quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Antonio Cândido (Literatura e Cultura de 1900 a 1945: panorama para estrangeiro) Parte 4



Depois de 1940, ou pouco antes, vamos percebendo a constituição de um período novo. Nos dois decênios de 1920 e 1930, assistimos o admirável esforço de construir uma literatura universalmente válida (pela sua participação nos problemas gerais do momento, pela nossa crescente integração nestes problemas) por meio de uma intransigente fidelidade ao local. A partir de 1940, mais ou menos, assistiremos, ao lado disso, a um certo repúdio do local, reputado apenas pitoresco e extraliterário; e um novo anseio generalizador, procurando fazer da expressão literária um problema de inteligência formal e de pesquisa interior. O Modernismo regionalista, folclórico, libertino, populista, se amaina, inclusive nas obras que os seus próceres escrevem agora, — revelando preocupação mais exigente com a forma ou esforço anti-sectário no conteúdo. Não obstante, é o momento em que os próceres dos dois decênios publicam algumas das suas melhores produções (Fogo morto, de José Lins do Rego, e Terras do sem-fim, de Jorge Amado, por exemplo, ambos de 1943; Sentimento do mundo e Rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, em 1940 e 1946).

Até 1945, mais ou menos, vemos uma produção intensa, favorecida por grande surto editorial, em que brilham veteranos e novos, estes com tendência crescente para repudiar a literatura social e ideológica, o que veio finalmente a predominar sob a forma de uma queda da qualidade média do romance e uma grande voga de pesquisas formais e psicológicas na poesia. Entretanto, o abandono da linha modernista não se deu segundo os rumos previstos e propugnados pelos espiritualistas, — a saber, a atenção para o drama moral e o catolicismo poético. Os novos manifestaram pouco interesse pela literatura ideológica de esquerda e de direita, e os que tinham vocação política desleixaram não raro a literatura, passando diretamente à militância. Desenvolve-se, desse modo, o que parece constituir um dos traços salientes dessa fase: a separação abrupta entre a preocupação estética e a preocupação político-social, cuja coexistência relativamente harmoniosa tinha assegurado o amplo movimento cultural do decênio de 1930. Com a definição cada vez mais clara das posições políticas (não só entre direita e esquerda, como antes, mas dentro da própria esquerda e da própria direita), os escritores políticos se tornaram cada vez mais sectários, no sentido técnico da expressão. Tornaram-se especializados na direção propagandística e panfletária, enquanto por outro lado os escritos de cunho mais propriamente estético (sobretudo a poesia e a crítica, os dois gêneros em expansão nos nossos dias) se insulavam no desconhecimento, propositado ou não, da realidade social.

O decênio de 1930 nos aparece agora como um momento de equilíbrio entre a pesquisa local e as aspirações cosmopolitas, já novamente dissociadas em nossos dias de sectarismo estreito acotovelando-se com o formalismo. A queda do movimento editorial, a voga avassaladora da rádio-novela e do rádio-teatro, do cinema e dos strips; o conflito entre a inteligência participante e a inteligência contemplativa, que se vão tornando, uma e outra, cada vez mais estritas e inconciliáveis; a própria mobilidade da opinião culta, sempre fascinada pela Europa e agora também pelos Estados Unidos: — eis alguns traços que ajudam a compreender as contradições literárias dos nossos dias e o afastamento em relação ao período precedente. Vivemos uma fase crítica, demasiado refinada nuns, demasiado grosseira noutros; em todo o caso, pouco criadora, embora muito engenhosa.

Em poesia, as melhores vozes ainda nos vêm de antes, com a de Henriqueta Lisboa (Flor da morte, 1949) ou Vinícius de Moraes (Poemas, sonetos e baladas, 1946), para não citar Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade, cujos primeiros livros são de 1930, ou Manuel Bandeira, pré-modernista e modernista da primeira hora. No romance, é significativo o êxito de um veterano, José Geraldo Vieira, cuja obra é revalorizada depois da publicação, em 1943, de A quadragésima porta. Obra de cunho cosmopolita, às voltas com problemas intemporais do destino humano, não raro tendo a Europa por cenário, carregada de intenções simbólicas, de vistosa erudição e complicados arrojos vocabulares. Não menos significativo, o de Clarice Lispector (Perto do coração selvagem, 1944; O lustre, 1946), que situa os seus romances fora do espaço, em curiosas encruzilhadas do tempo psicológico.

Mais significativo do que tudo, porém, são as revistas e agrupamentos poéticos e críticos, as mais das vezes fascinados por problemas de organização formal da sensibilidade, de clarividência poética, e manifestando irritada impaciência com as impurezas literárias da geração anterior. Rapazes frequentemente afeitos à nova crítica, neoformalista, ou à dialética existencial; admiradores de T. S. Eliot e Rilke, umas vezes excessivamente maduros, outras com o ingênuo egotismo da adolescência. Em qualquer caso, raras vezes passando além da habilidade superficial, do drama simulado ou da revolta aparente. Para quem lê com mais atenção a poesia brasileira dos últimos anos, impressiona desde logo o pouco ou nada que ela tem para dizer. E quando tem, o quanto é devido à sensibilidade e aos temas da geração anterior. Salvo num ou noutro mais bem dotado (um Bueno de Rivera, um Wilson Figueiredo, sobretudo um João Cabral de Melo Neto, para citar apenas três), esta poesia é de pouca personalidade e menor ressonância humana. Em vão buscaríamos entre estes jovens o sopro ardente das Cinco elegias, de Vinicius de Moraes, ou a comovedora profundidade de Henriqueta Lisboa em Flor da morte.

No entanto, como conjunto e como experiência, os novos poetas representam algo apreciável: com a sua exigência crítica e psicológica, representam a barragem que será estourada quando as correntes represadas da inspiração adquirirem, na experiência individual e coletiva, energia suficiente para superar as atuais experiências técnicas, mais de poética do que de poesia.

É uma constante não desmentida de toda a nossa evolução literária que a verdadeira poesia só se realiza, no Brasil, quando sentimos na sua mensagem uma certa presença dos homens, das coisas, dos lugares do país. Esta presença pode ser ostensiva em certas obras-primas, como o LEITO DE FOLHAS VERDES, de Gonçalves Dias, e mais ainda O NAVIO NEGREIRO, de Castro Alves; e pode ser implícita, misteriosamente pressentida, como em JUVENÍLIA, de Varela. De qualquer modo, ela é por assim dizer o penhor de eficácia dos nossos poetas, e a condição de que dependem para chegar a esferas menos presas às condições locais. Para alçarem o vôo dos HINOS, (Gonçalves Dias), de SUB TEGMINE FAGI (Castro Alves), do CÂNTICO DO CALVÁRIO (Varela). Pouco sentimos desta impregnação nos atuais poetas. Terão eles superado realmente uma etapa de poesia mais contingente, toda cheia de modismos, pitoresco, sentimentos, para lançar a nossa literatura em sendas mais largas, nas quais seja definitivamente sublimada a dialética do local e do geral? Ou representam (ao mesmo título que os últimos parnasianos, embora sob aspectos totalmente diversos) um momento de cosmopolitismo, que convém ultrapassar rapidamente? Não é possível responder desde já. Apenas parece que orientações como as deles (ou melhor, dos mais característicos dentre eles) são antes experiências do que realizações; neste caso, terão cumprido o papel de fornecer aos sucessores um instrumento renovado e ajustável às necessidades de uma sensibilidade nova, que se desenvolverá certamente quando transpusermos este limiar de coletivismo em que vivemos. A sua consciência artesanal poderá, então, ser conservada e fecundada.

Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.

Rui Cavallin Pinto (Lançamento do Livro “Molduras Paranaenses: cenas da nossa história”)


O Instituto Memória Editora convida para o lançamento
da mais nova obra de RUI CAVALLIN PINTO,
que acontecerá em sua sede, dia 10/08/2010,
das 18h00 às 22h00, à Rua Lourenço Pinto,
N. 222, Centro - Curitiba - PR.
.

O Instituto Memória fica exatamente em frente ao Instituto Forlanini - diagnóstico por imagem.
A Rua Lourenço Pinto fica entre a Av. Visconde de Guarapuava e a Rua André de Barros,
entrando pela Visconde, com diversos estacionamentos disponíveis.

MOLDURAS PARANAENSES: CENAS DA NOSSA HISTÓRIA

Este livro reúne cenas e personagens da história paranaense.

Entre outros, os que, a nosso ver, representam momentos expoentes de nossa trajetória histórica. Tentamos contribuir para compor o debuxo de nossa identidade e apontamos as variantes que estão à origem de Curitiba. Quisemos resgatar Rocha Pombo do esquecimento e do maltrato da intelligentsia nativa. Os crimes explicam as sociedades, porque estão à raiz mesmo das menores delas. Penso que o padre Pinto se deixou envolver por uma disputa política que não era dele; mas ele a personalizou. Bento tinha um destino grande, num contexto pequeno, daí porque não se completou. O Norte do Paraná foi nosso Eldorado, e o café o ouro à flor da terra. Por fim, nossa história conta apenas o que já sabemos; precisamos voltar a fazê-la em casa e incluir o que sucedeu depois. Não tiramos conclusões, fizemos sugestões, para que se multipliquem as soluções.

A procura da nossa identidade passou a ser um anátema e um desafio ainda sem resposta para muitos de nós paranaenses, desde quando nosso jovem conterrâneo Pinheiro Machado, então mero estudante no último ano de Direito, no Rio de Janeiro, cometeu a blasfêmia de dizer, em artigo da revista católica “A Ordem”, que o Paraná era um Estado sem relevo humano, sem identidade própria, incaracterístico, ao inverso do gaúcho, do paulista, do baiano e outros nossos irmãos de maior presença na vida nacional.

Rui Cavallin Pinto é membro da Academia Paranaense de Letras e Instituto Histórico e Geográfico do Paraná

Fonte:
Colaboração do Instituto Memória.

Pedro Ornellas (Livro de Poemas)


A FIGUEIRA

Orgulho da casa de outrora, na frente,
altiva figueira, frondosa, se erguia...
seu porte soberbo me fez reverente
sem nunca supor que tombasse algum dia!

Mas num vendaval que se armou de repente,
partiu-se a figueira, e sem crer no que via,
então constatei que a gigante imponente
por dentro era podre e ninguém percebia!

Também muita gente que bem nos parece
perdendo valores por dentro apodrece
mantendo por fora a aparência altaneira.

Ilude algum tempo com falsa nobreza,
porém, cedo ou tarde, terá com certeza
o mesmo destino da velha figueira!

O LAMPIÃO

Meu velho lampião a querosene,
relíquia que conservo com cuidado,
herdei de quem também legou-me o gene
de homem de bem, guerreiro, honesto e honrado!

Sinto-lhe a falta e a dor castiga, infrene,
quando te olhando lembro inconformado
quanta festança e quanto ato solene
nós três compartilhamos no passado!

A casa então se torna o antigo rancho,
no canto o esteio, e nele o velho gancho...
e o pranto de saudade aflora e cai...

e ao transmutar-se assim todo o ambiente
- magia da lembrança - em minha frente
não vejo o lampião, vejo meu pai!

FANTASIA

Na casa tosca e pobre a mesa parca,
Coração cheio e mãos sempre vazias...
Fartura de ilusões e fantasias
No reino em que, soberbo, eu fui monarca!

Por sobre a areia fina dos meus dias
O tempo deslizou deixando a marca,
Sulcos profundos que o meu pranto encharca
Quando o passado volta em noites frias!

Como era doce a antiga brincadeira...
Meu trono: um simples banco de madeira,
E de esperanças meu castelo eu fiz!

Hoje, à mercê da vida que me afronta,
Já não sou mais o rei do faz-de-conta...
Já não sei mais brincar de ser feliz!

RECAÍDA

Há tempos que a mantenho controlada,
mas hoje esta saudade bateu forte
e quase conseguiu ferir de morte
meu peito, qual profunda punhalada!

Sem vacilar duvido quem suporte
quando ela bate, súbito, acordada
pela lembrança a repisar magoada
de um grande amor a malfadada sorte...

Recordações julgadas esquecidas
promessas de venturas não cumpridas
vêm no seu rastro em repentinidade.

Quem muito amou tem dessas recaídas
em explosões de mágoas reprimidas
que voltam - quando bate uma saudade!

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Soneto Vencedor entre os dez primeiros, de um total de 195 participantes, em concurso da Academia Niteroiense de Letras, junho 2007

Fonte:
Recanto das Letras

Pedro Ornellas (1952)


Pedro Ornellas (Nome artístico de Pedro Augusto de Ornellas) é um poeta, compositor e cantor de música caipira, nascido em Marialva, estado do Paraná, em 1952, e radicado na cidade de São Paulo.

Pedro Ornellas é poeta dedicado ao cultivo do que convencionou-se chamar de trova, isto é, o poema monostrófico de 4 versos em redondilhas menores. Neste gênero, Pedro Ornellas consagrou-se junto à União Brasileira de Trovadores, onde é conhecido como um grande trovador.

Neste movimento, Pedro Ornellas ingressou na década de 80, após desligar da FEBET (Federação Brasileira de Entidades Trovistas), entidade da qual participou da fundação com Eno Teodoro Wanke e outros escritores.

Na UBT, Pedro Ornellas alcançou grande projeção, sendo premiado em diversos certames de trova, a maioria conhecida como "Jogos Florais".

Em Nova Friburgo, (década de 90) obteve o título de "Magnífico Trovador" no gênero lírico/filosófico, após três classificações subsequentes entre os 10 primeiros colocados. Em 2003, obteve novamente o título de Magnífico Trovador após três classificações no gênero humorístico.

Conforme supracitado, Pedro Ornellas venceu muitos concursos de trova, logrando centenas de prêmios. Entre todas as suas premiações, no entanto, destacam-se as obtidas na cidade fluminense de Nova Friburgo, nos seus importantes Jogos Florais, o mais antigo concurso literário realizado no Brasil, ininterruptamente desde 1960.

Pedro Ornellas destacou-se principalmente no gênero humorístico, no qual obteve seis vezes o 1o. lugar, a saber, em 1984, 1987, 1993, 1998, 2001 e 2003, além de vencedor entre o 2o. e o 5o. lugar, menções honrosas e menções especiais.

Pedro Ornellas também se dedica ao soneto, gênero que cultiva menos.

Fonte:
Wkipedia

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Mário Quintana (Os Poemas)

Laé de Souza (Lançamento: As 50 Melhores Crônicas do Ler é Bom, Experimente!)


De 12 a 22 de agosto acontece a Bienal Internacional do Livro de São Paulo e a expectativa é muito grande para chegada desse evento.

Na ocasião, estaremos presente na Bienal com muitas novidades. Entre elas, o lançamento de uma coletânea, escrita por alunos da Rede Pública de Ensino.

A obra intitulada “As 50 melhores crônicas do Ler é Bom, Experimente! “, é o resultado do concurso dos estudantes participantes do projeto “Ler é Bom, Experimente!”.

Neste ano o projeto, patrocinado pela Companhia de Seguros Aliança do Brasil, contou com a participação de cem mil estudantes de várias regiões do país.

Os textos foram selecionados por professores e alunos da UNICID – Universidade Cidade de São Paulo e, para enriquecer ainda mais o conteúdo, a obra também trará crônicas de Laé de Souza e Luiz Fernando Verissimo.

Lançamento do Livro

A obra, comercializada pelo preço de custo (R$5,00), será lançada no dia 14 de agosto (sábado), às 16h, no Estande “Projetos de Leitura”, Rua “B” nº 42, na Bienal do Livro, no Pavilhão de Exposições do Anhembi, São Paulo.

O livro surpreende por trazer textos bem conduzidos e uma série de elementos com grande força de atração, compostos pelos adolescentes e jovens participantes dos Projetos de Leitura. Emoções, paixões, aventuras, encontros, desencontros e muitos sonhos marcam essa obra da Editora Ecoarte.

Participe dessa grande festa! Durante o lançamento o escritor Laé de Souza e os estudantes irão autografar a obra.

Informações: (11) 2743-9491 e 2743-8400 - site http://www.projetosdeleitura.com.br/

Fonte:
Colaboração de Laé de Souza.

Mário Quintana (Quintana de Bolso)


CANÇÃO DE UM DIA DE VENTO

O vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule.
As mãos da menina morta
Estão varadas de luz.
No colo, juntos, refulgem
Coração, ancora e cruz,
Nunca a água foi tão pura...
Quem a teria abençoado?
Nunca o pão de cada dia
Teve um gosto mais sagrado.
E o vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule...
Menos um lugar na mesa
Mais um nome na oração.
Da que consigo levara.
Cruz, ancora e coração
(E o vento vinha ventando...)
Daquela de cujas penas
Só os anjos saberão !

CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

OBSESSÃO DO MAR OCEANO

Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

DA DISCRIÇÃO

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

TROVA

Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.

CANÇÃO DE BARCO E DE OLVIDO
Para Augusto Meyer

Não quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um barco bem vagaroso.

Ai esquinas esquecidas...
Ai lampiões de fins de linha...
Quem me abana das antigas
Janelas de guilhotina?

Que eu vou passando e passando,
Como em busca de outros ares...
Sempre de barco passando,
Cantando os meus quintanares...

No mesmo instante olvidando
Tudo o de que te lembrares.

O AUTO-RETRATO

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!

A CANÇÃO DA VIDA

A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

AH! OS RELÓGIOS

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
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Fonte:
QUINTANA, Mário. Quintana de Bolso: Ria dos Cataventos & Outros Poemas. Porto Alegre: L&PM, 2006.

Lairton Trovão de Andrade (Baú de Trovas)


Faço trovas noite e dia,
minto à imaginação...
Vivo, então, minha alegria
na magia da ilusão.

Quão exímia pensadora
é a coruja que se cala.
É tão nobre esta doutora,
que besteira nunca fala.

Dinheiro e felicidade
são coisas que nos convém;
sem ele a calamidade
nos leva cedo pro além.

Que coisa descomunal
aquele curvo nariz
que, ao assoar, é um temporal...
- e escorrer qual chafariz

Naqueles tempos de antanho,
ninguém era assim tão homem:
Havia pavor tamanho
das noites de lobisomem.

Há coisa que não te explico
na desditosa paixão:
Com quem me quer eu não fico,
com quem quero me diz “não”.

Com seu instinto de fome,
no casório está o glutão;
guloso, tudo consome
e cobre de ossos meu chão.

Mulher é anjo da guarda,
seiva de vida na terra;
em tudo, sempre vanguarda,
pomba de paz e...de guerra.

O tal velhaco, ao comprar,
é labioso em sua história;
mas, depois, não quer pegar,
diz até não ter memória.

Na trova – mau aprendiz,
na bola – perna de pau,
na foice – quebra os quadris,
mas toca bem berimbau!

Minha cara, dá-me a mão,
é por ti que vivo e morro!
Dá-me afeto, sim, do cão,
Não, porém, de um “cão cachorro”

As horas todas do mundo
pertencem ao joão-preguiça;
dá vida em ser vagabundo,
- nem por viver tem cobiça.

Nos horários de verão,
os galos em trapalhada,
sem saber que horas são,
cantam sempre em hora errada.

Vive o invejoso feliz
com toda alheia desgraça;
fingindo, é o que sempre diz:
- “Coitado! Ele é boa praça”!
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Fonte:
ANDRADE, Lairton Trovão de. Sinos de Trovas II. Portal CEN, 2006. Livro inteiro disponível em http://www.caestamosnos.org

Antonio Cândido (Literatura e Cultura de 1900 a 1945: panorama para estrangeiro) Parte 3


Desde o tempo da Primeira Guerra Mundial vinha-se esboçando aqui um fermento de renovação literária, ligado ao Espiritualismo e ao Simbolismo. As suas manifestações mais interessantes são a difusão da filosofia de Farias Brito, a crítica já mencionada de Nestor Victor e, mais tarde, o apostolado intelectual do católico Jackson de Figueiredo; coincidindo com isso, a poesia penumbrista e intimista, o verso livre, ligados à influência dos belgas (Maeterlinck, Rodenbach, Verhaeren) e de Antônio Nobre, que vem a ser o último português de acentuada influência em nossa literatura, antes da voga atual de Fernando Pessoa entre os jovens. Esta tendência costeou por assim dizer o Modernismo, conservando uma atmosfera algo bolorenta de Espiritualismo lírico, que se manifestará no grupo das revistas Terra de Sol e Festa e, depois, sobretudo a partir de 1930, constituirá até os nossos dias o contrapeso do localismo, da libertinagem intelectual, do Neonaturalismo implícito no movimento modernista. Convém notar que desta tendência brotaram sugestões decisivas para a criação das modernas ideologias de direita, como o integralismo e certas orientações do pensamento católico.

Todavia, a renovação que propunha, na sua fase inicial, não teve lugar, porque ela não se separava marcadamente da tradição, constituindo de certo modo outro aspecto da literatura de permanência, já referida; e sobretudo porque irrompeu noutro plano, e com espírito diverso, o movimento muito mais forte e radical do Modernismo.

A Semana da Arte Moderna (São Paulo, 1922) foi realmente o catalisador da nova literatura, coordenando, graças ao seu dinamismo e à ousadia de alguns protagonistas, as tendências mais vivas I capazes de renovação, na poesia, no ensaio, na música, nas artes plásticas. Integram o movimento alguns escritores intimistas como Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida; outros, mais conservadores, como Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo; e alguns novos que estrearam com livre e por vezes desbragada fantasia: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, na poesia e na ficção; Sérgio Milliet, Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Moraes, neto, no ensaio. Dirigindo aparentemente por um momento, e por muito tempo proclamando e divulgando, um escritor famoso da geração passada: Graça Aranha.

No terreno literário, os novos encontraram as duas referidas tendências estéticas, em grande parte combinadas entre si de vária forma, e como se disse, praticamente esgotadas pela ausência de agitação intelectual: o idealismo simbolista e o Naturalismo convencional. Aquele dissolvendo-se no penumbrismo vers-libriste; este no diletantismo acadêmico.

A primeira corrente se amparava sobretudo na pesquisa lírica de intenção psicológica; procurava a beleza na expressão de estados inefáveis, por meio de tonalidades raras ou delicadas. Quando erótica, preferiu certa anemia afetiva nem sempre desprovida de perversidade, como se pode ver em Ribeiro Couto (O jardim das confidencias) e Manuel Bandeira (Cinza das horas, Carnaval). No ensaio, visava ao debate metafísico (Renato Almeida: Fausto — Ensaio sobre o problema do ser) ou o idealismo estético (Andrade Muricy: O suave convívio), não raro resvalando para o ético e religioso (Tasso da Silveira: A igreja silenciosa). Vista de conjunto, parece-nos hoje uma solução literária e ideológica frágil e pouco construtiva. Uma espécie de gorjeio esmaecido, em que se refletia aqui o idealismo literário da burguesia européia; e, por isso mesmo, pouco apto a intervir na nova fase que se impunha, ante o esgotamento do academismo cosmopolita, diletante e pós-naturalista.

Como vimos, este era sobretudo uma conservação de formas cada vez mais vazias de conteúdo; uma tendência a repisar soluções plásticas que, na sua superficialidade, conquistaram por tal forma o gosto médio, que até hoje representam para ele a boa norma literária. Uma literatura para a qual o mundo exterior existia no sentido mais banal da palavra, e que por isso mesmo se instalou num certo oficialismo graças, em parte, à ação estabilizadora da Academia Brasileira, que de 1900 a 1925 teve o seu grande, de certo modo único, período de funcionamento bem ajustado. As letras, o público burguês e o mundo oficial se entrosavam numa harmoniosa mediania.

O Modernismo rompe com as duas tendências, mas sobretudo esta, que ataca com a cooperação assustada dos espiritualistas. Na verdade, ele inaugura um novo momento na dialética do universal e do particular, inscrevendo-se neste com força e até arrogância, por meio de armas tomadas a princípio ao arsenal daquele. Deixa de lado a corrente literária estabelecida, que continua a fluir; mas retoma certos temas que ela e o Espiritualismo simbolista haviam deixado no ar. Dentre estes, a pesquisa lírica tanto no plano dos temas quanto dos meios formais; a indagação sobre o destino do homem e, sobretudo, do homem brasileiro; a busca de uma forte convicção. Dentre os primeiros, o culto do pitoresco nacional, o estabelecimento de uma expressão inserida na herança européia e de uma literatura que exprimisse a sociedade.

É uma retomada, porém, que aparece sobretudo como ruptura, e realmente o é se atentarmos para o fato de que o plano em que se dá é bem diverso.

Na pesquisa lírica, por exemplo, em lugar do idealismo vagamente esotérico e decadente veremos um apelo às camadas profundas do inconsciente coletivo e pessoal. O nosso Modernismo importa essencialmente, em sua fase heróica, na libertação de uma série de recalques históricos, sociais, étnicos, que são trazidos triunfalmente a tona da consciência literária. Este sentimento de triunfo, que assinala o fim da posição de inferioridade no diálogo secular com Portugal e já nem o leva mais em conta, define a originalidade própria do Modernismo na dialética do geral e do particular.

Na nossa cultura há uma ambiguidade fundamental: a de sermos um povo latino, de herança cultural européia, mas etnicamente mestiço, situado no trópico, influenciado por culturas primitivas, ameríndias e africanas. Esta ambiguidade deu sempre às afirmações particularistas um tom de constrangimento, que geralmente se resolvia pela idealização. Assim, o índio era europeizado nas virtudes e costumes (processo tanto mais fácil quanto desde o século XVIII os nossos centros intelectuais não o conheciam mais diretamente); a mestiçagem era ignorada; a paisagem, amaneirada. No período 1900-1920, vimos que o caboclo passou por um processo de idealização; no plano sociológico, Oliveira Viana elabora a partir de 1917 a sua ridícula teoria das elites rurais, arianas e fidalgas, como foco de energia nacional.

O Modernismo rompe com este estado de coisas. As nossas deficiências, supostas ou reais, são reinterpretadas como superioridades. A filosofia cósmica e superficial, que alguns adotaram certo momento nas pegadas de Graça Aranha, atribui um significado construtivo, heróico, ao cadinho de raças e culturas localizado numa natureza áspera. Não se precisaria mais dizer e escrever, como no tempo de Bilac ou do conde Afonso Celso, que tudo é aqui belo e risonho: acentuam-se a rudeza, os perigos, os obstáculos da natureza tropical. O mulato e o negro são definitivamente incorporados como temas de estudo, inspiração, exemplo. O primitivismo é agora fonte de beleza e não mais empecilho à elaboração da cultura. Isso, na literatura, na pintura, na música, nas ciências do homem.

Mário de Andrade, em Macunaíma (a obra central e mais característica do movimento), compendiou alegremente lendas de índios, ditados populares, obscenidades, estereótipos desenvolvidos na sátira popular, atitudes em face do europeu, mostrando como a cada valor aceito na tradição acadêmica e oficial correspondia, na tradição popular, um valor recalcado que precisava adquirir estado de literatura.

Ao lado do problema de aceitação (poder-se-ia até dizer redenção) destas componentes recalcadas da nacionalidade, colocava-se de modo indissolúvel o problema da sua expressão literária. No campo da pesquisa formal os modernistas vão inspirar-se em parte, de maneira algo desordenada, nas correntes literárias de vanguarda na França e na Itália. Assinalemos, porém, que esse empréstimo se reveste de caráter bastante diverso dos anteriores. Com efeito, o Brasil se encontrava, depois da Primeira Guerra Mundial, muito mais ligado ao Ocidente europeu do que antes; não apenas pela participação mais intensa nos problemas sociais e econômicos da hora, como pelo desnível cultural menos acentuado. Além disso, alguns estímulos da vanguarda artística européia agiam também sobre nós: a velocidade, a mecanização crescente da vida nos impressionavam em virtude do brusco surto industrial de 1914-1918, que rompeu nos maiores centros o ritmo tradicional. As agitações sociais, trazendo ao nível da consciência literária inspirações populares comprimidas, esboçavam-se também aqui, embora em miniatura. No campo operário, com as grande greves de 1917, 1918, 1919 e 1920, em São Paulo e no Rio, a fundação do Partido Comunista em 1922. No setor burguês, com a fermentação política desfechada no levante de 1922, mais tarde na revolução de 1924. Finalmente, não se ignora o papel que a arte primitiva, o folclore, a etnografia tiveram na definição das estéticas modernas, muito atentas aos elementos arcaicos e populares comprimidos pelo academismo. Ora, no Brasil as culturas primitivas se misturam à vida quotidiana ou são reminiscências ainda vivas de um passado recente. As terríveis ousadias de um Picasso, um Brancusi, um Max Jacob, um Tristan Tzara eram, no fundo, mais coerentes com a nossa herança cultural do que com a deles. O hábito em que estávamos do fetichismo negro, dos calungas, dos ex-votos, da poesia folclórica nos predispunha a aceitar e assimilar processos artísticos que na Europa representavam ruptura profunda com o meio social e as tradições espirituais. Os nossos modernistas se informaram pois rapidamente da arte Européia de vanguarda, aprenderam a psicanálise e plasmaram um tipo ao mesmo tempo local e universal de expressão, reencontrando a influência européia por um mergulho no detalhe brasileiro. É Impressionante a concordância com que um Apollinaire e um Cendrars ressurgem, por exemplo, em Oswald de Andrade.

Desrecalque localista; assimilação da vanguarda européia. Sublinhemos também o nacionalismo acentuado desta geração renovadora, que deixa de lado o patriotismo ornamental de Bilac, Coelho Neto ou Rui Barbosa, para amar com veemência o exótico descoberto no próprio país pela sua curiosidade liberta das injunções acadêmicas. Um certo número de escritores se aplica a mostrar como somos diferentes da Europa e como, por isso, devemos ver e exprimir diversamente as coisas. Em todos eles encontramos latente o sentimento de que a expressão livre, principalmente na poesia, é a grande possibilidade que tem para manifestar-se com autenticidade um país de contrastes, onde tudo se mistura e as formas regulares não correspondem à realidade. Cria o teu ritmo livremente.

Este verso de Ronald de Carvalho assinala o novo estado de espírito.

Enquanto certos escritores procuravam exprimir a forma e a essência do seu país, outros mais arrojados porfiavam em pesquisar, em experimentar formas novas e descobrir sentimentos ocultos. Dentre os primeiros, Guilherme de Almeida (Raça, Meu) e Ronald de Carvalho (Toda a América), atraídos pela clareza, a harmonia que se poderia captar na terra virgem, no povo moço. É uma derivação da linha cósmica de Graça Aranha, muito afeita aos ritmos dinâmicos, à exaltação da paisagem, e procurando embriagar-se pela ação e o nativismo. Na sequência, ou num desvio desta linha, situam-se porventura as correntes que, no Modernismo, passaram do nacionalismo estético ao político, e até ao fascismo: o Verde-amarelismo, o movimento da Anta (Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Plínio Salgado)

A segunda linha, quiçá mais típica, aborda temas análogos com espírito diferente. Mais humour, maior ousadia formal, elaboração mais autêntica do folclore e dos dados etnográficos, irreverência mais consequente, produzindo uma crítica bem mais profunda. Sobretudo a descoberta de símbolos e alegorias densamente sugestivos, carregados de obscura irregularidade; a adesão franca aos elementos recalcados da nossa civilização, como o negro, o mestiço, o filho de imigrantes, o gosto vistoso do povo, a ingenuidade, a malandrice. E toda a vocação dionisíaca de Oswald de Andrade, Raul Bopp, Mário de Andrade; este haveria, aliás, de elaborar as diversas tendências do movimento numa síntese superior. A poesia Pau Brasil e a Antropofagia, animadas pelo primeiro, exprimem a atitude de devoração em face dos valores europeus, e a manifestação de um lirismo telúrico, ao mesmo tempo crítico, mergulhado no inconsciente individual e coletivo, de que Macunaima seria a mais alta expressão.

Esta corrente é a que assimila melhor as influências das vanguardas francesas e do Futurismo italiano, no que respeita às técnicas de pesquisa e expressão artística. Da sua atividade, combinada com a influência de Manuel Bandeira, reponta propriamente o estilo moderno na literatura, que encontra as suas mais típicas expressões nas lindes da poesia e da prosa. Prosa telegráfica e sintética de Oswald de Andrade, nas Memórias sentimentais de João Miramar, que avança a cada instante rumo à poesia; poesia vibrante e seca de Manuel Bandeira em Libertinagem, anexando virtudes da prosa.

É característico dessa geração o fato de toda ela tender para o ensaio. Desde a crônica polêmica (arma tática por excelência, nas mãos de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Sérgio Buarque de Holanda), até o longo ensaio histórico e sociológico, que incorporou o movimento ao pensamento nacional, — é grande a tendência para a análise. Todos esquadrinham, tentam sínteses, procuram explicações. Com o recuo do tempo, vemos agora que se tratava de redefinir a nossa cultura à luz de uma avaliação nova dos seus fatores. Pode-se dizer que o Modernismo veio criar condições para aproveitar e desenvolver as intuições de um Sílvio Romero, ou um Euclides da Cunha, bem como as pesquisas de um Mina Rodrigues.

Sob este ponto de vista, o decênio mais importante é o seguinte, de 1930. Na maré montante da Revolução de Outubro, que encerra fermentação antioligárquica já referida, a literatura e o pensa mento se aparelham numa grande arrancada. A prosa, liberta e amadurecida, se desenvolve no romance e no conto, que vivem uma de suas quadras mais ricas. Romance fortemente marcado de Neo-naturalismo e de inspiração popular, visando aos dramas contidos em aspectos característicos do país: decadência da aristocracia rural e formação do proletariado (José Lins do Rego); poesia e luta do trabalhador (Jorge Amado, Amando Fontes); êxodo rural, cangaço (José Américo de Almeida, Raquel de Queirós, Graciliano Ramos); vida difícil das cidades em rápida transformação (Érico Veríssimo). Nesse tipo de romance, o mais característico do período e frequentemente de tendência radical, é marcante a preponderância do problema sobre o personagem. É a sua força e a sua fraqueza. Raramente, como em um ou outro livro de José Lins do Rego (Banguê) e sobretudo Graciliano Ramos (S. Bernardo), a humanidade singular dos protagonistas domina os fatores do enredo: meio social, paisagem, problema político. Mas, ao mesmo tempo, tal limitação determina o importantíssimo caráter de movimento dessa fase do romance, que aparece como instrumento de pesquisa humana e social, no centro de um dos maiores sopros de radicalismo da nossa história.

Ao lado da ficção, o ensaio histórico-sociológico é o desenvolvimento mais interessante do período. A obra de Gilberto Freyre assinala a expressão, neste terreno, das mesmas tendências do Modernismo, a que deu por assim dizer coroamento sistemático, ao estudar com livre fantasia o papel do negro, do índio e do colonizador na formação de uma sociedade ajustada às condições do meio tropical e da economia latifundiária (Casa-grande & senzala, Sobrados e mucambos, Nordeste). Outras obras completam a sua, válida sobretudo para o Nordeste canavieiro, como a síntese de Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e a interpretação materialista de Caio Prado Júnior (Evolução política do Brasil). Os ensaios desse gênero se multiplicam, nesse decênio de intensa pesquisa e interpretação do país. Ajustando-se a uma tendência secular, o pensamento brasileiro se exprime, ainda aí, no terreno predileto e sincrético do ensaio não especializado de assunto histórico-social.

Parece que o Modernismo (tomado o conceito no sentido amplo de movimento das idéias, e não apenas das letras) corresponde à tendência mais autêntica da arte e do pensamento brasileiro. Nele, e sobretudo na culminância em que todos os seus frutos amadureceram (1930-1940), fundiram-se a libertação do academismo, dos recalques históricos, do oficialismo literário; as tendências de educação política e reforma social; o ardor de conhecer o país. A sua expansão coincidiu com a radicalização posterior à crise de 1929, que marcou em todo o mundo civilizado uma fase nova de inquietação social e ideológica. Em consequência, manifestou-se uma "ida ao povo", um V Narod, por toda parte e também aqui, onde foi o coroamento natural da pesquisa localista, da redefinição cultural desencadeada em 1922. A alegria turbulenta e iconoclástica dos modernistas preparou, no Brasil, os caminhos para a arte interessada e a investigação histórico-sociológica do decênio de 1930. A instauração do Estado Novo ditatorial e antidemocrático marcaria o início de uma fase nova. Ele coincide realmente com o zênite do Modernismo ideológico e uma recrudescência do Espiritualismo, estético e ideológico, que vimos perdurar ao lado dele, tendo começado antes e, mais de uma vez, convergido nos seus esforços de luta contra o academismo.

O decênio de 1930 é com efeito, no Brasil, sobretudo em seus últimos anos, de intensa fermentação espiritualista. Do Simbolismo, da pregação católica de Jackson de Figueiredo, do nacionalismo, resultarão várias tendências ideológicas e estéticas. O romance introspectivo de Cornélio Pena (Fronteira) e Lúcio Cardoso (Luz no subsolo, Mãos vazias); social, de Plínio Salgado (O esperado, O cavaleiro de Itararé); dramático, de Octávio de Faria (Mundos mortos, Caminhos da vida), exprimem, seja um inconformismo com o Neorealismo dos modernos, seja com a sua interpretação geralmente radical da sociedade. A poesia de Augusto Frederico Schmidt, neo-romântica, a de Jorge de Lima e Murilo Mendes, católica, marcam neste campo tendências dependentes do Modernismo.

No terreno propriamente das idéias, sociais e políticas, o catolicismo de Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima) se afirma como oposição a certas posições ideológicas do Modernismo, no sentido amplo, porque nelas via perigo de dissolver a tradição religiosa e moral do país. Mais extremado na resistência à transformação dos valores surge, à imitação do fascismo, o integralismo de Plínio Salgado, logo avolumado em poderosa organização partidária. Ele representou, de certo modo, a exacerbação de um aspecto do localismo modernista: o nacionalismo, transferido para o terreno da política.

Assim, vemos que as tensões da Europa repercutiram ponderavelmente aqui. Não mais como transposição, mas como manifestação de uma solidariedade cultural intensificada depois da Primeira Guerra Mundial e do nosso progresso econômico. Direita e esquerda política refletindo na literatura; populismo literário e problemas psicológicos; socialismo e neotomismo; Surrealismo e Neo-realismo; laicismo e arregimentação católica; libertação nos costumes, formação da opinião política; eis alguns traços marcados e frequentemente contraditórios do decênio de 1930, assinalando, quer a projeção estética e ideológica do Modernismo, quer a reação do Espiritualismo literário e ideológico.
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continua...
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Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.