terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Osvaldo Reis (Livro de Trovas)


À pergunta “o que é um ovo?”,
respondeu a patricinha:
– Ora, ovo... diz o povo
que é caroço de galinha!...

A sereia canta e encanta;
isso eu não faço, mas deixe...
Embora sem graça tanta,
eu também vendo o meu peixe.

Candidato, atrás de voto,
em véspera de eleição,
faz-se contrito de-voto,
de missa e de procissão…

– Cê sabe de argo, seu moço,
pra curá quem cai do gaio?
– Sei de um remédio colosso:
passa pó-pa-tapá-taio.

Companheiro, estenda a mão,
que nem um bom cavalheiro,
ao colega, amigo, irmão...
porém lave a mão primeiro!

E’ dia sim, dia não…
Dia anão?… Ou dia assim?…
Sei lá… mas que confusão!
O jeito é rimar com “fim”…

Esta é uma sábia charada,
bem fácil de se entender:
– Um homem sozinho é nada...
nem chifre consegue ter!

Jequice não paga imposto,
e nem dá pra contestar.
O máximo, ante o mau gosto,
é a gente se lastimar…

Melão do papai, colhido
bem cedinho, antes das sete...
Ah que delícia, servido
na ponta do canivete!

Menininha no quintal,
tadinha, brincando só,
faz algo que lhe faz mal:
cata cocô de cocó...

Mostra o sábio o que destaca
do burro a paca, e sussurra:
– é que o burro sempre empaca,
e a paca jamais emburra...

Na minha dúvida atroz,
pra evitar vexame e enrosco,
não direi “arroz com noz”,
direi sempre “arroz conosco”...

Não por acaso, sou fã
deste casal fascinante:
– o meu galinho é um “galã”;
minha galinha, “chocante”…

Na perna uma pulseirinha
que maus instintos instiga.
– É assim que hoje a canarinha
chama o canário pra “briga”..

Nos extremos desta vida,
um contraste se percebe:
– A Terra chora a partida
daquele que o Céu recebe!

O galo, olhando a pombinha,
pecou por mau pensamento:
– “Que pena que essa baixinha
comeu tão pouco fermento!...”

Passei uma tarde inteira
ouvindo discursos, mas...
é melhor ouvir besteira
do que ser surdo, rapaz!...

Pedido de um sábio idoso
feito aos santos e que-tais:
– Que eu fique feio e rugoso;
metido a moço, jamais…

Se a fé em Deus te acompanha
na andança de déu em déu,
podem barrar-te na Espanha,
nunca na porta do céu!

“Tem quantas partes o crânio?”,
pergunta a mestra à piazada.
Responde unzinho, instantâneo:
“Depende da cacetada!”

Trai a esposa, vive em farra,
“galinha” de festa em festa…
Até que súbito esbarra
num baita “galo” na testa!…

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.62)


Trova do Dia

O Natal nos fez irmãos
pelo Fruto de Maria...
- Se todos dermos as mãos
será Natal todo dia!
YEDDA MAIA PATRÍCIO/SP

Trova Potiguar

Natal... Um lindo presente
de Deus para a humanidade;
uma prova, tão somente,
de amor e fraternidade!
EVA YANNI GARCIA/RN

Uma Trova Premiada

2006 > Fuzeta/Portugal
Tema > VAMOS CANTAR NATAL > Menção Honrosa

Vamos cantar o Natal,
partilhando com o irmão
o nosso Amor fraternal,
na ceia... do coração!
MARIA DA CONCEIÇÃO FAGUNDES/PR

Uma Trova de Ademar

Que o espírito fraternal
que agora habita na gente
não dure só no Natal,
permaneça eternamente!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram


Suplico ao pai divinal
e a Jesus cristo também
trazer-nos neste Natal
a paz que o mundo não tem!
CLARINDO BATISTA/RN

Estrofe do Dia

O Natal lembra Jesus,
lembra paz, lembra alegria;
lembra amor, lembra amizade,
igualdade e harmonia;
mas não lembra com certeza,
os casebres da pobreza,
que estão na periferia.
LUIZ DUTRA/RN

Soneto do Dia

– Francisco Luzia Neto/SP –
PAPAI NOEL OPERÁRIO.

O meu Papai Noel, para ser franco,
não era de trenós, das chaminés,
jamais vestiu roupão vermelho e branco
e sua condução eram os pés.

E nunca se pintou, qual saltimbanco,
nem cavalgou jamais nédios corcéis,
andou por esta vida ao solavanco,
remando contra as crises e as marés.

Trabalhador de um mínimo salário,
vivia no Instituto, de ordinário,
reumático que fora desde cedo...

Porém, Papai Noel, sempre cordial,
nunca esqueceu, nas noites de Natal,
de pôr nos meus sapatos um brinquedo!

Fonte:
Ademar Macedo

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Ademar Macedo (Antologia Poética)


Eu senti aumentar os meus desejos
quando pude provar todo o sabor
que contém na doçura dos seus beijos
que é um elixir eficaz para o amor,
e entreguei o meu corpo tresloucado
para ser por você todo beijado
e com os lábios tremendo de paixão,
pude ainda num gemido lhe dizer;
o teu beijo é mais doce, podes crer
que a quixaba mais doce do sertão.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

Quando a musa do céu vem e me inspira
pondo brilhos na minha inspiração,
eu desenho na mente uma paisagem
com pincéis vivos da imaginação;
e eu envolto na mais doce aquarela
vou encher de beleza a minha tela
retratando a paisagem do sertão.
Deus pintou o cenário mais bonito
nos neurônios que tem na minha mente.
Com o brilho das luzes da poesia
me ensinou a fazer verso e repente;
me deu todas as dicas sobre a rima
e depois de fazer esta obra-prima
deu ao mundo um poeta de presente.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

PAISAGENS DO MEU SERTÃO!

Um forró numa latada
numa plena Sexta-feira,
um bebum no meio da feira
topando em toda calçada;
uma velha na almofada
com um birro em cada mão,
prestando muita atenção
naquilo que vai fazendo;
isso é mesmo que está vendo
paisagens do meu sertão.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨


O SERTÃO É UM POEMA...

Deus na sua magnitude,
fez do sertão um palácio,
deixou escrito um prefácio
na parede do açude;
disse da vicissitude
da flor e do gineceu,
de um concriz que se escondeu
nos garranchos da jurema,
o sertão é um poema
que a natureza escreveu.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

O VÍRUS DA POESIA...

Poesia é a minha paz,
meu mundo, meu universo;
um mar de sabedoria
onde eu vivo submerso;
é minha alimentação,
é meu sustento, é meu pão
feito de rima e de verso...

A partir da madrugada
é esse o meu dia a dia:
já de caneta na mão
recebo uma epifania,
cuja manifestação
é trazer-me inspiração
pra eu fazer minha poesia...

A poesia é minha luz,
é meu santo e meu altar,
feijão puro com farinha
que eu tenho para almoçar;
ela é minha própria vida
é meu lar, minha guarida
meu sol, meu céu e meu mar!

Ao ver poesias aos montes
nascendo em minha vertente,
tive um “derrame” de rimas
nas veias da minha mente
e um maravilhoso “infarto”
eu tive ao fazer o parto
do derradeiro repente!...

Quero então no meu jazigo,
feito em letras garrafais,
aquela minha poesia
que me deu nome e cartaz;
e escrito, seja onde for:
- eis aqui um trovador
que morreu feliz demais!

Quem carrega, como nós,
o vírus da poesia,
tem no sangue uma plaqueta
que se altera todo dia,
aumentando a quantidade
e pondo mais qualidade
nos versos que a gente cria.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

PESADO É PEDIR PERDÃO

Errar, é do ser humano
e todos podem errar;
mas, saiba que perdoar
é divino, é soberano.
Não deixe que um ato insano
lhe amargure o coração,
perdoe-me, e me estenda a mão
pra ser, por mim, apertada;
perdoar não pesa nada,
pesado é pedir perdão!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

POESIA SANTA

A minha poesia é Santa
porque é Deus quem projeta,
é ele mesmo quem planta
no coração do poeta;
pois todos os versos meus
vêm lá da mansão de Deus
como se fosse uma luz;
são escritos com emoção
pela minha própria mão,
mas o autor, é Jesus!...
6 6 6 6 6 6 6 6

TRÊS SETILHAS...

O poeta já vem com a verve feita
por Deus Pai nosso mestre e criador;
alguns nascem com a mente de aprendiz
outros tantos já nascem professor,
e Deus vendo chegar a minha vez,
com a bênção sagrada Ele me fez:
Fuzileiro, Poeta e Trovador.

Escorado no topo da muleta,
eu me fiz um poeta e trovador;
meu passado de atleta e de boêmio
para mim, não foi nada alentador;
mas depois do meu trágico acidente,
encontrei na poesia e no repente
o remédio eficaz pra minha dor.

Como prova de amor, maior do mundo,
Cristo morre por nós, os pecadores.
Vejo ainda no manto de Maria
os vestígios de suas próprias dores;
e, dotado de toda perfeição,
pra falar deste amor e do perdão
Deus criou os poetas Trovadores.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

CONFISSÃO DE FÉ

De um acidente medonho,
sobrou uma amputação,
mas veio a superação,
pois jamais fiquei tristonho.
Comecei viver um sonho:
de frente encarei a dor;
a Deus confessei amor
e, com Fé e muita sorte,
venci o câncer e a morte
e me fiz um Trovador!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

DALVA, ESTRELA MULHER...

Pela luz do pirilampo
e pelo brilho do sol,
pela beleza do campo
e pela cor do arrebol,
por um orvalho caindo
por uma flor se abrindo
e pelos três filhos meus;
Por minha perna amputada,
por Dalva ser minha amada...
Muito obrigado, meu Deus!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

LÁGRIMA

Quando de um amor me aparto,
em tristezas me esparramo:
bebo sozinho em meu quarto
as lágrimas que eu derramo!

Essas gotas maculadas,
itinerantes no rosto,
são as lágrimas magoadas
que dão vida ao meu desgosto.

Lágrimas, fuga das águas
por um riacho inclemente
que numa enchente de mágoas
inunda o rosto da gente!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

DÉCIMA (SERTÃO)

No sertão tem poesia,
tem o preá no serrote
tem mocó dando pinote
e tem cabra dando cria;
tem coalhada na bacia
tem fogueira de São João,
tem festa de apartação
tem porteira e passadiço;
quem nunca viu tudo isso
não sabe o que é sertão!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

DÉCIMA (POETA NORDESTINO)

No sertão eu nasci e fui criado
e amar será sempre o meu destino,
como todo poeta nordestino,
sou da vida, um eterno apaixonado,
cada verso que eu faço é inspirado
nas belezas do meu interior,
como amante e fiel agricultor
eu cheguei a seguinte conclusão:
não há seca que torre o meu sertão
nem macumba que acabe o nosso amor.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

DÉCIMA

Vou abrir a bodega da cultura
a as entranhas fecundas do juízo
e dizer para o povo hoje é preciso
que este mote está à minha altura;
pois eu sou simplesmente a criatura
que Deus irá deixar para semente,
e por ordem do pai onipotente,
não há mote nenhum que eu não dê jeito;
vou abrir a cancela do meu peito
pra passar a boiada do repente
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

NINGUÉM MATA O NOSSO AMOR...

No sertão eu nasci e fui criado
e amar será sempre o meu destino,
como todo poeta nordestino,
sou da vida, um eterno apaixonado;
cada verso que eu faço é inspirado
nas belezas do meu interior,
como amante e fiel agricultor
eu cheguei a seguinte conclusão:
não há seca que torre o meu sertão
nem macumba que acabe o nosso amor.

Sonetos de Natal


– Machado de Assis/RJ –
Soneto de Natal

Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"

Pedro J. Bondaczuk/SP
Meu maior presente

É noite de Natal... Estrelas reluzentes
salpicam o céu, este infinito luzeiro.
Na sala, sob a árvore, estão os presentes.
As luzes, piscando, iluminam o pinheiro.

Só, reflito em fatos antigos e recentes,
nos ganhos e perdas deste ano, no final,
nos mui queridos amigos e nos parentes
que estão distantes nesta noite de Natal.

Penso, sobretudo, em você, amiga ausente,
no que gostaria de receber e dar,
no seu grande carinho e generosidade,

no seu sorriso e franqueza no olhar,
pois só quero, amiga, como maior presente,
o rico penhor da sua eterna amizade!

Doroni Hilgenberg/AM
Soneto de Natal

É Natal e uma claridade intensa
Paira por cima de uma noite mansa
E num instante volta a minha crença
E por momentos volto a ser criança

Noite de Natal... e a árvore enfeitada
Bolinhas coloridas, anjos e fitinhas,
Guloseimas e uma noite encantada
Com presentes para as crianças boazinhas.

Que tristeza deve ser para algumas delas
Acreditando que o Papai Noel existe
Sonham...e nada recebem nesta noite linda!

Que descrença... que amargura singela
Para a criança que em seu cantinho triste
Espera pelo presente que não veio ainda!

Pedro J. Bondaczuk/SP
Cenários de Natal

Noite de Natal, a cidade se ilumina...
Brilham estrelas, o mundo se enche de luz.
Mil canções bailam no ar, a paz predomina,
é noite de festas pro Menino Jesus.

Noite de Natal, reacendem-se esperanças,
tristezas desaparecem, tornam-se vultos,
face aos inocentes sorrisos das crianças
que se somam às recordações dos adultos.

A chama do amor os corações incendeia.
A fé eleva nossas preces para o céu...
Em surdina, ouvem-se as notas do Jingle Bell...

Feliz, sentado à mesa, em posição central,
o pai preside a familiar e santa ceia...
A cidade se ilumina... Noite de Natal...

Antonio Olinto/MG
Soneto de Natal

Mudaria o Natal ou mudo iria
Mudar sempre o menino o mundo em tudo?
Ou fui só quem mudei, e meu escudo
Novidadeiro, múltiplo, daria

Ao mudadiço mito da alegria
Em noite tão mutável jeito mudo?
O homem é mudador, muda de estudo,
De mucama, de verso, pouso, dia,

Porque a muda modula esse desnudo
Renascimento em palha, e molda e afia
O instrumento da troca, o fim miúdo,

A noite amena erguendo-se em poesia.
Mudei eu sempre sem saber que mudo
Ou somente o Natal me mudaria?

Pedro J. Bondaczuk/SP
Mensagem de Natal

Um dia – memorável dia – a humanidade
teve expiados todos os erros seus,
através da magnífica oportunidade
de conviver cotidianamente com Deus.

O arquiteto do universo, que irradia
luz, poder, glória infinita e imorredoura,
nasceu, sem pompa ou luxo, numa estrebaria,
só tendo, por berço, uma reles manjedoura.

O seu nascimento traz a maior lição
do que ao homem deve ser essencial:
a bondade, a pureza e amor no coração

e a luz da verdade por perene ideal.
Esta foi a mensagem do Deus do perdão
há dois mil anos, numa noite de Natal!
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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.61)

Trova Potiguar Natal é festa de luz de sentimento profundo, quando o menino Jesus vem trazer a paz ao mundo. HÉLIO PEDRO/RN Uma Trova Premiada 2002 > Garibaldi/RS Tema > Natal > Menção Honrosa Minha maior alegria, no Natal, era a emoção do amor, que meu pai trazia sob a barba... de algodão! SÉRGIO FERREIRA DA SILVA/SP Uma Trova de Ademar Tal qual num conto de fadas, quem sabe eu possa ver isto: todas nações de mãos dadas no aniversário de Cristo! ADEMAR MACEDO/RN ...E Suas Trovas Ficaram Quanto mais festa e mais luz nesses Natais de salões, mais nós sentimos Jesus ausente dos corações! LUIZ OTÁVIO/RJ Estrofe do Dia Neste Natal quero ser companheira e generosa com meu povo e meu Jesus, fazer do espinho, uma rosa e amenizar qualquer dor sendo bem mais amorosa. DÁGUIMA VERÔNICA/MG Soneto do Dia NATAL DE NUNCA MAIS Na véspera, um peru se embebedava no terreiro da casa da alegria... - E eu fui saber que a "pinga" que tomava tornava a sua carne mais macia. A Ceia de Natal entrelaçava papai, mamãe e a minha fantasia... - Sem perceber que a vida caminhava e o sonho terminava no outro dia. Quando a vida fluiu e pôs distância, eu descobri, sem sombras de arrogância, que o tempo tem seus planos desiguais... E sigo, em meio ao risco e ao recomeço, buscando, em vãos caminhos, o endereço daquele meu Natal de nunca mais ! ! ! Fontes: Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XIV: A Senhora Etimologia

Depois que se despediu do Verbo Ser, Emília foi correndo em procura dos companheiros. Encontrou-os na Praça da ANALOGIA, rodeados de várias palavras. O Visconde conversava com duas absolutamente iguais na forma, embora de sentido diferente — as palavras Pena (dó) e Pena (de escrever).

— Não acho isso direito — dizia o Visconde para a primeira Pena —, se a senhora significa uma coisa tão diversa da significação da sua companheira por que não muda, para evitar confusões?

— Sim — disse Emília, chegando e metendo a sua colherzinha torta na conversa. — Por que não usa um sinal — uma cruz na testa ou uma peninha de papagaio na cabeça, por exemplo?

— Nós, palavras, não temos a liberdade de nos mudar a nós mesmas — respondeu Pena (dó). — Unicamente o uso lá entre os homens é que nos muda, como acaba de suceder a esta minha HOMÔNIMA, a Senhora Pena (de escrever.) Ela já teve dois NN e agora tem um só.

— Pare! — gritou Emília. — Que "Homônima" é essa, que apareceu sem mais nem menos?

— Pena (de escrever) é minha Homônima. Homônima quer dizer uma palavra que tem a mesma forma de outra, embora de significado diverso. Nós duas aqui somos Homônimas, do mesmo modo que grande número de outras palavras desta cidade. Cesta (balaio) e Sexta (número), por exemplo; Cela (quartinho) e Sela (de cavalo), Bucho (estômago) e Buxo (árvore), Cartucho (de espingarda) e Cartuxo (frade) são palavras Homônimas.

E há ainda outras diferencinhas. Se somos iguais unicamente no som, os gramáticos nos chamam HOMÓFONAS, como essas que citei. E se somos iguais na forma escrita, eles nos chamam HOMÓGRAFAS.

— Então você, Pena (dó), é Homônima, Homófona e Homógrafa de Pena (de escrever) — disse Emília, que tinha prestado toda a atenção. — Que judiaria! Tão pequenininha e xingada pelos gramáticos de tantos nomes esquisitos.

— Mas isso de vocês terem a mesma forma ou o mesmo som — observou Narizinho — há de atrapalhar muito aos homens. Quando eles se encontram diante de palavras Homônimas, Homófonas e Homógrafas devem ficar tontos.

— Puro engano — respondeu Pena (dó). — Seria assim se os homens nos encontrassem soltas como andamos aqui. Mas lá entre eles só aparecemos metidas em frases, e então é pelo Sentido que os homens nos distinguem. Quem ouve a frase: Estou escrevendo com uma pena de bico chato, vê logo que se trata da minha amiga Pena de escrever. Mas quem ouve exclamar: Que pena tenho dela! percebe imediatamente que se trata de mim. É pelo sentido da frase que se conhecem as palavras.

— Muito bem — disse Emília. — A senhora é uma grande sabidinha. E quem são aquelas que ali estão de prosa, duas a duas?

— Oh, aquelas são as palavras SINÔNIMAS e ANTÔNIMAS.

— Explique-nos isso — pediu a menina.

— Palavras Sinônimas — disse Pena (dó) — são as que significam a mesma coisa, ou quase a mesma coisa, embora tenham forma diferente. Lábio e Beiço, por exemplo; Habitar e Morar; Cavalo e Corcel; Olhar e Ver; são palavras Sinônimas.

— E as Antônimas?

— Palavras Antônimas — respondeu Pena (dó) — são as que têm sentido oposto, como Noite e Dia; Sim e Não; Com e Sem; Ódio e Amor; Bom e Mau.

— Engraçado! — berrou Emília. — Então Dona Benta é Antônima de Tia Nastácia!. . .

— Que absurdo é esse, Emília! — exclamou Narizinho.

— Sim, sim — insistiu a boneca —, porque uma é branca, e outra é preta.

— As cores delas é que são Antônimas, boba, e não elas. . .

Durante toda a conversa o rinoceronte manteve-se afastado, de beiço caído, refletindo distraidamente. Emília deu-lhe um beliscão.

— Acorde, boi sonso! Que nostalgia é essa?

— Estou pensando em coisas passadas — respondeu o excelente paquiderme. — Estou pensando na velhice destas palavras. Vieram de muito longe, sofreram grandes mudanças e continuam a transformar-se, como essa Pena de escrever, que acaba de perder um N. A maioria delas já morou na antiga Roma, dois mil anos atrás. Depois espalharam-se pelas terras conquistadas pelos romanos e misturaram-se às palavras que existiam nessas terras. E vieram vindo, e vieram vindo, até chegarem ao que hoje são.

Enquanto vocês estavam de prosa com Pena (dó), eu pus-me a recordar a forma dessa palavra no tempo dos romanos. Escrevia-se Poene. E antes ainda de escrever-se assim, escrevia-se Poine, no tempo ainda mais antigo em que ela morava na Grécia.

— Que divertimento interessante não deve ser o estudo de cada palavra! — exclamou Pedrinho. — Hão de ter cada uma o seu romance, como acontece com a gente. . .

— E assim é — confirmou o rinoceronte. — Esse estudo chama-se Etimologia.

— Quem está falando aí em Etimologia? — gritou Pena (dó), que estivera distraída a ouvir a boneca narrar as aventuras da viagem ao céu; e vendo que era o rinoceronte, acrescentou: — A Senhora Etimologia reside aqui perto. Por que não dão um pulinho até lá, para visitá-la?

— Boa idéia! — exclamou Pedrinho. — Mas não é muito rabugenta, essa dama?

— Nada! — respondeu Pena (dó). — É até uma excelente criatura — e sabidíssima, upa!. . . Conhece a vida de todas nós, uma por uma, nos menores detalhes. Sabe onde nascemos, de quem somos filhas e de que modo vimos mudando através dos séculos. Constantemente aparecem por aqui filólogos, gramáticos e fazedores de dicionários para consultar Dona Etimologia a propósito de mil coisinhas.

— Pois vamos vê-la — propôs o Visconde, já assanhado. Velhas eram com ele, que também já estava velho e embolorado. Só Emília discordou. Preferia visitar a Senhora PROSÓDIA, que ensina o modo de pronunciar as palavras. Emília errava muito na pronúncia e queria aprender.

— Prefiro saber como é que se pronuncia uma palavra a saber onde, como e quando ela apareceu. Sou "prática".. .

Mas Narizinho empacou.

— Agora, não, Emília. Depois. Depois visitaremos Dona Prosódia. Neste momento eu resolvo que se visite a Etimologia. Você não manda.

E como o caso fosse assim despoticamente resolvido, dirigiram-se todos para a residência da Senhora Etimologia.

Encontraram lá uma velha coroca, de nariz recurvo e uma papeira — a papeira da sabedoria. Encontraram-na com a casa entupida de filólogos, gramáticos e dicionaristas. Foi o que disse a criada que os atendeu da janela.

Pedrinho espiou pelo buraco da fechadura.

— Xi!. . . — exclamou. — Está "assim" de carrancas lá dentro. Impossível que ela nos receba hoje. Os carrancas estão de óculos na ponta do nariz e lápis na mão, tomando notas. Até que ela atenda a todos. . .

Puseram-se a escutar. A velha explicava a um daqueles homens como é que certa palavra havia passado do grego para o latim.

— Ché!... — exclamou Emília. — Ainda estão no grego e no latim, imaginem! O melhor é espantarmos esses gramáticos e tomarmos conta da velha só para nós.

E voltando-se para o rinoceronte:

— Vamos, Quindim! Bote o focinho aqui no buraco da fechadura e solte um daqueles berros que os paquidermes dão nas "plagas africanas", quando o leão aparece na "fímbria do horizonte".

O rinoceronte não quis obedecer, achando aquilo impróprio e nada gramatical; mas Emília resolveu o caso dizendo que um berro era uma Interjeição e, portanto, uma coisa perfeitamente gramatical. Quindim então obedeceu. Ajustou o focinho ao buraco da fechadura e desferiu uma formidável Interjeição que abalou a casa:

— Muuu!
______________________
Continua ... Capítulo XV: Uma Nova Interjeição
____________________________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

domingo, 5 de dezembro de 2010

Vinicius de Moraes (Antologia Poética II)


POEMA DE NATAL

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

TERNURA

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

SONETO DA HORA FINAL

Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente,
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de trevas, aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do segredo
Eu, calmo, te direi: - Não tenhas medo
E tu, tranqüila, me dirás: - Sê forte.

E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.

SONETO DE CARNAVAL

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo

SONETO DO AMIGO

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

SONETO DE ANIVERSÁRIO

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

POESIAS PARA CRIANÇAS

O PINGUIM

Bom-dia, Pingüim
Onde vai assim
Com ar apressado?
Eu não sou malvado
Não fique assustado
Com medo de mim.
Eu só gostaria
De dar um tapinha
No seu chapéu de jaca
Ou bem de levinho
Puxar o rabinho
Da sua casaca.

A PORTA

Eu sou feita de madeira
Madeira, matéria morta
Mas não há coisa no mundo
Mais viva do que uma porta.

Eu abro devagarinho
Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado
Pra passar o namorado
Eu abro bem prazenteira
Pra passar a cozinheira
Eu abro de sopetão
Pra passar o capitão.

Só não abro pra essa gente
Que diz (a mim bem me importa...)
Que se uma pessoa é burra
É burra como uma porta.

Eu sou muito inteligente!

Eu fecho a frente da casa
Fecho a frente do quartel
Fecho tudo nesse mundo
Só vivo aberta no céu!

AS BORBOLETAS

Brancas
Azuis
Amarelas
E pretas
Brincam
Na luz
As belas
Borboletas

Borboletas brancas
São alegres e francas.

Borboletas azuis
Gostam muito de luz.

As amarelinhas
São tão bonitinhas!

E as pretas, então . . .
Oh, que escuridão

Fontes:
Portal São Francisco
Imagem = montagem José Feldman

Artur da Távola (Coitado, virou poeta!)



Curioso, em nossa fala brasílica, doce e deliciosa, os verbos saltarem mais que baiacu no samburá.

O sol, por exemplo, não “sola”: faz . “- Ontem não fez sol”.

E o frio? Este, não esfria: o frio está. E na fala popular, “tá”. “Tá frio, hoje!”
Já o tempo, este é um leviano! Ele abre e fecha. “Ah, que bom, o tempo “abriu” hoje de manhã. E o tempo fecha também quando há briga “Chii, o tempo fechou lá em casa hoje”.

Você sabia que restaurante “abre”? “Sabia que abriu um restaurante lá no meu quarteirão?”.
Já o jornal é pródigo. Ele “dá” e ele “sai”.
O rádio não sai, dá. “Deu no rádio, não ouviu?”.
Pois não é que a lua também “sai”, a exibida.

A televisão, mais vaidosa não “sai”. Ela “dá”. Como o rádio. “Deu na televisão”. Porém não se contenta em dar. Ela faz aparecer, a milagrosa. “Viu o Jonir? Ele “apareceu” na televisão com a
bandeira do Brasil comemorando a vitória da Seleção”.

Já os místicos arranjaram verbos notáveis. Vejam só. Tarô se “bota”; Búzios “joga”. E carta também “bota”. “A Branca botou o tarô para mim”.

E o verbo bater? Danadinho ele. Encheu-se de significantes e ficou gordinho. Olhem só: “Às duas da tarde me “bateu” uma fome!”. E ele virou até concordância: “Minha opinião “bateu” com a dele!” E cálculo também “bate”, quem diria. “Fiz as contas, comparei com os recibos e não “bateu”.

O cansaço tem complexo de inferioridade. Ele não sobe. Ao contrário “baixa”. “Pô, me “baixou” um cansaço!” Aliás fome não apenas bate. Ela também “baixa”, como “baixa” o sono. “Depois do almoço me “baixou” um sono!”
Sentar. Ah sentar! Além daquele uso meio indecoroso que a gente conhece, agora sentar é reunir-se para deliberar. Sindicatos, grevistas, ministros “sentam”. “Agora precisamos “sentar” para resolver a questão pacificamente”. Uai, só sentado?
E quanta coisa mais: “Ontem “soprou” um vento!” “Fulana “recebe” espíritos”. Céu “limpa”. Já político e poeta a gente “vira”. “Lembra de Artur? Depois que “virou” político, nunca mais escreveu boas crônicas”...

Fonte:
http://intervox.nce.ufrj.br/~jobis/artur.htm

Folclore Português (Lenda da Serra da Estrela)


Era uma vez um jovem pastor que vivia numa longínqua aldeia. Por único amigo tinha um cachorrinho, que nas longas noites de solidão se deitava a seus pés sem esperar nenhum gesto, nenhuma palavra. Sofria este pastor de uma estranha inquietação: cismava alcançar uma serra enorme que via muito ao longe, ver as terras que existiriam para lá da muralha rochosa que constituía o seu horizonte desde que nascera. E muitas noites passava em claro, meditando nesse seu desejo infindável.

Certa noite em que se julgava acordado, sonhou que uma estrela descia até si e lhe segredava que o guiaria até ao objeto dos seus desejos. Acordou o pastor mais inquieto e angustiado que nunca, e procurou no céu a verdade do que sonhara. Lá estavam todas as estrelas iguais a si mesmas, imutáveis e eternas aparentemente. Mas estava também uma que lhe pareceu diferente e mais sua.

Passavam-se os dias e o desejo do pastor aumentava, fazia doer-lhe o corpo, ardia-lhe febril na cabeça. De noite, todas, todas as noites, procurava no céu a sua estrela diferente. E em sonhos ela aparecia-lhe muitas vezes desafiando-o, desafiando-lhe sempre a vontade. Mas a vontade por vezes é tão difícil!!

Uma noite, num ímpeto, decidiu-se. Arrumou tudo o que tinha e era nada, chamou o cão e partiu. Ao passar pela aldeia o cão ladrou e os velhos souberam que ele ia partir. Abanaram a cabeça ante a loucura do que assim partia à procura da fome, do frio, da morte. Mas o pastor levava consigo toda a riqueza que tinha: a fé, a vida e uma estrela. E o pastor caminhou tantos anos que o cão envelheceu e não aguentou a caminhada. Morreu na noite, nos caminhos, e foi enterrado à beira da estrada que fora de ambos. Só com a sua estrela, agora, o pastor continuou a caminhar, sempre com a serra adiante. E à medida que caminhava a serra ia estando sempre ali, no mesmo sítio e à mesma distância.

Passou todas as fomes e frios que os velhos lhe tinham vaticinado. Atravessou rios, galgou campos verdes e campos ressequidos, caminhou sobre rochedos escarpados, passou dentro de cidades cheias de muros e gente, mas a montanha dos seus desejos nunca a baniu do coração. Por fim, já velho, alcançou a muralha escarpada que desde a infância o chamava. Subiu, subiu até ao mais alto da serra e ali pôde então largar o desejo do seu coração, agora em paz e sem desejo.

O horizonte era tão vasto e maravilhoso, a impressão de liberdade tão avassaladora que o pastor, sem falar, gritava dentro de si um hino de louvor que mais parecia o vento uivando por entre os penhascos rochosos de silêncio. Instalou-se o velho pastor e a sua estrela ficou com ele, no céu.

O rei do mundo, porém, ouviu falar naquele velho pastor e na sua estrela fantástica. Mandou emissários à serra: todas as riquezas do mundo daria ao pastor em troca da sua pequena estrela. O pastor ouviu com atenção o que lhe mandava dizer o rei. Depois, olhou em volta. Tudo eram pedras e rochedos. Uma pequena cabana de rocha coberta de colmo era a sua morada. Uma côdea de pão negro e uma gamela de leite as suas refeições. A sua distração a paisagem igual e diferente do mundo de lá em cima. A sua única amiga, a estrela.

Suavemente, como quem sabe o segredo das palavras e o valor de todos os bens possíveis, virou-se para os emissários do rei do mundo e rejeitou todos os tesouros da terra, escolhendo a pequenez da sua estrela. Passaram os anos e o velho morreu. Enterraram-no debaixo de uma fraga e nessa noite, estranhamente, a estrela brilhou com uma luz mais intensa. Os pastores da serra notaram essa diferença porque a reconheciam também entre as outras, pelo que o velho lhes contava em certas noites.

E em memória desta lenda, a serra passou a chamar-se, para sempre, serra da Estrela.

Fonte:
FRAZÃO, Fernanda. Lendas Portuguesas da Terra e do Mar.

Antonio Brás Constante (Presentes para se fazer Presente)


Se for um abraço, que me envolva em seus braços;
Se for um beijo, que eu sinta sua boca;
Se for morder, que use os dentes;
Se for um tapa, bata com a mão;
Se for um palavrão, que seja feio;
Se for um grito, que seja alto;
Se for um elogio, que seja verdadeiro;
Se for uma ameaça, que seja falsa;
Se for uma caneta, que escreva;
Se for um sorriso, que mexa seus lábios;
Se for vingança, conceda o perdão;
Se for uma lágrima, que seja salgada;
Se for dinheiro, seja generoso;
Se for um tiro, que erre;
Se for um palpite, que acerte;
Se for engraçado, que faça rir;
Se for um olhar, que toque minha alma;
Se for um doce, que seja doce;
Se for um filme, que não seja chato;
Se for Mulher, que faça um afago;
Se for Homem, que traga uma garrafa de trago;
Se for um charuto, jogue fora;
Se for uma aventura, que valha a pena;
Se for um livro que seja o livro: “Hoje é seu aniversário – prepare-se”
Se for um cálice de veneno, cruzemos as taças;
Se for frio, que arrepie;
Se for luz, que ilumine;
Se for seu coração, que seja especial;
Se for bacon, que seja frito;
Se for um sentimento, que marque;
Se for uma emoção, que comova;
Se for uma dor, que passe;
Se for solidão, que desapareça;
Se for desprezo, guarde-o para si;
Se for melancolia, que entristeça;
Se for uma prece, que abençoe;
Se for um carinho, que me toque;
Se for ruim, que não aconteça;
Se for a morte, reconsidere;
Porém, se for apenas um pensamento entregue através de um sussurro, será eterno, pois guardarei sempre na lembrança que você é um pão-duro.
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