quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Pedro Lessa (1859 – 1921)


Pedro Augusto Carneiro Lessa, jurista, magistrado, político e professor, nasceu em Serro, MG, em 25 de setembro de 1859, e faleceu, no Rio de Janeiro, RJ, em 25 de julho de 1921.

Era filho do coronel José Pedro Lessa e de Francisca Amélia Carneiro Lessa e sobrinho do poeta Aureliano Lessa, colega de turma e amigo de Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães, com os quais planejou publicar, quando estudantes em São Paulo, um livro de colaboração, que se intitularia Três liras, e que jamais foi escrito. Fez os estudos primários e secundários em sua província. Em 1876 partiu para São Paulo, onde se matriculou na Faculdade de Direito. Formou-se em 1883, tendo pertencido a uma turma de nomes brilhantes, na qual se destacavam os de David Campista, Bueno de Paiva, Martim Francisco Sobrinho e Júlio de Mesquita.

Em 1885, iniciou a sua vida pública, com a nomeação para o cargo de secretário da Relação de São Paulo. Dois anos depois, em 1887, inscreveu-se em concurso na Faculdade de Direito de São Paulo, tendo obtido o primeiro lugar. Não conseguiu, porém, a nomeação. Em 1888, prestou outro concurso, em que também obteve a melhor classificação, sendo nomeado, logo a seguir, como professor catedrático.

Em 1891, foi nomeado chefe de polícia do Estado de São Paulo e eleito deputado à Assembléia Constituinte de São Paulo, tomando parte dos trabalhos de elaboração da Constituição estadual. Em breve se retirava da ação pública, dedicando-se exclusivamente ao magistério e à advocacia. Em outubro de 1907 foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal, na aposentadoria de Lúcio de Mendonça.

O livro Do Poder Judiciário (1915) é um clássico na matéria e publicou também várias outras obras: Estudos de Filosofia do Direito (1912), Dissertações e Polêmicas – Estudos jurídicos (1909), Discursos e Conferências (1916) e É a História uma Ciência? - Introdução à História da Civilização de Buckle.

Pedro Lessa foi um modelo de juiz, no tribunal em que teve assento, e o foi pelo saber profundo, pela coragem das atitudes e pela determinação. Na atuação destacada que teve no Supremo Tribunal Federal foi responsável pela ampliação no Instituto Hábeas-Corpus a outros casos não previstos na Constituição. No magistério, na advocacia e na magistratura, norteou sua atividade pelo amor ao Brasil. Foi também esse amor que o levou a ser um dos elementos de maior assiduidade e trabalho na Liga da Defesa Nacional. Pertenceu a várias instituições culturais, entre as quais o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Segundo ocupante da Cadeira 11, da Academia Brasileira de Letras, eleito em 7 de maio de 1910, na sucessão a Lúcio de Mendonça e recebido pelo Acadêmico Clóvis Beviláqua em 6 de setembro de 1910. recebeu o Acadêmico Alfredo Pujol.

Obras: Interpretação dos Arts. 23, 34, 63 e 65 da Constituição Federal (1899); É a história uma ciência?, ensaio (1900); Dissertações e polêmicas - Estudos jurídicos (1909); Estudos de filosofia do direito (1912); O determinismo psíquico e a imputabilidade e responsabilidade criminais (1915); Do Poder Judiciário (1915); Discursos e conferências (1916).

Fontes:
Academia Brasileira de Letras
wikipedia

Moacyr Scliar (Na Noite do Ventre, o diamante)


Na pequena aldeia judaica no sul da Rússia, a cada sexta-feira, na festa do Shabat, a cena se repetia na casa de Itzik Nussembaum. Esther, sua mulher, apresentava ao marido e aos dois filhos o dedo anular – segundo ela, apenas um dedo feio e maltratado em mãos feias e matratadas – e, num gesto reverente, solene, orgulhoso, coloca nele o velho anel da família. Que tem um belíssimo diamante engastado.

É este diamante o centro de uma história fascinante que começa em 1662 numa vila escondida de Minas Gerais, onde é encontrado. Do século XVII, o diamante é levado do Arraial da Cabra Branca por um cristão-novo que foge da Inquisição para a Holanda. Na Europa, a pedra é lapidada por um discípulo do Spinoza - numa das mais belas passagens do livro, em que se associam as idéias geniais do filósofo ao valor de mercadorias e ao sentido da própria vida.

Roubada por outro discípulo de Spinoza, o diamante chega à Rússia, onde se torna herança de família e passar a ser usado por Esther Nussembaum. Quando esta família decide fugir da Rússia, já no começo do século XX, para tentar vida nova no Brasil, se dão conta de que a única coisa valiosa que possuem é o diamante. Com medo dos bandidos na fronteira, fazem com que um dos filhos engula o aro do anel e, o outro, a pedra preciosa. Este último, Gregório, fica com o diamante preso no intestino, o que gera terríveis dramas familiares.

Numa narrativa engenhosa, Moacyr Scliar traz à cena figuras como o padre Antonio Vieira e o filósofo Spinoza, tornando o leitor cúmplice de um saboroso jogo entre realidade e ficção e conduzindo-o a um final absolutamente inesperado.

Há muitos anos Scliar tinha em mente a história de um diamante viajando no tempo e no mundo. O convite para que assinasse o livro inspirado no dedo anular caiu, literal e metaforicamente, como luva - e assim Na Noite do Ventre, o diamante encerra de forma brilhante a coleção Cinco Dedos de Prosa.

Moacyr Scliar é também médico, membro da Academia Brasileira de Letras, autor de 73 livros, bem como professor na área de saúde pública no Rio Grande do Sul, seu estado natal.

Fonte:
Editora Objetiva

Poesia Concreta


Ao trabalhar de forma integrada o som, a visualidade e o sentido das palavras, a poesia concreta propõe novos modos de fazer poesia, visando a uma ‘arte geral da palavra’. A expressão joyceana verbivocovisual sintetiza essa proposta que, desde os anos 1950, foi colocada em prática pelos poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald e Ronaldo Azeredo, desdobrando-se até hoje, ao longo de mais de cinco décadas de produção em suportes e meios técnicos diversos – livro, revista, jornal, cartaz, objeto, lp, cd, videotexto, holografia, vídeo, internet.

Concebida no calor do empreendimento mais geral de construção de um Brasil moderno, como um projeto em desenvolvimento, esta poesia coloca em jogo formas renovadas de sensibilidade e de experiência. Alarga, ao mesmo tempo, os parâmetros de discussão de poesia, ultrapassando o âmbito literário.

Os poetas concretos estabeleceram, desde o início, ligações entre a sua produção, a música contemporânea, as artes visuais e o design de linhagem construtivista. Reprocessaram elementos dessas artes em seus poemas e mantiveram extensa colaboração com artistas e designers, compositores e intérpretes, seja na esfera da música erudita, seja na da música popular, sem falar de outros poetas e críticos, tanto do Brasil quanto do exterior.

Além de sua própria produção e da atividade teórica, empenharam-se ainda na constituição de um amplo repertório de formas poéticas, por meio da revisão crítica de autores e da tradução de uma grande variedade de obras de outros idiomas para o português, sob o parâmetro da invenção estética.

Características

A poesia concreta surgiu com o Concretismo, fase literária voltada para a valorização e incorporação dos aspectos geométricos à arte (música, poesia, artes pláticas).

Em 1952, a poesia concreta tem seu marco inicial através da publicação da revista “Noigrandes”, fundada por três poetas: Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos.

Contudo, é em 1956, com a Exposição Nacional de Arte Concreta em São Paulo, que a poesia concreta se consolida como uma nova e inusitada vertente da literatura brasileira.

O poema do Concretismo tem como característica primordial o uso das disponibilidades gráficas que as palavras possuem sem preocupações com a estética tradicional de começo, meio e fim e, por este motivo, é chamado de poema-objeto.

Outros atributos que podemos apontar deste tipo de poesia são:

- a eliminação do verso;
- o aproveitamento do espaço em branco da página para disposição das palavras;
- a exploração dos aspectos sonoros, visuais e semânticos dos vocábulos;
- o uso de neologismos e termos estrangeiros;
- decomposição das palavras;
- possibilidades de múltiplas leituras.

A comunicação através do visual era a forma de expressão de todas as poesias concretas. No entanto, houve particularidades que diferenciavam os poemas deste período em tipos de poesias. Vejamos:

● Poesia-Práxis: movimento liderado por Mário Chamie, que a partir de 1961 começou a adotar a palavra como organismo vivo gerador de novos organismos vivos, ou seja, de novas palavras.

● Poesia social: movimento de reação contra os formalismos da poesia concreta, os quais eram considerados exagerados por um grupo de artistas. Estes lutavam para o retorno e a inclusão de uma linguagem simples e de temas direcionados à realidade social. Artistas como Ferreira Gullar e Thiago de Mello foram adeptos dessa visão.

● Tropicalismo: movimento advindo do universo musical dos anos 67 e 68, que retomava as propostas de Oswald de Andrade com o Manifesto Antropófago e adotou o pensamento de aproveitar qualquer cultura, independente de onde viesse.

● Poesia Marginal: surgiu na década de 70 e é chamada de “marginal” porque não possuía vínculos com editoras ou distribuidoras para edição e/ou publicação, ou seja, era produção independente.

Fontes:
http://www.mundoeducacao.com.br/literatura/poesia-concreta.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Poesia_concreta
http://www.poesiaconcreta.com.br/

Augusto de Campos (Poesia Concreta: um manifesto)



- a poesia concreta começa por assumir uma responsabilidade total perante a linguagem: aceitando o pressuposto do idioma histórico como núcleo indispensável de comunicação, recusa-se a absorver as palavras com meros veículos indiferentes, sem vida sem personalidade sem história - túmulos-tabu com que a convenção insiste em sepultar a idéia.

- o poeta concreto não volta a face às palavras, não lhes lança olhares oblíquos: vai direto ao seu centro, para viver e vivificar a sua facticidade.

- o poeta concreto vê a palavra em si mesma - campo magnético de possibilidades - como um objeto dinâmico, uma célula viva, um organismo completo, com propriedades psicofisicoquímicas tacto antenas circulação coraação: viva.

- longe de procurar evadir-se da realidade ou iludí-la, pretende a poesia concreta, contra a introspecção autodebilitante e contra o realismo simplista e simplório, situar-se de frente para as coisas, aberta, em posição de realismo absoluto.

- o velho alicerce formal e silogístico-discursivo, fortemente abalado no começo do século, voltou a servir de escora às ruínas de uma poética comprometida, híbrido anacrônico de coração atômico e couraça medieval.

- contra a organização sintática perspectivista, onde as palavras vêm sentar-se como "cadáveres em banquete", a poesia concreta opõe um novo sentido de estrutura, capaz de, no momento histórico, captar, sem desgaste ou regressão, o cerne da experiência humana poetizável.

- mallarmé (un coup de dés-1897), joyce (finnegans wake), pound (cantos-ideograma), cummings e, num segundo plano, apollinaire (calligrammes) e as tentativas experimentais futuristasdadaistas estão na raíz do novo procedimento poético, que tende a imporse à organização convencional cuja unidade formal é o verso (livre inclusive).

- o poema concreto ou ideograma passa a ser um campo relacional de funções.
o núcleo poético é posto em evidencia não mais pelo encadeamento sucessivo e linear de versos, mas por um sistema de relações e equilíbrios entre quaisquer parses do poema.

- funções-relações gráfico-fonéticas ("fatores de proximidade e semelhança") e o uso substantivo do espaço como elemento de composição entretêm uma dialética simultânea de olho e fôlego, que, aliada à síntese ideogrâmica do significado, cria uma totalidade sensível "verbivocovisual", de modo a justapor palavras e experiência num estreito colamento fenomenológico, antes impossível.

- POESIA-CONCRETA: TENSÃO DE PALAVRAS-COISAS NO ESPAÇO-TEMPO.

Fonte:
Revista A&D - Arquitetura e Decoração, n.20. São Paulo, novembro/dezembro de 1956

Augusto de Campos (Poemas)


Ferida

fer
ida
sem
ferida
tudo
começa
de novo
a cor
cora
a flor
o ir
vai
o rir
rói
o amor
mói
o céu
cai
a dor
dói
–––––––––––––––––––––––



TENSÃO

Este poema é, como afirma Charles Perrone, “uma teia de elos sonoros e semânticos meticulosamente construída” (*)”Ten-são” é o tema que se expande. “Tem” em forma de cruz para cima (“tem”), para um lado (“tem”), para o outro (“tam”) e para baixo (“tom”). “São” o faz em diagonal “som” e “sem som” . Os elementos que sobram formam um triângulo: “con”, ”com” e “can”- e uma diagonal: “bem”, “bem”. Todos estão a uma mesma distância do centro que é um nó em tensão. Segundo os princípios das palavras, há quatro grupos (“t”, “s”, “k” e “b”, mas há somente um se considerarmos as letras finais (todas estão enlaçadas pela nasalização). Assim como Augusto de Campos extrai quantidade de possibilidades do visual das palavras, também aproveita sua sonoridade, indo do “com som” ao “sem som” e extraindo valor onomatopaico das sílabas. Ao fazer um percurso clássico do olhar – da direita à esquerda -, vê-se que o poema é a tensão entre o silêncio: do “com som” ao “sem som”.

O texto original explica que o poema foi composto por Augusto de Campos em sua fase “matemática” em que há o uso intencional das leis gestálticas, “segundo o modelo regular que dispõe os signos em uma quadrícula”.

––––––––––-

“sol de maiakovski”, uma “intradução” de Augusto de Campos, termo usado pelo poeta-tradutor para uma criação a partir da tradução... [“A palavra joga com “tradução”, “introdução”, o prefixo “in” (este “in”, que se opõe ao “ex”, é a interioridade do poema, de todos os poemas inventivos ou radicais com os quais os poetas concretos se sentem identificados a partir dos critérios de inovação), e também o termo “intra”, que marca o caráter textual e autonomaizador da operação”. Gonzalo Aguilar, op. cit. p. 282

O poema em questão recoloca o verso na criação do poeta, embora mantenha a idéia da quadrícula, da geometrização do poema. Aguilar informa, acredito que equivocadamente, que “Os versos de Maiakóvski combinam-se aqui com versos de canções de Caetano Veloso (“gente é pra briilhar”) e de Roberto Carlos (“que tudo mais vá pro inferno”). Em verdade, “gente é pra brilhar,/ que tudo mais vá pro inferno” são versos do próprio Maiakóvski, de 1920, do longo e famoso poema “ A Extraordinária Aventura Vivida Por Vladmir Maiakóvski no Verão na Datcha”, em tradução feita pelo próprio Augusto de Campo; não são versos de Caetano e Roberto Carlos, que simplesmente teriam se apropriado dos mesmos, “intertextualmente” em suas famosas canções. De tão difundidas, passaram a ser atribuídas a eles e não ao verdadeiro autor e tradutor...

Vale ainda ressaltar que a palavra “tudo” aparece em realce, no centro da composição. (Antonio Miranda)

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/

Augusto de Campos (1931)


Augusto Luís Browne de Campos nasceu em São Paulo, em 1931, poeta, tradutor, ensaísta, crítico de literatura e música.

Em 1951, publicou o seu primeiro livro de poemas, O REI MENOS O REINO. Em 1952, com seu irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari, lançou a revista literária "Noigandres", origem do Grupo Noigandres que iniciou o movimento internacional da Poesia Concreta no Brasil. O segundo número da revista (1955) continha sua série de poemas em cores POETAMENOS, escritos em 1953, considerados os primeiros exemplos consistentes de poesia concreta no Brasil. O verso e a sintaxe convencional eram abandonados e as palavras rearranjadas em estruturas gráfico-espaciais, algumas vezes impressas em até seis cores diferentes, sob inspiração da Klangbarbenmelodie (melodia de timbres) de Webern.



Em 1956 participou da organização da Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta (Artes Plásticas e Poesia), no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Sua obra veio a ser incluída, posteriormente, em muitas mostras, bem como em antologias internacionais como as históricas publicações Concrete Poetry: an International Anthology, organizada por Stephen Bann (London, 1967), Concrete Poetry: a World View, por Mary Ellen Solt (University of Bloomington, Indiana, 1968), Anthology of Concrete Poetry, por Emmet Williams (NY, 1968).

A maioria dos seus poemas acha-se reunida em VIVA VAIA, 1979, DESPOESIA (1994) e NÃO (com um CDR de seus Clip-Poemas), (2003). Outras obras importantes são POEMÓBILES (1974 e CAIXA PRETA (1975), coleções de poemas-objetos em colaboração com o artista plástico e designer Julio Plaza.

Como tradutor de poesia, Augusto especializou­se em recriar a obra de autores de vanguarda como Pound (Mauberley, The Cantos), Joyce (Finnegans Wake), Gertrude Stein e Cummings, ou os russos Maiakóvski e Khliébnikov, Traduziu também alguns dos grandes "inventores" do passado: Arnaut Daniel e os trovadores provençais, Donne e os "poetas metafíscos", Mallarmé e os Simbolistas franceses.

Uma primeira antologia de sua obra tradutória, expandida depois em diversas monografias, é VERSO REVERSO CONTROVERSO (1978). Algumas de suas últimas publicações nesse campo: RIMBAUD LIVRE (1992), HOPKINS: A BELEZA DIFÍCIL (1997) e COISAS E ANJOS DE RILKE (2001).

Como ensaísta é co­autor de TEORIA DA POESIA CONCRETA, com Haroldo de Campos e Decio Pignatari, 1965, and autor de outros livros tratando de poesia de vanguarda e de invenção, como POESIA ANTIPOESIA ANTROPOFAGIA, 1978, O ANTICRÍTICO, 1986, LINGUAVIAGEM, 1987, À MARGEM DA MARGEM, 1989. Com Haroldo e Pignatari lutou pela revalorização da obra de Oswald de Andrade, e também redescobriu a obra olvidada do poeta maranhense Sousândrade (1832-1902), um precursor da poesia moderna com seu "Inferno de Wall Street" (1877) em RE­VISÃO DE SOUSANDRADE,1964).

BALANÇO DA BOSSA (E OUTRAS BOSSAS), 1968-1974, reuniu seus estudos pioneiros sobre o Tropicalismo e a MPB assim como as suas intervenções no campo da música contemporânea tratando de Charles Ives, Webern, Schoenberg e os compositores brasileiros do grupo "Musica Nova". Ensaios posteriores enfocando a música e a poesia de Cage e as obra radicais de Varèse, Antheil, Cowell, Nancarrow, Scelsi, Nono, Ustvólskaia, entre outros, foram recolhidos no livro MÚSICA DE INVENÇÃO (1998).

A partir de 1980, intensificou os experimentos com as novas mídias, apresentando seus poemas em luminosos, videotextos, neon, hologramas e laser, animações computadorizadas e eventos multimídia, abrangendo som e música, como a leitura plurivocal de CIDADECITYCITÉ (com Cid Campos),1987/ 1991. Seus poemas holográficos (em cooperação com Moyses Baumstein) foram incluídos nas exposições TRILUZ (1986) e IDEHOLOGIA (1987).

Um videoclip do poema PULSAR, com música de Caetano Veloso, foi produzido por ele em 1984, numa estação Intergraph, com a colaboração do grupo Olhar Eletrônico. POEMA BOMBA e SOS, com música de seu filho, Cid Campos, foram animados numa estação computadorizada Silicon Graphics da Universidade de São Paulo, 1992-3. Sua cooperação com Cid, iniciada em 1987, ficou registrada em POESIA É RISCO (CD editado em 1995 pela PolyGram) e se desenvolveu no espetáculo de mesmo nome, uma performance "verbivocovisual" de poesia/música/imagem com edição de vídeo de Walter Silveira, apresentada em diversas cidades do Brasil e no exterior. Suas animações digitais - os CLIP­POEMAS - foram exibidas em 1997 numa instalação que fez parte da exposição Arte Suporte Computador, na Casa das Rosas, em São Paulo.

Fonte
http://www2.uol.com.br/augustodecampos/biografia.htm

Augusto de Campos em Xeque


Augusto de Campos é poeta, tradutor e ensaísta. Foi um dos criadores, junto com Haroldo de Campos e Décio Pignatari, do movimento de poesia concreta brasileira. Traduziu poetas como Cummings, Pound, Maiakóvsky, Mallarmé, Blake, Rimbaud, Valéry, Keats, Hopkins, dentre outros. Traduziu, com Haroldo de Campos, trechos do livro Finnegans Wake, do escritor irlandês James Joyce. Publicou um livro onde reúne ensaios sobre a música erudita contemporânea e lançou o CD Poesia é risco. Os dados acima são apenas um pequeno resumo de uma vida dedicada à poesia, cujo início data do final dos anos 40.

Em todas as atividades que exerce (poesia, tradução e ensaio) Augusto é um exemplo do criador e pensador extremamente apaixonado pelo que faz. Amante da poesia e da música inovadora, não se espanta com a radicalidade dos criadores que ousam experimentar para além do já criado. Ao contrário, comunga em sua poesia e em suas reflexões com esse universo. É ele também alguém que busca a inovação constante.

De Paul Valéry adota a máxima que diz que o trabalho de um escritor deve ser mensurado pelo rigor de suas recusas. Por isso, trabalha pacientemente cada poema e cada tradução; como um joalheiro, busca a perfeição e o brilho que surgem da forma bem acabada. Esse trabalho é notável para aqueles que mergulham nos seus livros. Como uma criança que, descontente com os universos estabelecidos, constrói, desconstrói e reconstrói o mundo a cada nova brincadeira, o poeta Augusto não envelhece nunca: suas invenções estão aí para provar.

Na entrevista que o poeta gentilmente nos concedeu por e-mail, comenta os rumos da nova poesia brasileira, alguns aspectos de antigas polêmicas contra o Concretismo, fala de seu trabalho como tradutor e sobre o seqüestro que a música erudita contemporânea sofre em nossos meios culturais.

1 - Do Concretismo ao Neoconcretismo e ao Poema-Processo a teoria era uma das bases sobre a qual se assentava a poesia que se praticava. O Sr. poderia falar de alguns conceitos que acha importantes para a prática da poesia atualmente? Dentro desta mesma questão, por que os novos poetas não teorizam mais sobre a poesia que fazem?

AUGUSTO DE CAMPOS: Manifestos não são decretos. São projetos. A teoria surge em determinados momentos, como decorrência de um projeto coletivo de grandes transformações. Nasce da prática e vai sendo alterada por ela. Quanto aos conceitos que acho importantes para a poesia, hoje, penso que, entre outros, são relevantes os temas da autonomia da linguagem poética, da liberdade e simultaneamente do rigor de construção poética, da curiosidade formal, da experimentação permanente e da consciência contextual da modernidade e das novas tecnologias, que repotencializaram as propostas das vanguardas do século XX. Mas não é necessário teorizar para fazer poesia. Se os jovens não teorizam é porque não têm o que teorizar. Por outro lado, há uma grande indefinição nesta época de desencantos utópicos, no vácuo do "pós-tudo". Estamos, talvez, numa fase de transição.

2 - O Sr. acredita na possibilidade da criação de uma obra de arte totalmente abstrata, que se constitua como uma linguagem fora da história (esse "pesadelo" joyceano)? A poesia concreta (e a poesia que o Sr. pratica hoje) tentou alcançar, em sua base e em suas buscas, esse abandono à referência histórica?

AUGUSTO DE CAMPOS: Sim, é possível criar uma obra totalmente abstrata. Khrutchônikh, Iliazd e os adeptos do "zaum" (linguagem transmental) da vanguarda russa o fizeram, em maior ou menor grau, com palavras inventadas, assim como Kurt Schwitters, com a sua "ur-sonate" (sonata pré-silábica), ou ainda Gertrude Stein com a linguagem "não-referencial" (empregando palavras comuns dessemantizadas pelo contexto) dos seus "Tender Buttons" (Botões Suaves), De um modo mais geral, a poesia se situa mesmo "fora da história". "É uma viagem ao desconhecido", como escreveu Maiakóvski, poeta mais do que engajado. "O poeta é um fingidor", de Pessoa, poderia ser escrito por qualquer poeta de qualquer tempo ou lugar. Essa é a natureza intrínseca da poesia, que acima de tudo fala do homem e ao homem de todos os tempos e de todas as latitudes. Isso não quer dizer que a poesia não possa abranger a história ou ser referenciada a ela, caso dos CANTOS de Pound, em nossa época. A poesia concreta, embora tendo a autonomia da linguagem poética como um dos seus postulados, e a sua independência do fato histórico como um corolário, não foi infensa aos eventos significativos do seu tempo e do seu país. A produção dos anos 60 é particularmente rica de exemplos de poemas referenciados ao momento histórico.

3 - Segundo Ferreira Gullar, "João Cabral é um poeta que se refugiou na linguagem, mas reinicia a cada momento a tarefa de reaver o mundo perdido; já os concretistas se refugiaram na palavra, mas a tomaram como a 'verdadeira realidade', como fetiche." (In: "Indagações de Hoje". p. 180). O Sr. concorda com essa observação que o Gullar faz do Concretismo?

AUGUSTO DE CAMPOS: É evidente que não concordo. A observação não faz justiça sequer à poesia de João Cabral, que nem se refugiou na linguagem nem perdeu mundo algum, mas simplesmente compreendeu a natureza da linguagem poética e a desvelou em poemas metalinguísticos como "Anti-Ode", a par de enfocar temas sociais, amorosos ou outros em outras obras, sempre com alta densidade vocabular e notável rigor compositivo. Ao contrário de Gullar, ele entendeu perfeitamente os propósitos da poesia concreta, que sempre valorizou, chegando a colocá-la acima até da poesia do Modernismo, em vários depoimentos, de conhecimento público. Ora, qualquer um pode ver que uma das características diferenciais da poesia concreta, relativamente a outros movimentos poéticos de vanguarda, é o fato de ela não renunciar à dimensão semântica. VERBIVOCOVISUAL, ela se afirmou desde o início, com isso significando a ênfase simultânea no verbal, no sonoro e no visual, em pé de igualdade, e não apenas nos dois últimos níveis ou só no primeiro. Não fora assim, como explicar poemas como TERRA, BEBA COCA COLA, SERVIDÃO DE PASSAGEM, ESTELA CUBANA, PORTÕES ABREM, LUXO, os "popcretos", para só citar alguns dos mais ostensivamente referenciais e ideológicos? Mesmo poemas de semântica mais abstrata, como TENSÃO, polarizando som e silêncio, não deixam de configurar arquétipos vivenciais. Outros ainda, de natureza metalinguística, perscrutam a linguagem poética e tratam de expandi-la em novas articulações, até o limite. Mas sempre mantendo o significado. De linhagem poundiana ("precise definition"), a poesia concreta nunca foi "não-referencial". O que propusemos, a par de reivindicar a autonomia da linguagem poética em relação à linguagem contratual, foi uma nova abordagem da poesia, uma sintaxe tempo-espacial, não-discursiva, mais consentânea com os desenvolvimentos da ciência e da tecnologia do nosso tempo, e uma nova configuração formal, ao mesmo tempo rigorosa e livre, capaz de projetá-la em dimensões interdisciplinares além-verso e além- livro. O que recusamos sempre, como João Cabral, foi a demagogia sentimental e a retórica panfletária em busca de aplauso fácil. Nosso lema foi o maiakovskiano "não há poesia revolucionária sem forma revolucionária." Como eu digo no meu poema NÃO: "humano autêntico sincero mas ainda não é poesia". O resto é ressentimento.

4 - Embora já incorporado aos livros didáticos de literatura brasileira, não existe movimento literário no Brasil que conheça tanta crítica quanto o concretismo. O modernismo de 22, embora atacado no seu surgimento, ao contrário, é agora muito bem aceito (e assimilado) pela cultura brasileira. Que razões o Sr. atribui a essa rejeição e, mesmo, perseguição, ao Concretismo?

AUGUSTO DE CAMPOS: A poesia concreta foi o mais radical dos movimentos poéticos brasileiros, tornou mais difícil escrever poesia, pôs em circulação um repertório sem precedente de linguagens poéticas não visitadas entre nós, traduzidas criativamente do original, da antiga poesia hebraica, chinesa e japonesa às vanguardas - trovadores provençais, Dante e Guido Cavalcanti, poetas "metafísicos" ingleses, Mallarmé, Corbière, Hopkins, Pound, Joyce, Cummings, Gertrude Stein, August Stramm e Kurt Schwitters, Kkliébnikov, Maiakóvski e a nova poética russa, entre outros. Nunca se fez isso antes entre nós. Revimos o percurso literário brasileiro, desmontando preconceitos e promovendo os marginalizados pelas histórias e "formações da literatura" oficiais, como Gregório de Matos, Sousândrade, Qorpo Santo, Kilkerry, Ernani Rosas, Oswald, Luis Aranha, Pagu. E a poesia concreta já está nos livros didáticos, como você mesmo acentua. Quer dizer, até as crianças começam a entender. Ainda há pouco minhas netas, de 9 e 15 anos, vieram me mostrar, em seus livros de estudo, os poemas LUXO e PÓS-TUDO, precisamente os que a crítica universitária sociologóide tentou denegrir há quase 20 anos atrás. Relato isso não pare me vangloriar, mas para pôr em evidência o abismo que separa grande parte da crítica do trabalho criativo. É claro que tudo isso provocou e ainda provoca muita inveja, irritação e medo. A renitente perseguição de alguns poetas sem "fair play", de certa parte da crônica jornalística e dos redutos mais conservadores universitários é lamentável, mas é compreensível e é sinal de vitalidade da poesia concreta. Que continua a provocar e a despertar reações apaixonadas, pró e contra.

5 - O que leva o Sr. a traduzir mais do que a escrever e publicar sua própria poesia?

AUGUSTO DE CAMPOS: O que me interessa acima de tudo não é a "minha" poesia, mas a poesia, "tout court". Gosto do convívio com os outros poetas, os poetas que admiro, e traduzi-los, converter os seus poemas originais, de outros idiomas, em poemas de língua portuguesa, é uma forma de dialogar e aprender, celularmente, com eles. A minha própria poesia passa por um crivo muito severo de auto-crítica e não sinto nem compulsão para criá-la nem pressa em publicá-la. Entre VIVA VAIA (1979) e DESPOESIA (1994) passaram-se 15 anos, e agora mesmo, quando preparo o meu novo livro, vejo que já transcorreram 9 anos. Acho inútil contribuir para inflacionar o mundo dos livros, acreditando com Fernando Pessoa, que "cada homem tem pouquíssimo que exprimir e a soma de toda uma vida de sentimento e pensamento pode, por vezes, inserir-se no total de um poema de oito linhas." Contento-me com a elaboração de alguns poucos poemas por ano. Não forço a barra. Sou muito exigente. E mesmo assim, a minha produção, talvez porque eu tenha atingido idade avançada, já ultrapassa quantitativamente, de muito, a de maravilhosos poetas como Arnaut Daniel, Mallarmé, Rimbaud, Cesário Verde, Sá-Carneiro e tantos outros, mestres e inventores, cujo pequeno acervo de obras poéticas vale mais do que centenas de grossos tomos de poesia.

6 - O Sr. tem um grande apreço pela música erudita contemporânea (da Escola de Viena até compositores recentes como Berio e John Cage, dentre outros). De que forma a frequentação a essa música interfere no seu fazer poético ou na sua reflexão sobre a poesia?

AUGUSTO DE CAMPOS: É evidente que a música, e a música erudita contemporânea em particular, exercem grande influência sobre a minha poesia. POETAMENOS não teria existido, como tal, sem a minha paixão pela música de Webern, para mim o maior compositor de todos os tempos. As aventuras exploratórias dessa produção musical, de grande teor inventivo - marginalizada pelos meios de comunicação - estimulam a minha curiosidade e me instigam às vezes tanto ou mais do que a própria poesia.

7- Existe hoje nas salas de concerto brasileiras o que se poderia chamar de sequestro da música erudita do século XX. Não existe um projeto de tornar pública (ou visível) essa música. Continuamos anos a fio ouvindo o mesmo repertório musical. Por que o Sr. acha que essa música ainda não é executada sistematicamente como, por exemplo, o repertório dos séculos XVIII e XIX?

AUGUSTO DE CAMPOS: A culpa é em grande parte dos meios de comunicação, que não cumprem, como seria desejável, o seu papel de mediação e de informação. Dão um destaque desproporcional à moda ou a música popular de consumo, mas não noticiam e não apresentam com destaque e com glamour as propostas da música do nosso tempo. Também os patrocínios culturais continuam a privilegiar a música de consumo, justamente a que não necessita de apoio financeiro para sobreviver. Dessensibiliza-se e desestimula-se a curiosidade do ouvinte. Acuados diante do distanciamento do público, produtores culturais, orquestras, maestros e concertistas se apavoram e atuam com uma timidez excessiva, autolimitando-se ao repertório mais surrado dos séculos XVIII e XIX, na expectativa de satisfazerem a platéia fugidia e os financiadores gananciosos. Uma triste história de desinformação e acovardamento, que colocou lamentavelmente entre parênteses e entre paredes a música contemporânea - afinal, a do nosso tempo - assim como a de outros tempos, como a grande música de Machaut, dos polifonistas da Renascença ou dos madrigalistas dos séculos XVI e XVII.

8 - Antes da tradução de trechos de Finnegans Wake feita pelo Sr. e por Haroldo de Campos não havia outra versão desta obra de Joyce. O que o Sr. está achando da nova tradução que está sendo por feita por Donaldo Schüler? Qual a importância do aparecimento desta tradução para as letras brasileiras?

AUGUSTO DE CAMPOS: Acho louvável e meritório o empreendimento de Donaldo Schüler. Certamente há de contribuir muito para o entendimento e a divulgação da obra de Joyce entre nós. Trata-se, porém, a meu ver, de uma tradução extensiva, menos exigente ou mais informal do ponto de vista estético, um projeto diferente do nosso, que é mais seletivo -tradução intensiva, onde alguns dos fragmentos mais belos do FINNEGANS WAKE são burilados microesteticamente em termos de ritmo, achados verbais e equilíbrio sonoro, de modo a produzir equivalentes criativos da linguagem joyceana em língua portuguesa, com máximo grau de poeticidade.

9 - A publicação de poesia no Brasil parece ter aumentado e uma nova geração de poetas tem surgido. O sr. acompanha essa produção? Percebe alguma característica marcante nesses poetas?

AUGUSTO DE CAMPOS: Sempre foi grande a publicação de poesia entre nós, ainda que em pequenas tiragens e por pequenas editoras, muitas vezes financiada pelos próprios poetas. Não tenho como acompanhar em detalhe toda essa produção. Mas, no meio de muitas tentativas menos felizes, surge sempre alguma coisa interessante. Deixando de lado, por desprezíveis, alguns xiítas do verso, que querem voltar a poéticas conservadoras, prémodernistas, com pés quebrados e insultos dobrados, o que vejo é uma produção majoritária, mais conformista ou conformada, que tenta encontrar uma pós-voz sob os parâmetros da dicção drummond-cabralina, e uma corrente minoritária, mais experimentalista, que vai dos poetas pós-concretos, de linha verbal, "logopaicos" - como diria Pound -, aos poucos, "melo" e "fanopaicos", que começam a desbravar a terra semi-incógnita da linguagem digital. Tenho naturalmente simpatia especial pelos mais inquietos, aqueles que experimentam novos caminhos, dando continuidade à "revolução permanante" das vanguardas, os que se aventuram por criações interdisciplinares e os que tentam responder, no livro ou fora dele, à provocação das novas tecnologias. Mas longe de mim querer ditar normas. Que cada um faça a sua mágica. Com os meus melhores votos.

Fonte:
Entrevista realizada em 24/3/2003 por Jardel Dias Cavalcanti. Disponível em http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=993

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Trova 102 - Antonio Augusto de Assis (Maringá/PR)

Florbela Espanca (Sinfonia de Poesias)



CANTIGAS LEVA-AS O VENTO...

A lembrança dos teus beijos
Inda na minh’alma existe,
Como um perfume perdido,
Nas folhas dum livro triste.

Perfume tão esquisito
E de tal suavidade,
Que mesmo desaparecido
Revive numa saudade!
================

SONHOS...

Sonhei que era tua amante querida,
A tua amante feliz e invejada;
Sonhei que tinha uma casita branca
À beira dum regato edificada...

Tu vinhas ver-me, misteriosamente,
A horas mortas quando a terra é monge
Que reza. Eu sentia, doidamente,
Bater o coração quando de longe

Te ouvia os passos. E anelante,
Estava nos teus braços num instante,
Fitando com amor os olhos teus!

E, vê tu, meu encanto, a doce mágoa:
Acordei com os olhos rasos d’água,
Ouvindo a tua voz num longo adeus!
=====================

O TEU OLHAR

Quando fito o teu olhar,
Duma tristeza fatal,
Dum tão intimo sonhar,
Penso logo no luar
Bendito de Portugal!

O mesmo tom de tristeza,
O mesmo vago sonhar,
Que me traz a alma presa
Às festas da Natureza
E à doce luz desse olhar!

Se algum dia, por meu mal,
A doce luz me faltar
Desse teu olhar ideal,
Não se esqueça Portugal
De dizer ao seu luar

Que à noite, me vá depor
Na campa em que eu dormitar,
Essa tristeza, essa dor,
Essa amargura, esse amor,
Que eu lia no teu olhar!
====================

FANATISMO

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdia.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!
===========

Carlos Leite Ribeiro (O Relógio, um conto real)


Naquele Fim de Ano, a minha sogra avisou-nos que, ao contrário do habitual, não o passaria conosco, pois tinha recebido um convite de uma amiga do Algarve.

Simpaticamente, não se esqueceu de mandar uns presentinhos ao neto (ainda era só um), à filha e ao seu “querido genro” (que era eu).

Quando minha esposa me disse que a mãe (dela) ia mandar-me um presente, confesso que tive um “toque no coração” e logo interroguei-me: “ Que se passará com aquela querida sogrinha que me vai mandar uma lembrança?”.

Quando os presentes chegaram, naturalmente as embalagens foram logo abertas. O meu presente tinha uma linda embalagem e um lindo relógio de mostrador azul lá dentro. Eu nem queria acreditar em tal sorte. Tirei o dito cujo dentro da embalagem e, como naquele tempo os relógios trabalhavam a corda, comecei a rodar a respectiva carrapeta, mas, por mais que o rodasse, o relógio não trabalhava. Resolvi telefonar para o Algarve para lhe perguntar em que ourivesaria tinha ela comprado o relógio para eu poder pedir a sua reparação ou substituição. Ai que o ela me respondeu, depois de dar sonora gargalhada:

- Meu querido genro, eu não comprei o relógio em nenhuma ourivesaria, mas sim a uns ciganos, na Praça da Figueira (Lisboa). Se quiser, vá à procura dos ciganos e faça a reclamação …

Ai o que eu tive vontade de lhe responder, mas vá lá, só pensei…

No regresso ao jornal logo no Novo Ano, prendi esse tal relógio no pulso direito (o normal é no esquerdo). Para realçar mais o tal relógio, até arregacei a manga da camisa.

- Olhem malta, o Carlos tem um relógio novo! – Chamou a atenção um colega.

Quase todos se levantaram das respectivas cadeira para virem admirar a prenda da minha sogra. Um deles reparou que a máquina não trabalhava, o que eu logo respondi:

- Meus amigos, este relógio é só para vocês o admirarem a sua beleza. Se quiserem saber as horas, tenho aqui este no pulso esquerdo!

A risada foi geral.

Ao saber do sucedido, uma colega telefonista disse-me:

- Olha Carlos, os ciganos estavam a vender esses relógios de fantasia, na Estação do Rossio (comboios – trens) a 15 escudos…

Anos depois, minha esposa chamou-me a atenção que meu filho mais velho tinha ficado triste por Papai Noel não lhe ter dado um relógio. Quando lhe entreguei, a então criança chorou, deu pulos e gritos, mas a certa altura parou com o seu contentamento e encarou-me de frente, perguntando-me:

- Papá, por acaso não compraste este relógio aos ciganos, pois não?...

- Não meu filho, comprei-o numa ourivesaria e tem garantia. Mas qual a origem dessa tua pergunta?...

- É que tenho ouvido umas histórias de um relógio que a avó tem deu …

Fonte:
Colaboração do Autor