade; o deus da luz Garuda ter-se-ia tornado o Hércules gaulês. Esse principio druídico estaria ainda presente no seu culto das pedras.

Porém os gigantes são conhecidos; e o nome de Gargântua figura na Légende de maistre Pierre Paileu de Charles Bourdigné (1526). Tiel Ulespiègle legou a palavra “espiègle” mas esse farsante insípido e sem espírito, comparado com Panurge, não tem nem a sua sutileza nem a dicacidado. Rabelais teria se inspirado na Histoire maccaronique de Merlin Cocaie (História macarrônica de Merlin Cocaie). Com efeito, o episódio dos carneiros é também encontrado no primeiro.

2. — Os gigantes.

Como os elfos, os anãos ou os ciclopes, os gigantes são a personificação dos grandes fenômenos (furacões. estações, geadas...); quase deuses: Thrym rouba o martelo do deus Thor; Mimir, o gigante das águas, aconselha Odin. São entes poderosos: Egir é o senhor dos mares e sua esposa Ran captura os navegadores.

Para a Igreja católica, o gigante substitui o diabo. Em 1100 os elementos pagãos e cristãos se misturam; o povo aceita o cristianismo sem contudo rejeitar as crenças tradicionais. E desta forma que Geoffroi de Monmouth faz evoluir Gurgunt em sua epopéia bretã retomada por Wace (Roman de Brut, 1155).

3. — A obra de Rabelais

Depois do êxito das Grandes et inestimables chroniques de l’énorme géant Gargantua (Grandes e inestimáveis crônicas do enorme gigante Gargântua) (1532) — devidas talvez a Billon d’Issoudun — Rabelais edita Les horribles et épouvantables faíts et prouesses du très renommé Pantagruel (Os horríveis e espantosos feitos e proezas do mui renomado Pantagruel) na editora Claude Nourry, conhecido por Le Prince (3 nov., 1532); o livro é assinado Alcofribas Nosier; o Almanach pantagrueline pronostication aparece em 1533 (Lião, François Juste).

A Faculdade de Teologia condena o Pantagruel em 23 de outubro de 1533. Porém, Rabelais, como médico, acompanha o bispo de Paris, Jean de Bellay, que parte para Roma onde vai pleitear os interesses de Henrique VIII excomungado por haver esposado Ana Bolena (1534). Com essa proteção Rabelais publica, em 1534, seu Gargântua (edição definitiva, 1542, Lião, François Juste). Le tiers livre (1546), de gosto mais rebuscado, expõe a questão do casamento, Le quart livre (Lião, 1549) narra as buscas da “Dive Bouteille”. e da passagem do Noroeste.

4. — Valor dessa obra

Os romances de Rabelais tiveram imensa popularidade. São os livros de um erudito que, de maneira divertida, num estilo falado, contêm alusões políticas e religiosas. Gargântua é um preito em favor do Renascimento e da Reforma. Apesar de Rabelais ser prudente, de pregar sem falar demais, percebe-se nele o pensamento de Erasmo, célebre pelo seu Institution du prince chrétien. Rabelais também foi um iniciado.

Saulnier (Mercure de France, 1-4-1954) mostrou que essa filosofia do beber era o símbolo de uma busca da sabedoria. O festim perante Chaneph é erguido com alusões à Ceia e faz pensar na Comunhão Eucarística.

Les grandes et inestimables chroniques (1532) teriam inspirado Rabelais. Ora, nelas encontramos novamente o mágico Merlin, que dá origem aos pais de Gargântua, futuro servidor do rei Artur. É talvez aí que se deve buscar a analogia que notamos entre a busca da “Dive Bouteille” e alguns episódios do Santo Graal.

Na verdade a obra de Rabelais, de intenção evangélica, continua profundamente esotérica com seu simbolismo aparente.

5. — A sucessão literária

Rabelais foi muito imitado. Os livros transportados pelos bufarinheiros referem-se, em geral, às Grandes e inestimables chroniques de 1532: é o caso de Deckherr em Montbéliard, de Placé em Tours, de Pellerin em Epinal ou de Oudot em Troyes.

Mas Gargântua — denominado também o Judeu Errante — passeou por todas as regiões. Modelou o solo, formando lagos, córregos e deixando montes de lodo que são verdadeiras montanhas. Uma crônica do século XVI diz que ele “a engendré le fleuve du rosne en pissant trois mois, six jours, treize heures trois quarts et deux minutes”. Essa geografia gargantuesca foi notada por A. Van Genned em Le folklore de Bourgogne, 1934; (0 folclore de Borgonha) por Sébilot (Les Traditions populaires, 1883) (As tradições populares), e por Carnoy (Contes français, 1885).

6. — Conclusão

Rabelais, fiel à tradição das crônicas de gigantes, soube exprimir, entre suas invenções burlescas, idéias novas e profundas. Não temeu opor-se à ordem estabelecida e traçou um programa de vida no qual o humanismo evangélico ocupa um lugar preponderante.
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continua...

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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

domingo, 6 de dezembro de 2009

Falecimento de Joanyr de Oliveira

Secretaria da Cultura de Maringá (Programação de dezembro)


CLUBETEEN (entrada franca)

Livro: “Lua Nova”, Stephenie Meyer.
Dia 10/12, na Biblioteca Alvorada, às 14h00.
Dia 17/12, na Biblioteca Mandacaru, às 14h00.

CLUBINHO DE LEITURA – Especial de Natal (entrada franca)

Livro: “O Camelo e o Joelho”, de Sylvia Orthof.
Dia 08/12, na Biblioteca Alvorada, às 14h00.
Dia 09/12, na Biblioteca Palmeiras, às 10h00.
Dia 10/12, na Biblioteca Mandacaru, às 14h00.
Dia 15/12, na Biblioteca Operária, às 14h00.

Dia 05/12 – Livro: “Leite Derramado”, de Chico Buarque de Holanda, na Biblioteca Centro, às 10h00.

CONVITE AO TEATRO (sempre no Teatro Barracão, às 21h00, entrada franca).

Dia 11/12 – “O Menino Que Ganhou Uma Boneca” – Cia Tipos e Caras.

Dia 18/12 – “Barricada” – Cia Teatro & Ponto.

Dia 13/12 – Espetáculo: “Vida Cigana” (Renata Loyola), no Teatro Calil Haddad, às 19h30. Ingressos: R$12,00.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Celia Musilli (Nas alturas)

Os aviões são meu sonho de Ícaro, as asas metálicas que tomo por empréstimo

Por um destes acasos que não se explicam, sempre morei em locais que são rotas dos aviões. Em dois bairros onde vivi era assim e agora ouço os jatos logo de manhã, entre 7 horas e 8h30, vindos dos lados da UEL em direção ao aeroporto.

Adoro aviões e sei que muita gente tem medo de viajar neles. Eu não, considero este risco uma experiência necessária, uma aventura necessária, como o amor. Alguém aí tem cem por cento de segurança em matéria de voo? Alguém aí tem cem por cento de segurança em matéria de amor? Em qualquer um dos casos, decolem.

Os aviões são meu sonho de Ícaro, o transporte que me leva às nuvens, as asas metálicas que tomo por empréstimo como se eu mesma voasse. Porque voar pra valer não consigo e não teria despojamento nem coragem de me meter com asas-delta, porque nelas sim me sentiria vulnerável, sem o anteparo das paredes e das janelas, dos outros passageiros logo ali ao lado, das simpáticas aeromoças que perguntam: ''Água, suco ou refrigerante?'' Não tive a felicidade de beber champanhe indo a Paris. Quem me dera. Mas cruzei céus indo a Manaus e Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba, Rio, Fortaleza e São Luís do Maranhão. E, no litoral, a visão do mar dá a impressão de estarmos sobrevoando o paraíso, porque o paraíso, na minha cabeça, é líquido e azul. Se não líquido, pelo menos úmido e transparente.

Lá de cima, em vez de anjos, vemos os recortes das matas, das praias, das montanhas e isto basta para que a gente acredite em Deus. Alguém já disse que não vemos Deus, mas o sentimos. Eu sou do tipo que acredita muito mais no que sente, do que naquilo que vê, as imagens nos iludem.

Os aviões me lembram a ousadia de Santos Dumont, que não sei como teve a coragem de entrar naquele 14 Bis, tão frágil que até parecia um origami. Um origami voador, vejam só. Mas foi ele, um brasileiro, quem deslumbrou Paris quando deu a volta à Torre Eiffel para realizar o sonho de Ícaro sem queimar as asas. Construiu desta forma uma espécie de imortalidade, sendo, antes de tudo, um sonhador. Um sonhador que realizava.

Gosto das músicas que falam em avião, algumas falam também de amor: ''Foi por medo de avião, que eu segurei pela primeira vez a sua mão.'' Lembram?

Mas de vez em quando, os acidentes aéreos nos assustam, colocando todo mundo em pânico, porque pra este tipo de acidente não tem saída, não tem meio termo, não tem volta. Raramente alguém sobrevive, só um em mil, então as pessoas sentem-se mais seguras nas rodovias do que no ar. Mas vou confessar uma coisa a vocês: me apavoram muito mais as estradas cheias, aqueles caminhões-tanque, os motoristas imprudentes, sobretudo nesta época do ano, quando todo mundo quer chegar ou partir, sabe-se lá pra onde e por que têm tanta pressa.

Sinto-me muito mais segura no ar, apesar dos acidentes sem volta. Porque morte por queda de avião é coisa rápida e urgente. Além disso, lá em cima as aeronaves raramente se chocam, ninguém derrapa na curva, ninguém compete em velocidade. Lá em cima, as nuvens parecem um colchão macio ou um rebanho de carneirinhos que só se insinuam e, um minuto depois, se desmancham. Então, que coisa mais lúdica e linda é estar entre as nuvens. Muito melhor do que respirar óleo diesel, sentir as freadas, revoltar-se com as imprudências, errar o caminho, não ver as placas.

Gosto de acordar ouvindo os aviões que decolam ou aterrissam, alguns passam até bem perto da minha janela, enquanto durmo ou agora, enquanto escrevo, porque assim também me sinto no ar. Estar no ar, além do sonho de Ícaro, é sonho de poeta, sonho de maluco, sonho de quem não vê Deus, mas o sente, e acredita Nele, lá nas alturas. E acho que assim o avião não cai.
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CÉLIA MUSILLI é jornalista e poeta. Publicou o livro Londrina Puxa o Fio da Memória, em parceria com Maria Angélica Abramo, e o livro de poesias Sensível Desafio (AtritoArt, 2006) e edita o blog de mesmo nome.

Fonte:
Folha de Londrina. Folha 2. 6 de dezembro de 2009. p.4