quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.46)


Trova do Dia

O acerto, sim, amedronta!
Mas creio que estamos quites:
para os meus erros sem conta
Deus tem perdão sem limites!
PEDRO ORNELLAS/SP

Trova Potiguar

Colega é como fumaça,
se vai com facilidade;
o amigo é a argamassa
do muro da eternidade!
HELIODORO MORAIS/RN

Uma Trova Premiada

2010 > São Paulo/SP
Tema > FEITIÇO > Vencedora

Tens tal feitiço no olhar
que, em nosso adeus, por encanto,
foram gotas de luar
que escorreram do teu pranto!
WANDA DE PAULA MOURTHÉ/MG

Uma Poesia livre

– Sírlia Lima/RN –
UMA QUESTÃO DE PELE.

Sinto na pele
De cor tão escura
Negra como a noite
Causa ruptura
Essa cor que eu não pintei
Incomoda aos inclementes
Tem inveja dos meus dentes
E da força que eu herdei
Sentem medo da minha cultura
Das minhas rezas, aos orixás
Da minha dança...
Dos meus patuás ...
Eu clamo as forças da natureza
Que me tingiu com tal beleza
Que eu chego a incomodar
Tratam-me com tal preconceito
Mas deitam comigo no leito
Isso não deixam passar
Passados 100 anos de escravidão
Libertaram os escravos
Não mudaram o sistema
Ainda temos os senhores de engenho
Como gestores de uma república que se diz livre
Mas cede a pressão
Teia de corrupção
E tudo continua sendo
Uma questão de pele.

Uma Trova de Ademar

Sentindo do mundo as dores,
a Mãe no sofrer, navega
num mar aberto de amores
que o próprio filho renega!...
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Ao reler o livro antigo,
grande emoção me tomou:
deu-me a impressão de um amigo
que de repente voltou.
AUROLINA DE CASTRO/AM

Estrofe do Dia

Até mesmo o uirapuru cantador
Seresteiro que cala os outros cantos
Sobre o galho calou-se com encantos
E ficou contemplando o Ser de flor.
Na floresta formou-se um esplendor
Ao redor da divina criação.
A cascata parou sua canção
E ficou sobre a rocha adormecida,
Vendo a flor ofertando a luz da vida
Através de um divino coração.
GILMAR LEITE/PE

Soneto do Dia

– José Paes/MG –
A N E V E

Ao ver os meus cabelos se nevando
lembro-me das ramagens quando geia
em noites invernais, de lua cheia,
sob os beijos sutis de um vento brando.

Elas se nevam, mas de vez em quando...
Tornam-se brancas, brancas, mais que a areia
de onde se ouvia o canto da sereia
e onde as sereias de hoje estão cantando...

Mas às ramagens volta o verde lindo
enquanto vai o gelo se sumindo
ao doce sol dos dias invernais:

e esta neve caída em meus cabelos
é perene e eu me lembro disso ao vê-los,
e sei que pretos não se tornam mais!...

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo V: Entre os Adjetivos

No bairro dos adjetivos o aspecto das ruas era muito diferente. Só se viam palavras atreladas. Os meninos admiraram-se da novidade e o rinoceronte explicou:

— Os Adjetivos, coitados, não têm pernas; só podem movimentar-se atrelados aos Substantivos. Em vez de designarem seres ou coisas, como fazem os Nomes, os adjetivos designam as qualidades dos Nomes.

Nesse momento os meninos viram o Nome Homem, que saía duma casa puxando um Adjetivo pela coleira.

— Ali vai um exemplo — disse Quindim. — Aquele Substantivo entrou naquela casa para pegar o Adjetivo Magro. O meio da gente indicar que um homem é magro consiste nisso — atrelar o Adjetivo Magro ao Substantivo que indica o Homem.

— Logo, Magro é um Adjetivo que qualifica o Substantivo— disse Pedrinho — porque indica a qualidade de ser magro.

— Qualidade ou defeito? — asneirou Emília. — Para Tia Nastácia ser magro é defeito gravíssimo.

— Não burrifique tanto, Emília! — ralhou Narizinho. — Deixe o rinoceronte falar.

O armazém dos Adjetivos era bem espaçoso e algumas prateleiras recobriam as paredes. Na prateleira dos qualificativos pátrios, Narizinho encontrou muitos conhecidos seus, entre os quais Brasileiro, Inglês, Chinês, Paulista, Polaco, Italiano, Francês e Lisboeta, que só eram atrelados a seres ou coisas do Brasil, da Inglaterra, da China, de São Paulo, da Polônia, da Itália, da França e de Lisboa.

Havia ali muito poucos Adjetivos daquela espécie. Mas as prateleiras dos que não eram Pátrios estavam atopetadinhas. Os meninos viram lá centenas, porque todas as coisas possuem qualidades e é preciso um qualificativo para cada qualidade das coisas. Viram lá Seguro, Rápido, Branco, Belo, Mole, Macio, Áspero, Gostoso, Implicante, Bonito, Amável, etc. — todos os que existem.

— E na sala vizinha? — perguntou o menino.

— Lá estão guardadas as locuções adjetivas.

— O que são essas Senhoras Locuções? — perguntou Emília.

— São expressões que equivalem a um adjetivo e são empregadas no lugar deles. Por exemplo, quando digo: O calor da tarde aborrece o Visconde, estou usando a Locução Da tarde em lugar do Adjetivo Vespertino; ou quando digo Presente de Rei, em lugar de Presente Rêgio.

Aquele Presente Régio agradou Emília, que ficou pensativa.

O movimento no bairro dos Adjetivos mostrava-se intenso. Milhares de Nomes entravam constantemente para retirar das prateleiras os Adjetivos de que precisavam — e lá se iam com eles na trela.

Outros vinham repor nos seus lugares os Adjetivos de que não necessitavam mais.

— As palavras não param — observou Quindim. —

Tanto os homens como as mulheres (e sobretudo estas) passam a vida a falar, de modo que a trabalheira que os humanos dão às palavras é enorme.

Nesse momento uma palavra passou por ali muito alvoroçada. Quindim indicou-a com o chifre, dizendo:

— Reparem na talzinha. É o Substantivo Maria, que vem em busca de Adjetivos. Com certeza trata-se de algum namorado que está a escrever uma carta de amor a alguma Maria e necessita de bons Adjetivos para melhor lhe conquistar o coração.

A palavra Maria achegou-se a uma prateleira e sacou fora o Adjetivo Bela; olhou-o bem e, como se o não achasse bastante, puxou fora a palavra Mais; e por fim puxou fora o Adjetivo Belíssima.

— A palavra Mais forma o Comparativo, com o qual o namorado diz que essa Maria é Mais Bela do que tal outra; e com o Adjetivo Belíssima ele dirá que Maria é extraordinariamente bela. E desse modo, para fazer uma cortesia à sua namorada, ele usa os dois graus do adjetivo. Partindo da forma normal que é a palavra Bela, usa o Grau comparativo, com a expressão Mais Bela, e usa o Grau superlativo, com a palavra Belíssima.

— Mas nem sempre é assim — observou Emília. — Lá no sítio, quando eu digo Mais Grande, Dona Benta grita logo: "Mais grande é cavalo".

— E tem razão — concordou o rinoceronte —, porque alguns Adjetivos, como Bom, Mau, Grande e Pequeno, saem da regra e dão-se ao luxo de ter formas especiais para exprimir o Comparativo. Bom usa a forma Melhor. Mau usa a forma Pior. Grande usa a forma Maior, e Pequeno usa a forma Menor. O resto segue a regra.

— E para que serve o superlativo?

— Para exagerar as qualidades do Adjetivo. Forma-se principalmente com um íssimo ou com um Érrimo no fim da palavra, como Feliz, Felicíssimo; Salubre, Salubérrimo. Ou então usa o O Mais, como O Mais Feliz.

— E se quiser exagerar para menos? — indagou Pedrinho.

— Nesse caso usa a expressão O Menos Feliz. ..

— Sim — murmurou Emília distraidamente, com os olhos postos no Visconde, que continuava calado e apreensivo como quem está incubando uma idéia. — O Sonsíssimo Visconde, ou O Mais Sonso de todos os sabugos científicos.. .

De fato, o Visconde estava preparando alguma. Deu de ficar tão distraído, que até começou a atrapalhar o trânsito. Tropeçou em várias palavras, pisou no pé de um Superlativo e chutou um O maiúsculo, certo de que era uma bolinha de futebol.

Que seria que tanto preocupava o Senhor Visconde?
--------------
continua = Capítulo VI: Na Casa dos Pronomes
--------------
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Entre Amigos I)


Queridos amigos e queridas amigas.

Estamos apresentando mais um projeto ENTRE AMIGOS, desenvolvido pelo site Alma de Poeta - http://www.sardenbergpoesias.com.br/ , para divulgar poesias de nossa autoria e de amigos poetas conhecidos aqui na net.

No número de hoje temos a grata satisfação de trazer os seguintes amigos poetas
Ligia Antunes Leivas
José Feldman
Antonieta Elias Manzieri
Dária Farion

Espero que gostem desse ENTRE AMIGOS, feito com muito carinho para todos vocês.
Esperamos todos para um cafezinho no nosso espaço cultural http://www.sardenbergpoesias.com.br/
Um forte e terno abraço.

A. M. A. Sardenberg
------------------------------------
Antonio Manoel Abreu Sardenberg
São Fidélis "Cidade Poema"/RJ
SOL POENTE

Quando contemplo ao longe o sol poente
atrás do monte lá no infinito
sonho acordado o sonho mais bonito,
e tenho a fé de um homem forte e crente.

A luz suave, quase se apagando,
acende em mim um fogo tão ardente,
e ao pensar eu fico imaginando
o amor se pondo assim tão de repente.

O tempo passa e vem a madrugada
como um açoite castigando a gente
na aurora fria, escura e tão calada!

Oh... breve tempo tenha dó de mim
por que flagela um coração carente,
me machucando tanto, tanto, assim!

Lígia Antunes Leivas
Pelotas/RS
ENTRELINHAS

Na insensatez dos conceitos
emergem desejos...
Quebra-se o elo:
desequilibra-se o universo.

A expectativa antessonha auroras
neste querer maior
de peles de veludo unidas
no desenho de nós mesmos.

Na hora cálida da tarde
atiçam-se todas as luzes...
Um pouco de mim, de ti, de nós
e a explosão de todos os sentidos.

Cada espaço traz a medida certa
...um oceano cresce entre nossas vidas
e nesta separação entre desenganos
descubro-me atônita!

Olhos ao longe (tão longínqüa distância!...)
Sou voz perdida, sou desterro
sou muito menos agora
que as entrelinhas deste poema...

José Feldman
Ubiratã/PR
SIMPLESMENTE SENTIDO

Quando sentir o vento tocar seus ouvidos,
sou eu
sussurrando o meu amor por você.

Quando sentir as gotas da chuva sobre seu rosto,
são as minhas lágrimas
que te encharcam com meu amor.

Quando sentir o calor de um dia de verão,
imagine que é o meu corpo
te abraçando e
te dando o calor de meu coração.

Quando olhar pela janela de seu quarto e vir as estrelas piscando,
são meus olhos
que piscam aos milhares
as palavras
“Eu te amo!”

Quando passear pelo parque e vir uma árvore,
abrace-a e feche os olhos,
estará abraçando a mim,
meu corpo, meu coração
junto a si.

E se olhar para o alto desta árvore
ouça o farfalhar das folhas
É minha voz dizendo:
Eu sou teu para todo o sempre,
Volta para mim!

Antonieta Elias Manzieri
São Pedro/SP
AUSENTE

Ando dispersa de mim,
não sinto minha presença,
não quero ficar assim,
não suporto essa ausência.

Busco e rebusco meu eu
num labirinto medonho.
O que foi feito de mim?
Onde estão os meus sonhos?

Só eu posso me reencontrar
nessa estrada sem fim.
Mas estou tão longe de mim...
Será que ainda consigo me achar?

A distância é assustadora,
eu desconheço o caminho.
Nem uma mão consoladora
para curar as feridas
causadas pelos espinhos.

Nada, ninguém, só eu
a clamar desconsolada...
Isolei-me dos amigos meus,
perdida nessa longa estrada.

E agora, que rumo seguir?
Será que valeu a pena,
por coisas tão pequenas,
destruir o meu porvir?

Dária Farion
Pinhais/PR
CARISMA DIVINO

Ter na alma o afeto,
Na palma da mão a vida.
Encerrar no coração a imagem
Na mente a coragem.

Ter certeza,
Gritar com firmeza:
Meu filho , és meu rei
meu herói.

Fonte:
Antonio Manoel Abreu Sardenberg

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.45)


Trova do Dia

O meu viver enfadonho,
só de amarguras composto,
põe as rugas do meu sonho
sobre as rugas do meu rosto!
GISLAINE CANALES/SC

Trova Potiguar

As gaiolas da maldade
são projetos anti-ninhos,
retirando a liberdade
das asas dos passarinhos
DJALMA MOTA/RN

Uma Trova Premiada

2010 > São Paulo/SP
Tema > FEITIÇO > Vencedora

Desprezei-te, fui omisso,
quis um “caso” passageiro...
Mas o Amor fez o feitiço
virar contra o feiticeiro!
RENATO ALVES/RJ

Uma Poesia livre

– Clevane Pessoa/RN –
RASGOS.

Às vezes somos motivados por um nada
aparente
noutras, agimos por todos os motivos
- novos e antigos...
Em certas ocasiões, estamos compromissados
aos amigos
mas noutras, o que fazemos, de fato,
é para atingir os inimigos...
Mágoas, dissabores, sendo omisso ou valente,
o ser humano vai esboçando seu próprio retrato
quando age de uma forma ou de outra forma
quando se revolta ou quando se conforma
quando obtém fracassos ou se enche de glória...
E é em cada rasgo de personalidade
que nós diferenciamos dos demais
para escrever a nossa própria história
atracando ou nos afastando
de nosso próprio cais...

Uma Trova de Ademar

Após um sonho, acordei
num desespero medonho,
pois neste sonho, eu te amei...
Mas foi somente no sonho!...
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Se mentes quando me dizes
que me amas, que me queres,
eu sou, entre as infelizes,
a mais feliz das mulheres !...
MARISOL/RJ

Estrofe do Dia

Ao passar em Afogados
Diga a minha esposa bela,
Que eu derramei duas lágrimas
Sentindo saudade dela;
Tive sede, bebi uma
E a outra, eu guardei pra ela.
JOÃO PARAIBANO/PB

Soneto do Dia

– Antero de Quental/Portugal –
NA MÃO DE DEUS.

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

Fonte:
Ademar Macedo

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Antonio Facci (Livro de Trovas)


Você vai viver cem anos
arrisca alguém um palpite,
mas não está em meus planos
aceitar nenhum limite.

Entre pássaros e flores
vivia o alegre guri,
esquecendo suas dores
feliz, como nunca vi.

Se de barro fomos feitos
nesta olaria divina,
somos dois corpos perfeitos
partilhando a mesma sina.

Eu estou enfeitiçado
só pelos encantos teus,
serei porém, libertado
no meu encontro com Deus.

Eu vejo o velho telhado
com um aspecto medonho,
é todo desarrumado
porém, acalenta um sonho.

Luiz Antonio Aguiar (O Que Vale a Literatura?)



Só para começar, não é por acaso que o título que dou a este texto não é “Quanto vale a Literatura?”.

Acontece que aqui não se trata mesmo de um valor quantificável. Mas, de um valor subjetivo. Íntimo. Pessoal. Algo registrado (ou contabilizado) no espírito de cada um.
Mas, também na identidade de uma população com seus... valores.

No seu recente A literatura em perigo, Todorov escreve:

Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver(...) Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo(...) Ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano(...)O leitor(...) lê essas obras(...)para nelas encontrar um sentido que lhe permita compreender melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma beleza que enriqueça sua existência; ao fazê-lo, ele compreende melhor a si mesmo.

O que vale a Literatura para alguém que escreve algo assim? Ora, vale uma vida. A vida dele. Literatura aqui se torna algo tão essencial que não se poderia sobreviver neste mundo, ainda mais neste mundo contemporâneo ─ e no nosso caso, neste mundo brasileiro ─ sem o consolo e a iluminação da Literatura.

Já, segundo a lenda sobre a destruição do acervo da Biblioteca de Alexandria, que está num livro doloroso de se ler, A biblioteca desaparecida, de Luciano Canfora, quando perguntado o que se deveria fazer com os volumes da maior biblioteca da Antiguidade, o dignitário fundamentalista islâmico, cioso da nova ordem que queria impor à cidade que seu exército acabara de invadir, ordenou: Se o que está esses livros não se pode encontrar no Corão, queime-os, pois eles não dizem a verdade. Se o que está neles está no Corão, queimei-os, pois são dispensáveis. Preciosas obras da cultura grega, entre outras, exemplares únicos, viraram combustível das saunas de Alexandria.

O que valeria a Literatura para esse dignatário?

Para muitos indivíduos que estão engajados na Educação, de diversas maneiras, a Literatura vale pelo que ensina. Ou melhor, pelo que se pode agregar a uma obra Literária em termos de uma utilidade didática, que ela não tem, em sua origem, mas que se pode “trabalhar” a partir dela. Tanto que há um termo que significa a literatura na escola: paradidático. Acessório do didádico.
É uma tendência que vem sofrendo abalos, séria e forte contestação, mas ainda subsiste.

Para Graciliano Ramos, ou melhor, para seu autobiográfico personagem, o menino, em Infância, o que vale a Literatura? E para a igualmente autobiográfica menina de Felicidade clandestina, de Clarice Lispector? Para o primeiro, salvação, desembrutecimento, humanização; para a segunda, o título diz tudo.

É então desse valor tão etéreo, mas em alguns tão presente, que estou falando.

Creio que é nesse Reino, o desse valor, que finalmente esta articulação ─ o Movimento por um Brasil Literário ─ de entidades e indivíduos, mobilizada pelo valor da Literatura, pode trabalhar. E isso torna o Movimento por um Brasil Literário bastante especial.

Há muitas pessoas para quem a Literatura não está presente em suas vidas. Para estes, a Literatura vale quase nada. Há quem mesmo quando fala em Literatura, pensa em leitura; e chega a trocar os termos, sem sentir; mas aí é outra coisa, e neste caso a especificidade do Movimento, sua peculiaridade, é essencial. Porque não estamos neste Movimento ─ pelo menos segundo entendo ─ falando daquela capacidade que confere cidadania, autonomia, acesso à contemporaneidade, defesas contra logros e estelionatos políticos etc... Estamos falando dessa capacidade aplicada a uma instância humana ─ o ser humano cria e o ser humano usufrui da Literatura ─ em que se exige um tanto além da capacidade de leitura. Na qual a capacidade de leitura é meio para abrir ao ser humano a percepção e a vivência da Terceira Margem do Rio.

Trata-se de aceitar a senha do Era uma vez.
Do Abre-te Sésamo.
Do Alf-Laila, wa-Laila (Mil noites mais uma noite).
Do Faz-de-Conta e do Pirlimpimpim.

De acreditar na possibilidade de tomar o caminho para a Terra do Nunca, assim como a capacidade de enxergar, dentro de si, um Peter Pan. Ou talvez um Gancho. Ou um Drácula.

De compartilhar sem pejo da loucura bela que tomou D. Quixote, Madame Bovary, Tom Sawyer.
E isso é muito mais difícil.

Há muita gente neste país que se devota à disseminação da leitura, convicta e resolutamente, sabendo exatamente o que está defendendo e por quê. São pessoas preciosas. Só que...

Faz pouco, nos jornais, Luciana Villas Boas, diretora editorial da Record, declarou: O povo brasileiro descobriu a importância da leitura antes do hábito de leitura. E essa sacada foi ótima, muito perspicaz, captando no pulo uma sutileza que explica muita coisa no Brasil, inclusive o crescimento recente do mercado editorial.

Ora! O problema que nos propomos a resolver é complexo... Mesmo quem não lê afirma que é importante ler. Mesmo sem dizer nem se preocupar em dizer o que está defendendo: é importante... ler o quê?

Mas, afirma-se, de todo jeito, a importância da leitura.

Há muito menos gente ─ talvez somente os iniciados, os infectados, os amorudos da Literatura ─ defendendo o direito de ler Literatura. A Democratização da Literatura.

Seria mais ou menos o direito de cada um de se aventurar no Reino da Verossimilhança, escapando da imposição da Verdade. De se submeter à relação alquímica na qual o leitor se transforma ao transformar a obra que lê.

Então, temos certeza de que queremos insistir nisso?

É nisso mesmo que queremos nos meter?

Não que eu pessoalmente tenha dúvidas, mas é justo perguntar: não seria mais fácil parar de chatear os outros afirmando nossa especificidade? Não seria mais fácil engrossarmos uma corrente que já tem reconhecimento público? Um valor já estabelecido?

Eu acredito que não se pode vivenciar o intangível da vida, das pessoas, do mundo, sem a Literatura (ou alguma outra expressão artística que nos anime, insufle). Eu acredito que não se pode conviver em paz, sem medo, sem ansiedade, com essa parte da existência, que abrange inclusive a cessação de existir, além de uma infinidade de outros enigmas e mistérios, sem a Literatura. Além disso, amo a Literatura em si, seu modo de expressão e o que ela pode expressar, sua arte, esta porção de beleza que ela pode gerar, essa materialização do espírito, de seus enigmas e segredos, em objeto (artístico) e vivência. Essa coisa de a gente ser possuído por uma obra literária, enquanto se lê e quando a relembra.

É uma questão de amor.

Hábito se transmite, se ensina, se condiciona, se corrige, se domestica. É sempre em mão única.
Amor é mútuo.

(O que uma obra faz com um indivíduo que a lê com amor é amá-lo.)

Mas, como passar amor aos que não o sentem? Aos não-iniciados?

Não, não sei precisar como. Mas, talvez haja pistas a serem seguidas.

Ruth Rocha certa vez, numa palestra, disse que há pessoas condenadas a ler ─ que vão buscar uma obra Literária sob as mais adversas condições (lembram da Costureirinha, personagem do filme Balzac e a Costureirinha Chinesa, de 2002?).

Como se dá isso, trata-se também de um mistério. Creio que estes já tem a Literatura dentro de si, antes de conhecer qualquer obra. E vão perseguir esse chamado, para saciar uma lacuna, uma agonia, uma fome... “um não sei que, que nasce não sei onde,// vem não sei como, e dói não sei porque”.

Com estes, temos somente de facilitar o seu acesso aos livros – bibliotecas com acervos fartos, mediadores de leitura ─, e o resto que tiver de acontecer acontecerá. Mas, o amor pela Literatura, eles já estão fadados a contrair.

Há aqueles, do tipo o dignitário que ordenou a cremação da Biblioteca de Alexandria ou os que somente podem conceber a Literatura como um recurso de transmissão de mensagens pragmáticas, seja didáticas, religiosas ou político-partidárias, ou qualquer proselitismo. São poucos, tão poucos quanto os condenados a ler. E não adianta nos ocuparmos destes.

No entanto, gloriosamente, há todo um meio-termo, a maioria, o mais numeroso contingente da população, que pode, quem sabe, ser sensibilizado/contaminado pelo valor que a Literatura tem para os iniciados. Paixão contagia. Amor cativa. Os que amam a Literatura (como Todorov) tem o poder de passar esse amor. E isso acontece ao falarem dos livros que leram, que foram importantes em suas vidas, que mudaram suas vidas, dos quais sentem saudades, dos seus livros e autores e personagens mais queridos, mais amigos, companheiros de longa data e para toda a vida...

É colocar Bartolomeu olhando da tela da TV para cada pessoa da família, com seu jeito meigo, sincero, contando o causo de como é que foi seu encontro com a leitura, dos livros que se tornaram seus livros, de suas lembranças dos livros que leu. Resistir, quem há de?
Se for este o caminho (?), será que podemos fazer isso? Somos capazes de resistir à tentação de convidar os não iniciados/futuros portadores em potencial da Literatura em seus espíritos e vida e cotidiano a abrir uma obra em função de algum sentido pragmático, mais palatável? Para aprender alguma coisa, por exemplo...? Isso deve ou não ser evitado?

Creio que sim. Que a pragmatização rouba da obra sua relação maior com o indivíduo. Uma relação não mensurável, às vezes oculta nas entranhas espirituais de cada um, uma reação ao que se lê que não pode ser pré-determinada pela exigência de se decifrar e decorar uma mensagem prevista e fechada: certo ou errado.

Literatura é algo que se planta, num coração e num espírito, digamos, com sementes de tomate; só que o resultado pode ser brotarem esfinges.

Já imaginaram uma prova, seja de múltipla escolha ou de texto corrido, em que se cobre do aluno uma definição (segundo o gabarito ou o texto-base) do que ele acha que é e onde é O Sítio do Picapau Amarelo?

Não me admiraria se a resposta certa fosse: “Nenhuma das respostas anteriores porque o Sítio do Picapau Amarelo não existe”.

Mas e se houvesse um rebelde, um gauche na vida que, tocado pelo anjo torto, riscasse todas as opções, de “A” a “E”, recusando-as, e escrevesse, à guisa de resposta, na margem da folha: “Fica em Taubaté, ou pode ser logo ali, junto ao Labirinto do Minotauro, à Toca do Coelho de Alice, a uma região da Terra da Mancha cujo nome agora não quero lembrar, bem no universal hipermercado de impossíveis possibilíssimos. Aliás, nada existe em termos absolutos. Tudo é uma suposta existência. Tudo é conjectura, como escreveu Machado, que segundo o poeta que até hoje, sentado de costas para o mar, sendo mineiro de nascença, nos observa lá do seu bronze passou à imortalidade por fazer bruxarias” ... ? E se daí seguisse o candidato, se animando, mandando ver e deixando rolar, usando o verso da folha entronizada, compondo um texto inusitado, espantoso... Magnífico. Literário.

Que nota ele estaria arriscado a levar, se fosse uma questão do ENEM?

Creio que o Movimento pelo Brasil Literário pode interferir no tecido cultural como um todo, ter uma ação abrangente, não-fragmentada, não localizada. E isso, creio também, é o que tem capacidade de infundir este valor de que falamos, ou de mudar este valor da Literatura em nossa sociedade ─ que é um valor cultural, que não reside num segmento isolado, mas está no ar. É o que pode ter esse alcance geral, escapando de nichos com fins (pragmáticos) fragmentados/fragmentadores.

(e uma ação para ter impacto num tal âmbito, mesmo que nosso produto seja tão diferenciado, precisa incluir mídia e marketing ─ sortilégios diabólicos que são a corrente sanguínea das idéias e hábitos em nossa contemporaneidade; até porque, desde Umberto Eco, sabemos que não precisamos ter medo de despertar, como um Gregor Samsa, metamorfoseados em apocalípticos, nem em integrados... Ou seja: podemos fazer uma mídia/marketing do Bem)

O Movimento por um Brasil Literário pode ser o elemento que faltava, um catalisador, o toque final para gerar a massa crítica, diante das tantas e dispersas iniciativas da sociedade civil para democratizar a Literatura. Pode ser a sinergia desses movimentos todos, sua integração num espírito, numa idéia transformadora. Numa utopia; e utopias são impossibilidades férteis, como argumenta Otávio Paes.

Pode ser uma inspiração para se mudar o que vale a Literatura para nosso povo. Para surgir essa nova mentalidade, a da Literatura como um valor inalienável e fundamental no tecido social. Ou para se inserir para sempre a Literatura entre nossos valores básicos.

Finalmente, sobre o foco da Campanha sugerida pelo Instituto C&A ao Movimento, na Mídia, a Família... Para mim, um achado: se estamos falando de valor, nada como reunir Literatura ao que vale, ao que tem valor, no imaginário do nosso público-alvo. Até porque não se trata de um golpe de publicidade. É sincero: amor, esperança no futuro, família e Literatura tem tudo a ver, reciprocamente. São valores que se fortalecem ao interagirem.

Nada como, no colo da mãe e do pai, da avó e do avô, junto com o netinho amado esteja abraçado, também, um livro de histórias encantadas que se lê para a criança. Enfim, sem poder ainda concluir essa linha de pensamento...

Literatura faz parte da Família.
Literatura é da Casa.

Fonte:
http://www.luizantonioaguiar.com.br/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.44)


Trova do Dia

Vivo, no ocaso, otimista
pois, quando o sol vai-se embora,
vejo o pincel de um Artista
pondo, em meu céu... tons de aurora...
MARINA BRUNA/SP

Trova Potiguar

A noite sai do espetáculo,
inerme, discreta e estranha;
o sol por trás de um pináculo
eriça a luz na montanha... (...)
MANOEL CAVALCANTE/RN

Uma Trova Premiada

2010 > São Paulo/SP
Tema > FEITIÇO > Vencedora

Noel, em tarde tranquila,
compondo um samba sutil,
fez o Feitiço da Vila
enfeitiçar o Brasil!...
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO/RJ

Uma Poesia

– Prof. Garcia/RN –
TODOS CHORARÃO.

Se não houver mais flores nos jardins,
se faltar o perfume dos rosais,
sofrerão nossos anjos querubins
ao romper das auroras matinais!
Se faltarem belezas campesinas,
sabiás e os mais lindos rouxinóis,
que serão das auroras tão divinas
sem os cantos que encantam todos nós?
Sem os perfumes virginais dos campos,
sem a voz maviosa das cascatas,
chorarão os poetas pirilampos,
no silêncio final da voz das matas.
Todos nós choraremos de desgosto,
nunca mais os poetas vão cantar,
rolarão muitos prantos pelo rosto,
"as almas dos poetas vão chorar".

Uma Trova de Ademar

Eu ouvi, desde criança,
que uma chuva, sendo fina,
traz os pingos de esperança
para a “nação” nordestina...
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

É fácil guardar rancores,
é simples mudar de rota;
difícil é sorrir nas dores
ou suportar a derrota.
MÁRIO BARRETO/PE

Estrofe do Dia

A praia é uma virgem deitada na areia,
De olhos abertos, contemplando a Lua.
Enquanto, nas águas, a barca flutua,
Lá no firmamento, Diana passeia…
O Sol, com ciúme, a praia incendeia,
Com raiva da Lua que não quis casar:
A Lua queixosa começa a chorar!
Na cama do céu, coitada, desmaia...
Derramando prantos de prata na praia;
Que coisa bonita na beira do mar!
OTACÍLIO BATISTA/PE

Soneto do Dia

– Guilherme de Almeida/SP –
NÓS

Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos...

E que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
---" Como se amaram esses coitadinhos!
Como ela vai, como ele vai contente!"

E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...

E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto...
Hão de falar os teus cabelos brancos...

Fonte:
Ademar Macedo

Luiz Antônio Aguiar (A Lliteratura Infanto-Juvenil e o Jovem Leitor Contemporâneo), em Porto Alegre


Muitos escritores, professores e pais reclamam da falta de vontade dos jovens pela leitura, ainda que ano a ano sejam produzidos livros de extrema qualidade para o público infanto-juvenil. Qual a raiz dessa contradição? Qual o espaço da leitura, e da literatura, na contemporaneidade?

O 2º Papo de Escritor, organizado pelo portal AG e a AGES na Feira do Livro de Porto Alegre, traz o premiado escritor carioca Luiz Antônio Aguiar para conversar com o público gaúcho sobre estas questões, enfocando especialmente a literatura infanto-juvenil contemporâneo e seu leitor. A mediação é de Marcelo Spalding.

Dia 13 de novembro de 2010

Sábado, às 20 h

Na Feira do Livro de Porto Alegre

Casa do Pensamento - Cais do Porto - Área Infantil e Juvenil

ENTRADA FRANCA!

Fonte:
Artistas Gaúchos

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo IV: Em pleno mar dos Substantivos


Havia muita coisa a ver no bairro dos Substantivos, e por essa razão todos protestaram quando Emília falou em visitar as INTERJEIÇÕES.

— Espere, bonequinha aflita! — disse Quindim. — Inda há muito pano para manga aqui. Vocês ainda não observaram que estes Senhores Nomes estão divididos em dois gêneros, o MASCULINO e o FEMININO, conforme o sexo das coisas ou seres que eles batizam. Paulo é masculino porque todos os Paulos pertencem ao sexo masculino.

— Mas Panela? — advertiu Emília. — Por que razão Panela é Nome feminino e Garfo, por exemplo, é masculino? Panela ou Garfo têm sexo?

— Isso é uma das maluquices desta cidade — respondeu o rinoceronte. — Já em Anglópolis não é assim. Há lá mais um gênero, o GÊNERO NEUTRO, para todas as palavras que designam coisas sem sexo, como Panela e Garfo.

— Coitados dos ingleses que se mudam para o Brasil! — advertiu Pedrinho. — Imaginem a trabalheira para decorar o sexo de milhares de palavras indicativas de coisas que. . . não têm sexo!

— Você tem razão — disse Quindim —, mas em matéria de língua a coisa é como é e não como deveria ser. Nesta cidade os Substantivos terminados em O, U, I, Em, Im, Om, Um, En, L, R, S e X são quase sempre masculinos.

— Nossa Senhora! — exclamou Narizinho. — Quantas terminações! Os homens mostram o seu egoísmo em tudo. "Chamaram" para o sexo deles quase todas as terminações possíveis. E os femininos?

— São quase sempre femininos os Nomes terminados em A, Ã, Ção, Gem, Dade e Ice.

— Bandidos! — protestou a menina. — Os homens tomaram para si doze terminações e só deixaram seis para o sexo feminino — a metade. . .

— Não faz mal, Narizinho — consolou a boneca. — Quando nós tomarmos conta do mundo, havemos de fazer o contrário — ficar com doze para o nosso sexo e só dar seis para o sexo deles.

O rinoceronte continuou:

— E há ainda Nomes que possuem dois sexos, isto é, que tanto servem para indicar seres ou coisas do gênero feminino como do masculino. Nós, gramáticos, usamos um nome muito feio para designar tais substantivos — EPICENOS.

— Isso não é designar, é xingar! — disse Emília.

— Nomes como Onça, Cônjuge, Criança, Jacaré e tantos outros têm o defeito de servir para os dois sexos. São Nomes Epicenos.

— Epiceno é o nariz dos gramáticos — exclamou Emília.

— Um defeito a gente deve corrigir. Xingar o defeito com um nome feio não adianta.

— E há ainda — continuou o rinoceronte — os Nomes chamados COMUNS DE DOIS, que ora são masculinos, ora são femininos. O Nome Artista, por exemplo, é Comum de Dois, porque a gente tanto pode dizer O Artista como A Artista. Fora dessas duas classes de Nomes, o resto passa dum sexo para outro por meio duma simples mudança do final. Os que terminam em O mudam esse O em A e viram femininos. Outros, porém, arranjam um nome diferente para o feminino, como Pai — Mãe; Frade — Freira; Cavalo — Égua; Ladrão — Ladra.

— E qual o feminino de Rabicó? — perguntou Narizinho. O rinoceronte ficou atrapalhado.

— O feminino de Rabicó é Emília, porque ela é a mulher de Rabicó.

Emília, que já de muito tempo se havia divorciado de Rabicó, ficou danadinha e disse:

— Nesse caso, o masculino de Narizinho é Bacalhau. . . Todos arregalaram os olhos, sem perceber a idéia da boneca.

— Sim, porque Narizinho também é casada com o tal Príncipe Escamado, que para mim não passa dum bacalhau de porta de venda, muito ordinário. . .

— Calma, calma! — exclamou o rinoceronte. — Deixem as brigas para quando regressarem. Em vez disso prestem atenção a outra particularidade dos Substantivos. Além de Gênero, ou Sexo, eles têm NÚMERO, como dizem os gramáticos. Ter Número quer dizer ter SINGULAR e PLURAL. Quando um Substantivo designa uma coisa só, vai para o Singular; quando designa duas ou mais coisas, vai para o Plural. O meio de passar do Singular para o Plural consiste no ajustamento dum rabinho chamado S. Exemplo: Gato, é Singular; põe o rabinho e vira Gatos — Plural.

— É assim com todos os Substantivos? — perguntou Emília.

— Não; existem muitos que fazem o Plural de outros modos. Os que terminam em A, Ol e Il tônicos trocam o L final por Is, como Sol, que faz Sóis; Canal, que faz Canais; Barril, que faz Barris.

Os terminados em El e os terminados em Il átonos mudam o El e o Il em Eis assim: Anel, Anéis; Fóssil, Fósseis. Os terminados em Ul trocam o L por Is, como Azul, que faz Azuis. Alguns não seguem a regra, como Cônsul, que faz Cônsules.

— Enjoado! — comentou Emília, fazendo bico. — E os terminados em R, Z e N?

— Esses fazem o plural juntando Es — Mulher, Mulheres; Nariz, Narizes; Abdômen, Abdômenes. E os que terminam em M trocam esse M por Ns, como Homem, que faz Homens. E os que terminam em S não mudam, como Pires, Lápis. Um pires, dois pires. Entretanto, os terminados em Ês fazem o plural acrescentando Es, exemplo Mês, Meses; Cortês, Corteses.

— Chega de Número, Quindim — disse Emília. — Já me está enjoando as tripas. Mude de tecla.

Nesse momento surgiu o Visconde, que ficara nos subúrbios de prosa com a velha Bofé e outras corujas. Vinha correndo e a tapar os ouvidos com as mãos.

— Que aconteceu, Visconde? Que carreira é essa?

O pobre sábio parou, arque jante, de língua de fora como um cachorro cansado.

— Oh, estou envergonhadíssimo! — exclamou com esforço, enxugando a testa com as palhinhas de milho do pescoço. — Imaginem que ao vir para cá errei e fui dar com os costados num bairro horrível, que nem sei como a polícia deixa! O bairro das PALAVRAS OBSCENAS. . . Que coisa feia, Santo Deus! Vi por lá, soltas nas ruas, esmolambadas e sórdidas, as palavras mais sujas da língua. Sarnentas, vestidas de farrapos e sem a menor compostura nos modos. Assim que me viram deram-me uma grande vaia nos termos mais infames. Os nomes que ouvi eram de fazer cor ar a um frade-de-pedra. E vim correndo avisar vocês para que não passem por lá.

Mas a pestinha da Emília, que era boneca e não achava nada no mundo indecente, assanhou-se logo.

— Vocês, sabugos, são tão cheios de histórias como as gentes de carne — disse ela. — As coitadas das palavras que culpa têm de existirem no mundo coisas que os homens consideram feias? Vou lá, sim. Quero consolar as pobres infelizes e dar-lhes uns bons conselhos.

Narizinho, porém, não deixou.

— Não vai, não, Emília. Inocentes ou culpadas, o melhor é não nos metermos com elas. Vovó, se soubesse, ficaria aborrecida. Por aqui ainda há muita coisa decente para vermos. Olhe aquela palavra esquisita, que vem latindo. Senhora Palavra, venha cá!

A palavra Canzarrão aproximou-se, latindo.

— Au! Au! Que é que a menina deseja?

— Saber quem é a senhora e o que faz.

— Sou a mesma palavra Cão aumentada; se tenho de designar um cão grande, viro Canzarrão; e se tenho de designar um cão pequenino, viro Cãozinho.

— Isto é o que os gramáticos chamam GRAU — mudança nas palavras para dar idéia do tamanho das coisas — explicou o rinoceronte. — Há o Grau AUMENTATIVO, para aumentar, e o Grau DIMINUTIVO, para diminuir.

— Sei disso — declarou Emília. — As palavras quando querem significar uma coisa grande, latem; e quando querem significar uma coisa pequena, choramingam.

Ninguém entendeu.

— Sim — insistiu ela. — Botar um Ao no fim duma palavra é latir, porque latido de cachorro é assim — ão, ão, ao! E botar um Inho, ou um Zinho no fim das palavras é choramingar como criança nova. Panela, por exemplo; se late, vira Panelão e se choraminga, vira "Panelinha. . .

O rinoceronte admirou-se da esperteza da boneca.

— Muito bem, senhorita! — exclamou ele. — Está certo. Mas nem sempre é assim. Aquelas duas palavras que vêm vindo para o nosso lado estão aumentadas — e aumentaram sem latir.

Vinha vindo a palavra Cabeçorra, de braço dado à palavra Copázio.

— São aumentativos de Cabeça e Copo — explicou Quindim. — Cabeça — Cabeçorra; Copo — Copázio.

— Mas eu posso dizer Cabeção e Copão — insistiu Emília.

— Pode, mas também existem aquelas formas de aumentativo sem Ao. Bicho, por exemplo, dá Bichão e Bichaço. Corpo dá Corpão e Corpanzil. No caso de serem palavras femininas, em vez de Ão elas botam no fim Ona. Mulher, Mulherona.

— Ou Mulher aça — advertiu Narizinho. — Já ouvi vovó dizer que a viúva do Maluf da venda é uma Mulheraça.

— Está certo — confirmou Quindim —, e portanto fica visto que com Ão, On, Zarão, Rão, Aço ou Aça, Az, Ázio e Orra, as palavras aumentam. E para diminuírem, além do chorinho que Emília descobriu, como é que fazem?

Ninguém sabia diminuir sem chorinho. O rinoceronte explicou:

— Além do Inho e Zinho que Emília já disse, elas diminuem com Ito. . .

— Mosca, Mosquito — lembrou logo Pedrinho.

— E também com Ete, Eto, Oto, Ico...

— Antônio, Antonico — lembrou a menina.

— E com Ejo — continuou Quindim —, e com Ilho, Elho, El, lm, Olo, Ulo e Elo.

— Quantos jeitos! — exclamou Emília. — Isso é que aborrece na língua. Em vez de haver um jeito só para cada coisa, há muitos. Tal abundância de jeitos só serve para dar trabalho à gente.

— Dá um pouco de trabalho, sim — disse o rinoceronte —, mas em compensação traz muitas vantagens. Se Pedrinho virar algum dia escritor de histórias, há de ver que esta variedade ajuda grandemente o estilo, permitindo a composição de frases mais bonitas e musicais.

Narizinho olhou para Quindim com ar de surpresa. Como é que um bicho cascudo daqueles, vindo lá dos fundões da África, entendia até de "estilo" e frases "musicais"?

— Não posso compreender como ele virou tamanho gramático assim dum momento para outro. . .

— Para mim — sugeriu Emília — Quindim comeu aquela gramaticorra que Dona Benta comprou. Lembre-se que a bichona desapareceu justamente no dia em que Quindim dormiu no pomar. O Visconde tinha estado às voltas com ela, estudando ditongos debaixo da jabuticabeira. Com certeza esqueceu-a lá e o rinoceronte papou-a.

— Que bobagem, Emília! Gramática nunca foi alimento.

— Bobagem, nada! — sustentou a boneca. — Dona Benta vive dizendo que os livros são o pão do espírito. Ora, gramática é livro; logo é pão; logo é alimento.

— Boba! — gritou a menina. — Pão do espírito está aí empregado no sentido figurado. No sentido material um livro não é pão de coisa nenhuma.

Emília deu uma gargalhada.

— Pensa que não sei que os livros são feitos de papel de madeira? Madeira é vegetal. Vegetal é alimento de rinocerontes. Logo, Quindim podia muito bem alimentar-se com os vegetais que se transformaram no papel que virou gramática.

Apesar do absurdo de semelhante hipótese, Narizinho ficou meio abalada. Quem sabe lá se Quindim não tinha mesmo comido a Gramática histórica de Eduardo Carlos Pereira? Acontece tanta coisa esquisita neste mundo. . .

— Bom — disse o rinoceronte. — Chega de Substantivos. Vamos agora dar uma volta pelo bairro dos Adjetivos.
---------------
Continua... Capítulo V: Entre os Adjetivos
---------------
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.43)


Trova do Dia

Aquela rede que um dia
foi nosso ninho perfeito,
hoje balança vazia
na varanda do meu peito.
FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE

Trova Potiguar

Nós somos mal informados.
Nossas chances são pequenas,
por vivermos mergulhados
sob as ilusões terrenas.
CHICO MOTA/RN

Uma Trova Premiada

2006 > Camboriú/SC
Tema > PESCADOR > Menção Especial

Na imensidão desse mar
o pescador corajoso,
tem sempre que se arriscar
em seu trabalho penoso!
GLEDIS TISSOT/SC

Uma Poesia livre

– José Feldman/PR –
REALIDADE

Não somos mais que esboços
Desenhados por outras mãos
Olhos cegos que vêem sem ver
Fantasmas do passado
Assombrando o amanhã.

Uma Trova de Ademar

Nas colheitas dadivosas
que vemos pelos caminhos,
uns curvam-se e colhem rosas,
outros só colhem espinhos...
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Caminho sobre os escombros
do que foi a mocidade,
carregando sobre os ombros
o madeiro da saudade!
CAROLINA AZEVEDO DE CASTRO/PE

Estrofe do Dia

Quem nasceu com pouca sorte
Com nada se acostuma,
Uns têm castelos de areia,
Outros castelos de espuma;
As dádivas já são contadas,
Feliz de quem ganha uma!
CHICO DE ASSIS/RN

Soneto do Dia

– João Batista Xavier Oliveira/SP –
UM LUGAR PARA A ROSA.

Oh! tempo enganador, longevidade
parece tão curtinha no compasso
da vida cirandeira sem espaço
de ver o verde avesso à vacuidade.

O infindo no finito de um regaço
é a fonte que jamais se perde à idade.
E quem não vive o colo na saudade
não sente alvorecer num meigo abraço.

No passo escasso o espaço que se faz
amplia a solidão mesmo envolvida
na luz de uma cadência insidiosa.

A roda-viva ronda a nossa paz;
a frialdade aflige-nos ferida...
Redescubramos com urgência a rosa!!

Fonte:
Ademar Macedo

domingo, 7 de novembro de 2010

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.42)


Trova do Dia

Tem gente livre, mas cega
pois enxerga mas não vê,
seu jardim tem flor, não rega,
compra livro e nunca lê!
JOSIAS ALCÂNTARA/PR

Trova Potiguar

Xeroquei as tuas cartas
pra reler com todo o amor,
mas vejo que não te fartas
de arranhar a minha dor!
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Uma Trova Premiada

2010 > São Paulo/SP
Tema > FEITIÇO > Vencedora

Por teu feitiço ou magia,
mesmo sabendo quem és,
troquei a minha alforria
e fui escravo a teus pés...
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA/SP

Uma Poesia

– Ialmar Pio Schneider/RS –
NOSSO CAMINHO.

Envio-lhe estes versos com saudade
dos momentos felizes
de serenidade
ou deslizes...
Tudo é possível quando nos visita
uma paixão avassaladora,
inaudita
e sedutora...
Um sonho se descortina
em nosso caminho
e nos fascina
pelo carinho...
Quando estivermos juntos e unidos
vamos sempre lembrar
que fomos concebidos
para viver e amar...

Uma Trova de Ademar

Na Floresta, a “derrubada”
deixa em minha alma sequela,
pois a dor da machadada
dói mais em mim do que nela.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Louco de amor te busquei,
a ao te encontrar, percebi
que não fui eu que te achei,
eu, sim, é que me perdi!...
J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC

Estrofe do Dia

Ao trocar o sertão pela cidade
confundi meu prazer com minha ânsia,
dediquei-me ao trabalho muito cedo
mutilei um pedaço da infância;
se não fosse o arquivo da memória
o capítulo melhor da minha história
estaria perdido na distância.
EDMILSON FERREIRA/PI

Soneto do Dia

– Alphonsus de Guimarães/MG –
S O N E T O.

Mãos que os lírios invejam, mãos eleitas
Para aliviar de Cristo os sofrimentos,
Cujas veias azuis parecem feitas
Da mesma essência astral dos olhos bentos;

Mãos de sonho e de crença, mãos afeitas
A guiar do moribundo os passos lentos,
E em séculos de fé, rosas desfeitas
Em hinos sobre as torres dos conventos;

Mãos a bordar o santo Escapulário,
Que revelastes, para quem padece,
O inefável consolo do Rosário;

Mãos ungidas no sangue da Coroa,
Deixai tombar sobre minh’alma em prece
A benção que redime e que perdoa!

Fonte:
Ademar Macedo

sábado, 6 de novembro de 2010

Luiz Hélio Friedrich (Livro de Trovas)


A cada dia que passa,
muda minha realidade,
meus sonhos viram fumaça,
amores viram saudade.

A eternidade me alcança
em quimeras descobertas
nos minutos de uma dança,
se num abraço me apertas.

Contra-senso é eu ter na vida,
Por meu sol os olhos teus,
E ao te olhar, minha querida,
Bem ceguinhos deixo os meus.

Curitibano adotivo,
eu vim cá, para estudar.
Apaixonado aqui vivo;
fiz da cidade meu lar.

Debruçada sobre o berço
do seu querido filhinho
busca a mãe, rezando o terço,
indicar-lhe um bom caminho.

Falhei nesta vida minha,
ao querer ser o teu rei
pois tu já eras rainha,
e escravo teu me tornei.

Mãe é palavra sublime,
e foi sábio o português
não criou outra que rime
com ela nem uma vez.

Meu pai, sisudo e calado,
não me deu muito conselho.
Porém, seu exemplo, honrado,
segue sendo o meu espelho.

Na mulher – delicadeza -
é fraqueza que me intriga;
sendo mãe, é fortaleza
que os filhos pra sempre abriga.

Na renúncia à própria vida
pra gerar os filhos seus,
uma mãe tem, garantida,
outra vida junto a Deus.

O poeta quando canta
a sua dor que é infinda
até a Deus ele encanta:
-Ganha mais dores , ainda!

Para mãe, não há uma rima,
no idioma português,
pois ser mãe é obra prima,
- foi assim que Deus a fez.

Por seguir a vida afora
sem haver nenhum tropeço,
agradece à mãe, agora,
o filho por seu começo.

Qual o filho mais querido
aquele que a mãe mais gosta?
Se existe algum preferido?
Nem ela sabe a resposta!

Quem não se importa onde pisa,
na escalada desta vida,
sobe muito mas desliza
e escorrega na descida.

Quem tiver filhos pequenos
por força há de cantar:
quantas vezes as mães cantam
com vontade de chorar.

Quisera que o mundo visse
meu ar de felicidade
assim que você me disse:
“Namoro” – e não: “Amizade”.

Saudade, nem sempre triste,
traz lembrança de um ausente
que de longe ainda insiste,
em se dar como presente.

Luiz Hélio Friedrich (1942)



Luiz Hélio Friedrich, natural de Porto União – SC, nasceu em 23 de junho de 1942.

Filho de Afonso Luiz Friedrich, ourives e comerciante, e de Araceli Rodrigues Friedrich, professora, ex-vereadora em Porto União, trovadora. É casado com a artista plástica Marlene Froelich Friedrich. Mudou-se para Curitiba, Paraná onde foi oficial da Reserva pelo CPOR de Curitiba, formou-se em Engenharia Civil pela Escola de Engenharia da Universidade Federal do Paraná e em Engenharia de Segurança na FUMEC – MG.

Como Engenheiro, participou de grandes obras, como Hidrelétrica Parigot de Souza, Estrada de Ferro Central do Paraná, Metrô de Belo Horizonte e das obras de Túneis do Projeto Corrales de irrigação no Chile.

Atuante em várias entidades, Luiz Hélio Friedrich foi
Presidente do Departamento do Paraná da ABENC – Associação Brasileira de Engenheiros Civis;
Conselheiro Titular do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CREA-PR e do Instituto de Engenharia do Paraná – IEP.

Como trovador é sócio efetivo da UBT, seção de Curitiba, entidade que presidiu no biênio 2005-2006. Elaborou por 4 anos o boletim Os Trovadores, desta mesma seção.

Cadeira numero 40 na Academia Paranaense da Poesia, tendo como patrono Valfrido Pilotto.

Rafael Rodrigues (O Escritor Premiado)

Ilustração de Jairo Souza
No dia seguinte à chegada inesperada e retumbante, porém demorada, do sucesso, percebeu que suas roupas já não lhe serviam mais. Decidiu que iria imediatamente comprar calças, camisas, ternos e sapatos decentes, que fizessem jus a seu posto de mais talentoso e premiado escritor do ano.

Chegou a tirar o telefone do gancho, com intenção de ligar para a esposa e dizer “daqui a quinze minutos passo aí para te pegar”, mesmo que ainda fosse três da tarde e ela só estivesse livre do escritório às seis. O emprego dela não era mesmo grande coisa, seria até bom que abandonasse assim o expediente. Afinal, desde o dia anterior ela não era mais a esposa do escritor fracassado, de algumas centenas de livros vendidos e duas aparições na tevê (em matérias de cinco minutos cada, veiculadas no jornal local, nas quais deu declarações que, somadas, totalizam exatamente cento e setenta e sete segundos, de acordo com seu próprio cronômetro). Agora, ela seria a esposa de um dos expoentes da literatura contemporânea do país, que daria entrevistas a vários jornais, revistas e canais de televisão. Seria convidado da Flip, da Flap, do Flop e do Flup. Da Flep, não, porque esse evento é organizado por um de seus maiores desafetos. Mas quem precisa da Flep, afinal? Nem cachê eles pagam...

Abandonou o telefone porque lembrou-se da noite anterior. Depois de saber que seu livro inacreditavelmente fora eleito o melhor do ano por aquele bando de críticos que ele sempre julgou serem vendidos e, além disso, invejosos, idiotas, burros, analfabetos, safados, pilantras, mercenários e adjetivos outros que não cabem ser explicitados aqui, ele e sua esposa foram a um desses hipermercados que ficam abertos vinte e quatro horas comprar um vinho.

Mas não um vinho qualquer. A ocasião era por demais especial. Porque além de ter seu livro elogiadíssimo – os jurados do prêmio literário, na nota de divulgação do resultado final, diziam coisas como “um dos melhores romances da última década”, “com sua prosa arrojada, o autor entra para o seleto grupo de escritores que merecem o maior dos prêmios literários: a posteridade”, ou, ainda, “perturbador do início ao fim, este romance é uma obraprima” –, sua conta bancária em breve estaria recheada de centenas de mil dinheiros. Para ele, dinheiro não seria mais problema, e fazia questão de comprar o melhor vinho que estivesse à venda naquela espelunca.

Até então, nunca precisara comprar um bom vinho. Nem mesmo quando do casamento. Com tanta coisa para pagar – “e a casa, meu Deus, e a casa?”, ele pensava, na época, sempre desesperado para honrar o financiamento em 300 meses feito através da Caixa Econômica Federal –, o casamento foi simples – bem simples, mesmo – e o vinho, mais ainda. Mas isso não significa que ele não soubesse o que é um vinho decente. Em suas leituras – ele lia muito, afinal, é um escritor –, volta e meia apareciam personagens ricos, cultos – e esnobes –, apreciadores de bons vinhos. Geralmente literatura francesa, sendo que alguns escritores norte-americanos também faziam questão de explicitar seus conhecimentos vínicos. Tal característica em escritores que ele tanto admirava o deixou curioso e ele terminou por ler alguma coisa sobre vinhos.

Na seção de bebidas, perguntou à esposa que tipo de vinho ela preferia. Ouviu como resposta “Um bom, ué. Pode ser este aqui”. Estava segurando uma garrafa de Quinta do Morgado (tinto e suave). Há pouco mais de um mês um amigo lhes indicara aquela marca, da qual gostaram muito. Mas agora a situação era outra. Ele não poderia tomar um vinho daqueles, barato, que qualquer um pode comprar. Além disso, lembrou-se dos escritores cultos, esnobes – mas nem sempre ricos – e geralmente alcoólatras que lia. Decididamente, não compraria um vinho ridículo como aquele.

Disse à esposa, com todo o cuidado, que gostara muito do Quinta do Morgado, mas que a ocasião era especial e que deveriam comprar algo melhor e mais caro. Novamente pediu-lhe uma sugestão; ela disse-lhe que não entendia de vinhos, e que gostara bastante daquele que agora colocava de volta na prateleira.

Naquele momento, não lhe causou espanto ouvir sua esposa dizer que não entende de vinhos. Mas nos segundos que antecederam o abandono do telefone, notou que não poderia comprar roupas com uma mulher que nada entende de algo tão importante. Decidiu ir sozinho ao shopping.

O shopping. Ele odiava o shopping. Pessoas indo de um lado para o outro, subindo e descendo, olhando vitrines, tomando sorvetes, comendo sanduíches, pessoas berrando, bebendo, fumando, tropeçando nele, impedindo sua passagem, levando horas para sacar um maldito dinheiro num caixa eletrônico. Ia algumas vezes ao shopping apenas porque frequentava as duas livrarias que lá estavam abrigadas. Não fosse isso, jamais colocaria seus pés ali.

Mas, naquele dia, o shopping lhe pareceu muito agradável. Pessoas sorridentes, felizes, mães e pais andando de mãos dadas com seus filhos, casais de namorados abraçados, tudo na mais perfeita harmonia. Percorreu algumas lojas masculinas de grife e gastou o equivalente ao valor que ganhara em todo o mês anterior, com suas aulas de literatura num cursinho pré-vestibular e alguma coisa que pingava em sua conta bancária referente a direitos autorais. Entrou em uma das duas livrarias, mas não comprou nenhum livro. Sequer passeou seus olhos pelas estantes. Nem mesmo verificou se ainda estava lá o único exemplar do seu livro que restava na livraria, coisa que ele sempre fazia quando ia lá – naquela loja ele bateu seu recorde de vendas: 53 exemplares vendidos na noite de lançamento, há dois anos. Queria apenas tomar um capuccino e comer um cookie de chocolate.

Ao chegar em casa, pouco antes das seis horas da tarde, seus olhos ignoraram a foto que ele sempre mirava ao abrir a porta e que estava no mesmo lugar em que sempre esteve nos dois últimos anos: uma peça comprada por eles especificamente para aquele fim. Ela queria que uma fotografia dos dois, a que ela mais gostava, fosse uma espécie de cartão de visitas do casal a todo aquele que entrasse naquela casa.

Ela chegou pouco depois das seis e meia e ficou surpresa ao ver todas aquelas sacolas de compras ao lado da cama. Perguntou que novidade era essa, e ele respondeu dizendo que um escritor talentoso não podia mais vestir roupas comuns, de lojas de departamentos. Precisaria, a partir de agora, vestir-se bem, com elegância. Ela achou engraçado, disse que a esposa do escritor queria andar elegante também e foi tomar um banho. Ele chegou a pensar na possibilidade de irem comprar roupas novas para ela no dia seguinte, mas seus pensamentos se voltaram novamente para a noite anterior. Depois, pensou que uma mulher como ela, que trabalhava no setor administrativo de uma empresa de médio porte, não tinha motivos para andar elegante. Durante a maior parte do dia ela vestia a farda da empresa, e nos finais de semana eles pouco saíam juntos. Ela não gostava de ir a eventos literários e, enquanto ele estava em um lançamento de livro, assistindo a uma mesa redonda sobre literatura ou mesmo tomando um café com algum amigo escritor, ela aproveitava para visitar sua mãe ou receber a visita de alguma amiga. Para atividades como essas, estar elegante não era necessário.

Alguns minutos se passaram e ela foi à cozinha com intenção de tomar o café que ele sempre fazia antes de ela chegar. Mas não havia café. Ele não fizera. Perguntou sobre o café e ouviu-o dizer que esquecera. Ela acabou fazendo.

Enquanto ela comia – ele, não, “fiz um lanche no shopping”; “você, comendo no shopping?”; “é, um capuccino e um cookie, deu vontade” –, ele pensava que, dali em diante, sua vida jamais seria mais a mesma. Se aquele livro lhe rendera um prêmio tão importante, o que os próximos, que seriam melhores ainda, não poderiam conquistar? E os anteriores, que também eram bons, começariam a vender mais, ganhariam novas edições, finalmente seriam lidos pelos mesmos críticos que ele julgava serem vendidos e, além disso, invejosos, idiotas, burros, analfabetos, safados, pilantras, mercenários e adjetivos outros que não cabem ser explicitados aqui, e certamente esses mesmos críticos derramariam sobre suas obras elogios dos mais variados, como “um dos melhores livros de contos da última década”, “com sua prosa arrojada, o autor entra para o seleto grupo de escritores que merecem o maior dos prêmios literários: a posteridade”, ou, ainda, “perturbador do início ao fim, este volume de contos é uma obra-prima”. Editoras disputariam pra ter seu nome no catálogo, ele assinaria contratos de valores surreais e no máximo em três anos sua vida financeira estaria muito
bem, obrigado. Ele dava ênfase ao “muito bem”.

Sua esposa terminara o café e se aproximava para sentar-se ao seu lado. Com aquela voz doce que só as mulheres carinhosas têm, ela perguntou como estava o seu escritor favorito de todos os tempos. Ela sempre esteve ao seu lado. Foi uma das poucas pessoas que acreditaram no seu talento e, quando ele se permitia pensar em desistir da literatura, ela dizia que ele só faria isso se passasse por cima de seu cadáver. O corpo dele respondeu mecanicamente ao carinho, exceto seus lábios, que não
se moveram – nem para beijá-la, nem para dizer palavra.

Tão cedo ele não precisaria pensar em desistir da literatura, mas agora, enquanto forçosamente a abraçava, pensou que a ideia do cadáver não era de todo ruim.
–––––––––––––––––––-
O Autor
Baiano de Feira de Santana, Rafael Rodrigues colabora desde 2003 com sites literários, tendo textos (resenhas, contos, crônicas e alguma poesia) publicados internet afora. Colaborador da revista Conhecimento Prático Literatura, além de ser editor-assistente e colunista do site Digestivo Cultural. Música, literatura e cinema - temas deste blog - são suas paixões.

Fonte:
Suplemgnto Literário. N. 1330 – maio-junho 2010. Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais.

Antonio Brás Constante (Essência das Rosas sem Perfume)


As lágrimas de sangue que escorrem de meus olhos são essências de rosas sem perfume.
Cultivadas em um pomar de tristezas; sementes estéreis em uma face de incertezas;
Sou agricultor de saudades, plantadas em minha remoída memória já tão sofrida.
Regadas com dores eternas, que perambulam por uma mente que jaz em feridas.
Não há brotos em meu peito, flores coloridas ou frutos que me tragam prazer.
Somente um choro perdido, lavando e levando cada sentimento de meu ser.
Como brumas largadas ao sabor amargo do vento frio com jeito de morte.
Agora chegou o momento final, que venha enfim a tal colheita maldita,
Ceifando impiedosa a seiva podre que se tornou parte de minha vida.
Sinto-me tal qual adubo, poeira, gotas amargas de água com sal,
Sou uma casca quebrada e sem fruto, espiral de existência oca,
Folhas secas ao sol. Trincadas. Cor marrom. Empoeiradas,
Bagaço cuspido sem dó, sem sumo, sem alma, sem rumo,
Amor perdido por luto, colhido e guardado na história,
Raízes profundas da mais simples e cruel solidão.
Rosas sem perfume são exemplares da traição;
Um vampiro a gargalhar em minha jugular;
Não se engane pela beleza dessas flores;
Suas cores são matizes de dores;
Ervas daninhas e danosas;
Manancial de espinhos;
Sádicos tons florais.
Rudes Trepadeiras;
Heras venenosas;
Desatino forte.
Destino torpe.
Falsidade.
Morte...

Fontes:
O Autor
Imagem = http://www.muraldosescritores.ning.com/

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo III: Gente importante e gente pobre

A cidade de Portugália dava a idéia duma fruta incõe — ou de duas cidades emendadas, uma mais nova e outra mais velha. A separação entre ambas consistia num braço de mar.

— A parte de lá — explicou o rinoceronte — é o bairro antigo, onde só existiam palavras portuguesas. Com o andar do tempo essas palavras foram atravessando o mar e deram origem ao bairro de cá, onde se misturaram com as palavras indígenas locais. Desse modo formou-se o grande bairro de Brasilina.

— Compreendo — disse Pedrinho. — Para cá é a parte do Brasil e para lá é a parte de Portugal. Foi a parte de lá, ou a cidade velha, que deu origem à parte de cá, ou a cidade nova.

— Isso mesmo. A cidade nova saiu da cidade velha. No começo isto por aqui não passava dum bairro humilde e malvisto na cidade velha; mas com o tempo foi crescendo e ainda há de acabar uma cidade maior que a outra.

— Vamos percorrer a cidade nova, que é a que mais nos interessa — propôs Narizinho.

Montaram de novo no rinoceronte, que se pôs a trote pelo morro abaixo. Chegados ao sopé, saltaram em terra, porque não seria gentil penetrarem na cidade da língua montados em tão notável gramático.

Oh, ali era outra coisa! Ruas varridas, sem mato e com "grilos" nas esquinas. Grande número de palavras moviam-se com muita ordem, andando de cá para lá e de lá para cá, exatinho como gente numa cidade comum.

— Que bairro será esse? — perguntou Narizinho.

— Um muito importante — o bairro dos NOMES, ou SUBSTANTIVOS.

— Que emproados! — observou Emília. — Até parecem as Vogais da terra do alfabeto.

— E são de fato as Vogais das palavras. Sem eles seria impossível haver linguagem, porque os Substantivos é que dão nome a todos os seres vivos e a todas as coisas. Por isso se chamam Substantivos, como quem diz que indicam a substância de tudo. Mas reparem que há uns orgulhosos e outros mais humildes.

— Sim, estou notando — declarou a menina. — Uns não tiram a mão do bolso e só falam de chapéu na cabeça. Outros parecem modestos. Quem são esses prosas, de mão no bolso?

— São os Nomes PRÓPRIOS, que servem para designar as pessoas, os países, as cidades, as montanhas, os rios, os continentes, etc. — Ali vai um — Paulo, que serve para designar certo homem.

— Mas há muitos Paulos — observou Emília.

— Pois esse Nome designa cada um deles, exigindo depois de si um Sobrenome para marcar a diferença entre um Paulo e outro. Paulo Silva, Paulo Moreira, etc. Silva e Moreira são sobrenomes que diferenciam um Paulo de outro. Já aquela palavra que vem um pouco mais atrás goza de mais importância que o Nome Paulo. É a palavra Himalaia, que não tem outra coisa a fazer na vida senão designar certa montanha da índia, a mais alta do mundo. Por ter pouco serviço está gorda assim. Só é chamada de longe em longe, quando alguém quer referir-se à tal montanha. Paulo é um Nome mais magro porque os homens exigem dele bastante serviço.

— Nesse caso o Nome José deve ser fininho como um palito — disse Emília. — E o Nome Maria também.

— Falai no mau, aprontai o pau! — gritou Narizinho. — Lá vem o nome José, suando em bicas, magro que nem um espeto, surrado que nem taramela de porta de cozinha. . .

— Venha cá, Senhor Nome José! — chamou Emília.

O Nome José aproximou-se, arquejante, a limpar o suor da testa.

— Cansadinho, hein?

— Nem fale, menina! — disse ele. — A todo momento nascem crianças que os pais querem que eu batize, de modo que vivo numa perpétua correria de igreja em igreja, a grudar-me em criancinhas que ficam josezando até à morte. Eu e Maria somos dois Nomes que não sabem o que quer dizer sossego. . .

Nem bem havia dito isso e — trrrlin!. . . soou a campainha de um radio telefone; a telefonista atendeu e depois berrou para a rua:

— O Nome José está sendo chamado para batizar um menino em Curitiba, capital do Paraná. Depressa!

E o pobre Nome José lá se foi ventando para Curitiba, a fim de josezar mais aquele Zezinho.

— Não vale a pena ser muito querida nesta cidade — observou Emília. — Eu, se fosse palavra, queria ser a mais antipática de todas, para que ninguém me incomodasse, como incomodam a este pobre José.

— Disso estou eu livre! — murmurou uma palavra gorda, que estava sentada à soleira duma porta. Era o Nome Urraca.

— Sim — continuou ela. — Como os homens me acham feia, não me incomodam com chamados quando têm filhas a batizar. Antigamente não era assim. Muitas meninas batizei em Portugal, e até princesas. Mas hoje, nada. Deixaram-me em paz duma vez. Desconfio que não existe no Brasil inteiro uma só menina com meu nome.

— Por isso está gorda assim, sua vagabunda! — observou Emília.

— Que culpa tenho de ser feia, ou dos homens me acharem feia? Cada qual como Deus o fez.

— Nesse caso, se é inútil, se não tem o que fazer, se está sem emprego, a senhora não passa dum Arcaísmo cujo lugar não é aqui e sim nos subúrbios. Está tomando o espaço de outras.

— Não seja tão sabida, bonequinha! Eu há muito que moro nos subúrbios, e se vim passear hoje aqui foi apenas para matar saudades. Esta casa não é minha.

— De quem é então?

— Duma diaba que veio de Galópolis e anda mais chamada que uma telefonista — uma tal Odete. Volta e meia sai daqui correndo, a batizar meninas. Mas minha vingança é que está ficando magra que nem bacalhau de porta de venda, de tanto corre-corre.

— Está aí dentro, essa palavra?

— Aqui dentro, nada! Não pára em casa um minuto. Inda agora recebeu chamado para batizar uma menina em Itaoca. Tomara que seja uma negrinha preta que nem carvão. . .

Enquanto Emília conversava com aquele Nome sem serviço, Pedrinho ia atentando na soberbia dos Nomes indicativos de países e continentes. O Nome Europa era o mais empavesado de todos: louro, e dum orgulho infinito. Passou rente ao Nome América e torceu o nariz. Também o Nome Alemanha era emproadíssimo, embora andasse com uma cruz de ponto falso no nariz.

— Estes Nomes Próprios — explicou Quindim — têm a seu serviço essa infinidade de Nomes COMUNS que formigam pelas ruas. Os Nomes Comuns formam a plebe, o povo, o operariado, e têm a obrigação de designar cada coisa que existe, por mais insignificante que seja. Qual será a coisa mais insignificante do mundo?

— Cuspo de micróbio — gritou Emília.

— Realmente, bonequinha, cuspo de micróbio deve ser a coisa mais insignificante do mundo. Pois mesmo assim há necessidade de dois Nomes Comuns para a designar. Imaginem agora a humildade desses dois Nomes quando passam perto do Nome Próprio Deus, por exemplo, ou Ouro, que são dos mais graduados!

— Com certeza deitam-se no chão e viram tapete para que Deus e Ouro lhes pisem em cima — observou Emília.

Entre a multidão de Nomes que enxameavam naquela rua, os meninos notaram outras diferenças. Uns pertenciam à classe dos Nomes CONCRETOS e outros à classe dos Nomes ABSTRATOS. Havia ainda os Nomes SIMPLES e os Nomes COMPOSTOS. Quindim foi explicando a diferença.

— Os Nomes Concretos são os que marcam coisas ou criaturas que existem mesmo de verdade, como Homem, Nastácia, Tatu, Cebola. E os Nomes Abstratos são os que marcam coisas que a gente quer que existam, ou imagina que existem, como Bondade, Lealdade, Justiça, Amor.

— E também Dinheiro — sugeriu Emília.

— Dinheiro é Concreto, porque dinheiro existe — contestou Quindim.

— Para mim e para Tia Nastácia é abstratíssimo. Ouço falar em Dinheiro, como ouço falar em Justiça, Lealdade, Amor; mas ver, pegar, cheirar e botar no bolso dinheiro, isso nunca.

— E aquele tostão novo que dei a você no dia do circo? — lembrou o menino.

— Tostão não é dinheiro; é cuspo de dinheiro — retorquiu Emília.

Depois daquela asneirinha, o rinoceronte continuou:

— Há os Nomes Simples, como a maior parte dos que circulam por aqui, e há os Nomes Compostos, como aqueles que ali vão. Estes Nomes Compostos formam-se de dois Nomes Simples, encangados que nem bois.

Ia passando o Nome Guarda-Chuva, de braço dado com o Nome Couve-Flor.

— Parecem bananas incões — observou Emília.

— E há ainda os Nomes COLETIVOS — continuou Quindim. — São os que indicam uma coleção, ou uma porção de coisas — como aquele, acolá! Emília chamou-o.

— Venha cá, Senhor Coletivo! Explique-se. Diga quem é.

— Sou o Nome Cafezal e indico uma porção de pés de café. Deseja mais alguma coisa, senhorita?

— Quero saber se não está com a broca.

— Broca só dá nos arbustos que eu batizo quando são muitos.

— E quando são poucos?

— Só os batizo quando são muitos. Se se trata apenas de dois, três ou uma dúzia, não dou confiança. Ficam sendo dois, três ou uma dúzia de pés de café, mas nunca um Cafezal. Está satisfeita?

— Estaria — respondeu Emília, despedindo-o espevitadamente — se em vez de tantos pés de café você me desse uma xícara de café com bolinhos. . .
-------------
Continua = Capítulo IV = Em Pleno Mar dos Substantivos

-------------
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por
http://groups.google.com/group/digitalsource

Conto Indiano (O Mestre, o Aluno e o Elefante)



Em um famoso ashram, lugar onde os mestres ensinavam seus alunos, um discípulo muito curioso e atrapalhado perguntou ao professor:

Onde Deus mora?

O mestre respirou fundo e respondeu: — Tudo o que existe é Deus.

O aluno terminou de ouvir os ensinamentos do professor, levantou-se do chão, abriu a porta da sala e foi-se embora. No caminho para casa, ele foi pensando na frase: "Tudo o que existe é Deus".

Com a frase ainda ricocheteando em seu cérebro, o aluno viu ao longe um elefante que se aproximava em alta velocidade e começou a falar: — Bom, se o mestre tem razão, eu sou Deus, o elefante também é Deus, portanto não posso temer a mim mesmo.

Ele então decidiu que não sairia da trajetória do elefante. O condutor do animal, vendo o aluno parado como um poste no meio do caminho, começou a gritar:

— Saia daí! Você vai ser atropelado. Saia!

O jovem aluno, de olhos arregalados, vendo aquele animal de algumas toneladas se aproximando cada vez mais, repetia baixinho:

"
Eu sou Deus, ele é Deus, nada vai me acontecer..."

O condutor ainda gritou o mais alto que pôde, mas não adiantou. O elefante pegou o aluno com a tromba e o jogou para longe. Já em casa, recuperando-se das várias fraturas provocadas pelo acidente com o elefante, o aluno recebeu a visita do seu mestre. —
Mestre, ainda bem que veio. Isso tudo aconteceu por sua causa. Não me disse que Deus está em tudo o que existe?

Sim, isso é verdade — respondeu o mestre.

Então, se eu sou Deus e o elefante era Deus, por que Deus fez isso consigo mesmo? — perguntou o aluno.

O mestre se aproximou da cama do aluno e respondeu: —
Sim, você é Deus, o elefante era Deus e o condutor que estava em cima dele também era Deus. Por que você não obedeceu a Deus, que gritou tantas vezes para você sair da frente do elefante?

Fonte:
ILAM, Brenman. As 14 Pérolas da Índia. SP: Brinque-Book, 2008.

Prêmio Benvirá de Literatura 2010


As inscrições deverão ocorrer no período de 12/08/2010 a 30/11/2010, somente através do site http://www.benvira.com.br/

Revelar novos talentos e promover a literatura nacional são propósitos do Prêmio Benvirá de Literatura Ficção 2010.

Com a finalidade de estimular a produção e divulgação das obras de escritores brasileiros, a Editora Saraiva institui o concurso, que também abre uma porta do mercado editorial aos estreantes: o livro selecionado será publicado e distribuído em todo o país.

Autores já publicados ou não, de nacionalidade brasileira, poderão participar inscrevendo uma obra inédita de ficção, de tema livre escrita em língua portuguesa. Cada candidato poderá concorrer somente com 1 (um) original. O livro selecionado será publicado e distribuído em todo o país.

Caberá ao vencedor, além da publicação da obra pelo selo Benvirá, um prêmio de R$30.000,00 (trinta mil reais).

REGULAMENTO DO CONCURSO CULTURAL “1º PRÊMIO BENVIRÁ DE LITERATURA”, promovido pela Editora Saraiva.

Este concurso tem caráter exclusivamente cultural, não estando subordinado a qualquer modalidade de área ou pagamento por parte dos concorrentes para aquisição de produtos ou serviços, nos termos do artigo 30 do Decreto nº 70.951/72.

A finalidade do presente concurso é fomentar a arte literária, mediante a premiação da melhor obra literária, dentro da proposta do presente Regulamento:

1. A participação do concurso é gratuita e aberta aos escritores brasileiros ou naturalizados, com mais de 18 anos, que apresentem originais dirigidos ao público infanto-juvenil ou adulto. Funcionários do Grupo Saraiva e/ou seus parentes em primeiro grau não poderão participar do presente concurso.

2. Os originais deverão ser inéditos e escritos em língua portuguesa. Entende-se por inédito o original não editado e não publicado (parcialmente ou em sua totalidade) em antologias, coletâneas, suplementos literários, jornais, revistas, sites e publicações do gênero. Cada candidato poderá concorrer somente com a apresentação de 1 (um) original.

3. O conteúdo do original deverá obedecer ao seguinte critério: um tema livre que aborde uma história de ficção. Entende-se por ficção designar uma narrativa imaginária, irreal ou referir obras criadas a partir da imaginação.

4. A inscrição do original deverá ser feita no período de 12/08/2010 a 30/11/2010, através do site www.benvira.com.br/premiobenvira2010

5. O interessado deverá preencher corretamente o formulário de inscrição disponível no site www.benvira.com.br/premiobenvira2010 e anexar o arquivo do original no formato Word.

6. No ato de envio da inscrição pelo site www.benvira.com.br/premiobenvira2010 , o inscrito receberá uma mensagem de confirmação. O recebimento da mensagem de confirmação não isenta o candidato de verificar e cumprir os requisitos constantes do presente Regulamento.

7. Para efeito de inscrição serão considerados os originais recebidos até às 24h do dia 30/11/2010.

8. A identificação dos originais se dará mediante o preenchimento completo e correto da ficha de inscrição, que conterá: nome completo, número do RG, número do CPF, endereço para contato, endereço eletrônico (e-mail), telefone com o respectivo DDD, mini currículo pessoal do Autor e sinopse da obra. O candidato que enviar a ficha incorreta ou incompleta, com qualquer dado em branco, será automaticamente desclassificado.

9. Para a seleção da melhor obra, a Editora Saraiva elegerá uma Comissão Julgadora apta a avaliar todos os originais de acordo com os critérios editoriais e escolher o vencedor do presente concurso cultural.

10. Toda e qualquer decisão tomada pela Comissão Julgadora será irrevogável.

11. A escolha da melhor obra literária será publicada no mês de março de 2011, no site Benvirá (www.benvira.com.br/premiobenvira2010) .

12. O vencedor será premiado com o 1º Prêmio Benvirá de Literatura, consistente (i) no pagamento em favor do vencedor do importe de R$ 30.000,00; e (ii) na publicação do original da sua obra pelo selo Benvirá, da Editora Saraiva, no ano de 2011, ocasião em que será formalizado um contrato de edição, de comum acordo entre as partes.

13. A entrega do 1º Prêmio Benvirá de Literatura acontecerá após a divulgação do resultado, em data e local a serem ainda definidos pela Editora Saraiva, os quais serão oportunamente disponibilizados no site Benvirá (www.benvira.com.br/premiobenvira2010), sendo o vencedor comunicado através do telefone e e-mail informados na ficha de inscrição.

14. No caso do vencedor residir fora da Cidade de São Paulo, os gastos de deslocamento e hospedagem de até 2 (dois) dias para recebimento do prêmio serão de responsabilidade da Editora Saraiva, desde que previamente aprovados pela mesma. As demais despesas não descritas neste Regulamento, tais como – mas não se limitando a – gorjetas para carregadores de malas, tarifas para malas que excedam o peso, a quantidade ou as dimensões máximas permitidas, passeios não inclusos, alimentação, bebidas, bem como despesas extras de caráter pessoal como telefonemas, utilização de cofres, lavanderia, bar, frigobar, sauna, ginástica, filmes de televisão, compras de qualquer natureza e quaisquer outras despesas não mencionadas serão de responsabilidade do vencedor.

15. A Editora Saraiva poderá manifestar interesse por trabalhos inscritos no presente concurso cultural e não premiados. Assim, durante o prazo de 6 (seis) meses, a contar da data de divulgação do vencedor, a Editora Saraiva poderá estabelecer contato com os autores de obras recomendadas pela Comissão Julgadora, para adquirir os direitos de publicação.

16. Os originais em desacordo com as normas contidas no presente regulamento serão imediatamente desclassificados.

17. Os originais e demais documentos entregues à Editora Saraiva em razão da participação no presente concurso cultural não serão devolvidos.

18. A apresentação de originais para concorrer ao 1º Prêmio Benvirá de Literatura implica em expresso acordo às normas expressas no presente regulamento.

19. A participação no presente concurso cultural é gratuita.

20. O prêmio é pessoal e intransferível e não poderá ser trocados por quaisquer outros produtos.

21. Os candidatos autorizam o uso e veiculação do seu nome pela Editora Saraiva ou por terceiros por ela autorizados, inclusive para fins comerciais.

22. Todos os casos não previstos nas normas deste regulamento serão resolvidos diretamente pela Editora Saraiva.

23. Aplica-se a este concurso cultural, incluindo, mas sem se limitar à sua divulgação, condução, às participações e à premiação, a legislação brasileira e fica eleito o foro Central da Comarca de São Paulo para dirimir quaisquer controvérsias oriundas do presente Regulamento.