sábado, 28 de agosto de 2010

O Nosso Português de Cada Dia



1 - "Custas só se usa na linguagem jurídica" para designar despesas feitas no processo. Portanto, devemos dizer: "O filho vive à custa do pai". No singular.

2 - Não existe a expressão "à medida em que". Ou se usa à medida que correspondente a à proporção que, ou se usa na medida em que equivalente a tendo em vista que.

3 - 'O certo é " a meu ver" e não ao meu ver.

4 - "A princípio" significa inicialmente, "antes de mais nada": Ex: A princípio, gostaria de dizer que estou bem. "Em princípio" quer dizer "em tese". Ex: Em princípio, todos concordaram com minha sugestão.

5 - "À-toa", (com hífen), é um adjetivo e significa "inútil", "desprezível". Ex: Esse rapaz é um sujeito à-toa. "À toa", (sem hífen), é uma locução adverbial e quer dizer "a esmo", "inutilmente". Ex: Andava à toa na vida.

6 - Com a conjunção se, deve-se utilizar acaso, e nunca caso. O certo: "Se acaso vir meu amigo por aí, diga-lhe..." Mas podemos dizer: "Caso o veja por aí...".

7 - 'Acerca de' quer dizer 'a respeito de'. Veja: Falei com ele acerca de um problema matemático. Mas há cerca de é uma expressão em que o verbo haver indica tempo transcorrido, equivalente a faz. Veja: Há cerca de um mês que não a vejo.

8 - Não esqueça: alface é substantivo feminino. A Alface está bem verdinha.

9 - Além pede sempre o hífen: 'além-mar', 'além-fronteiras', etc.

10 - Algures é um advérbio de lugar e quer dizer 'em algum lugar'. Já alhures significa 'em outro lugar'.

11 - Mantenha o timbre fechado do o no plural dessas palavras: 'almoços', 'bolsos', 'estojos', 'esposos', 'sogros', 'polvos', etc.

12 - O certo é 'alto-falante', e não auto-falante.

13 - O certo é 'alugam-se casas', e não aluga-se casas. Mas devemos dizer precisa-se de empregados, trata-se de problemas. Observe a presença da preposição (de) após o verbo. É a dica pra não errar.

14 - Depois de ditongo, geralmente se emprega x. Veja: 'afrouxar', 'encaixe', 'feixe', 'baixa', 'faixa', 'frouxo', 'rouxinol', 'trouxa', 'peixe', etc.

15 - Ancião tem três plurais: 'anciãos', 'anciães', 'anciões'.

16 - Só use ao 'invés de' para significar 'ao contrário de', ou seja, 'com idéia de oposição'. Veja: Ela gosta de usar preto ao invés de branco. Ao invés de chorar, ela sorriu. Em vez de quer dizer em lugar de. Não tem necessariamente a idéia de oposição. Veja: Em vez de estudar, ela foi brincar com as colegas. (Estudar não é antônimo de brincar).

17 - Ainda se vê e se ouve muito aterrisar em lugar de aterrissar, com dois s. 'Escreva sempre com o s dobrado'.

18 - 'Não existe preço barato ou preço caro'. Só existe preço alto ou baixo. 'O produto, sim, é que pode ser caro ou barato'. Veja: Esse televisor é muito caro. O preço desse televisor é alto.

19 - Ainda se vê muito, principalmente na entrada das cidades, a expressão bem vindo (sem hífen) e até benvindo. As duas estão erradas. Deve-se escrever 'bem-vindo', sempre com hífen.

20 - Atenção: 'nunca empregue hífen depois de bi, tri, tetra, penta, hexa, etc'. O nome fica sempre coladinho. O Sport se tornou tetracampeão no ano 2000. O Náutico foi hexacampeão em 1968. O Brasil foi bicampeão em 1962.

21 - Veja bem: 'uma revista bimensal é publicada duas vezes ao mês', ou seja, 'de 15 em 15 dias'. 'A revista bimestral só sai nas bancas de dois em dois meses'. Percebeu a diferença?

22 - Hoje, tanto se diz 'boêmia' como 'boemia'. Nelson Gonçalves consagrou a segunda, com a tonacidade no mia.

23 - Cuidado: 'Eu caibo' dentro daquela caixa. A primeira pessoa do presente do indicativo assim se escreve porque o verbo é irregular.

24 - Preste atenção: 'o senador Luiz Estêvão foi cassado'. Mas 'o leão foi caçado' e nunca foi achado. Portanto, 'cassar' (com dois s) quer dizer tornar nulo, sem efeito.

25 - Existem palavras que 'só devem ser empregadas no plural'. Veja: os óculos, as núpcias, as olheiras, os parabéns, os pêsames, as primícias, os víveres, os afazeres, os anais, os arredores, os escombros, as fezes, as hemorróidas, etc.

26 - Pouca gente tem coragem de usar, mas o plural de caráter é 'caracteres'. Então, Carlos pode ser um bom-caráter, mas os dois irmãos dele são dois maus-caracteres.

27 - 'Cartão de crédito e cartão de visita não pedem hífen'. 'Já cartão-postal exige o tracinho'.

28 - 'Catequese se escreve com s', mas 'catequizar é com z'. Esse português...

29 - O exemplo acima foge de uma regrinha que diz o seguinte: os verbos derivados de palavras primitivas grafadas com s formam-se com o acréscimo do sufixo -ar: análise-analisar, pesquisa-pesquisar, aviso-avisar, paralisia-paralisar, etc.

30 - 'Censo é de recenseamento'; 'senso refere-se a juízo'. Veja: O censo deste ano deve ser feito com senso crítico.

31 - 'Você não bebe a champanhe. Bebe o champanhe'. É, portanto, palavra masculina.

32 - ' Cidadão só tem um plural: cidadãos'.

33 - Cincoenta não existe. 'Escreva sempre cinquenta'.

34 - Ainda tem gente que erra quando vai falar gratuito e dá tonicidade ao i, como de fosse gratuíto. 'O certo é gratuito', da mesma forma que pronunciamos intuito, circuito, fortuito, etc.

35 - E ainda tem gente que teima em dizer rúbrica, em vez de rubrica, com a sílaba bri mais forte que as outras. 'Escreva e diga sempre rubrica'.

36 - 'Ninguém diz eu coloro esse desenho'. Dói no ouvido. Portanto, o verbo colorir é defectivo (defeituoso) e não aceita a conjugação da primeira pessoa do singular do presente do indicativo. 'A mesma coisa é o verbo abolir'. Ninguém é doido de dizer eu abulo. Pra dar um jeitinho, diga: Eu vou colorir esse desenho. Eu vou abolir esse preconceito.

37 - 'Outro verbo danado é computar'. Não podemos conjugar as três primeiras pessoas: eu computo, tu computas, ele computa. A gente vai entender outra coisa, não é mesmo? Então, para evitar esses palavrões, decidiu-se pela proibição da conjugação nessas pessoas. Mas se conjugam as outras três do plural: computamos, computais, computam.

38 - Outra vez atenção: os verbos terminados em -uar fazem a segunda e a terceira pessoa do singular do presente do indicativo e a terceira pessoa do imperativo afirmativo em -e e não em -i. Observe: Eu quero que ele continue assim. Efetue essas contas, por favor. Menino, continue onde estava.

39 - A propósito do item anterior, devemos lembrar que os verbos terminados em -uir devem ser escritos naqueles tempos com -i, e não -e. Veja: Ele possui muitos bens. Ela me inclui entre seus amigos de confiança. Isso influi bastante nas minhas decisões. Aquilo não contribui em nada com o progresso.

40 - 'Coser significa costurar'. 'Cozer significa cozinhar'.

41 - 'O correto é dizer deputado por São Paulo', 'senador por Pernambuco', e não deputado de São Paulo e senador de Pernambuco.

42 - 'Descriminar' é absolver de crime, inocentar. 'Discriminar' é distinguir, separar. Então dizemos: Alguns políticos querem descriminar o aborto. Não devemos discriminar os pobres.

43 - 'Dia a dia (sem hífen) é uma expressão adverbial que quer dizer todos os dias, dia após dia'. Por exemplo: Dia a dia minha saudade vai crescendo. Enquanto que 'dia-a-dia (com hífen) é um substantivo que significa cotidiano' e admite o artigo: O dia-a-dia dessa gente rica deve ser um tédio.

44 - 'A pronúncia certa é disenteria', e não desinteria.

45 - A palavra 'dó (pena) é masculina'. Portanto, 'Sentimos muito dó daquela moça'.

46 - 'Nas expressões é muito, é pouco, é suficiente, o verbo ser fica sempre no singular', sobretudo quando denota quantidade, distância, peso. Ex: Dez quilos é muito. Dez reais é pouco. Dois gramas é suficiente.

47 - 'Há duas formas de dizer': é proibido entrada, e é proibida a entrada. Observe a presença do artigo a na segunda locução.

48 - Já se disse muitas vezes, mas vale repetir: 'televisão em cores', e não a cores.

49 - Cuidado: 'emergir é vir à tona', vir à superfície. Por exemplo: O monstro emergiu do lago. Mas 'imergir é o contrário': é mergulhar, afundar. Veja o exemplo: O navio imergiu em alto-mar.

50 - A confusão é grande, mas 'se admitem as três grafias': 'enfarte, enfarto e infarto'.

51 - Outra dúvida: nunca devemos dizer estadia em lugar de estada. Portanto, a minha estada em São Paulo durou dois dias. Mas a estadia do navio em Santos só demorou um dia. Portanto, 'estada para permanência de pessoas, e estadia para navios ou veículos'.

52 - E não esqueça: 'exceção é com ç', mas 'excesso é com dois ss'.

53 - Lembra-se dos 'verbos defectivos'? Lá vai mais um: 'falir'. No presente do indicativo só apresenta a primeira e a segunda pessoa do plural: nós falimos, vós falis. Já pensou em conjugá-lo assim: eu falo, tu fales...Horrível, não?

54 - Todas as expressões adverbiais formadas por 'palavras repetidas dispensam a crase': 'frente a frente', 'cara a cara', 'gota a gota', 'face a face', etc.

55 - Outra vez tome cuidado. Quando for ao supermercado, 'peça duzentos ou trezentos gramas' de presunto, 'e não duzentas ou trezentas'. Quando significa unidade de massa, grama é substantivo masculino. 'Se for a relva, aí sim, é feminino': não pise na grama; a grama está bem crescida.

56 - É frequente se ouvir no rádio ou na TV os entrevistados dizerem: Há muitos 'anos atrás...' Talvez nem saibam que estão construindo uma frase redundante. Afinal, há já dá idéia de passado. Ou se diz simplesmente 'há muito anos...' ou 'muitos anos atrás...' Escolha. Mas não junte o há com atrás.

57 - Cuidado nessa arapuca do português: as palavras paroxítonas terminadas em -n recebem acento gráfico, mas as terminadas em -ns não recebem: 'hífen', 'hifens'; 'pólen', 'polens'.

58 - Atenção: 'Ele interveio' na discórdia, 'e não interviu'. Afinal, 'o verbo é intervir, derivado de vir'.

59 - 'Item não leva acento'. Nem seu plural itens.

60 - O certo é 'a libido', feminino. Devo dizer: 'Minha libido' hoje não tá legal.

61 - Todo mundo gosta de dizer 'magérrima', 'magríssima', mas o superlativo de magro é 'macérrimo'.

62 - Antes de particípios não devemos usar melhor nem pior. Portanto, devemos dizer: os alunos mais bem preparados são os do 2o grau. E nunca: os alunos melhor preparados...

63 - Essa história de 'mal com l', e 'mau com u', até já cansou: É só decorar: 'Mal' é antônimo de bem, e 'mau' é antônomo de bom. É só substituir uma por outra nas frases para tirar a dúvida.

64 - Pronuncie 'máximo', como se houvesse dois ss no lugar do x. (mássimo)

65 - Toda vez que disser: 'É meio-dia e meio você estará errando. 'O certo é: meio-dia e meia', ou seja, meio-dia e meia hora.

66 - Não tenho 'nada a ver' com isso, e 'não haver' com isso.

67 - 'Nem um nem outro' leva o verbo para o singular: Nem um nem outro conseguiu cumprir o que prometeu.

68 - Toda vez que usar o 'verbo gostar' tenha cuidado com a ligação que ele tem com a preposição de. Ex: a coisa de que mais gosto é passear no parque. A pessoa de que mais gosto é minha mãe.

69 - Lembre-se: 'pára', com acento, é do verbo parar, e 'para', sem acento, é a preposição. Portanto: Ele não pára de repetir para o amigo que tem um carro novo.

70 - E tem mais: 'pelo', (sem acento), é preposição (contração da preposição por com o artigo a) e pêlo, com acento, é o cabelo.

71 - E quer mais? 'Pêra', a fruta, leva acento, só para diferenciar de uma antiga preposição também chamada 'pera'. Já o plural dispensa o acento: 'peras'. Dá pra entender? O jeito é decorar.

72 - Ainda tem mais uma palavra com acento diferencial: 'pôde', terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do verbo poder. É para diferenciar de 'pode', a forma do presente. Então dizemos: Ele até que pôde fazer tudo aquilo, mas hoje não pode mais. Percebeu a diferença?

73 - 'Pôr só leva acento quando é verbo': "Quero pôr tudo no seu devido lugar". Mas 'se for preposição, não leva acento': Por qualquer coisa, ele se contenta.

74 - Fique atento: nunca diga, nem escreva 1 de abril, 1 de maio. Mas sempre: 'primeiro de abril', 'primeiro de maio'. Prevalece o ordinal.

75 - É chato, pedante ou parece ser errado dizer quando eu 'vir' Maria, darei o recado a ela. Mas esse é o emprego correto do 'verbo ver' no futuro do subjuntivo. Se eu o vir, quando eu o vir. Mas quando é o verbo vir que está na jogada, a coisa muda: quando eu 'vier', se eu 'vier'.

76 - Só use 'quantia' para somas em dinheiro. Para o resto, pode usar 'quantidade'. Veja: Recebi a quantia de 20 mil reais. Era grande a quantidade de animais no meio da pista.

77 - O prefixo 'recém' sempre se separa por hífen da palavra seguinte e deve ser pronunciado como oxítona: recém-chegado de Londres.

78 - Não esqueça: 'retificar é corrigir', e 'ratificar é comprovar, reafirmar': "Eu ratifico o que disse e retifico meus erros.

79 - Quando disser 'ruim', diga como se a sílaba mais forte fosse - im. Não tem cabimento outra pronúncia.

80 - Fique atento: só empregamos 'São' antes de nomes que começam por consoante: 'São Mateus', 'São João', 'São Tomé', etc. Se o nome começa por vogal ou h, empregamos 'Santo: 'Santo Antônio', 'Santo Henrique', etc.

81 - E lembre-se: 'seção, com ç', quer dizer 'parte de um todo, departamento': a seção eleitoral, a seção de esportes. Já 'sessão, com dois ss', significa intervalo de tempo que dura uma reunião, uma assembléia, um acontecimento qualquer: 'A sessão do cinema demorou muito tempo'.

82 - Não confunda: 'senão', (juntinho), quer dizer"caso contrário" e 'se não', (separado), equivale a "se por acaso não". Veja: Chegue cedo, senão eu vou embora. Se não chegar cedo, eu vou embora. Percebeu a diferença?

83 - Tire esta dúvida: quando 'só' é adjetivo equivale a sozinho e varia em número, ou seja, pode ir para o plural. Mas 'só' como advérbio, quer dizer somente. Aí não se mexe. Veja: Brigaram e agora vivem sós (sozinhos). Só (somente) um bom diálogo os trará de volta.

84 - É comum vermos no rádio e na tv o entrevistado dizer: O que nos falta são 'subzídios'. Quer dizer, fala com a pronúncia do z. Mas não é: pronuncia-se 'ss'. Portanto, escreva 'subsídio' e pronuncie 'subssídio'.

85 - 'Taxar' quer dizer 'tributar', 'fixar preço'. 'Tachar' é 'atribuir defeito', 'acusar.

86 - E nunca diga: 'Eu torço para o Flamengo'. Quem torce de verdade, 'torce pelo Flamengo'.

87 - Todo mundo tem dúvida, mas preste atenção: 50% dos estudantes passaram nos testes finais. Somente 1% terá condições de pagar a mensalidade. Acreditamos que 20% do eleitorado se abstenha de votar nas próximas eleições. Mais exemplos: 10% estão aptos a votar, mas 1% deles preferem fugir das urnas. Quer dizer, concorde com o mais próximo e saiba que essa regra é bastante flexível.

88 - 'Um dos que' deixa dúvidas,mas, pela norma culta, devemos pluralizar. Há gramáticos que aceitam o emprego do singular depois dessa expressão: Eu sou um dos que foram admitidos. Sandra é uma das que ouvem rádio.

89 - 'Veado' se escreve com e, e não com I.

90 - Esse português da gente tem cada uma: 'tem viagem com G e viajem com J' . Tire a dúvida: viagem é o substantivo: A viagem foi boa. Viajem é o verbo: Caso vocês viajem, levem tudo.

91 - O prefixo 'vice' sempre se separa por hífen da palavra seguinte: vice-prefeito, vice-governador, vice-reitor, vice-presidente, vice-diretor, etc.

92 - Geralmente, se usa o 'x depois da sílaba inicial en': enxaguar, enxame, enxergar, enxaqueca, enxofre, enxada, enxoval, enxugar, etc. Mas cuidado com as exceções: encher e seus derivados (enchimento, enchente, enchido, preencher, etc) e quando -en se junta a um radical iniciado por ch: encharcar (de charco), enchumaçar (de chumaço), enchiqueirar (de chiqueiro), etc.

93 - Não adianta teimar: 'chuchu' se escreve mesmo é com 'ch'.

94 - 'Ciclo vicioso' não existe. O correto é 'círculo vicioso'.

95 - E qual a diferença entre 'achar' e 'encontrar'? Use 'achar' para definir aquilo que se procura, e 'encontrar' para aquilo que, sem intenção nenhuma, se apresenta à pessoa. Veja: Achei finalmente o que procurava. Maria encontrou uma corda debaixo da cama. Jorge achou o gato dele que fugiu na semana passada.

96 - 'Adentro' é uma palavra só: meteu-se porta adentro. A lua sumiu noite adentro.

97 - Não existe 'adiar para depois'. Isso é redundante, porque adiar só pode ser para depois.

98 - 'Afim' (juntinho) tem relação com afinidade: gostos afins, palavras afins. 'A fim de' (separado) equivale a para: veio logo a fim de me ver bem vestido.

99 - Pode parecer meio estranho, mas pode conjugar o 'verbo aguar' normalmente: eu águo, tu águas, ele água, nós aguamos, vós aguais, eles águam.

100 - 'Centigrama' é uma palavra masculina: dois centigramas.

Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro. Portal CEN

Literatura na Escola (Plano de Aula - Narrativa de Dyonelio Machado)



OBJETIVOS

– Estimular o gosto pela leitura;
– desenvolver a competência leitora;
– desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso crítico;
– estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de mundo);
– reconhecer e analisar os elementos da narrativa (narrador e seu ponto de vista, tempo);
– reconhecer e interpretar o discurso indireto livre.

CONTEÚDOS

Elementos da narrativa: narrador, tempo
discurso indireto livre

TEMPO ESTIMADO : Nove aulas

ANO : 9º ano

MATERIAL NECESSÁRIO

- Livro Os Ratos. Dyonelio Machado. São Paulo: Planeta, 2004.

DESENVOLVIMENTO

1ª etapa: Antecipação/Motivação/Sensibilização
.

LANCE A PERGUNTA À CLASSE:

Você já ouviu falar do escritor Dyonelio Machado? Conhece alguma obra que ele publicou?
Apresenta a biografia do autor.

Dyonelio Machado
Dyonelio Machado nasceu em Quarai, RS, em 21 de agosto de 1895. Além de escritor, Dyonelio foi médico psiquiatra. Aos 12 anos, já trabalhava no semanário O Quaraí, no qual teve seus primeiros contatos com a imprensa. Em 1929 formou-se médico e ingressou na psicanálise, constituindo-se num dos responsáveis pela sua divulgação no Rio Grande do Sul. Em 1934 traduziu a obra Elementos de Psicanálise, de Eduardo Weiss, livro fundamental na área. O interesse pela literatura surge por esta época, tendo seu primeiro livro de contos – Um pobre homem – publicado em 1927. Sua obra não é vasta, porém é bastante significativa: Os ratos, publicado em 1935, recebeu o prêmio Machado de Assis, depois veio O louco do Catí (1942), ambos considerados clássicos da literatura brasileira.
Faleceu em 19 de junho de 1985.
http://www.tirodeletra.com.br/biografia/DyonelioMachado.htm

Explique aos alunos que os dados biográficos interessam-nos só para conhecer um pouco da vida do autor, quantas obras escreveu, quais prêmios ganhou, a qual partido político pertencia. Deixe claro que uma análise literária que leva apenas em consideração a vida do autor tende ao equívoco, já que o escritor é decisivo só no momento da escritura. Depois de a obra estar pronta, ela fala por si só. O autor apenas cria, imagina a história, as personagens, o cenário e cria alguém responsável pelo ato de narrar: o narrador. Sendo assim, como afirma o contista Dalton Trevisan (Record, 1979), "nada tem a dizer fora dos livros. Só a obra interessa, o autor não vale o personagem. O conto é sempre melhor que o contista.”

PEÇA QUE OS ALUNOS RESPONDAM ORALMENTE:

A partir do título “Os Ratos”, o que você espera da história?

2º, 3º e 4º etapas:

Leitura compartilhada dos capítulos 1 e 2, seguida de troca de impressões gerais.

Pergunte à classe:
a- Qual é o drama vivido por Naziazeno e sua família?
b- Após o episódio do leiteiro, Naziazeno toma o bonde e segue em direção à repartição pública, da qual era funcionário. No caminho, trava conversa com um viajante, sentado ao seu lado. Veja:
" - Que horas serão?
— Sete horas passadas.
— Vou com atraso.
— A que horas você entra?
— Faltando um quarto pras oito.”

No bonde, perguntam ao viajante, companheiro de viagem de Naziazeno, o que ele levava consigo.

O moço responde: “ Leite. É o meu almoço”.

Naziazeno acha estranho e pensa:” — Como é que um homem pode se contentar apenas com um vidro de leite ao meio dia?”

- O que a fala do moço gera no íntimo de Naziazeno?

c- Ainda no bonde, Naziazeno escuta os viajantes conversando sobre os cavalos de corrida. A partir disso, Naziazeno parece sair do momento vivido e, via memória, é transportado para outro momento. Que momento é esse?

d- O narrador em 3ª pessoa parece conhecer Naziazeno a ponto de mencionar, logo após o episódio dos cavalos:“ Essa história agora lhe causou um mal-estar”. Que mal-estar é esse?

Leia o fragmento a seguir, que servirá de discussão para as questões e, f e g

“Já pôs o pé na calçada do mercado. O “café do Duque” fica na outra esquina. Toda essa calçada é uma sombra fresca e alegre, cheia de passos, de vozes.[...] Não enxerga o duque nos lugares habituais...E, entretanto, é a “ hora dele”. Vai ficar por ali, pelas portas, alguns minutos.Ele não poderá tardar. Nunca deixa de ir a esse café. Só por doença. Naziazeno bem que sentaria. Quem sabe?...talvez haja um conhecido nalguma mesa...Olha!...lá no fundo!...o Carvalho ...Mas desvia vivamente a cara, faz que não vê o Carvalho.”

e- O fragmento acima é narrado em qual pessoa? Que efeito de sentido a escolha desse ponto de vista gera na narrativa?

Professor, insista com o aluno que as formas verbais “pôr” e “ enxergar” indicam ao leitor que se trata de uma 3ª pessoa. Veja: Quem pôs o pé= ele; Quem não enxerga o duque nos lugares= ele. Sendo assim, quem nos conta a história é um narrador de fora dela, não um narrador personagem.

Feito isso, lance a seguinte pergunta:

f- No trecho acima, apesar de ser contado por um narrador fora da história, em 3ª pessoa, é possível conhecer os pensamentos e sentimentos do personagem principal, Naziazeno?

É o momento de explicar/ retomar com o aluno o discurso indireto livre. Diga a ele que quando lemos uma narrativa, há um narrador, que é quem conta o fato. Esse locutor ou narrador pode introduzir outras vozes no texto. Ao modo como as falas/ vozes são introduzidas na narrativa, damos o nome de discurso. Ele pode ser classificado em: direto, indireto e indireto livre. Se considerar necessário, entregue-lhe o quadro abaixo:

Discurso direto

Reproduz fiel e literalmente algo dito por alguém.
Exemplo: Não gosto disso” – disse a menina em tom zangado.

Discurso indireto

O narrador, usando suas próprias palavras, conta o que foi dito por outra pessoa.
Exemplo: A menina disse em tom zangado que não gostava daquilo

Discurso indireto livre

Este tipo de discurso envolve a combinação de diferentes pontos de vista. O narrador insere “falas- pensamentos” das personagens no seu próprio discurso, dificultando a identificação precisa de quem seria o responsável pelo que está sendo dito (narrador ou personagem). É necessário que se tenha atenção para não confundir a fala do narrador com a fala do personagem, pois esta surge de repente em meio a fala do narrador.

Exemplo: A menina perambulava pela sala irritada e zangada. Eu não gosto disso! E parecia que ninguém a ouvia.

Agora que já explicou os tipos de discurso, pergunte ao aluno:

g- A que tipo de discurso pertence o trecho selecionado?

Fixação: o discurso indireto livre

h- Após o mal-estar, Naziazeno lamenta ter como esposa uma mulher tímida. Veja:

“ Também a sua mulher com os outros é tímida, tímida demais. Fosse a mulher do amanuense, queria ver se as coisas não marchariam doutro modo. Ela se encolhe ao primeiro revés[...] Ele precisava dum ser forte a seu lado. Toda a sua decisão se dilui quando vê junto de si, como nessa manhã, a mulher atarentar-se, perder-se empalidecer[...] Sentir-se-ia fortificado, ou ao menos” justificado”, se visse a seu lado a mulher do amanuense franzindo a cara ao leiteiro, pedindo-lhe para repetir o que houvesse dito, perguntando-lhe o que é que estaria porventura pensando deles. A sua mulher encolhida e apavorada é uma confissão pública de miséria humilhada, sem dignidade_ da sua miséria.”

Sabemos da lamentação de Naziazeno via narrador ou pela personagem. Retire fragmentos que comprovem sua resposta.

Após garantir o entendimento dos tipos de discurso, releia o fragmento da lamentação de Naziazeno sobre a mulher. Diga aos alunos que apesar de a narrativa não ser em 1ª pessoa, nós, como leitores, conhecemos os pensamentos e sentimentos de Naziazeno pelo narrador que, empregando o discurso indireto livre, dá a impressão de a fala, carregada de subjetividade, ser da personagem.

Tarefa: Peça que os alunos leiam os capítulos 3, 4 e 5.

5º etapa: Retome os capítulos lidos em casa. Peça que os alunos respondam às questões a seguir, por escrito:

a- Qual é o único interesse de Naziazeno?

b- Ao descer do bonde, Naziazeno entra em um café. Via narrador, sabemos que o fato de ele ter saído do bonde lhe proporciona uma sensação mais agradável. Leia o fragmento a seguir:

“ Sente-se outro, tem coragem, quer lutar. Longe do bonde não tem mais a ‘morrinha’ daquelas ideias...”

Interprete o fragmento. Por que sair do bonde causa bem-estar em Naziazeno?

c- Após o café, devido às horas, sente-se obrigado a se dirigir à repartição, visando por em prática o seu primeiro plano. Que plano é esse?

d- Do momento em que Naziazeno saiu de casa até a sua chegada à repartição, percebemos o transcorrer das horas, que no romance são bem marcadas. Veja:

"- Faltando um quarto pras oito”
“O relógio da Prefeitura marca pouco mais de oito horas.”
“– Este relógio ainda está marcando oito e dez”
“Os relógios não andam certos. Mas já há de ser umas oito e vinte ou oito e meia. Às nove ele se encaminhará pra repartição”
“São oito e meia quase no relógio do café.”
“9 horas! Já está arrependido daquela longa ‘folga’”
[...]

É importante retomar com o aluno o conceito de tempo narrativo. Predomina em Os ratos o tempo cronológico, mensurado precisamente pelo relógio.

Chame a atenção do aluno pelas horas bem definidas.

Depois lance a seguinte pergunta. Peça que os alunos respondam oralmente:

a- Por qual motivo há no romance a obsessão pela hora marcada? O que o passar das horas representa para Naziazeno?

Às 9 horas, Naziazeno pretende falar com o diretor, porém antes de o fazê-lo, fica imaginando o que lhe dizer e o que receberá como resposta. Veja:

“— Doutor, vejo-me outra vez forçado a recorrer...” — Não ! isto é vago, geral. Deve dizer o fato, o que se passa. “— Doutor, imagine a minha situação, o meu leiteiro...” — Não ! Não! Trivialidade...uma trivialidade... “— O meu filho, doutor...” — Outra vez o teu filho, Naziazeno...sempre o teu filho...”

b- Após refletir sobre isso, como se sente Naziazeno? Sua postura é de alguém diferente do perfil tímido e humilde da mulher?

Tarefa: Peça que os alunos leiam os capítulos 6 a 10.

6º etapa: Retome os capítulos lidos em casa. Depois, inicie uma conversa sobre a cidade.

É na cidade, locus por excelência do consumo, do aumento do nervosismo e da tensão, do domínio do exterior, das aparências e da indiferença que os indivíduos estabelecem uma relação com o dinheiro, único meio de sobrevivência. Em Os ratos, Naziazeno precisa de cinquenta e três mil réis para pagar a dívida que contraíra com o leiteiro e, por isso, sai pela cidade em busca de dinheiro. A narração segue, ao longo de 24 horas, as andanças desse funcionário público, movido por uma das mais básicas necessidades — a garantia de alimento. Ao tentar emprestar o dinheiro, Naziazeno sente a angústia de estar preso à condição urbana e sob o regime de terror imposto pelo dinheiro. Em decorrência do estado de tensão do protagonista, tudo ao seu redor lhe faz lembrar do problema que o atormenta.

Feito os comentários, pergunte aos alunos. Pode ser uma atividade escrita.

a - Como Naziazeno era recebido pelos possíveis credores?

b- Você considera Os Ratos uma crítica à maneira como o dinheiro acabou se tornando a mola propulsora das relações sociais?

Tarefa: Peça que os alunos leiam os capítulos 10 a 25. Estabeleça um cronograma de leitura, de modo a deixar para cada dia dois capítulos.

7º etapa: Retome os capítulos lidos em casa.

Peça que, oralmente, os alunos recuperem a saga de Naziazeno. O intuito é fazê-los perceber o sofrimento de um homem fadado à condição urbana: a máquina inescrupulosa das grades cidades.

Feito isso, peça que respondam por escrito:

Apesar de a trama passar em Porto Alegre, por nenhum momento o narrador afirma tratar-se desta cidade. Arrisque uma interpretação: por qual motivo não foram mencionados detalhes pelos quais pudéssemos reconhecer Porto Alegre?

8º e 9º etapas- leitura compartilhada dos capítulos 26 a 28

Lance a seguinte pergunta à classe. Pode ser uma atividade escrita:

O desfecho dado à narrativa é garantia de resolução dos problemas de Naziazeno?

AVALIAÇÃO

Com o livro em mãos, peça uma atividade escrita e individual.

1- Agora que já conhece a obra, analise o título “Os ratos”. Leve em consideração as suas inferências no início do projeto, o significado do título: suas expectativas para a história se mantiveram ou foram alteradas? Por quê?

2- O título Os Ratos é uma referência ao drama psicológico de Naziazeno Barbosa, protagonista da história, depois de ter conseguido o dinheiro para saldar a dívida com o leiteiro. Naziazeno, meio dormindo, tem o seguinte pesadelo: os ratos estão roendo o dinheiro que ele deixara à disposição do leiteiro sobre a mesa da cozinha.

Arrisque uma interpretação: qual o significado do sonho de Naziazeno?

Fonte:
Revista Nova Escola, disponível em
http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/literatura-escola-9o-ano-narrativa-dyonelio-machado-578513.shtml

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Donzilia Martins (Fim de Tarde)


Recostada na cadeira fecho os olhos!
O mar de prata brilha, rebrilha
E traz até mim um perfume sonhador.
A brisa beija, acaricia, bafejando o meu rosto
Numa ternura eterna de um amante sedutor.

Ergue-me os cabelos, brinca com meus fios brancos
Em desalinho inebriante e descomposto, como o mar.

O mar! Fim de tarde! A cor da paleta multicor
Semeia na praia dourados pingos de luz e maresia.
A onda vai, vem, volta, some, foge e de novo em magia
Espraia, recomeça, indiferente à água que em tango dança.
E o meu olhar mergulha e jamais cansa.

Para esfriar o tempo, o banhista embarca de prancha
Agarrando o mar num frio abraço.
Para ele é vida, sal, sol, céu azul
Salpicando de chuva o dourado espaço.

Alguém o interpela:
Por que é que você vai à água?
Simpático e sonhador, sacudindo as gotas da pele bronzeada
Solta a voz do olhar num sorriso alongado pelo mar adentro.
- Venha também. Empresto-lhe a minha prancha…
A sedução! O grão de sol! A gota da vida que vale a pena agarrar
Neste fim de tarde à beira mar
E embrulhá-la na morna luz que dança.

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro. Portal CEN.
Imagem =
http://poucoimporta.blog.terra.com.br

Sonhos de Encantar de Donzília Martins


Donzília Martins, natural de Murça, é uma autora cuja produção literária foi dada a público quase na totalidade na primeira década do séc. XXI. Apenas o primeiro livro, em poesia, com o título Lágrimas e Sorrisos em Sonhos de Vida, é de 1991. Os dois seguintes, Lírios Do Campo e Quando o teu Olhar, também em poesia, já são respectivamente de 2004 e de 2006.

Em 2007 publicou a sua primeira obra em prosa, com o título Um país na Janela do meu Nome, com a qual, através das histórias que conta relacionadas com momentos da sua infância passada na área geográfica de Murça, contribui para a preservação da memória cultural de Trás-os-Montes dos anos cinquenta e sessenta do século XX. Um país na Janela do meu Nome é um livro que resulta de uma memória que se vai construindo. É como uma caixinha de música que, ao abrir-se nos delicia com sons da nossa infância, só que esta caixinha é mágica e, em vez de nos dar apenas sons, dá-nos também imagens, cheiros, sabores de um tempo e de um espaço trasmontano. Nele o leitor encontra vivências que a Autora pretende fazer crer “sem utopias nem ficção”, considerando-o “um livro de memórias, de vivências”, “um livro branco onde abriu e estendeu a alma” (Martins 2007: 14), como há já algum tempo escrevemos (Monteiro 2008: 101-108).

Os dois últimos livros que Donzília Martins publicou são de literatura infanto-juvenil e têm por título História do Zé Luís, o menino petiz, de 2008, e Sonhos de Encantar, publicado em 2009. É dele que vamos falar com mais detalhe:

Donzília Martins no “Prefácio” afirma “Só há pouco tempo descobri a magia que é sonhar contos do imaginário com crianças” e essa possibilidade resulta sobretudo do fato de ser avó e de se ter aposentado. Assim, tem agora mais tempo disponível para se ver “transportada para o tempo tempo em que, à lareira, ouvia as lindas histórias de encantar”.

Antigamente, sem televisão, sem computador, sem as atividades e as condições de vida que hoje as crianças têm, o tempo em família era muitas vezes ocupado à lareira, em ambiente comunitário e de aconchego. O tempo e o espaço eram propícios ao relato de contos tradicionais e de histórias do quotidiano. Mas havia também os serões comunitários que Miguel Torga, alterónimo de Adolfo Rocha, apresenta no conto «Abre-te, Sésamo», no qual nos aparecem “as mulheres a fiar, a dobar ou a fazer meia, os homens a fumar e a conversar, e a canalhada a dormitar ou nas diabruras do costume” (Torga 1988:101). Mas, quando chegava “a hora do Raul ler as histórias do seu grande livro, todos arrebita[va]m a orelha”. As pessoas da aldeia reuniam-se numa “loja de gado, ao quente bafo animal” e “todos os moradores se cotizavam para pagar a luz do carboneto ou de petróleo e o serão começava” (Torga 1988: 102). Como escreve aquele autor trasmontano, natural de S. Martinho de Anta, “é no Inverno, nas grandes noites sem-fim, que se goza na aldeia essa fraternidade” (Torga 1988: 102). Nos anos quarenta do século passado, era assim em algumas aldeias. Hoje, no séc. XXI, os serões são bem diferentes, na maior parte das vezes mais solitários, em que cada um se ocupa a estudar, a ver televisão ou com os telemóveis, os jogos de computador, a Internet.

Em Sonhos de Encantar, Donzília Martins refere que tem a preocupação de reinventar os sonhos que os contos tradicionais faziam surgir e também a cultura popular que foi a sua escola para a vida, até porque, como escreve no mesmo “Prefácio”:

É dessa cultura popular que vim e da qual me orgulho. Foi ela a minha escola para a vida. Por isso quero dar o meu testemunho às crianças, a fim de que também elas no seu imaginário possam sonhar e serem mais felizes.” (Martins 2009: 4)

Essa escola da vida já o leitor a conhece de uma obra que a Autora escreveu anteriormente, Um País na Janela do meu Nome, e é ela que leva a que uma menina diga que vale mais estudar do que ter dinheiro. Falamos do conto «A caixinha mágica», no qual encontramos uma lição de vida que é dada pela menina, para quem estudar era mais importante do que as moedas, porque “o dinheiro gasta-se e a sabedoria fica” (Martins 2007: 25). Ao preferir a sabedoria ao dinheiro, a adolescente revela a sua prioridade, porque com sabedoria poderia ter um melhor trabalho mais tarde. Assim, o dinheiro que a avó queria deixar-lhe após a morte, foi utilizado para pagar os estudos e realizar o seu sonho. O sonho da menina do conto «A caixinha mágica» tornou-se realidade na história de Donzília Martins, mas nesse tempo nem sempre assim acontecia, como muito bem o demonstrou o escritor duriense Soeiro Pereira Gomes (cujo centenário do nascimento ocorreu em 14/04/2009 e que aqui homenageamos de forma singela). Na sua obra Esteiros, Soeiro Pereira Gomes deu a conhecer a exploração do trabalho infantil e a desigualdade de oportunidades no Portugal dos finais da década de trinta, princípios da de quarenta do séc. XX.

Em Sonhos de Encantar Donzília Martins refere que tem a preocupação de apresentar ao leitor “textos mais didácticos e reais do que lúdicos ou ficcionais” (Martins 2009: 4), contudo a fórmula encantatória com que abre as histórias “Era uma vez...” transporta logo o leitor para o mundo mágico da ficção intemporal. Existe também um apelo à imaginação de quem lê o livro, procurando-se desenvolver a criatividade infantil. E isso é feito de maneira natural, quando no fim de cada uma das histórias encontramos expressões como:

“Agora conta tu...” (Martins 2009: 9);
“Entra. Vem, para ficares a saber.” (Martins 2009: 15);
“Queres vir também? Anda. Sobe.” (Martins 2009: 22);
“Também tens uma cãozinho? Fala-nos dele. Se não tens e gostavas de ter, imagina que tens um...” (Martins 2009: 28).
.
Mas vejamos mais de perto cada uma das histórias. A primeira, «A menina que aprendeu com o olhar», estabelece um contraste entre uma menina que não gostava de comer a sopa e um menino que não tinha sopa para comer. O problema da fome e da desigualdade social é abordado com simplicidade, acabando a menina por compreender a diferença de condições de vida. E assim, a partir daí, “nunca mais deixou ficar a sopa arrefecida, ou a merenda da escola (...) na pasta esquecida” (Martins 2009: 9).

Na história «No Jardim do Alfabeto» fala-se de um jardim “muito verde, muito especial, muito engraçado” que ficava perto de uma escola. Esse jardim era especial porque em vez de flores os meninos viam nascer letras de muitas cores, tamanhos e formas. É uma história que, de forma, lúdica e divertida, pretende chamar a atenção das crianças para o fato de as letras poderem formar palavras quando bem agrupadas. Tudo é feito naturalmente:

“Um dia, andando a passear por entre elas uma abelha e uma borboleta, ambas deliciadas com tão doce perfume e tamanha beleza, pediram às letras que se juntassem no meio do jardim para fazerem um baile de roda.” (Martins 2009: 10-11)

E, ao juntarem-se, as letras formavam palavras, surgindo uma série delas com cada uma das letras do alfabeto.

A experiência docente com crianças que a Autora possui permite-lhe fazer uma espécie de aula onde, de maneira lúdica, os meninos podem ver palavras iniciadas com cada uma das letras do alfabeto. A essas, mais tarde, juntam-se outras começadas pela mesma letra e, ordenadas, acabam por viverem “felizes para sempre no DICIONÁRIO” (Martins 2009: 15). Donzília Martins, de forma alegre e divertida, usando a imaginação que lhe permite criar histórias, ensina aos meninos o abecedário e o que é um dicionário, um livro para onde “todas as letras, ordenadas, cada uma no seu lugar e a seu tempo, puderam entrar” (Martins 2009:15). No final, há um apelo ao pequeno ouvinte/leitor: “Entra. Vem, para ficares a saber” (Martins 2009:15).

Um dos temas do livro é a morte, um tema pouco usual para crianças, e que aparece tratado com alguma poesia, idealismo, apelando à imaginação, em contos como «A gatinha Kokas», «O Flash» e «A morte é uma flor (Filosofia para crianças)».

No primeiro, depois de a gata Kokas ter morrido, a Mariana, de oito anos, tem esperança de voltar a vê-la, uma vez que dizem que os gatos têm sete vidas. Então:

E como por magia, uma nuvem branca, que ia a voar nas costas do vento, acenou-lhe.
– Não me reconheces? Sou a Kokas. Vou andar sempre aqui em cima a passear. Quando te apetecer brincar comigo basta olhares e sonhar. Aqui posso transformar-me em tudo o que tu imaginares: fada, príncipe, castelo, rio, ponte, livro, amigos, escola, jardins floridos, o pôr-do-sol, comboios a correr, tudo o que quiseres. Sobe nesse raio de sol e vem brincar.
A menina, embalada, subiu por um fio de cabelo de oiro que o sol estendeu e foi brincar com a sua linda gatinha de olhos cor de mar e céu...” (Martins 2009: 22)

Sugestivamente, encontramos a pergunta: “Queres vir também? Anda. Sobe.” E é assim que termina o conto, com este apelo à imaginação das crianças, tal como sucede com a história do cão Flash, um pastor alemão que dá o título ao conto.

Em «O Flash» temos a Catarina que, “sentada no baloiço, entretanto adormecera e sonhava! Então entrámos todos no sonho dela e vimos o Flash com umas asas, que um anjo lhe emprestara, a voar, a voar, a voar, a voar...” (Martins 2009: 28).

E a história termina com um convite ao leitor para falar de um cão, seja ele real seja imaginário:

Nas asas do Flash, feito vento, todos subiram. A brisa serena beijava os rostos dos meninos que sorriam, sorriam, sorriam...
Também tens um cãozinho?
Fala-nos dele. Se não tens e gostavas de ter, imagina que tens um...” (Martins 2009: 28)

Nas páginas 29-36 temos a história «Na caixinha da Biblioteca», na qual se fala de uma “menina ‘Grande’” que entra na Biblioteca de Guimarães. É uma projeção da Autora que, com um grupo de colegas está a festejar os 44 anos do Curso do Magistério e vai ver um filme no edifício da Biblioteca de Guimarães.

A “menina ‘Grande’”, ao ver o filme, recordou-se da sua meninice, junto dos avós. “Como por magia” e atraído pelo sonho de a menina ter um exemplar da sua autoria no conjunto dos livros do Plano Nacional de Leitura, um livro poisou-lhe no colo e deu-lhe a esperança de um dia poder ver um livro seu naquele conjunto: “Ainda um dia hás-de dar-me um irmão por companhia” (Martins 2009: 33). E, mais adiante:

Também tu terás a tua fada boa a tocar com a sua varinha mágica na tua mão, porque no teu coração ela já tocou. (...) Ainda não chegou a tua hora. Não desesperes e nunca desistas. Caminha. É com pequenos passos que se fazem os caminhos.” (Martins 2009: 35)

Com esta mensagem para a personagem, Donzília Martins torna mais abrangente o conselho, fazendo com que se aplique a todos, deixando-nos um incentivo para uma caminhada gradual no sentido de alcançarmos os ideais almejados.

A história termina com a “menina ‘Grande’” a descer as escadas e então, “como por magia, transformou-se em livro!!! “Sonhos de Encantar”... com sete histórias para imaginar!...” (Martins 2009: 36). É um livro em que duas crianças querem pegar, um livro desconhecido para a bibliotecária, mas que elas dizem que fala e salta, porque o viram a descer as escadas.

Esta história e as duas seguintes «Aliz no País dos sonhos» e «A morte é uma flor» (Filosofia para crianças» são as únicas em que não existe o apelo final ao leitor.

Em «Aliz no País dos sonhos» Donzília Martins retoma o gênero de histórias de Um país na Janela do meu Nome, na medida em que evoca cenas da infância passadas na província, numa aldeia de gente “sofrida e pobre que vive escondida e perdida no meio das fragas, por entre as montanhas...” (Martins 2009: 40).

Nesta história aparece-nos a personagem Aliz, anagrama de Zila, forma abreviada de Donzília. Esta personagem, que é o alter ego da Autora, vive num meio rural, onde passam poucas pessoas, num tempo em que os colchões ainda eram de palha, numa casa em que sobressai a “lareira da cozinha, que era também sala e para a qual davam os quartos sem portas” onde ainda “brilhavam algumas brasas dos paus grossos de castanheiro que o avô colocara à noite para se aquecerem e e esquentar a pedra que serviria de botija para os pés” (Martins 2009: 38).

É neste ambiente que Aliz vive com os avós, sentindo-se muito só e desejando conhecer tudo o que a avó lhe conta nas historias. Uma das pessoas que passa na rua, uma vez por dia, é a moleira que também se sente só e se queixa do isolamento em que vive, já que o seu único companheiro é o burro, o Jeremias, com quem fala todo o caminho e a entende como ninguém. Esta situação da moleira lembra-nos a do protagonista de O Malhadinhas de Aquilino Ribeiro em que a personagem também trata o animal como um ser humano, ele que é a única companhia nas longas viagens que faz.

E, dado que estamos num conjunto de “Sete histórias para imaginar”, esta é mais uma em que se apela à imaginação e, assim, também surge uma fada. É uma fada flor de pessegueiro que consola a menina, incentivando-a a não se lamentar pela solidão:

Para se ser feliz basta olhar e ver a beleza das coisas que dançam e passam à nossa volta. Depois, beber toda a poesia que vive nelas...Um dia hei-de levar-te a viajar e a conheceres o mundo, como é teu desejo, e terás muitas escolas com meninos.” (Martins 2009: 42).

A história termina com a menina a ser acordada do sonho pelo barulho do ranger do ferrolho da porta, quando o avô chega, carregado de cogumelos. Enquanto o avô prepara uma refeição com eles, a Aliz vai à varanda e agora “ela era a fada encantada, e aquela varanda a torre do seu castelo de chuva dourado” (Martins 2009: 42).

O livro Sonhos de Encantar termina com a história «A morte é uma flor (Filosofia para crianças)», e nela se fala de uma avozinha. É um texto em que no início se fala, com alguma poesia, das avós:

“A maior parte delas tem os cabelos pintados de branco como a neve e lisos ou grifados a fazer de rios ou de pontes. Por cima das avós brilham duas estrelas que, de vez em quando, descem devagarinho e vão pousar-se-lhes nos olhos. Aí, nascem dois lagos grandes, redondos, umas vezes muito azuis, outras muito verdes, outras cinzentos, a baralharem a luz, mas neles, nas cores, brincam duas contas de azeviche, negras, fundas, onde vivem adormecidas mil histórias. É nesses olhares profundos que muitos meninos, sentados nos seus colos, gostam de mergulhar.” (Martins 2009: 43).

E Donzília Martins escreve, a propósito das lágrimas das avós, que muitas vezes também são de alegria:

“Na cara das nossas avós passam rios naturais, com leitos vincados, por onde de vez em quando correm grandes caudais em cataratas de lágrimas.”
Essas gotinhas de água transparentes são quase sempre de alegria por serem testemunhas vivas das crianças a crescerem.” (Martins 2009: 43).

Em «A morte é uma flor (Filosofia para crianças)» a Autora opta por falar livremente das avós, que são “exímias a ser ‘cadeirinhas’ de colo e que “são eternas! Nunca morrem. Ficam sempre connosco, deixando sempre um pouco delas em todos os passos do nosso caminho e, sobretudo, ficam para sempre a viver nas nossas almas.” (Martins 2009: 46). Nesta última história reflete-se claramente, por um lado, a relação afetiva muito forte que ligou Donzília Martins à sua avó e, por outro lado, a sua experiência, cheia de entusiasmo, de ser avó no momento presente.

Em conclusão, resta-nos dizer que, em Sonhos de Encantar, Donzília Martins, agora avó e a gostar de contar histórias aos netos, aproveita para nos contar pequenas histórias nas quais mostra de forma suave, idealizada e com alguma poesia, problemas com que as crianças e os adultos são confrontados no dia a dia das suas vidas. No seu livro encontramos páginas de encantar, com mensagens de amor, de fraternidade, de saudade motivada pela ausência eterna, uma saudade que pode ser colmatada ou atenuada através da imaginação.
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Os outros autores e respectivos livros citados no texto acima são:
Miguel Torga. Novos Contos da Montanha e
Maria da Assunção Monteiro. Trás-os-Montes e Alto Douro em contos/memórias de Donzília Martins
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Fonte:
Mª da Assunção Morais Monteiro. In Jornal dos Poetas e Trovadores, n.º 50, Outubro/Dezembro 2009, 3.ª Serie, Ano XXIX. Disponível no Grêmio Literário Vila-Realense, http://gremio.cm-vilareal.pt/

Donzília Martins (1942)


Donzília Martins nasceu em Murça, Portugal, a 25 de Setembro de 1942.

Em 1964, conclui o curso do Magistério Primário em Vila Real. Cursa também História na Universidade do Porto, fazendo o Estágio Pedagógico em Vila Real.

Torna-se professora do quadro de nomeação definitiva e orientadora de Estágio Pedagógico na EB 2,3 de Paredes.

Pertence à Associação de Escritores, jornalistas e artistas do Vale de Sousa, desde a sua fundação em 17 de Setembro de 1994.

Em 1991, estreia como escritora com o livro de poemas Lágrimas e Sorrisos em Sonhos de Vida. Os dois seguintes, Lírios Do Campo e Quando o teu Olhar, também em poesia, já são respectivamente de 2004 e de 2006.

Colabora regularmente no semanário Progresso de Paredes.

Tem obtido alguns prêmios e menções honrosas em vários certames literários, e figura na antologia Poetas de Sempre.

Obras:

- Lágrimas e Sorrisos, (1991);
- O Mercado Feira de Lordelo - Subsídios para a sua História, (2003);
- Lírios do Campo, (2004);
- Quando O Teu Olhar, (2005).
- Um País Na Janela Do Meu Nome, (2007);
- História de Zé Luis, o menino petiz (2008)
- Sonhos de Encantar, (2009);

Fontes:
http://bmmurca.blogspot.com/2009/02/escritores-da-terra-donzilia-martins.html

Ialmar Pio Schneider (Da Condição Humana)


Jamais eu te direi que estou feliz
e me reservo agora este direito
de sofrer por aquilo que não fiz,
pois este é o meu destino e assim o aceito.

Não quero que me julgues satisfeito
e nem tampouco um mísero infeliz,
o meu caminho embora seja estreito
tem amplitudes que sonhei e quis.

Se desejarmos merecer a vida
profundamente além da concebida
iremos naufragar em dissabores...

Por isso aonde eu for e aonde fores
não é preciso conseguir extremos:
sejamos o que somos e seremos...

Fontes:
O Autor

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Folclore Brasileiro (Curupira)


O folclore brasileiro é rico em personagens lendários e o curupira é um dos principais. De acordo com a lenda, contada principalmente no interior do Brasil, o curupira habita as matas brasileiras. De estatura baixa, possui cabelos avermelhados (cor de fogo) e seus pés são voltados para trás.

A função do curupira é proteger as árvores, plantas e animais das florestas. Seus alvos principais são os caçadores, lenhadores e pessoas que destroem as matas de forma predatória.

Para assustar os caçadores e lenhadores, o curupira emite sons e assovios agudos. Outra tática usada é a criação de imagens ilusórias e assustadoras para espantar os "inimigos da florestas". Dificilmente é localizado pelos caçadores, pois seus pés virados para trás servem para despistar os perseguidores, deixando rastros falsos pelas matas. Além disso, sua velocidade é surpreendente, sendo quase impossível um ser humano alcançá-lo numa corrida.

Entre os mitos indígenas, o Curupira é incontestavelmente o mais antigo, companheiro inseparável das crenças populares, de onde se admite a possibilidade de ser verdadeiramente indígena, senão antes legado pela população primitiva que habitou o Brasil no período pré-colombiano e que descendia dos invasores asiáticos. Curupira, de “curu”, abreviação de “curumim” e “pora”, corpo ou corpo de menino. É a “Mãe do Mato”, o tutor da floresta, que se torna benéfico ou maléfico aos freqüentadores desta, segundo as circunstâncias e o seu procedimento. Ele possui várias formas apresentando-se através de uma figura de um menino de cabelos vermelhos, peludo, com a particularidade de ter os pés virados para trás, pode Ter os dentes azuis ou verdes e é orelhudo. Todos lhe celebraram as manifestações como guardião das florestas.

Para crença em geral, ele o Senhor, a Mãe, o Guardião das florestas e da caça, que castiga a todo aquele que a destrói, premiando a aqueles que não o contrariam no seu desejo de manter a mata viva, e também para aqueles que se mostram solícitos e obedientes. O Curupira, ora é imperioso e brutal, ora é delicado e compassivo, ora não admite desrespeito ou desobediência, ora se deixa iludir como uma criança. Segundo uma crença generalizada, é o responsável pelos estrondos da floresta. Assim, quando no meio da mata se ouve um estrondo, que não seja uma trovoada, pode estar certo que o Curupira anda por ali… Sob sua guarda direta está a caça que protege, mas entende o caçador e é sempre propício ao homem que mate de acordo com suas necessidades, ou seja, para matar a fome dos seus filhos. Mostra-se extremamente hostil ao caçador que persegue e mata as fêmeas quando prenhas ou cause danos aos filhotes. Para estes o curupira vira uma fera e um é inimigo terrível. Consegue iludi-los sob a feição de caça, levando-os longe… Também é capaz de imitar a voz humana para atrair os caçadores, fazendo-os com que se percam dentro da floresta deixando-os no mato abandonados à fome e ao desamparo. Além de ser protetor dos animais, o Curupira é considerado o Senhor das Árvores. Ele cuida de todas, protege as mudinhas, admira as grandes e bela árvores da floresta. Dizem que armado com um casco de jabuti, bate nas árvores para ver se conservam-se fortes para resistir as tempestades.

Os contadores de lendas dizem que o curupira adora pregar peças naqueles que entram na floresta. Por meio de encantamentos e ilusões, ele deixa o visitante atordoado e perdido, sem saber o caminho de volta. O curupira fica observando e seguindo a pessoa, divertindo-se com o feito.

Análise do simbolismo da lenda

Em mais uma lenda brasileira, assim como na do Saci, vamos encontrar um guardião da mata que precisa se esconder, ludibriar e enganar para fazer o bem. Essa função do oculto, do implícito, para tentar lidar com a ganância, o imediatismo e a inconseqüência dos homens, representado pelo Curupira, mostra e revela a necessidade de estarmos atentos à forma como lidamos com o que a Terra Mãe generosamente nos oferece. Neste jogo de esconde e aparece do Curupira vamos também encontrar uma associação com os próprios recursos naturais, por vezes perigosos, hostis e enganadores, mas cujos mistérios e segredos uma vez passado o susto inicial, podem revelar-se fundamentais para descobertas relacionadas à saúde, por exemplo, se pensarmos na biodiversidade e seu importante e ainda pouco conhecido papel no auxílio às doenças e disfunções do homem e da natureza.

Fonte:
Keila Macário Pavani. Lendas do Saber, Permacultura e Histórias: cuidando da Terra e das pessoas. Ed. Insular. 2008

Folclore Brasileiro (Uma História de Curupira)



Estava o Curupira andando pela floresta, quando encontrou um índio caçador que dormia profundamente. O Curupira estava com muita fome e cismou em comer o coração do homem. Assim, fez com que ele acordasse. O caçador levou um susto, mas como ele era muito controlado, fingiu que não estava com medo. O Curupira disse-lhe:

- Quero um pedaço de seu coração!

O Caçador, que era muito esperto, lembrando-se que havia atirado num macaco, entregou ao Curupira um pedaço do coração do macaco. O Curupira provou, gostou e quis comer tudo.

- Quero mais! Quero o resto! – pediu ele. O Caçador entregou-lhe o que havia sobrado, mas, em troca, exigiu um pedaço do coração do Curupira.

- Fiz sua vontade, não fiz? Agora você deve dar-me em pagamento um pedaço de seu coração, disse ele.

O Curupira não era muito esperto e acreditou que o Caçador havia arrancado o próprio coração, sem ter sofrido nenhuma dor e sem haver morrido.

- Está certo, respondeu o Curupira, empreste-me sua faca.

O Caçador entregou-lhe a faca e afastou-se o mais que pôde, temendo levar uma facada. O Curupira, porém, estava sendo sincero. Enterrou a faca no próprio peito e tombou, sem vida. O Caçador não esperou mais, disparou pela floresta com tal velocidade que deixaria para trás os bichos mais velozes…Quando chegou à aldeia, estava com a língua de fora e prometeu a si mesmo não voltar nunca mais à floresta. Pensou: “Desta escapei. Noutra é que não caio”

Durante um ano, o índio não quis saber de entrar na mata. Quando lhe perguntavam por que não saía mais da aldeia, ele se desculpava, dizendo estar doente.

O Caçador tinha uma filha que era muito vaidosa. Como haveria uma festa dentro de poucos dias, ela pediu ao pai um colar diferente de todos os que ela já tinha visto.

O índio, pai dedicado, começou a pensar num modo de satisfazer o desejo da filha. Lembrou-se, então, dos dentes verdes do Curupira. Daria um bonito colar, sem dúvida.

Partiu para a floresta e procurou o lugar onde o gênio havia morrido. Depois de algumas voltas, deu com o esqueleto meio encoberto pelo mato. Os dentes verdes brilhavam ao sol, parecendo esmeraldas.

Conseguindo vencer o receio, apanhou o crânio do Curupira e começou a bater com ele no tronco de uma árvore, para que se despedaçasse e soltasse os dentes.

Imaginem a sua surpresa quando, de repente, viu o Curupira voltar à vida! Ali estava ele, exatamente como antes, parecendo que nada havia acontecido!

Por sorte, o Curupira acreditou que o Caçador o ressuscitara de propósito e ficou todo contente:
- Muito obrigado! Você devolveu-me a vida e não sei como agradecer-lhe!

O índio percebeu que estava salvo e respondeu que o Curupira não tinha nada que agradecer, mas ele insistia em demonstrar sua gratidão. Pensou um pouco e disse:

- Tome este arco e esta flecha. São mágicos. Basta que você olhe para a ave ou animal que deseja caçar e atire. A flecha não errará o alvo. Nunca mais lhe faltará caça. Mas, agora, ouça bem: jamais aponte para uma ave ou animal que esteja em bando, pois você seria atacado e despedaçado pelos companheiros dele. Entendeu?

O índio disse que sim e desde aquele momento não mais lhe faltou caça. Era só atirar a flecha e zás! O bicho caía. Tornou-se o maior caçador de sua tribo. Por onde passava, era olhado com respeito e admiração.

Um dia, ele estava caçando com outros companheiros que não tinham mais palavras para elogiá-lo. O índio sentiu-se tão importante que, ao ver um bando de pássaros que se aproximava, esqueceu-se da recomendação do Curupira e atirou…

Matou somente um pássaro e, como o Curupira avisara, foi atacado pelo bando enlouquecido pela perda do companheiro.

De seus amigos, não ficou um: dispararam pela floresta, deixando-o entregue à própria sorte.

O pobre índio foi estraçalhado pelos pássaros. A cabeça estava num lugar, um braço no outro, uma perna aqui, outra longe… O Curupira ficou com pena dele. Arranjou cera e acendeu um fogo para derretê-la. Depois recolheu os pedaços do Caçador e colou-os com a cera. O índio voltou à vida e levantou-se:

- Muito obrigado! Não sei como agradecer-lhe!

- Não tem o que agradecer, respondeu o Curupira, mas preste atenção. Esta foi a primeira e ú1tima vez que pude salvá-lo! Não beba, nem coma nada que esteja quente! Se o fizer, a cera se derreterá e você também!

Durante muito tempo, o índio levou uma vida normal. Ninguém sabia do acontecido. Um dia, porém, sua mulher lhe serviu uma comida quente e apetitosa, tão apetitosa que o índio nem se lembrou que a cera poderia derreter-se. Engoliu a comida e pronto! Não só a cera se derreteu, mas também o próprio índio.

Fonte:
Histórias e Lendas do Brasil (adaptação do texto original de Gonçalves Ribeiro). São Paulo: APEL Editora.

Gonçalo Ferreira da Silva (Lenda do Caipora)


A humana criatura
se pergunta insatisfeita:
_Como uma coisa existe
sem nunca ter sido feita? -
Quem prega não prova nada
quem escuta não aceita.

Diz a gênese mosaica
que Deus Pai Onipotente
disse: “Faça-se a luz”
e a luz obediente
do atro abismo do nada
surgiu repentinamente.

Assim também são as lendas
as vezes surgem do nada
ou como remanescência
duma cultura importada
que sempre sensibilizam
gente não civilizada.

De acordo com tais lendas
há o regente do mar,
o deus dos mananciais,
o gênio que rege o ar,
e é de um desses gênios
que nós queremos falar.

Vivendo na intimidade
da aconchegante flora
como um guardião que zela
a quem mais ama e adora
é o protetor da fauna
o lendário caipora.

E o caçador prudente
ao conduzir o seu cão
antes de entrar na mata
deve, por obrigação
ao caipora pedir
a sua autorização.

Senão estará sujeito
a ser desafortunado
ou inexplicavelmente
ficar desorientado
andando em círculo na mata
por tempo indeterminado.

Outras vezes algo estranho
fica o cachorro sentindo
andando em torno do dono
se lastimando e ganindo
sem que o dono perceba
quem o está perseguindo.

Outro artifício que é
pelo caipora usado
é reter o cão esperto
infantilmente acuado
latindo muito diante
dum toco designado.

“Hoje não é o meu dia”
pensa imediatamente
o caçador convidando
o cão desobediente
que abana o rabo, entretanto,
volta a latir novamente.

Agora o caçador sente
um inexplicável frio
tenta dominar o medo
porém sente um arrepio
algo como um mudo aviso,
um sentimento sombrio.

Pedras à feição de trempes
bota na mata fechada
acende fogo dizendo:
_Vamos parar a jornada
só depois da hora-grande
reinicia a caçada.

Mas depois da hora-grande
incompreensivelmente
ouve o caçador um longo
assovio à sua frente
o caçador intrigado
escuta detidamente.

Gira sobre os calcanhares
segue oposta direção
mas não percorre uma jarda
tem ele a decepção
de saber que o assovio
já mudou de posição.

E assim pra todo lado
em que o caçador for
segue o assovio como
se o assoviador
se entretenha mangando
da cara do caçador.

Um caçador nos contou
um curioso ocorrido
um caso igualmente aquele
nunca tinha acontecido
dessa vez o caipora
se deixou ser percebido.

Quando entrou na mata virgem
repentinamente viu
três porcos-do-mato que
quando ele os pressentiu
os alvejou um por um
até que o último caiu.

Quando ia dirigir-se
aos porcos mortos no chão
um moleque apareceu
com um enorme ferrão
montado num porco-espinho
na densa vegetação.

E enfiando o ferrão
nos flancos dum animal
mandou-o se levantar
que o tiro não foi mortal
o porco saiu correndo
por dentro do matagal.

Repetiu com o segundo
essa mesma operação
e no terceiro também
ele enfiou o ferrão
os animais dispararam
sem vestígios de lesão.

A seguir o caipora
dirigiu-se a um ribeiro
simulando raiva disse:
_Vou amanhã ao ferreiro
consertar este ferrão
pra ele ficar linheiro.

Logo o caçador pensou:
“Amanhã eu vou ficar
na porta da oficina
ver se alguém vai chegar
com um ferrão como este
para mandar consertar”.

Chegando em casa, sequer
colocou da porta a tranca
num dos cantos da latada
colocou sua alavanca
e depois da sua esposa
acariciou a anca.

E foi dormir levemente
para acordar muito cedo
para saber se o ferreiro
conhecia algum segredo
porque durante a caçada
pra ser franco, teve medo.

O sol já estava alto...
o caçador conversando
com seu amigo ferreiro
sobre negócios tratando
quando avistaram um vaqueiro
que vinha se aproximando.

Quando o vaqueiro apeou
foi exibindo um ferrão
dizendo para o ferreiro:
_Tenho muita precisão
que conserte este instrumento
com a maior perfeição.

Sem querer teve o ferreiro
um leve estremecimento
mas consertou o ferrão
naquele mesmo momento
e disse para o vaqueiro:
_Eis aí seu instrumento.

Disse o vaqueiro: _ O ferrão
está como me convém
fitando o caçador disse:
_Preste atenção muito bem
o que você viu de noite
não conte nunca a ninguém

Fonte:
Academia Brasileira de Literatura de Cordel

Literatura de Cordel (11 Maneiras Diferentes de Escrever um Cordel)


Estas e outras informações sobre as métricas do cordel podem ser encontradas no livro Vertentes e Evolução da Literatura de Cordel.

01 - O INÍCIO

A evolução da literatura de cordel no Brasil não ocorreu de maneira harmoniosa. A oral, precursora da escrita, engatinhou penosamente em busca de forma estrutural. Os primeiros repentistas não tinham qualquer compromisso com a métrica e muito menos com o número de versos para compor as estrofes. Alguns versos alongavam-se inaceitavelmente, outros, demasiado breves. Todavia, o interlocutor respondia rimando a última palavra do seu verso com a última do parceiro, mais ou menos assim:

Repentista A - O cantor que pegá-lo de revés
Com o talento que tenho no meu braço...
Repentista B - Dou-lhe tanto que deixo num bagaço
Só de murro, de soco e ponta-pés.

02 - PARCELA OU VERSO DE QUATRO SÍLABAS

A parcela ou verso de quatro sílabas é o mais curto conhecido na literatura de cordel. A própria palavra não pode ser longa do contrário ela sozinha ultrapassaria os limites da métrica e o verso sairia de pé quebrado. A literatura de cordel por ser lida e ou cantada é muito exigente com questão da métrica. Vejamos uma estrofe de versos de quatro sílabas, ou parcela.

Eu sou judeu
para o duelo
cantar martelo
queria eu
o pau bateu
subiu poeira
aqui na feira
não fica gente
queimo a semente
da bananeira.

Quando os repentistas cantavam parcela (sim, cantavam, porque esta modalidade caiu em desuso), os versos brotavam numa seqüência alucinante, cada um querendo confundir mais rapida mente o oponente. Esta modalidade é pre-galdiniana, não se conhecendo seu autor.

03 - VERSO DE CINCO SÍLABAS

Já a parcela de cinco sílabas é mais recente, e não há registro de sua presença antes de Firmino Teixeira do Amaral, cunhado de Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo. A parcela de cinco sílabas era cantada também em ritmo acelerado, exigindo do repentista, grande rapidez de raciocínio. Na peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, da autoria de Firmino Teixeira do Amaral, encontramos estas estrofes:

Pretinho:
no sertão eu peguei
um cego malcriado
danei-lhe o machado
caiu, eu sangrei
o couro tirei
em regra de escala
espichei numa sala
puxei para um beco
depois dele seco
fiz dele uma mala

Cego:
Negro, és monturo
Molambo rasgado
Cachimbo apagado
Recanto de muro
Negro sem futuro
Perna de tição
Boca de porão
Beiço de gamela
Venta de moela
Moleque ladrão

Estas modalidades, entretanto, não foram as primeiras na literatura de cordel. Ao contrário, ela vieram quase um século depois das primeiras manifestações mais rudimentares que permitiram, inicialmente, as estrofes de quatro versos de sete sílabas.

04 - ESTROFES DE QUATRO VERSOS DE SETE SÍLABAS

O Mergulhão quando canta
Incha a veia do pescoço
Parece um cachorro velho
Quando está roendo osso.

Não tenho medo do homem
Nem do ronco que ele tem
Um besouro também ronca
Vou olhar não é ninguém

A evolução desta modalidade se deu naturalmente. Vejamos a última estrofe de quatro versos acrescida de mais dois, formando a nossa atual e definitiva sextilha:

Meu avô tinha um ditado
meu pai dizia também:
não tenho medo do homem
nem do ronco que ele tem
um besouro também ronca
vou olhar não é ninguém.

05 - SEXTILHAS

Agora, de posse da técnica de fazer sextilhas, e uma vez consagradas pelos autores, esta modalidade passou a ser a mais indicada para os longos poemas romanceados, principalmente a do exemplo acima, com o segundo, o quarto e o sexto versos rimando entre si, deixando órfãos o primeiro, terceiro e quinto versos. É a modalidade mais rica, obrigatória no início de qualquer combate poético, nas longas narrativas e nos folhetos de época. Também muito usadas nas sátiras políticas e sociais. É uma modalidade que apresenta nada menos de cinco estilos: aberto, fechado, solto, corrido e desencontrado. Vamos, pois, aos cinco exemplos:

Aberto:

Felicidade, és um sol
dourando a manhã da vida,
és como um pingo de orvalho
molhando a flor ressequida
és a esperança fagueira
da mocidade florida.

Fechado:

Da inspiração mais pura,
no mais luminoso dia,
porque cordel é cultura
nasceu nossa Academia
o céu da literatura,
a casa da poesia.

Solto:

Não sou rico nem sou pobre
não sou velho nem sou moço
não sou ouro nem sou cobre
sou feito de carne e osso
sou ligeiro como o gato
corro mais do que o vento.

Corrido:

Sou poeta repentista
Foi Deus quem me fez artista
Ninguém toma o meu fadário
O meu valor é antigo
Morrendo eu levo comigo
E ninguém faz inventário

Desencontrado:

Meu pai foi homem de bem
Honesto e trabalhador
Nunca negou um favor
Ao semelhante, também
Nunca falou de ninguém
Era um homem de valor.

06 - SETILHAS

Uma prova de que as setilhas são uma modalidade relativamente recente está na ausência quase completa delas na grande produção de Leandro Gomes de Barros. Sim, porque pela beleza rítmica que essas estrofes oferecem ao declamador, os grandes poetas não conseguiram fugir à tentação de produzi-las. Para alguns, as setilhas, estrofes de sete versos de sete sílabas, foram criadas por José Galdino da Silva Duda, 1866 - 1931. A verdade é que o autor mais rico nessas composições, talvez por se tratar do maior humorista da literatura, de cordel, foi José Pacheco da Rocha, 1890 - 1954. No poema A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO, do inventivo poeta pernambucano, encontram estas estrofes:

Vamos tratar da chegada
quando Lampião bateu
um moleque ainda moço
no portão apareceu.
- Quem é você, Cavalheiro -
- Moleque, sou cangaceiro -
Lampião lhe respondeu.

- Não senhor - Satanás, disse
vá dizer que vá embora
só me chega gente ruim
eu ando muito caipora
e já estou com vontade
de mandar mais da metade
dos que tem aqui pra fora.

Moleque não, sou vigia
e não sou o seu parceiro
e você aqui não entra
sem dizer quem é primeiro
- Moleque, abra o portão
saiba que sou Lampião
assombro do mundo inteiro.

Excelente para ser cantada nas reuniões festivas ou nas feiras, esta modalidade é, ainda hoje, muito usada pelos cordelistas. Esta modalidade é, também, usada em vários estilos de mourão, que pode ser cantado em seis, sete, oito e dez versos de sete sílabas. Exemplos:

Cantador A
- Eu sou maior do que Deus
maior do que Deus eu sou

Cantador B
- Você diz que não se engana
mas agora se enganou

Cantador A
- Eu não estou enganado
eu sou maior no pecado
porque Deus nunca pecou.

Ou com todos os versos rimados, a exemplo das sextilhas explicadas antes:

Cantador A -
Este verso não é seu
você tomou emprestado

Cantador B -
Não reclame o verso meu
que é certo e metrificado

Cantador A -
Esse verso é de Noberto
Se fosse seu estava certo
como não é está errado.

07 - OITO PÉS DE QUADRÃO OU OITAVAS

Os oito pés de quadrão, ou simplesmente oitavas, são estrofes de oito versos de sete sílabas. A diferença dessas estrofes de cunho popular para as de linha clássica é apenas a disposição das rimas. Vejam como o primeiro e o quinto versos desta oitava de Casimiro de Abreu (1837 - 1860) são órfãos:

Como são belos os dias
Do despontar da existência
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar - é lago sereno,
O Céu - Um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida um hino de amor.

Na estrofe popular aparecem os primeiros três versos rimados entre si; também o quinto, o sexto e o sétimo, e finalmente o quarto com o último, não havendo, portanto um único verso órfão. Assim:

Diga Deus Onipotente
Se é você, realmente
Que autoriza, que consente
No meu sertão tanta dor
Se o povo imerso no lodo
apregoa com denodo
que seu coração é todo
De luz, de paz e de amor.

08 - DÉCIMAS

As décimas, dez versos de sete sílabas, são, desde sua criação no limiar do nosso século, as mais usadas pelos poetas de bancada e pelos repentistas. Excelentes para glosar motes, esta modalidade só perde para as sextilhas, especialmente escolhidas para narrativas de longo fôlego. Ainda assim, entre muitos exemplos, as décimas foram escolhidas por Leandro Gomes de Barros para compor o longo poema épico de cavalaria A BATALHA DE OLIVEIROS COM FERRABRAZ, baseado na obra do imperador francês Carlos Magno:

Eram doze cavalheiros
Homens muito valorosos
Destemidos, corajosos
Entre todos os Guerreiros
Como bem fosse Oliveiros
um dos pares de fiança
Que sua perseverança
Venceu todos os infiéis
Eram uns leões cruéis
Os doze pares de França.

09 - MARTELO AGALOPADO

O Martelo agalopado, estrofe dez versos de dez sílabas, é uma das modalidades mais antigas na literatura de cordel. Criada pelo professor Jaime Pedro Martelo (1665 - 1727), as martelianas não tinham, como o nosso martelo agalopado, compromisso com o número de versos para a composição das estrofes. Alongava-se com rimas pares, até completar o sentido desejado. Como exem plo, vejamos estes alexandrinos

"Visitando Deus a Adão no Paraíso
achou-o triste por viver no abandono,
fê-lo dormir logo um pesado sono
e lhe arrancou uma costela, de improviso
estando fresca ficou Deus indeciso
e a pôs ao Sol para secar um momento
mas por causa, talvez dum esquecimento
chegou um cachorro e a carregou,
nessa hora furioso Deus ficou
com a grande ousadia do animal
que lhe furtara o bom material
feito para a construção da mulher,
estou certo, acredite quem quiser
eu não sou mentiroso nem vilão,
nessa hora correu Deus atrás do cão
e não podendo alcançar-lhe e dá-lhe cabo
cortou-lhe simplesmente o meio rabo
e enquanto Adão estava na trevas
Deus pegou o rabo do cão e fez a Eva."

Com tamanha irresponsabilidade, totalmente inaceitável na literatura de cordel, o estilo mergulhou, desde o desaparecimento do professor Jaime Pedro Martelo em 1727, em completo esquecimento, até que em 1898, José Galdino da Silva Duda dava à luz feição definitiva ao nosso atual martelo agalopado, tão querido quanto lindo. Pedro Bandeira não nos deixa mentir:

Admiro demais o ser humano
que é gerado num ventre feminino
envolvido nas dobras do destino
e calibrado nas leis do Soberano
quando faltam três meses para um ano
a mãe pega a sentir uma moleza
entre gritos lamúrias e esperteza
nasce o homem e aos poucos vai crescendo
e quando aprende a falar já é dizendo:
quanto é grande o poder da Natureza.

Há, também, o martelo de seis versos, como sempre, refinado, conforme veremos nesta estrofe:

Tenho agora um martelo de dez quinas
fabricado por mãos misteriosas
enfeitado de pedras cristalinas
das mais raras, bastante preciosas,
foi achado nas águas saturninas
pelas musas do céu, filhas ditosas.

10 - GALOPE À BEIRA MAR

Com versos de onze sílabas, portanto mais longos do que os de martelo agalopado, são os de galope à beira mar, como estes da autoria de Joaquim Filho:

Falei do sopapo das águas barrentas
de uma cigana de corpo bem feito
da Lua, bonita brilhando no leito
da escuridão das nuvens cinzentas
do eco do grande furor das tormentas
da água da chuva que vem pra molhar
do baile das ondas, que lindo bailar
da areia branca, da cor de cambraia
da bela paisagem na beira da praia
assim é galope na beira do mar.

Logicamente que há o galope alagoano, à feição de martelo agalopado, com dez versos de dez sílabas cuja diferença única é a obrigatoriedade do mote: "Nos dez pés de galope alagoano".

11 - MEIA QUADRA

Outra interessante modalidade é a Meia Quadra ou versos de quinze sílabas. Não sabemos porque se convencionou chamar de meia quadra, quando poderia, muito bem, se chamar de quadra e meia ou até de quadra dupla. As rimas são emparelhadas e os versos, assim compostos:

Quando eu disser dado é dedo você diga dedo é dado
Quando eu disser gado é boi você diga boi é gado
Quando eu disser lado é banda você diga banda é lado
Quando eu disser pão é massa você diga massa é pão

Quando eu disser não é sim você diga sim é não
Quando eu disser veia é sangue você diga sangue é veia
Quando eu disser meia quadra você diga quadra e meia
Quando eu disser quadra e meia você diga meio quadrão.

A classificação da literatura de cordel há sido objeto da preocupação dos chamados iniciados, pesquisadores e estudiosos. As classificações mais conhecidas são a francesa de Robert Mandrou, a espanhola de Julio Caro Baroja, as brasileiras de Ariano Suassuna, Cavalcanti Proença, Orígenes Lessa, Roberto Câmara Benjamin e Carlos Alberto Azevedo. Mas a classificação autenticamente popular nasceu da boca dos próprios poetas.

No limiar do presente século, quando já brilhava intensamente à luz de Leandro Gomes de Barros, fluía abundante o estro de Silvino Pirauá e jorrava preciosa a veia poética de José Galdino da Silva Duda. Esses enviados especiais passaram a dominar com facilidade a rima escorregadia, amoldando, também, no corpo da estrofe o verso rebelde. Era o início de uma literatura tipicamente nordestina e por extensão, brasileira, não havendo mais, nos nossos dias, qualquer vestígio da herança peninsular.

Atualmente a literatura de cordel é escrita em composições que vão desde os versos de quatro ou cinco sílabas ao grande alexandrino. Até mes mo os princípios conservadores defendidos pelos nossos autores ortodoxos referem-se a uma tradição brasileira e não portuguesa ou espanhola. Os textos dos autores contemporâneos, apresentam um cuidado especial com a uniformização ortográfica, com o primor das rimas, com a beleza rítmica e com a preciosidade sonora.

Fonte:
Academia Brasileira de Literatura de Cordel

Erasmo Pilotto: o Educador Paranaense


artigo de Denise Grein Santos

Se você sorri quando digo uma coisa sagrada, eu não me irrito, passa a ser um problema saber como fazer você chorar diante das coisas sagradas.
Graal

As palavras são do próprio Erasmo e praticamente resumem sua vida. A de um professor imerso na missão de educar, consciente de sua ação, vendo cada aluno em sua individualidade, destacando os aspectos a serem desenvolvidos.

Os que tiveram o privilégio de tê-lo como professor perceberam logo o caráter incomum do Mestre e sua dedicação constante. Ele comentou, certa vez, que após um dia de aula costumava, à noite, meditar e avaliar o trabalho do dia, detendo-se em cada aluno, questionando-se como contribuir para seu desenvolvimento. Para ele a educação era integral. Não se restringia a conteúdos programáticos e horários escolares, abrangia tudo que se referisse à formação do homem.

Uma de suas ex-alunas, Aliete Pina de Oliveira, tentando defini-lo disse: "Erasmo é inteiro; porta o discernimento do filósofo puro, a sensibilidade do artista, a humanidade do bom, o serviço do cidadão prestante e a alegria de criar e conduzir um adolescente. E, como, estes, é capaz de sonhar e maravilhar-se".

É essa inteireza que o faz procurado diariamente por professores de diversos níveis, artistas, músicos, estudiosos de todas as áreas. A todos atende, ouve, ajuda. Discorre sobre o assunto solicitado. Apresenta os pressupostos básicos, a fundamentação teórica, aprofunda o tema, critica, anota e emite sugestões práticas. Implícita à informação, há uma pedagogia subjacente a de melhor entender o outro.

A pessoa sai com uma orientação sólida e bem estruturada e ele retorna aos estudos que generosamente abandonara para auxiliar quem o procurara.

Quando se fala de sua imensa biblioteca, que ocupa 75% de sua casa, conta que leu tudo. Tudo lido, meditado e comentado. O quadro-negro registra alguns tópicos dessa reflexão constante. Pensamentos de Goethe, Nietzche, Tolstoi, Tagore, Schiller, Spinoza, ou de outro pensador em estudo no momento, juntamente com os livros espalhados pelo chão, são evidências de aprimoramento permanente.

Aos dezesseis anos decidiu ser professor. Opção séria e aprofundada. Empenhou-se na tarefa e a praticou a vida inteira, tendo presente o ideal de Spinoza e Goethe definido no misto de alegria e perfeição. Eis a síntese de Erasmo: tudo por inteiro, com perfeição, imerso no sentido puro da alegria.

Palmilhemos sua vida e iremos encontrar sempre essas qualidades. Primeiro, professor de classe. Lecionou na Escola Normal de Paranaguá, no Grupo Escolar Professor Brandão, na Escola de Professores de Curitiba; como "Assistente Técnico" sua participação foi marcante. Pregou a escola viva e conseguiu fazer com que os alunos vivessem a escola, desenvolvendo neles o gosto pelas artes, poesia e música. É a época áurea da Escola de Professores. Seu espírito de liderança contagiou os colegas que se entusiasmaram pelo ato de educar. Conquanto não se falasse em educação para superdotados ele já há exercia há quarenta anos. Dispôs-se a despertar em cada aluno o que tivesse de seu, a levá-lo a estruturar "seu plano pessoal de vida, a liberdade de escolha, a vida inventada" (Obras). Incentivou a criatividade de seus discípulos, preparando-os para levar aos bairros operários espetáculos de alto nível, ampliando a função da escola, colocando-a a serviço da comunidade.

Entretanto sua ação não pára aí. Funda o Instituto Pestalozzi, a Associação de Estudos Pedagógicos, onde edita excelente revista, com sugestões para o enriquecimento da prática educacional. Participou da criação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná e do Salão Paranaense. Secretário de Educação e Cultura percorreu o estado propondo soluções diversificadas e compatíveis com a realidade de cada situação.

Foi co-fundador de "Joaquim", revista mensal de artes, dedicado ao homem, mais especificamente "a todos os joaquins do Brasil". Aí igualmente valoriza o talento local, entrevistando e enaltecendo o trabalho dos artistas paranaenses.

Na plenitude de seu trabalho cabe por em relevo a manifestação de seu pensamento eclético e profundo contido em seus artigos e observações sobre o ensino no Paraná, na criação de um método de alfabetização para suprir a escassa escolaridade das professoras de escolas isoladas e na mais alta filosofia educacional, exposta nos minuciosos e notáveis estudos sobre diversos pensadores em sua estreita correlação com a educação. Além disso, escreveu sobre Turin, de Bona, Emiliano e Mallarmé, evidenciando sua preocupação de vincular a vida à arte e à educação.

Por sua inteireza é o grande educador paranaense. Rousseau, Montaigne, Pestalozzi e outros não alcançaram, em vida, a justa valorização. Erasmo também. Embora reverenciado em nossos círculos intelectuais não teve, ainda, bem como sua obra, a divulgação e o reconhecimento que merece. É inegável que ele próprio, por seu modo de vida, contribui para isso. Não obstante sempre pronto a receber e ajudar quem o procura mostra-se avesso às homenagens e honrarias. Recusa, sistematicamente, convites, esquivando-se de comparecer a eventos culturais que visam promovê-lo. Prefere a privacidade de sua casa, com seus livros, suas telas e sua música.

Orgulhoso de sua origem, escolheu dedicar sua vida, ação e obra à terra natal, com o sentido da perfeição definido por Goethe e por ele praticado: "se queres atingir o infinito, busca o finito em todas as suas direções".
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Artigo publicado na Gazeta do Povo - 24/ 05/ 1989 - 9a p.

Fontes:
http://www.artes.ufpr.br/erasmopilotto/depoimentos.htm
Foto = http:// www.ieppepoficial.kit.net/erasmopilotto.htm

Erasmo Pilotto (1910 – 1992)


Erasmo Pilotto nasceu em Rebouças, no Paraná no dia 21 de outubro de 1910. Seu pai era telegrafista e sua mãe, professora primária. Fez o curso primário em várias escolas públicas de Curitiba, como: Grupo Escolar Xavier da Silva, Grupo 19 de dezembro, e na Escola de Júlio Teodorico Guimarães instalada onde hoje funciona a escola de Belas Artes, na rua Emiliano Perneta. Fez o Curso secundário no Ginásio Paranaense . O ginásio oferecia excelentes oportunidades para o aprimoramento cultural. Não havia promoções por média. Na época das provas, eram examinados dez alunos diariamente: prova escrita pela manhã e oral à tarde, sob a fiscalização de três examinadores.

Erasmo considerava-se um aluno médio. Criou um sistema próprio de estudo: antes da aula estudava a matéria a ser prelecionada, para melhor compreender e aprender. Concluído o curso ginasial, pensava em cursar Engenharia. Menino ainda, embarca, sozinho para o Rio e Janeiro, arranja emprego para manter-se e na época de matricular-se na Escola Politécnica, se depara com sua primeira grande frustração: para o ingresso na Faculdade de engenharia passara-se a exigir latim, até então só exigido no Curso de Direito. Não estudara essa matéria e volta à Curitiba, considerando esse tempo, de ter de viver e agir sozinho na cidade grande uma valiosa experiência para sua vida. Ao tempo de seu curso ginasial, com mais três colegas forma uma patrulha de escoteiros isolados, onde estudam e praticam o que lêem e aprendem sobre escotismo. Considera esse período importante na sua formação moral.

Seu pai deixara uma série de livros mas dois foram marcantes em sua formação: O Petit Larousse e uma Bíblia onde em sua última página havia registrado a hora e o dia de seu nascimento.

Perdeu o pai ainda bem pequeno . Foi criado pela mãe que soube enaltecer a imagem do pai, comunicar-lhe o amor e o devotamento ao estudo e à Escola.

Em 1927 matriculou-se na Escola Normal de Curitiba. Esta por sua vez, não se coadunava com os anseios das modernas técnicas pedagógicas da época, tornando o padrão de ensino da Escola Normal, praticamente nulo, principalmente se comparado com o que lhe oferecera o ginásio. Funda o Centro de Cultura Filosófica e com os colegas de normal, o Centro de Cultura Pedagógica.

Caíram-lhes nas mãos, nesse tempo, os primeiros livros sobre a Escola Nova. Iniciou, um movimento de rebeldia, pregando a Escola Nova, fundamentada em obras pedagógicas que eram avidamente "devoradas" pelo grupo.Concluindo a escola Normal submeteu-se a concurso para ingressar na carreira de Professor Primário do Estado. Ao finalizar a prova foi imediatamente convidado para lecionar a cadeira de Português na Escola Normal de Paranaguá. Tinha então dezessete anos. De volta a Curitiba permaneceu algum tempo como Diretor do Grupo Brandão. Nessa época conheceu Anita Camargo que exercia as funções de professora, com que veio a se casar no dia 22 de abril de 1933. Em Ponta Grossa exerceu o cargo de Diretor da Escola Normal e continuou lecionando Português.

Posteriormente prestou concurso para a cadeira de Pedagogia e logo após transferiu-se para Curitiba para lecionar essa matéria na Escola Normal. Em 1934 é nomeado para reger, em comissão a cadeira de Psicologia, Biológica Aplicada à Educação e História da Educação Normal secundária de Curitiba. Catedrático das referidas cadeiras, concursado em primeiro lugar.

Nomeado Assistente Técnico da Escola Normal de Curitiba, imprimiu ao ensino orientação segura, tornando-a bastante dinâmica. Estabeleceu para as cadeiras do currículo escolar um rodízio semestral dos professores, objetivando a sua evolução cultural em todas as áreas. Ao mesmo tempo que orientava e incentivava os professores, procurava estimular os alunos com os quais, vencendo inúmeras dificuldades fundou a "VOZ DA ESCOLA", jornal escolar .Sua popularidade entre os alunos e a admiração que estes lhe devotavam podem ser evidenciados pelo carinho com que anos consecutivos foi convidado para paraninfar as turmas que concluíam o curso de professores.

Em abril de 1943 cria o Instituto Pestalozzi, a primeira escola que o Paraná teve, dentro de normas metodológicas avançadas e modernas... Foi sua primeira sede a casa, ainda hoje existente na Rua comendador Araújo ao lado do templo protestante. O emblema da escola, executado por Guido Viaro, mostra uma criança brincando e construindo figuras com cubos... No segundo plano erguiam-se suntuosas catedrais... "Ad templa erigenda exeo" (Eu saio para construir catedrais) lia-se no dístico aos pés da figura.

À tarde no mesmo instituto funcionava um curso de extensão cultural para as alunas do Curso Normal. Manoel Ribas, governador do estado, entusiasmado com o Instituto cedeu uma propriedade na rua visconde de Guarapuava, para onde foi transferida a Escola ao mesmo tempo que se criava ali a primeira escola de Surdos Mudos do Paraná.

Lamentavelmente, com mudanças verificadas no governo e a morte de Manoel Ribas, não podendo superar uma série de dificuldades, a escola encerrou definitivamente suas atividades. Do Instituto Pestalozzi Erasmo só guardou, o "Dunga", doado, entre outros de seus pertences ao Museu Paranaense, após a sua morte, para o espaço, que recebeu o nome do mestre. Em "Prática da Escola Serena", obra de notável atualidade, embora publicada há 40 anos, o Professor Erasmo nos dá os fundamentos filosóficos e metodológicos do Intituto Pestalozzi.

Em 1944 ajuda o professor Raul Rodrigues Gomes a fundar o Grupo Editorial Renascimento do Paraná (GERPA), publicando no ano seguinte, Emiliano.Em 1946 ajuda Dalton Trevisan a fundar a revista Joaquim.Em 1949, assumiu a Secretaria de Educação e Cultura. Como Secretário de Educação, visitou várias escolas em todo o Paraná, inclusive escolas isoladas, ouvindo e orientando professores. O trabalho nessa época desenvolvido está contido em seu livro " Educação é Direito de Todos". Alguns anos mais tarde reuniu sobre sua orientação um grupo de professores e criou a "Associação Paranaense de Estudos Pedagógicos" que realizou pesquisas educacionais em diversas áreas. Inúmeros e valiosos trabalhos foram produzidos nessa época. A maioria deles pode ser encontrada em várias monografias e em diversos números da "Revista de Pedagogia", publicados por aquela Associação.

Aposentado de suas atividades públicas, nunca deixou de exercer atividades no magistério; na escola de Surdos e Mudos, no Centro Israelita, na Escola Normal do Colégio Novo Ateneu etc, de pesquisar e estudar incessantemente.

Esteve por duas vezes na Europa, principalmente na França, com objetivos exclusivamente culturais.

Devotado inteiramente à cultura, sempre disposto a ajudar, respondia pequenas consultas sobre os mais diversos assuntos com verdadeiras aulas, cedendo livros de sua volumosa biblioteca, sua casa na Rua Ângelo Sampaio, se transformou na Meca da cultura paranaense.

Em 1973 no dia do professor, recebeu homenagem em sua residência, sendo saudado pelo Secretário de Educação em nome do Governo do Estado por ter sido o seu nome escolhido "para simbolizar o mestre paranaense", em agradecimento por tudo o que fez pela causa educacional do Paraná.

Em 1982 recebe da Universidade Federal do Paraná o título de Professor Honoris Causa como reconhecimento de sua importância e de sua valiosa contribuição na educação do Paraná.

Além das obras já citadas, escreveu: João Turin -1953, A Educação no Paraná-1954, Problemas abertos no Estudo dos Sistemas Escolares para o Brasil - 1958, Situações do Desenvolvimento Brasileiro e Educação -1959, Organização e Metodologia do Ensino na Primeira Série Primária nos países em desenvolvimento -1964, Graal, Fatos e Expectativas na Educação na América Latina -1965, Problemas de Educação 1966, Que se exalte em cada Mestre um Sonho! 1967, Para um Humanismo Individualista, Theodoro De Bona-1968, Dario Vellozo -1969, Mallarmé, Obras -V.1-1973, Obras -V.2 - 1976, Informe sobre Treinamento de Mestres e Alfabetização -1980, O Mural Redondo, 1987.

Faleceu em maio de 1992. Sua Biblioteca foi doada inteiramente à Universidade Federal do Paraná.

Modesto, tímido, extremamente sensível, era uma sinceridade a toda prova.

Em que pese sua sobriedade aparente, aqueles que o conheceram mais de perto e gozaram de sua afabilidade natural, sabem-no uma criatura extremamente alegre, com notável senso de humor, que amava intensamente a vida e respeitava profundamente o sentimento e a personalidade dos outros, o que demonstrava sempre, através da filosofia humanística que adotava , pregava e vivenciava em todas as oportunidades que a vida lhe ofereceu.

No dia 10 de novembro de 2004, por iniciativa de Anita Pilotto e um grupo de ex alunas, com o apoio das Secretarias de Educação do Estado e do Município, referendada pela Universidade Federal do Paraná, é realizado o lançamento do livro: "Autobiografia" de Erasmo Pilotto, o último presente deixado por ele , como contribuição à cultura e à educação do Paraná.

FONTE:
www.ieppepoficial.kit.net/erasmopilotto.htm

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Anair Weirich (Album de Poemas)

Pintura de Hans Arp (1886 - 1966)
PACIÊNCIA

Quem já viu algo funcionar
aos tapas e empurrões?
Nada mesmo dá certo,
quando é feito aos trambolhões!

Mas, se formos com jeitinho,
(como diz sempre a ciência...)
com amor e com carinho
tudo conseguiremos!

- Isso se chama PACIENCIA!

(do livro infantil Doce Jeito de Ser Criança)


A EMOÇÃO DE LER

- Passarinho, passarinho!
Eu também queria voar
E conhecer outros mundos...
Mas não tenho asas, nem dinheiro.

-Menininho, menininho!
Você deixe de bobagem.
Quem lê viaja ao mundo inteiro,
Sem ter que pagar passagem.

AMIGOS

Amigos vêm e vão.
Amigos são uma nação
de corações leais.
Amigos são demais!
Amigos são trigos ao sol.
São cama e lençol
para deitar-se tranqüilo.
Amigos são aquilo
de tudo o que contas.
Amigos são contas
de um colar de diamantes.
São vogais e consoantes
do alfabeto do amor.
Amigos são abrigos
da maldade e da dor.
São a segurança das pontes,
e a água das fontes!
Amigos são artigos de luxo.
Amigos são bruxos
da distância e do tempo.
Amigos são o elemento
que conta na hora H...
Amigos são maná!
São faróis no nevoeiro.
São arco e arqueiro
na precisão do alvo.
Amigos estão a salvo
das tempestades da vida.
Amigos são guarida
nas horas incautas.
Amigos são flautas
que anunciam companheirismo.
Amigos são o muro seguro
que nos protege do abismo.

(Do livro Melodias do Coração 2008)

LIMIAR DO TEMPO

Amar é...
Te encontrar,
como agora!
Só que na velhice,
de bengala,
e ainda assim
sentir a mesma emoção
que estou sentindo
nesta hora!

(Do livro Poesias do Cotidiano - 1997)

O EXEMPLO DO PIÃO

Se há uma coisa que fascina e encanta,
É ver um pião enquanto dança!
E quando estamos no nosso limite,
Olhemos o pião que rodopia,
Como se fosse um convite!

Sejamos inimigos da ociosidade.
Façamos tudo com entusiasmo
E até estardalhaço..
Viva a escandalosidade
Para sair do marasmo
E não perder o compasso.

O pião tem uma dança
Que assusta e que fascina,
Pelo espetáculo que ensina
A nos mantermos em pé
Pelo impulso.
Para o pião é insulto
Entregar-se antes
Do tempo determinado.

Mas quando fica cansado,
Nos mostra algo assustador:
Traça um círculo ao seu redor
E dentro do próprio círculo
Então cai.
Fim! Nada mais resta.
Tudo aquilo que era festa
Agora é gota que se esvai.

Tal qual o pião,
Estamos em pé,
Se estamos em movimento.
Nossa base é nossa fé,
Nossa força é o sentimento!

Tomara que na dança da vida
Haja sempre uma base plana
Para nosso pião interior girar,
Impulsionado pela força do trabalho
E pelo poder de sonhar!

(Do livro Melodias do Coração 2008)

INCÓGNITA

Moro numa rua sem saída.
A única medida para sair dela
é dando meia-volta
até chegar na esquina.
Nesta rua tem menina
brincando de sol.
Tem até bicicleta
que passeia sozinha.
Tem Luluzinha de estimação,
tem bola, tem boneca, tem canção.

Tem gato que passeia no muro
e toma sol no telhado.
Minha rua é um achado!

Tem noite de luar
e tem verso com rima.
Quem disse que quero
chegar na esquina?

Moro numa rua sem saída
que tem porta e tem janela.
Mas... quem disse
que quero sair dela?

Minha rua tem até Mercearia.
Tem linda pradaria
e tem jardim.
Quem quer sair
de uma rua assim?

(Do livro Melodias do Coração 2008)

EMBEVECIMENTO
(Homenagem a Chapecó - SC)

Sinto que conheço cada grão
da terra que compõe este chão.
Adivinho a bala do papel
que o vento leva,
e sinto que conheço seu sabor.
Conheço e sinto o perfume
de cada pétala de flor
que brota nos canteiros.
E de cada caminheiro
conheço seu sorriso
e seu semblante.
De cada margarida,
sua labuta constante.
De cada sabiá
saltitando na praça,
eu bebo seu momento.
E de cada turista
seu encantamento.
Em cada badalada
dos sinos na catedral,
é entoado um hino sem igual.
Cada canto da minha cidade
encanta de lirismo meu viver,
enternece e aquece todo meu ser.
Luzes noturnas estribilham canções
e da torre da igreja emanam orações!
Com a fronte erguida
vejo esperança e vejo vida.
Dos desenganos quase esqueço,
pois em cada melodia
que roda nas estações,
eu sinto que amo e que conheço
(Do livro Melodias do Coração 2008, homenagem a Chapecó - SC
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Nota sobre o pintor:
Hans Arp (1886 - 1966)
Hans Peter Wilhem Arp (Estrasburgo, 16 de Setembro de 1886 — 7 de Junho de 1966) foi um pintor e poeta alemão, naturalizado francês. Nasceu na Alsácia quando esta estava sobre domínio alemão. Em 1926 adquiriu a nacionalidade francesa e passou a usar o nome Jean Arp.
O pai de Arp era um empresário de origem alemã, dono de uma fábrica de cigarros e a sua mãe era de origem francesa, motivo pelo qual ele, desde muito cedo, falava fluentemente as duas línguas.
Em 1900 inscreveu-se na Escola de Artes e Ofícios em Estrasburgo, onde nunca chegou a ser bom aluno, pois não se interessava pelas matérias curriculares. Durante o ano de 1901 teve aulas de desenho com Georges Ritleng. Arp que era um admirador da poesia alemã, em 1903 publicou algumas obras literárias.
Em 1907 inscreveu-se na Academia Julian. Em 1911, juntamente com Oscar Lüthy e Walter Helbig, foi o fundador do grupo de artistas suiços, designado por Der Moderne Bund. Em 1912 conhece Kandinsky em Munique, e em 1914 dá-se com August Macke e Max Ernst, em Colónia.
Em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, foi viver para Zurique, em virtude de possuir nacionalidade alemã. Nesse ano casou com Sophie Taeuber, que veio a falecer, em 1943, enquanto ocorria a Segunda Guerra Mundial. No ano de 1920, Arp participa numa exposição dadaístita, em Colónia, com Baargeld e Max Ernst. Conhece Breton, e colabora em diversas publicações de conteúdo vanguardista, com poemas e collages. Em 1925, Arp junta-se a um grupo de surrealistas saídos do movimento dada, e expõe em Paris.
Versátil na sua obra, a década de 1930 é dedicada a trabalhos na perspectiva da abstracção geométrica, collages e grafismos com relevo. Na década seguinte, Arp, sempre em mudança, centra o seu trabalho na escultura.
Em 1959, casou em segundas núpcias com Marguerite Hagenbach. A sua obra atinge a fama nos anos 1950 e 60, quando expõe em Nova Iorque (1958) e Paris (1962).

Fontes:
http://anairweirich.blogspot.com/
http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hans_Arp