sábado, 29 de maio de 2010

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 10



9. Culturas, manias etc.

CULTURA (= cultivo, em relação a vegetais; criação, em relação a animais) – apicultura (abelhas); bubalinocultura (búfalos); ciprinocultura (carpas); citricultura (laranja, limão); columbicultura (pombos); cotonicultura (algodão); cunicultura (coelhos); equinocultura (cavalos); olericultura (legumes); piscicultura (peixes); pomicultura (maçã, pera); orizicultura ou rizicultura (arroz); ovinocultura (ovelhas); sericicultura (bicho-da-seda); triticultura (trigo); viticultura (uva).

MANIA (gosto exagerado por alguma coisa, paixão) – antomania (paixão pelas flores); bibliomania (paixão pelos livros); clastomania (mania de destruição); cleptomania (mania de roubar, sem necessidade); dacnomania (mania de morder); enomania (paixão por vinhos); hidromania (mania de beber água); iconomania (mania de colecionar estatuetas, imagens); megalomania (mania de grandeza); melomania (paixão pela música); micromania (mania de humildade); mitomania (mania de mentir); nosomania (mania de se dizer doente); sofomania (mania de exibir erudição); tricotilomania (mania de puxar os cabelos).

METRO (como elemento de composição, indica medida, instrumento utilizado para medir alguma coisa) – anemômetro (velocidade do vento); barômetro (pressão atmosférica); cronômetro (tempo); hidrômetro (consumo de água); higrômetro (umidade); hodômetro (distância percorrida); manômetro (pressão de um líquido); *parquímetro (tempo de permanência de um veículo no estacionamento); pluviômetro (índice de precipitação das chuvas); podômetro (distância percorrida por um pedestre); telêmetro (grandes distâncias); termômetro (temperatura); velocímetro (velocidade).

(*) A palavra parquímetro, embora constituída de elementos de origem latina, chegou ao português passando pelo inglês parking-meter (equipamento que registra o tempo de permanência de um veículo num estacionamento e indica a taxa a ser paga). Em inglês, to park é estacionar, e parking é estacionamento de automóveis. Em português temos os verbos aparcar (em Portugal) e parquear (no Brasil), ambos sinônimos de estacionar.

CRACIA (governo, poder) – aristocracia (poder dos escolhidos, dos nobres); burocracia (poder do escritório, do documento, do papel); democracia (governo do povo); gerontocracia (poder exercido por pessoas idosas); ginecocracia (poder exercido por mulheres); plutocracia (poder dos ricos). Têm sentido semelhante as palavras formadas com o elemento de composição arquiaanarquia (ausência de governo); monarquia (poder exercido por uma só pessoa); oligarquia (poder nas mãos de um pequeno grupo); tetrarquia (poder exercido por quatro pessoas).
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Nilto Maciel (O Riso do Gato)


Nunca ria o gato. Sisudo, posava dia e noite para os de casa e os de fora. Costumeiramente vivia em cima da mesinha de centro. Às vezes nas prateleiras da estante, ao lado da Bíblia, da enciclopédia, dos discos. Mil vezes escapou do fim. Quando a arrumadeira se zangava. Quando os meninos brincavam de bola na sala. Quando qualquer mão descuidada o abanava.

Não lhe faltavam elogios. Chamavam-no gato bonito, gatinho lindo, belo gatão. Mesmo quando percebiam sua circunspecção. Talvez até vissem nela o melhor de sua beleza.

As visitas chegavam a ser impertinentes, mal-educadas. Queriam saber onde a dona da casa havia comprado tão fino bibelô. Que loja vendia adornos como aquele? Onde encontrar enfeite tão raro? Se era de gesso, porcelana, barro.

Imune à curiosidade geral, o gato olhava muito sério para o meio da sala. Nem sequer mexia os longos fios do bigode colado às faces. Como se falassem do fim do mundo, de mortes e dores.

Um dia, porém, o gato amanheceu outro. Um largo sorriso enchia seu rosto formoso. O bigode mais espalhado, os olhos mais brilhosos. Não, não se tratava do mesmo objeto. Alguém andava brincando naquela família.

A dona da casa se irritou. Queria de volta seu gato sisudo. Ou não servia o café. O dono da casa apoiou a mulher. Ou o gato antigo, ou muita briga.

Desconfiaram da arrumadeira. Se não desse conta imediatamente do gatinho lindo, perdia o emprego. E ganhava um processo na Justiça. Por roubar um enfeite raro.

A cozinheira jurou inocência pelas chagas de Cristo. Adorava o gato bonito. Só não falava em verdadeira paixão para não ser chamada de doida.

A moça da casa chamou os pais de idiotas. Deixassem de besteiras. Ninguém roubara o gato. Simplesmente o bicho resolvera mudar de cara.

Terminado o café, todos já concordavam com a mocinha. Cada um, no entanto, defendia, com unhas e dentes, sua opinião a respeito do motivo daquela tão esquisita mudança de feições. Para a mãe, o gatinho lindo ria por um só motivo — estava amando. Segundo o pai, o belo gatão ria à toa. Como um débil mental. O rapazinho achava o gato um gênio, que ria da imbecilidade humana.

A copeira limpava a mesa e resmungava. O gatinho sorria como qualquer pessoa. Mais tarde, talvez chorasse.

Um dos meninos achou por bem dar palpite. O bichano ria de satisfeito. Durante a noite pegara um ratinho. Só podia ser aquilo.

Houve gargalhadas em toda a casa.

Zangado, o garoto quis arriscar outra opinião. E se aproximou da mesinha de centro. Seus pais e irmãos gargalhavam ainda.

Súbito agarrou e ergueu a peça. A gargalhada teve fim. Havia realmente um ratinho no fundo oco do objeto.

Fontes:
Nilto Maciel. As insolentes patas do cão. Disponível em http://www.niltomaciel.net.br/
Imagem = http://flickr.com/

Nilto Maciel (O Que é Conto?)


Os manuais e os dicionários de literatura ensinam que o conto deve ter em si um só drama, um só conflito, uma só unidade dramática, uma só história, uma só ação, uma única célula dramática. Por isso, o conto rejeita as digressões e as extrapolações, ou seja, o passado anterior ao episódio é irrelevante, assim como o são os sucessos posteriores. Sendo o tempo limitado ao momento do drama, também o espaço seria circunscrito a uma sala, um cômodo. Sendo tudo tão restrito, por que as personagens seriam muitas? E a linguagem do conto? A da concisão, com predomínio do diálogo. Chegado o epílogo, o contista há de ter guardado um enigma. Ou o desfecho inesperado, embora determinado desde o começo. E mais uma infinidade de regras, limites, modelos.

Se todos os contistas assim elaborassem contos, há muito teríamos deixado de lado esse gênero cada vez mais rico, por se empobrecer, se uniformizar. Pois não é difícil escrever conto com obediência ao enunciado nos manuais. Os próprios escritores de manuais, os dicionaristas, os professores de literatura, os estudiosos do conto seriam bons contistas. Bastava-lhes seguir o modelo. E assim se deu durante muito tempo. E assim se dá há muito tempo. Não se pode negar, no entanto, que bons contistas não se afastaram de todo (ou em todas as composições) desse molde. Machado de Assis elaborou contos de estrutura tradicional. Guimarães Rosa também. E tantos outros. Assim como escritores medíocres realizaram contos de forma nova, moderna ou revolucionária. Ou seja, o bom conto tanto pode se moldar na tradição como na inovação. Ou não se moldar a nada.

Wilson Martins, no artigo “Contistas”, fez estas observações: “Em termos de literatura, escrever um conto não é contar uma história por escrito — é contá-la com estilo literário, ou seja, com elegância linguística, verossimilhança, sábia estruturação no desenvolvimento da intriga, desenho convincente no caráter dos personagens e invenção de pormenores, tudo concorrendo para defini-lo como obra de arte literária. Também nessa arte tem validade a lei de economia segundo a qual a moeda má expulsa a boa: desanimado com a enxurrada de pseudocontos publicados por pseudocontistas, Mário de Andrade, em desespero de causa, declarou ser conto tudo o que os autores designam como conto – afirmação sarcástica cuja ironia passou larga e convenientemente despercebida, com este resultado inesperado e não menos irônico: passou a ser conto tudo o que se publicava como conto...”

Segundo Assis Brasil, em A nova literatura (Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1973), o conto brasileiro se renovou com Samuel Rawet, cuja estreia se deu em 1956 na coleção Contos do Imigrante. E assim argumenta o crítico: “Aquela história linear, de começo, meio e fim, prima-pobre da novela e do romance, quebrava sua feição tradicional em busca de outros valores formais” (...) “o conto adquiria uma forma autônoma, não mais ligado ao convencional do enredo.”

Muitos são os contistas e poetas que mantinham engavetados (ou, melhor dizendo, arquivados em computador) seus escritos e, estimulados por leitores de sites e blogs (também escritores em potencial), resolveram publicar o primeiro livro. Alguns não vêm de muitas leituras, de muitos exercícios de escrita, ou leram e leem, apressadamente, tudo o que lhes aparece diante dos olhos, desde piadinhas e os chamados “contos eróticos” até clássicos da literatura universal. Leituras açodadas, sem anotações, sem consulta a dicionários, etc. A maioria desses novos escritores segue uma linha, um roteiro, uma estrada larga e longa, certos de que lhes espera a fama, a glória. Não conhecem as veredas, os atalhos, as pedras no meio do caminho, os córregos escondidos na mata. Muito menos os subterrâneos e os céus. Vão em procissão ou atrás do trio elétrico. Todos juntos, unidos, de mãos dadas. Seguem o padre, o pastor, o caminhão do som. Cantam o mesmo refrão. Estão na folia de reis ou na folia do carnaval. São foliões.

Poucos desses contistas e poetas novos vêm da leitura dos contos de fadas, dos poetas românticos, parnasianos e simbolistas, dos romancistas russos e franceses do século XIX, dos rabiscos na adolescência, dos primeiros versos na juventude, dos arremedos de contos e romances ao tempo da escola e da faculdade. Poucos se vão fazendo escritores. Sabem que não nascemos feitos, prontos. Muito menos que esse “estar pronto” (ou quase pronto) não se dá num passe de mágica.

Estreou em livro Graciliano Ramos aos 41 anos de idade. Isto não quer dizer que tenha começado a escrever tarde. O exercício de escrever está para o escritor como o exercício de andar e falar está para os recém-nascidos. O aprendizado faz-se lentamente. Escrever, no entanto, não é um mecanismo inerente a todos. Como não o é compor música ou pintar quadros. Exercitar o ato de escrever pode resultar num São Bernardo, após anos e anos de exercício contínuo, diário, quase febril. Ou pode redundar em historietas de gosto discutível. Isso quando o candidato a escritor é muito pretensioso. Quando não o é, termina escrevendo artigos ou reportagens. Se chegar a tanto.

A arte, ao contrário da ciência ou da sabedoria, é um mistério até para seu criador. Porque o artista é também um homem comum, embora momentaneamente arrebatado pelo mistério da arte. O artista não “entende” a arte que ele mesmo reflete, exceto no instante da “criação", ou, melhor dizendo, da captação. Se o chamado artista entende sua chamada arte, nem ele nem ela são artista e arte. São copiadores, no pior dos casos, ou técnicos em escrever, no caso do simplesmente escritor. Ou apenas homens inteligentes. O artista não é necessariamente um homem inteligente.

O narrador (autor de prosa de ficção), como o poeta, é um curioso, um escavador, um repórter. Um vagabundo à cata de aventuras, de pessoas, de fatos. Para disso extrair a matéria-prima de suas “criações” ou “criaturas”. Os outros não percebem nada, porque, no máximo, veem. Ou não veem, porque não buscam ver.

Nenhum ficcionista cria tipos, inventa personagens. Se o fizesse, estaria abstraindo o homem e fracassaria como escritor. O que realiza é, primeiro, uma descoberta, porque o ser humano é sempre terra desconhecida. Descobre o seu semelhante. Crê na sua existência, como os navegadores antigos acreditavam nos mundos novos. E parte no seu rumo. E o explora, sozinho. Penetra-o, confunde-se com ele. Revela-o. O ficcionista é um revelador. De mundos reais e quase sempre ignorados.

A história curta, tradicionalmente conhecida como conto, não só tem servido de objeto de discussões de ficcionistas e teóricos da literatura em busca de definições, como tem dado ensejo a constantes rebatismos, mercê das transformações que tem sofrido. Muitos encontraram belas e grandiosas definições. Arranjar, porém, novos nomes para o gênero parece tarefa sem proveito. Porque a cada definição e a cada transformação seria preciso um novo batismo. Assim, o termo relato, se serve a Borges, não se amolda a Rubião. Até um mesmo escritor cultua o gênero sob diversas formas.

Todo contista sonhará escrever um grande romance? Contos mais longos seriam ensaios para romances? Talvez sim, inconscientemente. Ensaio que não deveria ser levado ao palco, sob pena de vaias do público. Os bons narradores escrevem contos ou romances e novelas. Nunca confundem alhos com bugalhos.

Talvez seja equivocada a ideia de unidade temática em livro de contos. Ora, uma peça curta, como conto e poema, será sempre uma peça curta, mesmo que momentaneamente inserida num volume junto a outras. Quando se fala de “Cantiga de esponsais”, pouco importa se foi publicada neste ou naquela coleção de Machado de Assis, embora só pudesse estar em Histórias sem data, porque assim o quis o autor. Mas isso não significa nada para o leitor (é de interesse do pesquisador, do estudioso, do historiador, etc).

Os gêneros literários estão em constante mutação e interligação. No Brasil ainda se praticam contos aos modos de Flaubert, Balzac, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Edgar Allan Poe, Maupassant, Tchecov e outros, todos diferentes entre si. Uns se perdem no meio do caminho e enveredam pela crônica. Outros querem escrever História, que também é crônica. Há até o conto-ensaio. A maioria, no entanto, permanece presa aos ditames do velho e bom realismo. Uns não se afastam do sertão ou do mundo rural. Outros se transviam pelos becos das urbes. Há os que não sabem de matos nem de ruas e preferem os meandros da mente. Uns leram muito, outros nada leram. Uns souberam vagar pelos abismos de Poe, pularam fora dos livros, outros permaneceram de olhos vidrados na paisagem aberta diante de suas janelas. Uns se exercitaram mais, outros se contentaram com os primeiros mugidos. Tem sido assim, é assim, será assim sempre.

Não há mais o conto, no sentido tradicional, dicionarizado do termo. Conto é apenas termo literário de manual e dicionário. Para orientação dos editores e dos professores de literatura. Quem disse que Machado só escreveu contos, romances, poemas e crônicas? Gilmar de Carvalho escreve legendas, Carlos Emílio escreve delírios verbais, Jorge Pieiro escreve contemas, outros querem imitar Maupassant ou Tchekov. O que importa não é a forma, se há atmosfera ou não, se há enredo ou não. Ser ou não ser conto, isto é lá para os filósofos. Importa ser arte literária.

Fortaleza, abril de 2010.

Fonte:
http://www.niltomaciel.net.br/

Folclore Português – Distrito de Viseu (Lenda da Caninha Verde)



Em tempos que já lá vão, nos primeiros tempos da Reconquista, vivia num palácio em Fataunços, perto de Vouzela, o nobre guerreiro El Haturra, descendente do famoso chefe mouro Cid Alafum.
El Haturra era velho e feio e nunca era visto sem a sua bengala, uma velha cana que vinha sendo transmitida na sua família, de geração em geração, entregue ao seu novo possuidor com umas palavras misteriosas... Ora, o fato de El Haturra se fazer acompanhar por aquela cana negra e ressequida era objeto de troça de todos, a tal ponto que um seu amigo, o jovem português Álvaro o aconselhou a desfazer-se dela.

El Haturra confidenciou-lhe então que a vara tinha magia e que se um dia chegasse a ficar verde era o sinal sagrado do profético encontro de dois primos descendentes de Cid Alafum. Nesse dia esperado, as terras e os tesouros do antigo chefe mouro voltariam à posse da família e as formosas mouras seriam desencantadas. Uma condição essencial era que ambos os descendentes professassem a religião de Alá.

Um dia, passeavam El Haturra e o seu amigo Álvaro pelo campo quando viram uma linda princesa acompanhada por uma formosa aia, de cabelo negro e olhos azuis, que cavalgava um cavalo negro. De repente, a vara começou a ficar verde e El Haturra começou a rejuvenescer, tornando-se jovem e belo. Ao primeiro olhar, El Haturra tinha reconhecido na aia a descendente de Cid Alafum e, juntamente com Álvaro, saiu atrás das duas jovens que se dirigiam à corte do rei de Portugal.

Diz a lenda que El Haturra conseguiu convencer a jovem aia a casar-se com ele e o rei de Portugal abençoou a união com uma condição: o batismo de El Haturra. De início o agora jovem El Haturra opôs-se veemente, mas por fim a sua paixão foi mais forte e aceitou o desejo real. O batismo ficou marcado para o dia do casamento e foi então que aconteceu algo de extraordinário: no momento em que estava a ser batizado, El Haturra voltou a ser velho e feio como antes.

A magia da caninha verde só seria válida se ambos os nubentes professassem a religião de Maomé. A noiva desmaiou naquele mesmo momento e nunca mais quis ouvir falar no seu noivo que desapareceu para sempre, enquanto que a sua cana verde foi guardada num sítio secreto.

Segundo a tradição, se alguém gritar "Viva o fidalgo da caninha verde!" no mesmo local e à mesma hora em que se deu o encontro entre os dois descendentes de Cid Alafum, ouvirá gargalhadas alegres das mouras encantadas que pensam que chegou a hora da sua libertação.

Fontes:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/
Imagem = http://luminescencias.blogspot.com/

sexta-feira, 28 de maio de 2010

II Concurso de Trovas "Cidade Poesia" - Bragança Paulista



TEMA: “CAMINHADA”

Numa caminhada inglória,
com minha alma enternecida,
pude ver a minha história
no retrovisor da vida.
Ademar Macedo - Natal RN

Juntos, seguimos a estrada,
mas nem uma ideia eu tinha
de que a tua caminhada
terminasse antes da minha.
Alba Christina Campos Netto - São Paulo SP

Nas caminhadas que fiz
pela vida atribulada,
aprendi que ser feliz
é viver de quase nada!...
Almira Guaracy Rebêlo - Belo Horizonte MG

Nesta ambígua caminhada
há mistério e não me iludo:
-“Não sinto medo de nada,
mas tenho medo de tudo!!!”
Antonio Colavite Filho - Santo André SP

A quem vai só pela estrada,
atalho é mera ilusão;
ele encurta a caminhada,
não encurta a solidão.
Campos Sales - São Paulo SP

O reencontro... a caminhada...
a lua seguindo os dois...
a chama reavivada,
e o resto... eu conto depois...
Darly O. Barros - UBT São Paulo SP

Sem conter as mãos ousadas,
por meu corpo te aventuras
em noturnas caminhadas
de prazeres e loucuras...
Edmar Japiassú Maia - Rio de Janeiro RJ

A vida é uma caminhada
que depressa chega ao fim.
Prefiro uma trilha errada,
mas escolhida por mim.
Emília Peñalba de A. Esteves - Porto – Portugal

Nesta longa caminhada
que fazemos sempre a sós...
Nem o silêncio da estrada
quebra o silêncio entre nós!
Francisco Garcia de Araújo - Caicó - RN

Quando em nossa caminhada
cai a chuva de um amor,
a vida fica encantada
... tenha-se a idade que for!
Heron Patrício - São Paulo/ SP

Pela frente, a caminhada.
Pernas bambas, olhar baço...
E a vida sendo traçada
naquele primeiro passo!
Maria Helena Oliveira Costa - Ponta Grossa PR

Fazendo-me renascida,
numa evolução sem fim,
a caminhada da vida
caminha dentro de mim.
Marina Gaspar Sant’Anna - Cordeiro RJ

Longa vida em caminhadas
de amor, lutas, desencanto,
mais lentas hoje as passadas,
meus sonhos... correndo tanto!
Moacyr Figueiredo - Florianópolis SC

Não condeno a caminhada,
culpo sim, meus passos falhos.
Bem larga era a minha estrada,
fui eu quem buscou atalhos.
Rita Marciano Mourão - Ribeirão Preto SP

Quase ao fim da caminhada,
meu coração, não tem jeito!...
Sempre, um toque de alvorada,
acorda o sonho... em meu peito!
Therezinha Dieguez Brisolla - São Paulo SP

Nas curvas da caminhada,
tento a paisagem mudar.
Se não pode ser mudada,
mudo meu jeito de olhar!
Vanda Fagundes Queiroz - Curitiba PR

Tema: RIMA (humorísticas)

Sua trova – uma obra-prima -
não tem se classificado!?
Quando ele acerta na rima,
o verso é de pé quebrado!
Arlindo Tadeu Hagen - Belo Horizonte MG

O bígamo, com certeza,
comenda de herói já logra.
Conquistou rima e proeza
de aturar mais de uma sogra.
Célia Guimarães Santana - Sete Lagoas MG

- Tira a mão e não se anima!
diz trovadora ao frangote:
- Faça a trova em bela rima,
que aceito a mão no cangote...
Dinair Gomes de C. Leite - Paranavaí PR

A rima da minha trova
é perneta que dá dó.
Nasceu há pouco, é tão nova...
E pulando num pé só!
Mª Marlene Nascimento T. Pinto - Taubaté SP

O coveiro olha de cima
e diz ao ver a Raimunda:
-Para enterrar essa rima...
só mesmo a cova mais funda!
Neide Rocha Portugal - Bandeirantes PR

Que infortúnio o da Raimunda!...
Numa enchente de verão,
derrapou na rua imunda...
... e deu com a “rima” no chão!
Renato Alves - Rio de Janeiro RJ

Raimunda, com tudo em cima,
charmosa e com porte nobre,
no samba mostrou a rima
que não tem nada de pobre.
Rita Marciano Mourão - Ribeirão Preto SP

Algo me veio de cima
e atingiu-me o olho nu...
Reclamando, encontro a rima
para xingar o urubu!!!
Rodolpho Abbud - Nova Friburgo RJ

Ele usa e abusa das rimas...
sobe “degrais”... põe “chapéis”...
e após ler as obras-primas:
- Onde eu pego os meus “troféis”?
Therezinha Dieguez Brisolla - São Paulo SP

A Raimunda chega ao baile
e logo se esquenta o clima,
pois alguns “cegos”, em Braille,
querem só tocar na “rima”!
Wanda de Paula Mourthé - Belo Horizonte MG

Fontes:
Colaboração de Giuseppe Dellalba
Imagem = montagem realizada sobre foto de Rodrigo Moraes

Machado de Assis (Missa do Galo)


Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.

A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.

Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.

Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.

- Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.

- Leio, D. Inácia.

Tinha comigo um romance, os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.

- Ainda não foi? Perguntou ela.

- Não fui; parece que ainda não é meia-noite.

- Que paciência!

Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:

- Não! qual! Acordei por acordar.

Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma coisa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa.

- Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.

- Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.

- Quando ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo.

- Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.

- Justamente: é muito bonito.

- Gosta de romances?

- Gosto.

- Já leu a Moreninha?

- Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.

- Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?

Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedece-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.

- Talvez esteja aborrecida, pensei eu.

E logo alto:

- D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...

- Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?

- Já tenho feito isso.

- Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.

- Que velha o quê, D. Conceição?

Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou consertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.

- É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.

- Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. São João não digo, nem Santo Antônio...

Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muitos claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por quê, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:

- Mais baixo! Mamãe pode acordar.

E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me, e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:

- Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.

- Eu também sou assim.

- O quê? Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor.

Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.

- Há ocasiões em que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.

- Foi o que lhe aconteceu hoje.

- Não, não, atalhou ela.

Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:

- Mais baixo, mais baixo...

Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.

- Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.

Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.

- São bonitos, disse eu.

- Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.

- De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.

- Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita coisa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.

A idéia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.

Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.

- Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.

Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.

Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!"

- Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.

- Já serão horas? perguntei.

- Naturalmente.

- Missa do galo! repetiram de fora, batendo.

-Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus; até amanhã.

E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.

Fontes:
Machado de Assis. Paginas Recolhidas. RJ: Ediouro.

Vicência Jaguaribe (Tentativas frustradas)



Em frente ao monitor, espero.
Não preciso apontar o lápis
nem rasgar as folhas abortadas.
Espero. Espero e nada.
E, enquanto espero,
a vida estaciona e também espera.
Espero. Espero e nada.
Inspeciono os cabos, muitos.
Malditos cabos! Embaralhados.
Estão eles embaralhados ou
embaralhadas estão minhas idéias?
Espero. Espero e nada.
Será o provedor fora do ar
ou fora do ar estão meus pensamentos?
Espero. Espero e nada.
Pane no sistema.
Enganado por um cavalo de Tróia
... ou por um burrico da caatinga?
Talvez a pane esteja não no sistema
Mas em meus sentimentos.
Espero. Espero e nada.
Travado. Travado o mouse. Travado o teclado.
Sistema operacional corrompido
ou meu raciocínio atacado por um vírus do momento?
De repente, sem mais nem por que, quando já desistia:
- Programa não responde. Reinicie a máquina.
Finalizado o procedimento, eis que
o computador está pronto. Perfeito. Olha-me o monitor.
Está a provocar-me com seu olho imenso e leitoso.
Tento. Tento e nada.
Não adianta. A razão é mais do que simples. É simplória.
Pode-se reiniciar um programa.
Pode-se até reiniciar idéias, sentimentos,
pensamentos e raciocínio.

Mas... a vida? Pena! Não se pode reiniciar a vida.

Fontes:
Colaboração da Autora

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 9



8. Fobias e logias

FOBIA (angústia, aversão, mal-estar, medo mórbido, pavor) – acrofobia (mal-estar em lugares altos); agorafobia (mal-estar em espaços muito largos e descobertos, como as grandes praças); ailourofobia (medo de gato); algofobia (medo da dor); androfobia ( aversão ao homem, ao sexo masculino); aracnofobia (medo de aranha); brontofobia (medo de trovão); cinofobia (medo de cachorro); claustrofobia (mal-estar em lugares apertados); ergofobia (aversão ao trabalho); fotofobia (aversão à luz); gefirofobia (medo de atravessar pontes) gimnofobia (pavor diante de pessoas nuas); ginecofobia (aversão à mulher, ao sexo feminino); hematofobia (pavor na presença de sangue); hidrofobia (aversão à água, sintoma apresentado pelo cão raivoso); hipnofobia (medo de dormir); lactofobia (aversão a leite); maieusofobia (medo do parto); necrofobia (pavor na presença de pessoas mortas); nictofobia (medo da escuridão); nosofobia (medo de ficar doente); oclofobia (mal-estar em meio a uma multidão); pirofobia (medo de fogo); sismofobia (medo de terremoto); tanatofobia (medo de morrer); tassalofobia (medo do mar); triquedecofobia (medo do número 13); xenofobia (aversão ao estrangeiro).

LOGIA (ciência, estudo) – [colocamos entre parênteses o objeto de cada ciência ou campo de estudo] – alergologia (alergias); andrologia (doenças masculinas); angiologia (vasos, veias); anemologia (ventos); antropologia (ser humano); aritmologia (números, grandezas); arqueologia (documentos e objetos antigos); biologia (seres vivos); bromatologia (alimentos); cardiologia (coração); carpologia (frutos); cinologia (cães); citologia (célula); cosmologia (universo); cronologia (divisão do tempo, datas históricas); dermatologia (pele); ecologia (ambiente); endocrinologia (glândulas de secreção interna); enologia (vinho); enterologia (intestinos); entomologia (insetos); esplenologia (baço); estomatologia (boca); etimologia (origem das palavras); etnologia (aspectos culturais dos povos); etologia (costumes); fitologia (plantas); fonologia (som, voz); gastrologia (estômago); geologia (origem, formação e transformações do globo terrestre); gerontologia (doenças de idosos); ginecologia (doenças privativas das mulheres); glossologia ou glotologia (línguagem); hagiologia (santos, coisas sagradas); hematologia (sangue); hepatologia (fígado); histologia (tecidos); iconologia (imagens, figuras alegóricas); ictiologia (peixes); limnologia (lagos, lagoas); litologia (pedra, rocha); mastologia (glândulas mamárias); mastozoologia (mamíferos); microbiologia (micróbios); mitologia (fábulas, lendas, mitos); morfologia (formas); nefrologia (rins); neonatologia (recém-nascidos); neurologia (nervos); oftalmologia (olhos); oncologia (tumores); oologia (ovos); ornitologia (pássaros); orologia (montanhas); osteologia (ossos); otologia (ouvido); paleontologia (fósseis, seres antigos); patologia (anormalidades, doenças); psicologia (mente); pneumatologia (anjos, espíritos); pneumologia (pulmões); potamologia (rios); rinologia (nariz); semiologia (significado); sismologia (tremores de terra); somatologia (corpo humano); teologia (Deus); traumatologia (ferimentos, lesões); urologia (órgãos das vias urinárias); zoologia (animais).
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 201

Folclore Portugues : Distrito de Viseu (Lenda dos Távoras)



A tradição diz que os irmãos D. Tedo e D. Rausendo, os protagonistas desta lenda, que se terá passado em 1037, eram descendentes de Ramiro II de Leão. Os corajosos irmãos já há muito tempo tentavam tomar o castelo de Paredes da Beira que estava na posse do emir mouro de Lamego, sem qualquer sucesso. Mas um dia, esgotados todos os outros recursos, D. Tedo e D. Rausendo decidiram usar a astúcia para conseguirem apoderar-se da fortaleza.

Numa manhã do dia de S. João em que os mouros saíam habitualmente do castelo para se banharem nas águas do Távora, os dois irmãos e o seu exército disfarçados de mouros prepararam uma emboscada e entraram no castelo, matando a maior parte mouros que lá tinham ficado.

Avisados por alguns mouros que tinham conseguido fugir do assalto, os mouros que festejavam no rio prepararam-se para voltar ao castelo quando foram atacados no rio por D. Tedo e os seus guerreiros que os dizimaram a todos. O vale do rio onde se travou a sangrenta luta ficou a ser chamado por Vale D'Amil em lembrança dos mouros que tinham sido mortos aos mil. A lenda diz que os dois irmãos tomaram a partir da batalha o apelido de Távora, em memória do rio onde se tinha desenrolado a vitória, e adoptaram nas suas armas um golfinho sobre as ondas simbolizando D. Tedo que com o seu cavalo tinha vencido os Mouros nas águas do rio.

Fonte:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Jorge Saraiva Anastácio (Poemas Escolhidos)


SEM ÁRVORES, NÃO HÁ VIDA!

Não sejas ingrato, indelicado e arrogante,
Quando deparares, na estrada, com as árvores viçosas.
Inclina-te diante delas, com honras respeitosas,
Pois estás na presença de figuras prestativas.

Deves defendê-las contra as mãos adversas e nocivas,
Preservando-as, para que elas cumpram suas tarefas,
Em favor do planeta e da humanidade pueril e imatura.
Elas são fontes de ar puro e de sombra aconchegante,
E de frutas saborosas e de produtos medicinais de cura.

Como serviçais da rica e pródiga natureza viva,
Elas fornecem clorofila, madeira, papel e perfumes,
E alimentos para os animais, pássaros, aves, mobiliário e esquifes,
Regulando o regime dos ventos e nutrindo os lençois freáticos,
Que geram as nascentes e os rios, borbulhantes e formosos.

As prestimosas árvores conservam a opulenta biodiversidade
Causando ornamentação das vias públicas e dos jardins floridos,
E sendo alvo de admiração do transeunte, observador vivido,
Benefícios estes que não restringem, apenas, aos termos destes versos,
Mantendo, sobretudo, a vida deste planeta tão maltratado.

Repele as ações dos vândalos, demolidores de matas e florestas,
E ajuda a transformar o planeta num paraíso verdejante,
Plantando árvores e promovendo o reflorestamento das mudas,
Para que a Terra não se converta em um deserto escaldante,
Com ausência total de vida física, como ocorreu em Vênus e Marte,
Exatamente por restar neles somente um cenário de tristeza e morte.

EM DEFESA DA VELHICE HONRADA

Alguns julgam que a velhice é uma fase sem retorno de vida,
Que o idoso perdeu sua existência e seu tempo precioso,
Não merecendo mais atenção, carinho e calor humano,
Devendo, por isso, ser tratado com indiferença ou desprezo,
Porque os tempos, de hoje, não oferecem mais vez para o idoso,
E os tempos passados não levam mais em conta no calendário.

Fazendo juízo argucioso e irrefletido sobre o invejado idoso,
Alegam que ele é um forte concorrente na disputa de emprego,
Por ter exercido sua profissão, nos tempos passados,
Revelando-se nela um cidadão dedicado, eficiente e atencioso,
Pois a senilidade é um tesouro de conhecimentos adquiridos,
No transcorrer dos longos anos exercidos no trabalho.

O idoso é portador de sabedoria, oriunda do sofrimento,
Cujas cicatrizes estão estampadas em seus olhos esmorecidos,
Em sua face macerada de uma velhice insegura, sem nada ter.
Hoje, ostenta pernas trôpegas, enfraquecidas e arqueadas,
Mãos trêmulas, corpo fraco, cambaleado e pele enrugada,
Trazendo cabelos nevados, como a brancura das geleiras,
E vivendo sempre privado do necessário para sobreviver.

O idoso é merecedor de amor, amizade, atenção e amparo,
Pois já cumpriu sua meta de trabalho, com mérito e honra,
Em um mundo de provas, decepções, ilusões e injustiça,
Agora, ele somente busca uma vida de fé, condigna e tranquila,
Num ambiente de um lar, onde haja amor recíproco e respeito.
De tudo resta um lembrete aos que vivem de censura impiedosa:-
Se alguém discrimina, hoje, com irreverência, qualquer idoso,
No amanhã, será também vítima do aguilhão do preconceito.

A MÁSCARA DAS GUERRAS

Ah, as guerras! Os intermináveis conflitos armados,
Desde os primórdios do mundo até os tempos atuais,
São crueis carnificinas, hediondas hecatombes de vidas,
Alimentadas pela estupidez e brutalidade humana,
E pela evidência da arrogância e prepotência bestial,
E pela carência espiritual da civilização e ausência de Deus.

Ah, as guerras! Elas teem extinguido vidas em excesso,
Haja vista a Primeira Grande Guerra: 13 milhões de vítimas,
E a Segunda Grande Guerra: 46 milhões de mortos e feridos,
Seguido por um cenário horrendo de destruições ou de ruínas,
De cidades, construções e de dívidas incalculáveis,
Certamente, herança exclusiva da crosta do planeta Terra.

Ah, as guerras! Sob qualquer nome que queiram denominar,
Só atestam o tamanho da brutalidade da ação do homem,
De crassa ignorância e de doentia superioridade de domínio,
Mostrando a marca sórdida da barbárie de seus atos impensados,
Sob o pretexto de guerra justa ou ato de legítima defesa,
A fim de legitimar sua conduta perante a comunidade internacional.

Ah, as guerras! Causadoras de milhões de vidas inocentes exterminadas,
De ruínas tão bem visíveis na área ou no campo econômico e social,
Trazem ainda, como consequência, fome, miséria e destruição de famílias,
Restando um quadro trágico, o de ter que se reparar o dano causado,
Mas o sonho real é de que, um dia, elas serão abolidas do orbe terreno,
Por haver despertado uma nova humanidade de refinada espiritualidade.

A GRALHA AZUL DO PARANÁ

Nas matas verdejantes do rico Estado do Paraná,
Vicejam abundantes e esbeltos pinheiros,
De onde surgem gralhas azuis em bandos e barulhentas,
Sobressaindo pelo seu canto agudo ou estridente,
E empoleiradas em galhos de magníficos arvoredos,
Que seduzem os olhos dos poetas e observadores.

Esses pássaros de plumagem azul, cabeça e topete negros,
Que apreciam, deveras, o pinhão rijo e saboroso,
Vão disseminando os pinheiros por matas e por campos,
Com o martelar da casca do fruto até em redução de pedaço,
Que caem no solo, germinando um novo e vistoso pinheiro,
Colaborando com o ecossistema e com a lei do reflorestamento.

As gralhas que saciam a fome dos que prezam o fruto delicioso,
São inconscientes ecologistas e embelezadoras da natureza.
Elas são recompensadas pela mente interesseira dos homens,
Que exterminam pelas balas de chumbo dos lavradores,
E abatem os pinheirais com o corte impiedoso do machado,
Quando acionado pela mão criminosa da criatura humana.

Fonte:
Colaboração do Autor.